ARTIGO
ORIGINAL
Associação
entre as adaptações da articulação temporomandibular e a qualidade de vida de
escolares respiradores bucais
Association between temporomandibular joint adaptations and quality of
life in mouth breathers school children
Andressa Francisco
Ribeiro, Ft*, Lorena Macieira Morosini, Ft., M.Sc.**,
Nathalia Silveira Finck, M.Sc.**, Maria Christina Thomé Pacheco, D.Sc.***,
Maria Teresa Martins de Araújo, D.Sc ****
*Graduada
pela Universidade Federal do Espírito Santo, **Programa de Pós-Graduação em
Clínica Odontológica da Universidade Federal do Espírito Santo, ***Docente do
Curso de Odontologia e do Programa de Pós-Graduação em Clínica Odontológica da
Universidade Federal do Espírito Santo, ****Docente do Departamento de Ciências
Fisiológicas da Universidade Federal do Espírito Santo
Recebido em 19 de
fevereiro de 2015; aceito em 28 de outubro de 2015.
Endereço
de correspondência:
Maria Teresa Martins de Araújo, Avenida Marechal Campos, 1468, Departamento de
Ciências Fisiológicas-CCS-UFES, Maruípe, 29040-090 Vitória ES, E-mail:
maraujo.27@hotmail.com, Andressa Francisco Ribeiro: andressafra@hotmail.com,
Lorena Macieira Morosini: lolomorosini@hotmail.com, Nathalia Silveira Finck:
nathaliafinck@gmail.com, Maria Christina Thomé Pacheco: christp@terra.com.br
Resumo
Introdução: A respiração bucal
ocasiona adaptações físicas e comportamentais que interferem na qualidade de
vida infantil. Objetivo: Associar as adaptações craniofaciais e da articulação
temporomandibular (ATM) à qualidade de vida de escolares respiradores bucais
(RB). Métodos: Estudo transversal em
RB (n = 73) do ensino fundamental, entre 7 e 14 anos.
Fisioterapeutas avaliaram a ATM e a postura craniocervical por meio de exames
clínicos e da biofotogrametria, respectivamente. Posteriormente,
fisioterapeutas aplicaram questões relacionadas à alimentação, à escolaridade e
ao sono desses indivíduos. Estatística:
Teste binomial, teste t-Student e regressão logística. Resultados: Verificou-se que apresentar desvio em abertura (p <
0,02) e desvio em protrusão (p < 0,03) aumentaram as chances de os RB
acordarem com a boca seca; apresentar desvio em protrusão aumentaram as chances
de os RB mastigarem bem os alimentos (p < 0,05); apresentar desvio em OVERJET
e idade ≥ 10 anos aumentaram as chances de os RB terem dificuldades em
aprender quando comparados àqueles que não apresentaram o desvio (p = 0,07) e
àqueles que estavam na faixa etária < 10 anos (p < 0,05),
respectivamente. Conclusão: Os
desvios em abertura, em protrusão e em OVERJET foram às adaptações da ATM que
apresentaram mais chances de se associaram aos aspectos autopercebidos pelos RB
em relação à alimentação, à escolaridade e ao sono.
Palavras-chave: articulação
temporomandibular, escolaridade, mastigação respiração bucal, sono.
Abstract
Introduction: Mouth breathing causes physical and behavioral adaptations that
interfere on the child’s quality of life. Objective: To associate craniofacial
and temporomandibular joint (TMJ) adaptations to the quality of life of mouth breathing
school children. Methods: Cross-sectional study in mouth breathers (MB) (n =
73), between 7 and 14 years old. Physical therapists evaluated the TMJ and the craniocervical posture through clinical evaluation and the
photogrammetry test, respectively. Then physical therapists applied an adapted
questionnaire related to eating, school and sleep of these individuals. Statistics: Binomial test, t-Student
test and logistic regression. Results:
Presenting opening (p < 0.02) and protrusion (p < 0.03) deviations
increased the odds ratio of the MB awaking up with dry mouth; protrusion
deviation increased the odds ratio of the MB to chew better their food (p <
0.05); OVERJET deviation in age ≥ 10 years old increased the odds ratio
of the MB having difficulty learning when compared to those who did not have
the deviation (p = 0.07) and those who were < 10 years old (p < 0.05),
respectively. Conclusion: Opening,
protrusion and OVERJET deviations were the adjustments to the TMJ that
presented more chances of being associated to the self-perceived aspects by the
MB in relation to eating, scholarity and sleep.
