Fisioter Bras 2022;23(2):247-64
ARTIGO ORIGINAL
Avaliação neurológica de recém-nascidos
de risco internados em Unidade de Cuidado Intermediário Neonatal
Neurological assessment of newborns at risk admitted to a Neonatal Intermediate
Care Unit
Letícia Silva de Freitas, Ft.*,
Kerolyn Brum Padilha*, Laís Rodrigues Gerzson, Ft., D.Sc.**, Carla Skilhan de Almeida***
*Hospital Materno Infantil
Presidente Vargas, Porto Alegre, RS, **Universidade Federal do Rio Grande do Sul,
Porto Alegre, RS, ***Departamento de Educação Física, Fisioterapia e Dança, Universidade
Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, RS
Recebido em 13 de dezembro de
2021; Aceito em 22 de março de 2022.
Correspondência: Carla Skilhan
de Almeida, Rua Felizardo, 750, Jardim Botânico, 90690-200 Porto Alegre RS
Letícia Silva
de Freitas: leticiadefreitas2@gmail.com
Kerolyn Brum Padilha: kerolynbrum@gmail.com
Laís Rodrigues
Gerzson: gerzson.lais@yahoo.com.br
Carla Skilhan de Almeida: carlaskilhan@gmail.com
Resumo
Objetivo: Verificar se os recém-nascidos (RNs) de risco para atraso no desenvolvimento motor de um hospital
materno infantil de referência apresentavam neuroimagem e avaliação neurológica
alteradas durante sua permanência na Unidade de Cuidado Intermediário Neonatal (UCIN).
Métodos: Estudo transversal, realizado em unidade de cuidado intermediário
neonatal, em hospital público materno infantil. A caracterização da amostra e os
exames de neuroimagem foram verificados através de dados dos prontuários eletrônicos.
O desenvolvimento neuromotor dos RNs
foi avaliado através das escalas: Hammersmith Neonatal
Neurological Examination (HNNE)
e General Movements Assessment (GMA). Resultados:
Foram estudados 37 RNs de risco, dos quais predominou
sexo masculino, parto cesáreo e raça branca. Apgar com
mediana > 7, média de idade materna de 25,1 anos. A maioria dos pais mora junto,
média de cinco consultas pré-natal, idade gestacional: 35,8 semanas. Prematuridade
e sífilis congênita foram os principais diagnósticos. Houve associação da sífilis
congênita com menor número de consultas pré-natal. 40,5% realizaram exame de neuroimagem,
destacou-se a ecografia cerebral com resultados normais. Na HNNE sobressaiu pontuação
“alterada” e nos GMA a classificação “subótimo”. A média
da HNNE para a prematuridade foi adequada, mas na sífilis congênita indicou alterações.
Fisioterapia apresentou associação significativa com classificação “normal” na HNNE.
Conclusão: RNs de risco apresentam alterações nas
avaliações neurológicas realizadas precocemente. A fisioterapia está associada ao
melhor desempenho neuromotor. Exame de neuroimagem é um
recurso limitado no hospital estudado.
Palavras-chave: recém-nascido prematuro; desenvolvimento
infantil; avaliação da deficiência; fatores de risco
Abstract
Objective: To verify whether newborns (NBs) at risk for delayed
motor development at a reference maternal-infant hospital had altered neuroimaging
and neurological assessment during their stay at the Neonatal Intermediate Care
Unit (NICU). Methods: Cross-sectional study, carried out in an intermediate
neonatal care unit, in a public maternal and child hospital. The characterization
of the sample and the neuroimaging tests were verified through data from the electronic
medical records. The neuromotor development of NBs was assessed using the following
scales: Hammersmith Neonatal Neurological Examination (HNNE) and General Movements
Assessment (GMA). Results: Thirty-seven at-risk newborns were studied, of
which the male gender, cesarean delivery and white race were predominant. Apgar
median > 7, mean maternal age 25.1 years. Most parents live together, average
of five prenatal visits, gestational age 35.8 weeks. Prematurity and congenital
syphilis were the main diagnoses. 40.5% had neuroimaging exams, especially brain
ultrasound with normal results. In the HNNE the score "altered" stood
out and in the GMs the classification "suboptimal". The average HNNE for
prematurity was adequate, but in congenital syphilis it indicated alterations. Apgar
scores at the 1st and 5th minute were significantly lower in low birth weight. Congenital
syphilis was associated with fewer prenatal visits. Physical therapy showed significant
association with "optimal" classification in HNNE. Conclusion:
NBs at risk present alterations in neurological assessments performed early. Physical
therapy is associated with better neuromotor performance. Neuroimaging is a limited
resource in the hospital studied.
