ARTIGO ORIGINAL

Análise quali-quantitativa de idosos submetidos a um programa estruturado de reabilitação vestibular

Quali-quantitative analysis of elderly people submitted to a structured program of vestibular rehabilitation

 

Iara Buriola Trevisan*, Ana Beatriz Padoan Maestrello**, Francini Menezes dos Santos**, Vitor Engrácia Valenti, D.Sc.***, Marco Aurélio Cardoso****, Fernando Garbi Pereira, M.Sc.*****, Paulo Roberto Rocha Júnior, D.Sc.*****

 

*Graduação em Fisioterapia pelas Faculdades Adamantineses Integradas, Programa de Mestrado em Fisioterapia pela Faculdade de Ciências e Tecnologia, UNESP, Presidente Prudente/SP, **Graduação em Fisioterapia pelas Faculdades Adamantineses Integradas, ***Programa de Mestrado em Fisioterapia pela Faculdade de Ciências e Tecnologia, UNESP, Presidente Prudente, Professor da Faculdade de Filosofia e Ciências, UNESP, Marília, ****Programa de Mestrado em Fisioterapia pela Faculdade de Ciências e Tecnologia, UNESP, Presidente Prudente, Professor Mestre das Faculdades Adamantinenses Integradas, *****Professor das Faculdades Adamantinenses Integradas e Universidade Paulista

 

Recebido em 19 de fevereiro de 2015; aceito em 20 de maio de 2015.

Endereço de correspondência: Iara Buriola Trevisan, Rua Roberto Simonsen, 305, 19060-900 Presidente Prudente SP, E-mail: iara_buriola@hotmail.com, Ana Beatriz Padoan Maestrello: anabeatriz_padoan@hotmail.com, Francini Menezes dos Santos: francini_menezes@hotmail.com, Vitor Engrácia Valenti: vitor.valenti@gmail.com, Marco Aurélio Cardoso: marco-aurelioc@hotmail.com, Fernando Garbi Pereira: fernando.garbi@hotmail.com, Paulo Roberto Rocha Júnior: prochajr@terra.com.br

 

Resumo

Introdução: A reabilitação vestibular busca minimizar sintomas vestibulares ajudando a melhorar a qualidade de vida de indivíduos com doenças vestibulares. Objetivo: Analisar quali-quantitativamente a qualidade de vida de idosos submetidos a um programa estruturado de reabilitação vestibular. Métodos: Participaram do estudo cinco indivíduos de ambos os gêneros com idade média de 67,8 ± 4,12 anos. Os participantes foram submetidos a um programa estruturado para reabilitação vestibular durante duas sessões semanais, totalizando 15 sessões. Para avaliação quantitativa, utilizou-se a Escala de Quantificação de Tontura e o Dizziness Handicap Inventory (DHI) pré e pós-reabilitação e para análise qualitativa aplicou-se em forma de entrevista não-diretiva perguntas para coleta de dados sobre melhora do quadro clínico nas atividades cotidianas, sociais e domiciliares pós-reabilitação. Resultados: Quanto aos dados quantitativos, observou-se melhora significativa no domínio físico (p = 0,043) e qualidade de vida geral (p = 0,043), além da melhora de sintomatologia de tontura (p = 0,042). Tais resultados corroboraram a melhora relatada pelos participantes sobre as atividades de vida diária. Conclusão: Concluiu-se que o programa de exercício para reabilitação vestibular contribuiu para melhorar os domínios emocionais, funcionais e físicos e da qualidade de vida geral, bem como a sintomatologia de tontura, o que corroborou os relatos dos participantes.

Palavras-chave: idosos, qualidade de vida, vestibulopatia.

 

Abstract

Introduction: The vestibular rehabilitation aims to minimize vestibular symptoms helping to improve the quality of life of elderly with vestibular diseases. Objective: To analyze quali-quantitatively the quality of life of elderly submitted to a structured program of vestibular rehabilitation. Methods: Participated in the study five patients of both genders with a mean age of 67.8 ± 4.12 years. The participants were submitted to a structured program for vestibular rehabilitation. For quantitative assessment we used the Dizziness Quantification Scale and Dizziness Handicap Inventory (DHI) before and after rehabilitation and for qualitative assessment was applied an interview non-directive questions to collect data about clinical improvement in daily, social and domiciliary activities after rehabilitation. Results: As regards to quantitative data, we observed significant improvement on the physical domain (p = 0.043) and overall quality of life (p = 0.043), as well as improvement in the symptomatology of dizziness (p = 0.042). These results corroborate the improvement reported by participants about the activities of daily living. Conclusion: We concluded that the exercise program for vestibular rehabilitation contributed to the improvement of the emotional, functional, physical domains and overall quality of life and the symptomatology of dizziness, which corroborated the reports of participants.