Key-words:
temporomandibular joint, educational, mastication, mouth breathing, sleep.
A respiração bucal é
uma condição clínica usual em escolares e, apesar de ela ser considerada como
um sintoma, possui etiologia multifatorial com
características adaptativas [1-3]. De acordo com a gravidade e o tempo de
permanência desse padrão respiratório, indivíduos respiradores bucais (RB)
podem apresentar outras repercussões clínicas, tais como: as alterações
dentocraniofaciais, o retardo do crescimento pôndero-estatural [4,5], a
sonolência diurna, a cefaleia, a agitação noturna, o prejuízo do aprendizado,
as alterações do comportamento e das funções cognitivas [6,7]. Essas
repercussões podem impactar negativamente na qualidade de vida desses
indivíduos [8,9].
Alguns estudos já
relacionam a respiração bucal com a persistência de alterações posturais [4] e
uma das mais prevalentes, que interfere no desenvolvimento craniofacial de
escolares RB, é a posição anteriorizada da cabeça [10,11]. A adoção dessa
postura pode influenciar ou comprometer o sistema estomatognático, uma vez que
este é composto pelos arcos osteodentários, maxila e mandíbula, relacionados
entre si pela articulação temporomandibular (ATM) [12]. Devido à variedade de
adaptações das partes osteoesqueletais da face e pelo fato da ATM suportar e
acomodar as adaptações oclusais e os movimentos da mandíbula [13], acredita-se que na respiração bucal a ATM possa ser
facilmente afetada. Outros estudos ainda apontam uma relação entre a ATM e a
amplitude dos movimentos mandibulares e as funções da fala, da mastigação e da
deglutição [12,14-17]. Andrada e Silva et al. [16]
evidenciaram que a respiração bucal interfere negativamente na mastigação no
que diz respeito ao tempo mastigatório, às sobras de alimento na cavidade oral,
à postura dos lábios e ao ruído durante a mastigação. O estudo de Maciel et al. [17] demostrou que 84% dos indivíduos RB apresentaram
distúrbios miofuncionais orofaciais, durante a mastigação e a deglutição.
Por outro lado, Veiga
et al. [18] demonstraram uma provável associação entre
as desordens musculoesqueléticas do sistema mastigatório e os distúrbios do
sono em indivíduos com disfunção temporomandibular. Levando-se em consideração
que a privação de sono, na respiração bucal, pode acarretar significativos
danos à saúde e alterações do comportamento, bem como das funções cognitivas
com prejuízo do aprendizado, estes podem estar fortemente relacionados à
síndrome do desconforto respiratório do sono na infância [19-21]. Chedid et al. [19] mostraram que escolares RB apresentaram
problemas intelectuais, como dificuldade de memorização de novos eventos,
alterações da capacidade cognitiva e problemas com aprendizado, podendo ser
danoso ao processo de alfabetização e, consequentemente, à aquisição da
linguagem escrita. Por outro lado, um dos principais sintomas que relaciona a
respiração bucal às dificuldades de aprendizagem e à síndrome do desconforto
respiratório do sono [22] é a sonolência diurna [23].
Em outra perspectiva
de abordagem, o estudo de Popoaski et al. [8] foi
conduzido para avaliar a qualidade de vida, exclusivamente de indivíduos RB,
abordando domínios diversificados sobre problema nasal e atopia, problemas
alimentares, problemas de sono, odontologia, escolaridade e comunicação. Os
resultados obtidos pelos autores evidenciaram que há um impacto negativo na
qualidade de vida desses indivíduos, principalmente no que se refere aos
problemas nasais, sono e alimentação [8].
Pelo exposto, fica
evidenciada que a manutenção da respiração bucal pode acarretar em alterações
funcionais, estruturais, patológicas, posturais, oclusivas e comportamentais.