Keywords: premature newborn; infant development; disability assessment;
risk factor.
O desenvolvimento
do cérebro humano é um processo complexo, dinâmico e de longa duração, que se inicia
na vida intrauterina e continua após o nascimento do bebê, de forma mais acentuada
nos primeiros dois anos, que segue no decorrer da vida adulta, resultante de uma
interação constante entre genes, ambiente e experiências [1]. No entanto, as mudanças
mais significativas ocorrem durante a segunda metade da gestação e nos primeiros
três meses após o termo [1]. Esses processos iniciais fundamentam a bem documentada
plasticidade e capacidade de adaptação, que é a principal característica do desenvolvimento
cerebral inicial [2].
O período
neonatal é considerado um momento de grande vulnerabilidade, que compreende os primeiros
27 dias pós-parto, no qual se concentram riscos biológicos, ambientais, socioeconômicos
e culturais [3]. Neste contexto, são considerados recém-nascidos (RNs) de risco aqueles que apresentam pelo menos um destes critérios:
baixo peso ao nascer (< 2500 g); prematuridade (< 37 semanas de idade gestacional
- IG); asfixia grave (Apgar < cinco no quinto minuto);
necessidade de internação ou intercorrências na maternidade ou em unidade de assistência
ao RN; necessidade de orientações especiais na alta; mãe adolescente (< 20 anos
de idade); mãe com baixa instrução (< oito anos de estudo); residência em área
de risco; história de morte de crianças com menos de cinco anos na família [4].
Em
função
das complicações inerentes à
classificação de risco, a detecção precoce
das anormalidades
permite uma intervenção precoce, que pode otimizar os
potenciais de desenvolvimento.
Contudo, a previsão de lesões cerebrais em idades
precoces é um desafio, devido
às rápidas mudanças que ocorrem no desenvolvimento
do cérebro. Essa análise melhora
quando se aplicam várias ferramentas de
investigação, como exames de neuroimagem,
avaliações neurológicas e neuromotoras [5].
Além da detecção
precoce de transtornos do desenvolvimento, é fundamental que todo RN de risco seja
incluído em um programa de seguimento/acompanhamento/ follow up. Esses programas são reconhecidos mundialmente e constituídos
por equipe multidisciplinar, iniciam ainda na internação hospitalar, com a primeira
revisão ambulatorial organizada no momento da alta, e buscam proporcionar assistência
nos cuidados e encaminhamentos aos serviços necessários, promovendo a articulação
entre a Atenção Básica (AB) e o hospital [6].
Deste modo,
houve o interesse em responder a questão: os RNs de risco, de um hospital materno infantil de referência
apresentam sinais clínicos de atraso no desenvolvimento motor que possam ser identificados
de forma precoce durante sua permanência na UCIN? A hipótese é que sim, pode-se
identificar precocemente as alterações do RN de risco ainda na fase hospitalar.
Mediante ao que foi exposto e considerando a relevância do diagnóstico e intervenção
precoce, este estudo teve como objetivo verificar se os RNs
de risco para atraso no desenvolvimento motor de um hospital materno infantil de
referência apresentavam neuroimagem e avaliação neurológica alteradas durante sua
permanência na UCIN.