Key-words: elderly, quality of life, vestibulopathy.

 

Introdução

 

O envelhecimento é um processo que consiste na deterioração lenta e progressiva de diversas funções orgânicas, estruturais e funcionais [1,2]. A postura é controlada pelo sistema visual, vestibular e somatossensorial que, integrados pelo Sistema Nervoso Central (SNC), mantêm o corpo estável e de maneira orientada [3]. As degradações oriundas do envelhecimento comprometem as habilidades do SNC, que passa a apresentar déficits ao processar tais sinais [3,4].

Quando o conjunto de informações visuais, vestibulares e proprioceptivas não são integradas corretamente ao SNC, manifestam-se alterações como desequilíbrio corporal, tontura, náuseas e nistagmo. Deste modo, o SNC procura efetuar a recuperação funcional desses desequilíbrios e utiliza mecanismos de compensação para eliminar a assimetria entre o órgão vestibular periférico direito e esquerdo [5]. No entanto, respostas vestibulo-oculares e vestibulo-espinhais são destinadas a manter, não somente a estabilização da visão durante os movimentos cefálicos, mas também o controle postural [6-10].

Sabe-se que as vestibulopatias periféricas são distúrbios recorrentes do comprometimento vestibular periférico. O principal sintoma deste grupo de doenças é a tontura. Estima-se que sua prevalência na população acima de 65 anos chegue a 85% [9,11].

A tontura abrange uma variedade de sensações de perturbação do equilíbrio corporal. As mais comuns são as sensações de vertigem (tontura rotatória), desequilíbrio, instabilidade, desorientação espacial, flutuação e sensação de embriaguez (tontura não rotatória) [11-13].

A insegurança física gerada pela tontura e pelo desequilíbrio corporal pode conduzir à irritabilidade, perda de autoconfiança, medo de sair sozinho, depressão, pânico, além de aumentar a probabilidade acentuada de riscos de quedas [14], que por fim piora da qualidade de vida destes idosos [11]. O vestibulopata com tontura pode trazer diferentes sinais e sintomas, como limitar determinados movimentos de cabeça e do corpo, comprometendo suas atividades profissionais, domésticas, sociais e/ou de lazer [15,16].

Em virtude do envelhecimento e aumento das doenças crônico-degenerativas, torna-se relevante a compreensão das alterações funcionais na vestibulopatia periférica não específica e a necessidade de alternativas de tratamentos eficazes [17,18].

Protocolos de Reabilitação Vestibular (RV) surgem como alternativa terapêutica por meio de exercícios físicos específicos e repetitivos [19], que promovem adaptação ao movimento, estimulando o órgão sensorial e interagindo ao SNC novos automatismos responsáveis pelo equilíbrio [20-22].

A RV além de minimizar os sintomas vestibulares, ajuda a restabelecer a autoconfiança dos pacientes, reduz a ansiedade, melhora o convívio social e proporciona uma melhoria na qualidade de vida [23]. Portanto o objetivo deste estudo foi analisar qualitativamente e quantitativamente a qualidade de vida de idosos submetidos a um programa estruturado de RV.

 

Material e métodos

 

Foram incluídos indivíduos com idade ? 60 anos, com quaisquer diagnósticos clínicos de vestibulopatia periférica não específica e/ou que referiam sintomas de vertigem e/ou desequilíbrio corporal por, pelo menos, dois meses, acompanhados ou não por outras modalidades terapêuticas. Todos os participantes foram submetidos a uma pré-avaliação dos sistemas vestíbulo-oculo-motor e vestíbulo-espinhal que comprovaram a hipofunção do aparelho vestibular periférico. Não participaram do estudo indivíduos com doenças neurológicas, vasculares, processos degenerativos neoplásicos, que utilizavam dispositivos auxiliares ou que não estivessem de acordo com a prerrogativa do estudo. Para preservar a identidade, os participantes foram cognominados de um a cinco.