Muitos estudos fazem menção aos aspectos clínicos da respiração bucal
[1-5,10-17] enquanto outros a relacionam aos aspectos comportamentais
[6-9,18-22]. Entretanto, ainda não está bem descrita na literatura a associação
entre as avaliações clínicas e os aspectos comportamentais com ênfase na
qualidade de vida de escolares RB, especificamente, no contexto da sua
autopercepção. Assim sendo, o objetivo deste estudo foi o de verificar as
associações entre as adaptações clínicas da ATM e da postura craniocervical com
a autopercepção dos escolares RB relacionados aos aspectos referentes à
alimentação, à escolaridade e ao sono da sua qualidade de vida.
Trata-se de um estudo
transversal, aprovado pelo comitê de ética em pesquisa (nº.162/2009)
e autorizado pela Secretaria Municipal de Educação (nº.281/2010). Inicialmente,
recrutaram-se 167 escolares previamente triados por médicos e dentistas como
portadores de respiração bucal, de ambos os sexos, com idade entre 7 e 14 anos, procedentes de oito escolas públicas de ensino
fundamental. Como critério de inclusão, os escolares RB deveriam apresentar ao
mesmo tempo quatro ou mais alterações craniofaciais, incluindo entre elas a
persistência da respiração bucal (Figura 1). Cinquenta e um escolares foram
excluídos da amostra inicial por apresentarem menos de quatro ou nenhum desses
critérios. Os critérios de exclusão foram: ausência da assinatura dos pais e/ou
responsáveis no Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE) e dos
escolares maiores de 12 anos no Termo de Assentimento (n = 29); os escolares
apresentarem alterações ortodônticas, neurológicas, neuromusculares (n = 2); os
escolares estarem em tratamento ortodôntico ou terem sido tratados previamente
(n = 2); e os escolares se ausentarem no dia da avaliação (n = 10). A amostra
final deste estudo foi de 73 escolares RB, sendo estes agrupados por sexo
(Feminino: n = 40; Masculino: n = 33) e por faixa etária ( 10
anos: n = 29 e ≥ 10 anos: n = 44), conforme descrito no fluxograma
(Figura 1).
Figura
1 - Fluxograma da triagem da amostra e testes
avaliados.
Antecedendo à
aplicação das avaliações e do questionário de qualidade, os fisioterapeutas
foram treinados e calibrados pelo pesquisador mais experiente da equipe, sendo
este considerado o examinador padrão ouro. O índice Kappa da calibração obtido
foi superior a 0,9 [24], sendo assim, atestada a concordância entre os
examinadores do estudo.
A avaliação clínica
da ATM foi baseada nos estudos de Godoy et al. [25]. Com
auxílio de um paquímetro digital (Mitutoyo, modelo 500-144B), a equipe de
fisioterapeutas avaliou a amplitude e os movimentos mandibulares (Figura 2). Os
escolares RB foram orientados a abrirem a boca para verificar a presença ou não
de desvio. Caso houvesse o desvio, avaliava-se se o mesmo era para o lado
direito ou para esquerdo. Para avaliar se havia desvio em oclusão (desvio em
Máxima Intercuspidação Habitual-MIH), considerou-se a posição do freio labial
superior e inferior. Para o desvio em protrusão, foi solicitado ao escolar RB
que protruísse a mandíbula e observou-se se havia desvio para o lado direito
e/ou para o esquerdo. Para essa medida foi levada em consideração a distância
entre a vestibular do incisivo central superior e a
face palatina do incisivo inferior. Ainda com o auxílio do paquímetro, foi
verificada a amplitude de movimento durante o deslocamento da mandíbula para a
direita e para a esquerda.
Figura
2 - Avaliação da movimentação da ATM. Movimentos
mandibulares de lateralidade para a direita (A) para a esquerda (B), de
protrusão (C) e de abertura (D).
O estalido foi
avaliado utilizando um estetoscópio (Littmann® -3M) posicionado sobre a região
da ATM. O escolar RB foi instruído a abrir a boca normalmente e, em seguida, em
amplitude máxima e verificou-se a presença ou a ausência de estalido na
articulação.