Desenvolveu-se
uma pesquisa transversal, com amostra não probabilística por conveniência, independentes,
de modo que participaram todos os RNs que preencheram
os critérios de inclusão. O cálculo amostral foi realizado por meio de equação com
proporções para população infinita [7], com nível de significância = (⍺ 0,05) e erro de 10%, além do valor de p
= 0,1 (10%), que foi retirado de Nicolau et al. [8], pois o mesmo possui
uma amostra muito semelhante à população alvo da nossa investigação. Optou-se então
por selecionar o valor de p = 10% por ser a porcentagem da amostra que demonstrou
desempenho motor abaixo da média para a IG, semelhante ao resultado que se esperava
encontrar nesta pesquisa [8]. Foi utilizada a equação para uma população de proporção
infinita porque este estudo faz parte de um projeto guarda-chuva intitulado: “Avaliação
do comportamento neuromotor de recém-nascidos de risco”,
e as pesquisadoras seguirão acompanhando esses RNs de
risco, então conforme a literatura consultada [7]. Partiu-se do princípio que a
população que pretendia-se representar não poderia ser delimitada. Considerando
a possibilidade de perdas amostrais, foi feito o cálculo de ajuste/correção de perdas,
sendo que a proporção estimada de perda foi de 10%, resultando então em um total
de 39 RNs necessários para compor a amostra.
Os dados foram
coletados entre os meses de julho a outubro de 2021, constituída pelos RNs de risco internados na UCIN do Hospital Materno Infantil
Presidente Vargas (HMIPV), localizado na cidade de Porto Alegre, RS, referência
pública no atendimento de gestação de alto risco.
Foram incluídos
os RNs identificados como de risco, conforme os critérios
definidos pelo Ministério da Saúde (MS) [4], com IG entre 37 e 42 semanas no momento
da avaliação, que estivessem em condições clínicas estáveis e ventilando espontâneamente em ar ambiente. Foram excluídos RNs com malformações congênitas graves.
A coleta dos
dados para variável “caracterização da amostra” ocorreu através de consulta nos
prontuários eletrônicos dos RNs da UCIN. O programa eletrônico:
“Sistema de Informação Hospitalar” (SIHO) efetua a identificação do paciente e registra
todas as informações do seu atendimento. O procedimento de coleta aconteceu após
autorização da instituição e a partir de dados secundários em prontuários dos RNs que se enquadraram nos critérios de inclusão. As variáveis
estudadas foram: idade da criança, sexo do bebê, tipo de parto, raça/cor bebê, Apgar (1º e 5º minuto), número de consultas pré-natal, IG ao
nascer, prematuridade, peso ao nascer e peso atual. Os dados sociais foram: idade
materna e se os pais moravam juntos. A ficha para caracterização dos dados clínicos
dos bebês foi baseada no modelo teórico de Chiquetti et
al. [9].
Em
relação
à internação na UCIN, utilizou-se a
variável “dados da internação” e foram
observados:
o diagnóstico médico de internação, tempo
de permanência na UCIN e acompanhamento
pela equipe de fisioterapia durante esse período.
Para a variável
“exames de neuroimagem” foi verificado se o RN realizou algum exame de imagem cerebral
e classificado de acordo com o tipo de exame: ultrassonografia (USG) craniana, ressonância
magnética (RM) ou tomografia computadorizada (TC) identificando no laudo dos exames
(alterado ou normal), dados esses explorados no SIHO.
Para a variável
“avaliação neurológica” os RNs foram analisados quanto
ao seu desenvolvimento neuromotor através das escalas:
Hammersmith Neonatal Neurological
Examination (HNNE) e General Movements
Assessment (GMA).
O instrumento
HNNE é um teste de triagem utilizado para examinar os RNs
e diagnosticar riscos para a paralisia cerebral (PC) [10]. É composto por 34 itens
subdivididos em seis categorias: postura e tônus (dez itens); padrões de tônus (cinco
itens); reflexos (seis itens); movimentos espontâneos (três itens); sinais anormais
(três itens); e orientação e comportamento (sete itens). A pontuação é feita pela
observação do RN e marcação em uma tabela, que divide os RNsem
IG (25-27, 28-29, 30-31, 32-34 semanas e a termo). Ao final, somam-se
os pontos,
e o RN é considerado “ótimo” ou
“avaliação normal” quando sua soma for igual
ou
superior a 30,5 pontos, caso seja um bebê a termo, e 26 pontos se
for prematuro
[10]. Em caso desta pontuação ser abaixo destes pontos de corte, os bebês são considerados
“subótimos” ou a “avaliação alterada” [11].