Para a seleção da amostra foi entregue às clínicas médicas de otorrinolaringologia e geriatria do município de Adamantina/SP, uma carta de solicitação para encaminhamento dos idosos ao programa de RV. Tal programa recebeu o nome de “VertiGO!” e realizado em âmbito terapêutico, localizado nas dependências das Faculdades Adamantinenses Integradas (FAI).

O programa foi baseado nos exercícios de Cawthorne [24] e Cooksey [25]. Os exercícios envolviam movimentos de cabeça, pescoço e olhos, controle postural em várias posições (sentado, em apoio bi podal e unipodal, andando), uso de superfície de suporte macia para diminuição do input proprioceptivo e exercícios de olhos fechados para abolição da visão (Quadro I) [6,26].

 

Quadro I - Protocolo de Reabilitação Vestibular VertiGO!. (ver anexo em PDF)

 

Na expectativa de ativar o sistema de compensação vestibular e, por conseguinte, os mecanismos de plasticidade neural, a partir da estimulação do órgão sensorial periférico criando novos automatismos responsáveis pelo equilíbrio [21,27] cada exercício foi repetido por quinze vezes, durante duas vezes semanais com duração de sessenta minutos por sessão, totalizando quinze sessões. Os atendimentos foram realizados em grupo durante o período vespertino.

Ao início de cada sessão, todos os participantes foram instruídos a realizarem autoalongamento global dando ênfase para a musculatura da coluna cervical.

Antes e após a implantação do Programa VertiGO!, os sujeitos da pesquisa foram avaliados quanto à qualidade de vida e sintomatologia de tontura (avaliação quantitativa), além de entrevistas semiestruturadas sobre os efeitos da reabilitação após o programa (avaliação qualitativa).

O protocolo foi submetido e aprovado pelo Comitê de Ética e Pesquisa da Faculdade de Medicina de Marília, conforme deferido no protocolo 336/11.

 

 Avaliação da qualidade de vida

 

A avaliação da qualidade de vida foi analisada através do Dizziness Handicap Inventory (DHI), antes e após o programa de RV. Este questionário tem o objetivo de avaliar a autopercepção dos efeitos incapacitantes provocados pela tontura, sendo um instrumento traduzido para o português e submetido à adaptação cultural e linguística, além da revisão de equivalência gramatical, idiomática e reprodutibilidade intra e inter pesquisadores [15].

O DHI brasileiro é composto por 25 questões. As questões 01, 04, 08, 11, 13, 17 e 25 avaliam o domínio físico, as questões 02, 09, 10, 15, 18, 20, 21, 22 e 23 avaliam o domínio emocional e as questões 03, 05, 06, 07, 12, 14, 16, 19 e 24 avaliam o domínio funcional [15].

As respostas dadas pelos participantes receberam as seguintes pontuações: as respostas “sim” receberam quatro pontos, as respostas “não” são pontuadas como zero ponto, e as respostas “às vezes” receberam dois pontos. Desta forma, a pontuação total obtida corresponde a cem pontos, situação em que se observa um prejuízo máximo causado pela tontura; e a menor pontuação, zero ponto, revela nenhum prejuízo provocado pelo problema na vida do participante.

Contudo, avaliou-se cada domínio individualmente, atribuindo o critério de quanto maior a pontuação, maior o prejuízo causado pela tontura.

 

Escala de quantificação de tontura (QT)

 

A tontura foi avaliada por meio da escala de QT antes e após RV, na qual o próprio participante registrava em uma linha reta de 10 centímetros o ponto que melhor representava a quantificação de sua tontura na data do teste. A extremidade inicial da reta representa “não sentir tontura” e a extremidade final representa a “sensação máxima de tontura” [2].

 

Entrevista semiestruturada

 

A percepção sobre a qualidade de vida dos participantes foi avaliada através de entrevista semiestruturada ao final do programa, no formato de grupo focal. Todos os indivíduos que participaram do programa de RV compartilharam deste momento da pesquisa.

O grupo focal é uma técnica de pesquisa que coleta dados por meio das interações grupais ao se discutir um tópico sugerido pelo pesquisador.