Para avaliar a dor
ipsilateral e/ou contralateral da ATM, a equipe de fisioterapeutas utilizou uma
espátula de madeira posicionada sobre a oclusal dos molares do lado direito e
do lado esquerdo. O escolar RB foi orientado a morder a espátula colocada à
direita e a relatar se esse procedimento causava dor (Figura 3A). O mesmo
procedimento foi executado do lado esquerdo (Figura 3B). O teste da compressão
e da descompressão foi utilizado para continuar a avaliar a dor na região da
ATM. A compressão foi avaliada por meio da aplicação de resistência na região
inferior do bordo da mandíbula em direção posterior e para o lado direito. Em
seguida, foi solicitado ao escolar RB relatar presença ou ausência de dor do
lado direito e/ou esquerdo (Figura 3C). O mesmo procedimento foi executado do
lado esquerdo (Figura 3D). Já para o teste da descompressão, o polegar do
fisioterapeuta foi posicionado sobre a oclusal dos molares do lado direito e
aplicada uma força para baixo e para frente. Em seguida, o escolar RB informou
presença ou ausência de dor do lado esquerdo e/ou para o direito (Figura 3E). O
mesmo procedimento foi executado do lado direito (Figura 3F). O método
palpatório também foi utilizado para avaliar a presença ou a ausência de dor
nos músculos temporal (Figura 3G) e masseter (Figura 3H) de ambos os lados.
A avaliação da
postura craniocervical dos escolares RB foi realizada pela equipe de
fisioterapeutas. Os escolares RB foram fotografados na posição ortostática de
frente e de perfil, próximos ao fio de prumo medindo 1m colocado ao lado
esquerdo dos mesmos. As imagens foram obtidas por meio de câmera digital (Sony®
Cybershot 7.2 megapixels), posicionada à distância de 2 m da parede, sobre um
tripé de 1 m de altura. O escolar trajando roupas de banho e com os pés
descalços foi posicionado sobre um tapete com a demarcação, mantendo os membros
superiores posicionados ao longo do corpo e o olhar direcionado para a linha do
horizonte. Antecedendo a foto, pontos anatômicos foram indicados por marcadores
coloridos presos com fita adesiva dupla face nas referências ósseas da glabela,
do mento, do tragus, da sétima vértebra cervical (C7) e dos acrômios (Figura
4). Na vista anterior foram traçadas as angulações entre os acrômios e na vista
lateral foi traçado o ângulo entre a vértebra C7, o tragus e o mento
(C7-tragus-mento) com boca fechada e aberta (Figura 4). As angulações e as
distâncias entre os pontos anatômicos marcados foram calibradas e, posteriormente
analisadas pelo Software para Avaliação Postural (SAPO® versão 0.68) [26,27].
Figura
3 - Avalição da dor na região da ATM. Dor
ipsilateral e/ou contralateral da ATM, por meio do teste da espátula de madeira
sobre a oclusão dos molares à direita (A) e à esquerda (B); dor à compressão
por meio da manobra sobre o bordo inferior da mandíbula em direção posterior e
para à direita (C) e, em direção posterior e para à esquerda (D); dor à
descompressão por meio do polegar do examinador sobre a oclusal dos molares do
lado direito e aplicação de força para baixo e para frente do lado esquerdo (E)
e do lado direito (F); dor à palpação por meio dos dedos do examinador sobre os
côndilos articulares da ATM (G) e dos músculos masseteres (H).
Figura
4 - Avaliação da postura craniocervical. Ângulo
entre a 7ª vértebra cervical, o tragus e o mento na posição de boca fechada (A)
e de boca aberta (B).
O instrumento
utilizado para avaliar os aspectos autopercebidos pelos escolares RB referentes
à sua alimentação, à sua escolaridade e ao seu sono foi constituído de
perguntas estruturadas adaptado do questionário de qualidade de vida do estudo
de Popoaski et al. [8]. As respostas dadas pelos RB
obedeceram à escala “de vez em quando a sempre”, agrupadas e consideradas como
SIM enquanto as respostas de “nunca a quase nunca” foram agrupadas e
consideradas como NÃO.