O GMA consiste
na avaliação da qualidade dos movimentos gerais ou general movements
(GMs),
ou seja, tem como propósito avaliar o Sistema Nervoso
Central (SNC), e a observação da
movimentação espontânea do RN é realizada.
Recomenda-se
que seja feita a partir do terceiro dia de vida. Os movimentos
característicos dos
RNs vão se transformando conforme amadurecem, progredindo
de movimentos de torção (writing movements)
a movimentos irregulares a elegantes (fidgety), trazendo
uma rede harmônica e complexa de experimentação motora, modificada gradativamente
por atitudes voluntárias [12]. Essa nova forma de avaliação neuromotora
de RNs até cinco meses foi desenvolvida com base na avaliação
da qualidade dos GMs, classificada como GMs normais (ótimos ou subótimos),
levemente anormais e definitivamente anormais [12]. Para a avaliação dos GMs é realizado o Gestalt (compreender o todo para entender
as partes) da complexidade, variação e fluidez do movimento [5].
O RN com classificação
ótimo apresentará “três mais” na
complexidade e variabilidade e “um mais” na fluência,
enquanto que no subótimo terá “dois mais” na complexidade
e variabilidade e fluência “um menos”. Em caso de classificação pré-patológico
o RN em complexidade e variabilidade apenas “um
mais” e na fluência “um menos”. Na
classificação patológico o RN nos três
quesitos,
complexidade, variabilidade e fluência identifica-se “um
menos”. Os GMs desprovidos de complexidade e variação colocam uma criança
em um risco muito alto de PC. Isso implica que GMs definitivamente
anormais são uma indicação para intervenção fisioterapêutica precoce [5].
A qualidade
dos GMs entre dois e quatro meses é definida como fidgety (a chamada idade de movimentos inquietos). São movimentos
em que pequenos músculos passam a ser contraídos, gerando movimentos elegantes e
contínuos, como uma dança. Aqui, suas respostas são dicotômicas, ou o bebê tem ou
não tem. E se aos três meses ele não apresentar fidgety,
há um grande indício de desenvolver PC [12].
As avaliações
foram realizadas mediante observação da filmagem da movimentação espontânea do RN
em diferentes posturas, assim como avaliação das respostas e reações do RN aos estímulos
realizados pelas avaliadoras, as quais, ao observar as filmagens, pontuaram a escala
HNNE e GMA.
A equipe para
coleta de dados foi composta por residentes fisioterapeutas. Houve um treinamento
prévio com uma fisioterapeuta experiente em aplicar as escalas avaliativas. O estudo
foi submetido e aprovado pelo Comitê de Ética da Universidade Federal do Rio Grande
do Sul (UFRGS), nº do parecer: 4.873.085 (CAAE: 4 7510821.1.0000.5347) e pelo Comitê
de Ética em Pesquisa do Hospital Materno Infantil Presidente Vargas (HMIPV), instituição
coparticipante, nº do parecer: 4.900.00 (CAAE: 47510821.1.3001.5329) e os responsáveis
assinaram um Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE).
Análise estatística
A descrição
dos dados foi realizada por meio de frequências absolutas (n) e relativas (%), para
variáveis qualitativas, e por média e desvio padrão para variáveis quantitativas,
em caso de distribuição simétrica. Em caso de distribuição assimétrica, foi adequada
à utilização da mediana e da amplitude interquartílica. Aplicou-se o teste de Shapiro
- Wilk para verificar a normalidade dos dados. Para comparar médias, os testes t-student ou Análise de Variância (ANOVA) foram aplicados. Em
caso de assimetria, os testes de Mann-Whitney ou Kruskal-Wallis
complementado por Dunn foram utilizados. Na comparação de proporções, os testes
qui-quadrado de Pearson ou exato de Fisher foram aplicados.
Para todas as análises foi utilizado o software Statistical
Package for the Social Sciences (SPSS) versão 22.0, considerando um nível de significância
de 5%.
Foram analisados
37 RNs de risco internados na UCIN. A caracterização da
amostra está demonstrada na Tabela I. Associou-se que o Apgar
do 1º e 5º minuto dos RNs com diagnóstico de baixo peso
ao nascer foi significativamente menor comparado aos RNs
com peso adequado (p = 0,008 e p = 0,012, respectivamente).