De acordo com Manzini [28], desse tipo de entrevista podem emergir informações de forma mais livre e as respostas não estariam condicionadas a uma padronização de alternativas.

A essência de entrevistas desta natureza consiste juntamente na interação entre os participantes e o pesquisador, que tem por finalidade coletar dados a partir da discussão focada em tópicos específicos e diretivos.

Foi solicitado o consentimento ao grupo para efetuar as gravações e garantiu-se do total sigilo do material obtido, além disso, foi explicado aos participantes a forma do funcionamento de maneira honesta, rápida e genérica [29], pois, de acordo com Morgan [30], o sucesso para conduzir as entrevistas começa no momento em que o primeiro participante entra na sala.

Inicialmente, explicitou-se que não se buscava consenso na discussão e que as divergências de perspectivas e experiências seriam extremamente bem-vindas.

Para a discussão foi elaborado um roteiro de perguntas para analisar a melhora do quadro clínico a partir da aplicação do programa como demonstrado no Quadro II.

As entrevistas foram transcritas de acordo com as normas de Marcuschi [31], para facilitar a padronização das informações. Foram utilizados os seguintes critérios para transcrição, de acordo demonstrado no Quadro III.

 

Quadro II - Roteiro de perguntas referente à percepção da qualidade de vida dos idosos participantes do programa VertiGO!.

 

Quadro III - Resumo explicativo das normas compiladas e dos exemplos apresentados por Marcuschi.

 

 

Dados quantitativos

 

A normalidade na distribuição dos dados foi avaliada por meio do teste de Shapiro-Wilk, e a descrição dos resultados foi realizada como média ± desvio padrão, com exceção de variáveis com distribuição não-normal, que foram descritas como mediana (intervalo interquartílico [25-75]. Para análise pré e pós-intervenção, foi utilizado o teste de Wilcoxon. As correlações foram realizadas por meio do coeficiente de Spearman, e os parâmetros de magnitude foram considerados segundo Portney e Watkins [32], sendo: 0,00 a 0,25 correlação pequena ou nenhuma; > 0,25 a 0,50 correlação razoável; > 0,50 a 0,75 correlação moderada para boa; > 0,75 correlação boa para excelente; e 1,00 correlação perfeita. O nível de significância adotado foi de p < 0,05. Para análise dos dados quantitativos, utilizou-se o programa estatístico SPSS 15.0.

 

Dados qualitativos

 

Depois de realizadas as entrevistas e feita a transcrição das falas ditas com o seu sentido original de acordo com as normas de Marcuschi [31], foi realizada a análise de conteúdo dessas gravações e todo o material foi organizado de forma sistemática em diferentes categorias, abrangendo as atividades cotidianas, sociais e domiciliares [29]. Os cinco participantes foram denominados como P1, P2, P3, P4 e P5.

 

Resultados

 

A amostra foi constituída de cinco participantes, com idade média de 67,8 ± 4,12 anos, quatro do gênero feminino e um do gênero masculino.

A Figura 1 apresenta a pontuação de todos os participantes no que se refere ao domínio emocional, funcional e físico do DHI brasileiro. Nota-se que referente ao domínio emocional (Figura 1a), dois participantes mantiveram pontuação igual a zero do início ao fim do programa, dois apresentaram uma remissão dos valores pós-intervenção e um participante que, inicialmente apresentou escore de 14 pontos obteve uma queda dos mesmos para 2 pontos. Sendo assim, mesmo não ocorrendo uma significância estatística entre os períodos (p = 0,109), foi possível observar resultados satisfatórios após a aplicação do programa VertiGO! [33].

Em contrapartida, com relação ao domínio funcional, quatro dos cinco participantes apresentaram diminuição maior que 50% dos escores de qualidade de vida. Porém, do mesmo modo que observado no domínio emocional, não houve diferença estatisticamente significativa (p = 0,066) após a realização do programa (Figura 1b).

Já na Figura 1c, verificou-se significância estatística entre o pré e pós-intervenção (p = 0,043), pois todos os participantes apresentaram diminuição na pontuação referente ao domínio físico.

A Figura 2 apresenta os resultados sobre a qualidade de vida geral (DHI total), que consiste na somatória dos domínios emocional, funcional e físico nos quais a tontura pode interferir. Verificou-se que todos os participantes obtiveram melhora de mais de 50% da qualidade de vida geral pós-intervenção, sendo estatisticamente significante (p = 0,043).