O teste Binomial foi
usado para selecionar as variáveis da ATM, da postura craniocervical e dos
ombros, sendo considerados os valores de prevalência maiores ou iguais 0,38
(Tabela I). O teste t-Student foi utilizado para avaliar as angulações entre
C7-tragus-mento com a boca aberta e fechada, porém somente a angulação com a
boca aberta foi incluída por apresentar o valor de p < 0,001. Após a seleção
dessas variáveis, a regressão logística foi usada para verificar se as
variáveis selecionadas pelo teste Binomial (faixa etária, sexo, simetria da
face, hipertrofia aparente, desvio à abertura, desvio em MIH, desvio em
protusão, OVERJET, OVERBITE e acrômio-acrômio) e pelo teste t-Student
(angulação com a boca aberta) foram fatores de risco ou de proteção para às
questões do instrumento adaptado do questionário de qualidade de vida,
descritas na Tabela II. Para a escolha do melhor modelo de regressão utilizou-se
o método Backward que remove as variáveis que não influenciam o modelo e isto
foi realizado através do teste de Wald. O nível de significância foi de 5% e o
intervalo de confiança de 95%. O programa utilizado foi o IBM
SPSS Statistics19 (IBM Company, Armonk, NY, USA).
Tabela
I - Análise das adaptações clínicas da
articulação temporomandibular e da postura craniocervical de escolares
respiradores bucais, na faixa etária de 7 a 14 anos, procedentes das escolas de
ensino fundamental, Vitória/ES. (ver anexo em PDF)
Tabela
II -
Relação entre as variáveis clínicas da
articulação temporomandibular e da postura craniocervical e de ombros com os
aspectos referentes à alimentação, à escolaridade e ao sono dos escolares
respiradores bucais, na faixa etária de 7 a 14 anos, procedentes das escolas de
ensino fundamental, Vitória/ES. (ver anexo em PDF)
A Tabela II demonstra
que houve uma relação de causa e efeito entre as adaptações clínicas
craniocervicais e da ATM e as questões autopercebidas pelos escolares em
relação a sua qualidade de vida no tocante aos aspectos da alimentação, da
escolaridade e do sono. Verificou-se que os escolares RB que apresentaram
desvio em abertura e desvio em protrusão tiveram 81 vezes e 8
vezes, respectivamente, mais chances de acordarem com a boca seca quando
comparados aos escolares RB que não apresentaram esses desvios. Por outro lado,
evidenciou-se que o desvio em MIH foi significativo nos escolares RB, porém as
chances para este problema ocorrer foram reduzidas em 97% em relação àqueles RB
que não tiveram esse desvio (p < 0,004). Para a pergunta: “Você costuma
mastigar bem os alimentos≥” observou-se que o desvio em protrusão
aumentou em 10 vezes as chances de os escolares responderem positivamente,
quando comparados àqueles que não apresentaram o desvio (p < 0,01). Situação
semelhante foi verificada para a avaliação do ângulo entre C7-tragus-mento com
a boca aberta, tanto para questão referente à mastigação quanto para àquela referente
a alimentar-se bem. Com a modificação dessa angulação verificou-se que as
chances de os escolares mastigarem os alimentos e alimentarem-se foram
pequenas, na ordem de uma vez, quando estes foram comparados àqueles RB que não
apresentaram o problema (p < 0,02). Apesar de os escolares RB com desvio em
protrusão apresentarem sete vezes mais chances de terem o sono tranquilo (p
< 0,05), evidenciou-se que os escolares RB ≥ 10 anos tiveram três
vezes mais chances de queixarem-se de sono durante o dia, quando comparados aos
escolares RB na faixa etária <10 anos (p = 0,07). Para a pergunta referente
à escolaridade “Você costuma apresentar dificuldade para aprender?”,
verificou-se que apresentar OVERJET aumentou em quatro vezes às chances de os
escolares RB responderem positivamente, a apresentarem dificuldade para
aprender quando comparados àqueles RB que não apresentaram o desvio (p = 0,07).
Por outro lado, foi interessante observar que os escolares RB ≥ 10 anos
apresentaram também quatro vezes mais chances de terem dificuldades em aprender
quando comparados aos escolares RB na faixa etária <10 anos (p < 0,05).