Tabela I - Descrição da caracterização dos RNs de risco internados na UCIN
RNs = recém-nascidos; UCIN =
unidade de cuidados intermediários neonatal, IG = Idade Gestacional; *Prematuro
extremo < 28 semanas; **Muito prematuro 28 a < 32semanas; ***Prematuro moderado
32 a < 34 semanas; ****Prematuro tardio 34 a < 37
Na tabela
II constam os principais diagnósticos médicos, exames de imagem, atendimento de
fisioterapia e tempo de permanência na UCIN. Os seguintes diagnósticos não foram
incluídos na tabela por terem sido encontrados em menor quantidade: genitália ambígua
(somando dois bebês - 5,4%) síndrome de Down, sepse precoce, doença da membrana
hialina, toxoplamose congênita, displasia broncopulmonar, hidrocefalia, hemorragia cerebral, internação
por motivo social (um bebê cada – 2,7%). Ressalta-se que os três RNs com laudo de neuroimagem alterado são os prematuros extremos.
Destes, um dos bebês pontuou 27 pontos e dois pontuaram 30 pontos.
Tabela II - Dados da internação e exames de imagem
ESPA = exposição
substâncias psicoativas; PIG = pequeno para idade gestacional; RM = ressonância
magnética; TC = tomografia computadorizada; UCIN = unidade de cuidados intermediários
neonatal
Encontram-se
na tabela III os principais desfechos das avaliações neurológicas, independentes
da IG.
Tabela III - Desfechos das avaliações neurológicas
HNNE = Hammersmith Neonatal Neurological Examination; GMA
= General Movements Assessment
Além
disso,
através da média e desvio padrão da HNNE por
diagnóstico médico foi possível verificar:
prematuridade (28,7 ± 3,7), sífilis congênita (26,5
± 3,0), baixo peso ao nascer
(28,8 ± 4,4), disfunção respiratória
precoce (27,5 ± 3,7), icterícia (25,3 ± 3,4),
ESPA (28,0 ± 2,9) e PIG (25,0 ± 5,6). Este estudo
também se preocupou em comparar
os principais diagnósticos médicos com os fatores
prematuridade e IG classificado
a termo. Constatou que os RNs com sífilis congênita são,
maior parte, a termo (64%, p = 0,002); os diagnosticados com baixo peso ao nascer
são, de modo geral, prematuros (55%, p = 0,001); disfunção respiratória e PIG são
todos prematuros, porém sem diferenças significativas (p = 0,109, p = 0,234 respectivamente),
e a icterícia e ESPA se dividem de forma igual entre prematuros e a termo (p = 1,000).
Os
cruzamentos
das variáveis “caracterização da
amostra”, “dados da internação”,
“exames de neuroimagem”,
“avaliação neurológica” com HNNE
estão descritos na tabela IV.
HNNE = Hammersmith Neonatal Neurological
Examination; IG = idade gestacional; ESPA = exposição
a substância psicoativas; PIG = pequeno para idade gestacional; GMA = General Movements Assessment; aTeste
de Mann-Whitney; bTeste qui-quadrado de Pearson; cTeste
t-student; dTeste
exato de Fisher; *associação estatisticamente significativa pelo teste dos resíduos
ajustados a 5% de significância
A figura 1
mostra o número de consultas pré-natal, sendo significativamente menor nos RNs com diagnóstico de sífilis congênita (p = 0,015).
Figura 1 – Cruzamento do número de consultas pré-natais
e diagnóstico de sífilis congênita
Esta investigação
buscou verificar se os RNs
de risco para atraso no desenvolvimento
motor de um hospital materno infantil de referência apresentavam
neuroimagem e avaliação
neurológica alteradas durante sua permanência na UCIN. A
amostra estudada aponta
para a prevalência do sexo masculino, isso pode ser justificado
pela maior probabilidade
desses bebês possuírem uma maturação mais
lenta durante o crescimento fetal em comparação
ao sexo feminino [13]. Referente à declaração de raça/cor do bebê, predominou a
branca, característica da população no estado do Rio Grande do Sul (RS) justamente
por ser a região do país com história de colonização europeia [14]. Já em nível
nacional, São Paulo fica com 32%, Rio de Janeiro com 7,2%, Pernambuco com 2,69%
e Bahia com 1,58% dos nascidos de cor branca [15].