A Tabela I demonstra os resultados sobre a sintomatologia de tontura. Observou-se uma média inicial de 4,4 ± 2,33 pontos e, após o programa, de 0,2 ± 0,4 pontos, apresentaram melhora estatisticamente significativa (p = 0,042).

Constatou-se ainda, uma correlação positiva de magnitude boa para excelente, porém não significativa entre a melhora da sintomatologia de tontura com o domínio funcional (r = 0,791; p = 0,111), físico (r = 0,559; p = 0,327) e DHI total (r = 0,707; p = 0,182) pós-intervenção.

Referente à percepção dos participantes todos relataram em suas falas melhora da sua condição de vida, das atividades sociais e domiciliares após a realização de exercícios propostos pelo programa de RV.

 

Figura 1 - Efeitos incapacitantes provocados pela tontura no domínio (a) emocional, (b) funcional e (c) físico do Dizziness Handicap Inventy (DHI) no pré e pós RV dos idosos participantes do Programa VertiGO!.

 

 

Figura 2 - Resultado da pontuação total do Dizziness Handicap Inventy (DHI) no pré e pós RV dos idosos participantes do Programa VertiGO!.

 

 

Tabela I - Quantificação de tontura no pré e pós RV dos idosos participantes do Programa VertiGO!. Dados expressos em média, desvio padrão, mediana e intervalo de confiança de 95%.

 

 

Discussão

 

Os principais achados demonstraram que, essencialmente, os idosos submetidos a um programa de RV apresentaram melhora da sintomatologia de tontura e, consecutivamente, dos aspectos emocionais, físicos e funcionais que, por sua vez, refletiram na evolução das atividades cotidianas, sociais e domiciliares autorrelatadas.

A RV é um tratamento eficaz para indivíduos com persistência de tontura e/ou vertigem por disfunção vestibular, proporcionando melhora na qualidade de vida, controle postural e capacidade funcional de idosos [34-37]. Entretanto, estudos relatam que tanto adultos quanto idosos submetidos a RV a curto ou a longo prazo apresentam melhoras significativas da qualidade de vida e função do equilíbrio estático e dinâmico [38,39].

Segundo Nisbino et al. [40], a tontura é mais prevalente em indivíduos idosos, que tendem apresentar um equilíbrio corporal mais comprometido, pois o envelhecimento compromete habilidades do SNC em realizar o processamento dos sinais vestibulares, visuais e proprioceptivos responsáveis pelo equilíbrio corporal, além de diminuir a capacidade de modificação dos reflexos adaptativos. Em contrapartida, Campos et al. [41] relataram que a prevalência de tontura é predominante no gênero feminino, chegando à proporção de 2:1, o que explica o fato do presente estudo ter sido composto por mais mulheres do que homens.

No presente estudo utilizaram-se instrumentos como o DHI brasileiro e a QT, além da aplicação de uma entrevista como avaliação qualitativa, a fim de identificar os efeitos provocados pelo programa diante a qualidade de vida desses indivíduos. De tal modo, observou que os dados quantitativos e qualitativos convergiram para uma melhora, manutenção e/ou remissão dos sintomas de tontura. Alguns dos relatos de melhora podem ser observados a seguir:

 

P2. /.../ depois que eu comecei o tratamento /.../ nun’ca mais me deu tontura estou ótima.

P5. /.../ melhorei bem assim ao:: (+) quanto u:: (+) tontu:ra melhore:i bem: assim(+) bem a:: (+) um seten’ta por cento de melhora (+) i:: numa vida normal também tudu (+) qué dize DEU bom resultado /.../ i:: minhas atividade ta normal: (+) qué dize melhoro bem:: to:: disinvolveno bem: o trabalho normalmenti (+) i levo a vida normal

 

Dentre os resultados quantitativos observou-se que os participantes do estudo apresentaram uma melhora tanto na qualidade de vida geral como nos domínios, obtendo diminuição dos escores de mais de 50% do DHI brasileiro pós-intervenção. Segundo Ganança et al. [33], os resultados do DHI total devem obter uma queda de pelo menos 18 pontos entre o pré e pós-intervenção para que o tratamento de RV seja eficaz.