Os resultados deste
estudo mostraram que os sinais clínicos mais relevantes relacionados à ATM dos
escolares RB foram o desvio em abertura, o desvio em protrusão e o desvio em
MIH e eles fizeram menção à pergunta “Você costuma acordar com a boca seca?”
(Tabela II). Acredita-se que essa associação foi ocasionada predominantemente
pelo hábito de os escolares RB manterem a boca aberta. A literatura estabelece
que a amplitude dos movimentos mandibulares relaciona-se com a integridade da
ATM e a ação dos músculos esqueléticos [14,28,29].
Assim, os desvios encontrados nos escolares RB podem ter sido evocados pela
diminuição das funções musculares que acarretaram numa redução de força e numa
restrição dos movimentos de abertura da mandíbula [30,31]. Roda et al. [31] demonstraram que a contratura
muscular de proteção e o espasmo, decorrentes do aumento dos produtos de
degradação metabólica, também podem ser fatores causais para o desvio em
abertura da mandíbula. Já o estudo de Clark e Takeuchi [33] evidenciou que a
redução da amplitude mandibular no movimento de protrusão e de lateralidade
pode estar associada à atrofia muscular, ou ser secundária à presença de dor.
Neste estudo, a dor não foi o fator causal dos desvios mandibulares, presentes
nos escolares RB, sendo estes possivelmente atribuídos ao componente muscular.
Acredita-se que, pelo hábito de os escolares RB manterem a boca aberta, as
adaptações musculares desencadeadas possam ter excedido a tolerância estrutural
e funcional da ATM e causado os desvios em abertura, em protrusão e em MIH e,
ainda, pelo fato de esses escolares apresentarem o hábito de manterem a boca
aberta eles tenham tido a percepção de acordarem com a boca seca.
Outra possibilidade
para a manutenção da boca aberta poderia estar associada às alterações do tônus
e do trofismo muscular [34,35]. No estudo de Burger [34] a manutenção da boca
aberta, observada na respiração bucal, foi desencadeada pela hipotonia do
músculo orbicular dos lábios, pelo fato do lábio superior ser fino e o inferior
estar evertido e volumoso, o palato duro estar atrésico e à altura vertical da
face ser aumentada. Andrade et al. [35]
avaliaram 40 crianças com respiração bucal e verificaram que 58,82% delas
apresentaram lábios entreabertos, em 76,47% o tônus do lábio superior estava
flácido e em 94,11% o lábio inferior estava grosso e evertido. Nesse mesmo
estudo, os autores verificaram a presença de flacidez e assimetria de
bochechas, o aumento do tônus do músculo mentual e a abertura da mandíbula na
postura de repouso [35]. Vale ressaltar que no presente estudo foi observada
assimetria da face e, esta foi associada à autopercepção de o escolar RB
acordar com a boca seca (Tabela II).
Sabe-se que os
movimentos mandibulares influenciam a mastigação e a deglutição [14]. Estudos
apontam que a mastigação envolve movimentos de protrusão mandibular,
imprescindíveis para apreensão do alimento e, quando estes se associam aos
movimentos de lateralidade, auxiliam na trituração e na pulverização desses
alimentos [16,17]. Para nossa surpresa, os escolares RB que apresentaram desvio
em protrusão e alteração da angulação entre C7-tragus-mento com a boca aberta
informaram que mastigavam bem os alimentos e alimentavam-se bem (Tabela II). É
bem descrito que na respiração bucal os músculos elevadores da mandíbula podem
estar hipotônicos e hipofuncionais, o músculo bucinador pode estar mais
alongado fazendo com que a mandíbula se rebaixe [36]. Esse rebaixamento da
mandíbula seria considerado uma adaptação funcional para facilitar a entrada de
ar pela boca, entretanto essa adaptação poderia levar a uma mastigação ruidosa,
desordenada e com lábios entreabertos [1,35,36].
Felcar et al. [37] demostraram que em indivíduos
RB a mastigação é mais verticalizada e sem lateralidade da mandíbula. Apesar de
os resultados deste estudo contrariarem os achados da
literatura para a função da mastigação, acredita-se que os desvios mandibulares
em protrusão e durante abertura da boca foram, nesse momento, mais adaptativos
do que compensatórios. Uma adaptação sustentada pelo hábito de os escolares RB
permanecerem com a boca aberta. Mediante essa condição, a presença dos desvios
não seria um fator limitante, e, os mesmos relatarem que mastigavam bem os
alimentos.