A respeito
da estrutura familiar dos RNs avaliados, a maioria das
mães (56,8%) declarou morar junto com o pai do bebê. Esse dado vai ao encontro do
estudo de Ago et al. [16] que relatou que 66,7%
viviam em famílias biparentais, e 33,3% em monoparentais.
Esse dado se mostra relevante, pois a construção monoparental foi associada a um
atraso significativo no desenvolvimento infantil. Com isso, pode-se ressaltar a
importância da estrutura familiar, especialmente para o futuro desenvolvimento dos
RNs de risco.
Em relação
à assistência pré-natal, observou uma mediana de cinco consultas pré-natais, um
número considerado baixo, visto que o valor preconizado pela Organização Mundial
da Saúde (OMS) e pelo Programa de Humanização no Pré-natal e Nascimento (PHPN),
do MS, deve ser de no mínimo seis consultas [17]. Deve-se levar em consideração
obviamente que as gestações que duram menos, as gestantes fazem menos consultas
de pré-natal. Ainda assim, a baixa adesão ao pré-natal vai de acordo com Formiga
et al. [18] em que a média de consultas pré-natal de 540 bebês de risco foi
de 5,47. Conforme Mucha et al. [19], RNs com menos
de seis consultas no pré-natal tiveram 1,3 vezes maior risco de internação.
Quando houve
associação significativa entre o Apgar menor e o baixo
peso ao nascer, relacionaram-se porque o escore do Apgar
mostra a vitalidade do RN no início da sua vida extrauterina [20], e o baixo peso
é um dos melhores fatores preditores de mortalidade infantil. Embora os RNs de muito baixo peso representem entre 1 e 1,5% de todos
os nascimentos, eles contribuem significativamente para a mortalidade neonatal (50
a 70%) e infantil (25 a 40%) na região do Cone Sul da América do Sul. Os RNs com peso de 2.500 g ou mais, nos países em desenvolvimento,
têm um risco 40 vezes maior de morrer no período neonatal, o que aumenta para 200
vezes naqueles bebês com peso inferior a 1.500 g. A equipe deve ficar atenta quando
o bebê tem baixo peso como também o Apgar [21].
Quanto aos
diagnósticos de internação na UCIN, nossos achados apontam a prematuridade como
o mais prevalente, seguido por sífilis congênita, baixo peso ao nascer e disfunção
respiratória precoce. A prematuridade, o baixo peso e a disfunção respiratória são
as principais causas de internações em unidade neonatal [22,23]. Entretanto, chama
atenção a sífilis congênita, que foi o segundo diagnóstico mais prevalente, presente
em 35,1%, mas conforme a literatura não aparece como um diagnóstico expressivo em
Unidades de Terapia Intensiva Neonatal (UTINs) [23]. Apesar
disso, o boletim epidemiológico do MS mostra que, nos últimos dez anos, houve um
progressivo aumento nessas taxas e o estado do RS apresentou taxas de incidência
superiores à nacional, com 12,9 casos/1.000 nascidos vivos [24], o que parece preocupante.
Em nossa amostra,
o diagnóstico de sífilis congênita também apresentou associação ao menor número
de consultas no pré-natal. Assim como verificado em outra investigação, os casos
de sífilis congênita estiveram associados ao início mais tardio do pré-natal, menor
número de consultas e menor realização de exames sorológicos [25], o que revela
a falha no pré-natal, no diagnóstico tardio e no tratamento inadequado da gestante
e do seu parceiro [26].