Um estudo recente realizado por Rocha Junior et al. [42] com a mesma proposta de intervenção, demonstrou melhora significativa da sintomatologia de tontura, da qualidade de vida geral e dos domínios físicos, emocionais e funcionais após a realização do programa.

De acordo com os resultados obtidos pelo DHI, o domínio que apresentou maiores escores iniciais foi o físico, se comparado aos domínios funcionais e emocionais, e, após a realização do programa, foi o que apresentou melhores resultados. Algumas falas contemplam esse achado:

 

P1. /.../ eu:: melhorei bastan::ti mes::mo (+) eu:: não to sentino ma::is nada (+) peguei ma::is inquilibrio no corpo /.../ (+) eu to (+) ó::tima viu. /.../ (+) não to sentino mais na:da (+) eu faço ginás:tica (+) eu faço caminha:da (+) eu faço di tu::do e não sintu mais na::da(+) to muito boa.

P4. /.../ minhas atividade ta sendo normal.

P3. /.../ mi sinti bastan:ti (+) melhor: com o tratamento.

 

Em contrapartida, Patatas et al. [38] relatam que a avaliação do domínio físico permite verificar a relação entre os movimentos dos olhos, da cabeça e do corpo com o aparecimento ou piora da tontura, permitindo avaliar o prejuízo da qualidade de vida.

Os resultados referentes aos domínios emocionais e funcionais mesmo não apresentando diferenças significativas, porém apresentaram melhora clínica satisfatória [33]. Achados estes que corroboram outros estudos que após realização de diferentes protocolos de RV realizados em ambientes ambulatoriais e domiciliares, foi constatado melhora nos domínios funcionais e emocionais [43,44].

Com o programa de RV também foi possível resultados significativos no que diz respeito à sintomatologia de tontura, que consequentemente trouxe melhora na qualidade de vida dos idosos participantes do programa, a ponto de um deles relatar não sentir mais necessidade da utilização de medicamentos para o respectivo sintoma, como observado na fala abaixo:

 

P4. /.../ não ta dando ma:is a ton:tu:ra (+) parei com o remédio também.

 

Algumas limitações metodológicas merecem ser mencionadas, como a falta de critério na seleção dos participantes por diagnósticos, a ausência de grupo de comparação e a amostra de número pequeno.

Vale ressaltar que, ainda no delineamento da pesquisa, alguns consultórios médicos e centros especializados foram visitados e convidados a encaminhar seus pacientes para o programa de RV. Porém, surpreendentemente, alguns clínicos relataram não se ater a especificidade do diagnóstico terapêutico das disfunções vestibulares e que o tratamento era, essencialmente, baseado nos sintomas vestibulares.

Rotineiramente, as queixas vestibulares são diagnosticadas como “labirintite” e tratadas com flunarizina ou cinarizina [45]. Para Bertol e Rodriguez [46], é compreensível que o leigo use o termo “labirintite”. Porém, a utilização dessa terminologia por médicos que a aceitam sem um questionamento ou esclarecimento dos sintomas e ainda a tratam de forma indiscriminada é considerada imprópria e negligente.

Deste modo, preconizou-se não eleger critérios específicos para a aquisição da amostra, no que diz respeito ao diagnóstico médico, devido a possíveis dificuldades na obtenção destes diagnósticos. Assim, um simples diagnóstico médico de doença do órgão periférico e/ou sintomatologia de tontura por, pelo menos, dois meses foram os critérios para participar do estudo.

 

Conclusão

 

Pode-se concluir que o programa de RV contribuiu para uma melhora clínica dos sintomas de tontura, qualidade de vida geral, emocional, funcional e física dos idosos participantes. Observou-se ainda uma correlação positiva entre sintomatologia de tontura e qualidade de vida geral, funcional e física, ou seja, quanto menor o sintoma de tontura, melhor a qualidade de vida destes idosos em diferentes aspectos.

Assim, por se tratar de um protocolo de fácil execução e de baixo custo, sugere-se sua utilização no processo de RV, uma vez que seus resultados refletiram na melhora autorrelatada das atividades cotidianas, sociais e domiciliares dos idosos estudados. Por fim, é recomendada a reprodutibilidade deste protocolo estruturado em grupo com amostras mais representativas e maiores critérios de seleção, a fim de corroborar os resultados obtidos neste estudo.

 

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