Apesar de os
escolares RB com desvio em protrusão apresentarem mais chances de terem o sono
tranquilo, evidenciou-se que aqueles na faixa etária acima de 10 anos tiveram
mais chances de queixarem-se de sono durante o dia, quando foram comparados aos
escolares RB que estavam na faixa etária abaixo de 10 anos (Tabela II). Apesar
de poucos estudos relacionando a ATM aos distúrbios do sono em indivíduos RB, o
estudo de Cunali et al. [38] demonstrou que o desvio em
protrusão foi relacionado à sonolência diurna. A sonolência diurna é um dos
sintomas associados aos distúrbios respiratórios do sono, além de outros como o
ronco, a apneia, o sono agitado, os despertares noturnos, a hiperatividade, e o
mau desempenho escolar [22,23]. O estudo de Petry et al. [39] demonstrou que os escolares que apresentavam sonolência
diurna tiveram maior risco de apresentarem respiração bucal (OR = 13,1), ronco
habitual (OR = 2,7), apneia (OR = 9,9) e problemas de aprendizado (OR = 9,9).
Outros autores têm demonstrado que o sono fragmentado e sem descanso interferem
diretamente na atenção e na memória [21,34]. Segundo Burger [34], as
consequências negativas da respiração bucal em relação à sonolência diurna, os
déficits de atenção, de concentração e de memória são percebidas pelos
indivíduos RB como efeitos deletérios, sendo estas similares às autopercepções
encontradas neste estudo, especificamente, em relação à sonolência diurna e ao
baixo rendimento escolar.
Vários estudos
relacionam a respiração bucal com a dificuldade de aprendizagem e déficits de
atenção e memória [6,19-21]. Apesar de os resultados deste estudo corroborarem esses achados um deles chamou a atenção pelo
fato de ter sido verificada uma relação entre a ATM e déficit de aprendizagem.
O fato de os escolares RB apresentarem OVERJET e estarem na faixa etária acima
de 10 anos aumentaram as chances de eles apresentarem dificuldade para aprender
(Tabela II). Em parte, esse achado é suportado pelo estudo de Bifoni et al. [40] o qual verificou que em 43
crianças com respiração bucal a maioria delas (n = 32) apresentou baixo
rendimento escolar. Outros estudos também demonstraram haver maior prevalência
de dificuldade de memorização de novos eventos, alterações da capacidade
cognitiva e problemas com aprendizado em escolares RB [19-21], sendo ainda
constatado que eles são frequentemente encaminhados para o reforço escolar.
Um fator limitante na
validade dos resultados deste estudo pode ter sido causado pelo decréscimo no n
amostral no decorrer do estudo. Outro fator que limitaria o estudo faz menção à
forma como o instrumento da avaliação da qualidade de vida foi utilizado. Num
projeto piloto, aplicou-se o instrumento também aos pais e/ou responsáveis,
como parâmetro de comparação, mas respostas foram imprecisas e não
corresponderam àquelas dadas pelos filhos. Assim, optou-se em analisar a
percepção exclusivamente do escolar e não compará-la com a de terceiros.
Este estudo tem como
finalidade chamar à atenção dos profissionais da área da saúde, em especial dos
fisioterapeutas, para que as avaliações clínicas posturais e da ATM de crianças
e adolescentes que respiram pela boca possam ser também associadas ou
comparadas a outros instrumentos comportamentais de avalição e que estes
reflitam a percepção dessa população e não a de terceiros.
Neste estudo foram
associadas às adaptações da ATM e craniofaciais à autopercepção do escolar
respirador bucal em relação a sua qualidade de vida. Os resultados obtidos
sugerem que as chances das adaptações da ATM (desvio em protrusão, desvio em
abertura, desvio em oclusão) de se associaram aos aspectos (da alimentação, da
escolaridade e do sono) referentes à qualidade de vida dos escolares
respiradores bucais foram significativas.