Exames de
neuroimagens foram realizados em 15 (40,5%) RNs de risco
avaliados; entre esses, todos fizeram Ecografia Cerebral (EC), além disso, um RN
também passou por exame de RM e TC. A quantidade de RNs
que realizou exame de neuroimagem não condiz com a literatura. Uma revisão sistemática
recente apresentou forte recomendação para que toda triagem de RNs de risco envolvessem o uso de neuroimagem, assim como avaliações
neurológicas e motoras padronizadas [27]. Contudo, sabe-se que muitos hospitais
não possuem recursos suficientes; nessas situações, a técnica de EC à beira do leito
oferece uma boa alternativa [28]. Sugere-se a todos os hospitais investirem em pessoas
habilitadas e um ecógrafo de boa qualidade, para que os
bebês da UTIN e UCIN possam realizar este exame. Estudo prévio menciona que este
recurso substitui a RM, que é mais cara e tem o mesmo propósito do diagnóstico precoce
[29].
Acerca dos
laudos dos exames de neuroimagem predominaram resultados normais, apenas três laudos
descreveram alterações cerebrais. No entanto, o baixo número de RNs que apresentou exames de imagem em prontuário dificultou
a realização de associações pertinentes. Apesar disso, observou-se que os três RNs com laudo de neuroimagem alterado são os prematuros extremos,
dado que vai ao encontro aos achados na literatura [27].
A fisioterapia
foi realizada em menos de um quarto dos RNs. Todos receberam
estimulação sensório-motora global. A baixa quantidade de RNs
realizando fisioterapia na UCIN é alarmante, mas pode ser explicada pela falta de
um profissional fisioterapeuta exclusivo desta unidade e porque esse acompanhamento
fisioterapêutico está condicionado a prescrição médica, contrariando o Art. [10]
- Resolução COFFITO 80. Esse contexto ainda é encontrado em alguns hospitais do
Brasil [30]. O fisioterapeuta tem papel fundamental no cuidado desses RNs, desde manuseios motores com vistas à intervenção precoce,
posicionamentos e manobras pulmonares [31].
No que diz
respeito aos desfechos das avaliações neurológicas, houve predomínio de classificação
“alterada” quando analisado pela escala HNNE. Splitte
et al. [11] também utilizaram a HNNE na avaliação de RNs
e verificaram que 25% apresentaram pontuação alterada, além disso, mostraram que
essa pontuação na fase neonatal está associada ao atraso do neurodesenvolvimento
aos dois anos de idade. Quanto à análise dos GMs, prevaleceu
a classificação “subótimo” em 56,8% da amostra, mas não
houve associação significativa com os resultados do HNNE.
A média da
HNNE entre os RNs prematuros está acima do ponto de corte
da literatura (26 pontos), o que foi positivo para os bebês. Seu desenvolvimento
neurológico está indicando RNs com “avaliação normal”.
Faz-se importante atentar para os prematuros que também apresentam diagnóstico de
PIG, pois esses obtiveram HNNE com média inferior ao ponto de corte (25,0 ± 5,6),
e com isso indicaram “avaliação alterada”. Ou seja, o diagnóstico de PIG se mostrou
um possível agravante para o desenvolvimento neuromotor
de prematuros, mas a nossa amostra foi pequena para verificar associações significativas.
Nos RNs diagnosticados com sífilis congênita, constatou-se que a
média da HNNE está abaixo do ponto de corte (26,5 ± 3,0), visto que a maioria desses
RNs eram a termo, cujo ponto de corte da HNNE para bebês
a termo é 30,5, indicando RNs com desenvolvimento neurológico
alterado. Isto nos revela que o bebê com sífilis congênita deve ser acompanhado
o mais precocemente possível, mesmo nascido a termo, assim que obtiver o diagnóstico.
O diagnóstico
de icterícia também apresentou média baixa na pontuação da HNNE (25,3 ± 3,4). Ao
verificar nossa amostra, observou que foram os RN a termo que apresentaram pontuação
“alterada”. Sinalizando que a icterícia é um possível fator prejudical
ao desenvolvimento de RNs a termo. Na literatura, aparecem
PIG e icterícia [32] como causas de internação neonatal, e entram como fatores de
risco ao RN [4], no entanto não se verificou evidências que utilizassem avaliação
com HNNE nessa população específica, por isso a necessidade de produzir novos conhecimentos
na área.
Nas associações
com HNNE, expostas na tabela IV, o Apgar maior no 5° minuto
apresentou associação significativa com as avaliações “alteradas”, e ao observar
a distribuição em nossa amostra verificou maior concentração de Apgar > 7 no 5° minuto nos RNs
com IG classificado a termo. A IG maior e o peso maior também foram significativamente
associados com HNNE “alterada”. Esses resultados nos chamam a atenção, pois sinalizam
a tendência de o RN de risco a termo apresentarem pontuações piores do que os prematuros
quando avaliados na idade corrigida.
Ainda
sobre
os achados da tabela IV, verificou-se associação
significativa entre o maior tempo
de internação e a classificação
“avaliação normal” na HNNE. Isso pode ser
explicado
pelo fato de os RNs prematuros necessitarem de mais tempo
de internação [33]. Além do mais, a prematuridade também apresentou associação significativa
com pontuações normais na avaliação com HNNE, reforçando que os prematuros apresentaram
melhor desempenho neuromotor em comparação aos demais
diagnósticos estudados.
Um
dado relevante,
ilustrado na tabela IV, foi que a parcela da amostra que recebeu
atendimento de
fisioterapia na UCIN apresentou associação significativa
com a classificação “avaliação
normal” na escala HNNE. Ou seja, os RNs que realizavam
acompanhamento com fisioterapeutas apresentaram avaliação neurológica adequada para
IG corrigida. Dado que vai ao encontro da literatura, pois já existem evidências
sólidas que a estimulação sensório-motora facilita o desenvolvimento neuromotor típico e previne ou minimiza os efeitos danosos do
ambiente da UCIN [34].
Para todos
os RNs identificados com alteração no desenvolvimento
foi orientado à família sobre atividades de estimulação sensório-motora para realizar
em seu domicílio após alta, assim como receberam encaminhamento para o ambulatório
de seguimento do hospital.
Algumas limitações
devem ser consideradas. Os dados foram coletados em um único hospital materno infantil,
limitando a validade externa, mas pode ser um importante instrumento para melhoria
de serviços semelhantes. A dificuldade de informações nos prontuários analisados,
não contendo dados relevantes das características sociodemográficas, sociais, maternos
e paternos que poderiam complementar a caracterização da amostra. Além da falta
de pessoas específicas para a atualização dos cadastros no sistema a fim de facilitar
o mapeamento mais fidedigno. Poucos pacientes com exame de neuroimagem disponíveis
em prontuários eletrônicos, o que impediu de realizar associações pertinentes a
esta pesquisa. Baixo número de pacientes sendo acompanhado pela equipe de fisioterapia,
fato que limitou associação da estimulação motora precoce com as variáveis deste
estudo.
Os achados
revelam o escasso uso do recurso de neuroimagem para diagnosticar precocemente alteração
neurológica nos RNs de risco no hospital estudado. A ecografia
cerebral é o único exame cerebral disponível. Houve predomínio de resultados normais
nos laudos dos exames, porém não são todos os RNs de risco
que realizam a ecografia cerebral, apenas prematuros com IG menor de 32 semanas
e alguns casos mais graves. Os RNs de risco apresentaram
pontuações alteradas na avaliação neurológica, o que indicou atraso no desenvolvimento.
Existe a necessidade de aplicar escalas padronizadas de avaliação durante a triagem
neonatal, para oportunizar diagnósticos precoces de atraso no desenvolvimento e
consequentemente a intervenção precoce. A fisioterapia está relacionada com melhor
desempenho neuromotor, mas ainda apresenta pouca adesão
na UCIN. A prematuridade foi o principal diagnóstico, seguido pela sífilis congênita,
mais presente nos RNs a termo. O que já nos sinaliza sobre
a necessidade de ampliar a atenção aos RNs a termo, assim
como acompanhar os casos de sífilis congênita, bebês com baixo peso e Apgar menor.
Conflito
de interesse
Não houve conflito
de interesse.
Fonte de
financiamento
Não houve nenhum
financiamento para este estudo.
Contribuição
dos autores
Organização
do estudo, aplicação dos instrumentos, análise dos dados coletados: Freitas LS,
Padilha KB; Análise dos dados, correção da escrita e submissão do artigo: Gerzson LR, Almeida CS; Análises dos dados coletados e gerenciar
estudo: Almeida CS