Fisioter Bras 2022;23(4):524-37
ARTIGO
ORIGINAL
Cuidados
paliativos no ensino da fisioterapia
Palliative care in physical therapy teaching
Jayanne Marques Bitencourt da Costa*, Rubens
Marinho da Paz*, Vitória Eduarda Lopes Gonçalves Wariss*,
Erika Cristina de Almeida Barros*, Ana Cristina Vidigal Soeiro, D.Sc.
*Universidade
do Estado do Pará (UEPA)
Recebido
em 17 de fevereiro de 2022; Aceito em 20 de junho de
2022.
Correspondência: Jayanne
Marques Bitencourt da Costa, Passagem Santa Terezinha 169, Coqueiro, 67113-260
Ananindeua PA
Jayanne Marques Bitencourt da Costa:
bitencourtjayh@gmail.com
Rubens
Marinho da Paz, rubensmarinhodapaz@hotmail.com
Vitória
Eduarda Lopes Gonçalves Wariss:
vitoriagoncalves013@gmaill.com
Erika
Cristina de Almeida Barros: erika00cris@gmail.com
Ana
Cristina Vidigal Soeiro, D.Sc.: acsoeiro1@gmail.com
Resumo
Introdução: A participação da fisioterapia nos
cuidados paliativos pressupõe intervenções que visam melhorar o conforto do
paciente, reduzir o tempo de hospitalização, e facilitar o manejo das
implicações físicas, emocionais, sociais e espirituais, decorrentes de um
diagnóstico de doença grave ou potencialmente ameaçadora da vida. Entretanto,
mesmo diante da sua crescente importância, o ensino dos cuidados paliativos
ainda precisa ser priorizado na formação dos profissionais de saúde. Objetivo:
Analisar a inclusão dos cuidados paliativos como temática do ensino da
Fisioterapia, na perspectiva de fisioterapeutas docentes de uma universidade
pública. Métodos: Trata-se de um estudo do tipo transversal, exploratório
e descritivo, com metodologia quantitativa. A coleta de dados incluiu o uso de
um questionário online no formato Google Forms,
projetado para responder aos objetivos da pesquisa. Resultados:
Participaram do estudo 23 docentes de uma universidade pública estadual,
localizada no norte do país. Os dados apontaram que os cuidados paliativos são
considerados um conteúdo relevante para a formação de futuros fisioterapeutas,
e devem ser priorizados na grade curricular do curso. Conclusão: Os
resultados indicaram lacunas no ensino sobre cuidados paliativos durante a
graduação em fisioterapia, particularmente no que concerne à discussão sobre a
autonomia do paciente.
Palavras-chave: cuidados paliativos; fisioterapia;
bioética.
Abstract
Introduction: The participation
of physical therapy in palliative care presupposes interventions aimed at
improving patient comfort, reducing hospitalization time, and facilitating the
management of physical, emotional, social and spiritual issues arising from a
diagnosis of serious illness or potentially life threatening. However, despite
its growing importance, the teaching of palliative care still needs to be
prioritized in the training of health professionals. Objective: To
analyze the inclusion of palliative care as a theme in the teaching of physical
therapy, from the perspective of physiotherapists teaching at a public
university. Methods: This is a cross-sectional, exploratory and
descriptive study with a quantitative methodology. Data collection includes the
use of an online questionnaire in Google Forms format, designed to respond to
the survey objectives. Results: Twenty-three professors from a state
public university, located in the north of the country, participated in the
study. The data indicated that palliative care is considered a relevant content
for the training of future physical therapists, and should be prioritized in
the course's curricular series. Conclusion: The results showed that
there are gaps in teaching about palliative care during graduation in physical
therapy, particularly with regard to the discussion on patient autonomy.
Keywords: palliative care; physiotherapy;
bioethics.
O
surgimento dos Cuidados Paliativos (CP) teve o pioneirismo de Dame Cicely Saunders, na
Inglaterra, por meio da fundação do St Christopher’s Hospice, em 1967
[1]. Na atualidade, os CP representam uma importante modalidade de cuidado em
saúde, constituindo uma abordagem clínica em expansão no Brasil [2].
Em 2002, a
Organização Mundial de Saúde (OMS) definiu o termo
como uma abordagem
multidisciplinar, que objetiva a melhoria da qualidade de vida (QV) do
paciente
e seus familiares, diante de uma doença que ameace a vida, por
meio da
prevenção e alívio do sofrimento,
identificação precoce, avaliação
impecável e tratamento
de dor e demais sintomas físicos, sociais, psicológicos e
espirituais [3].
No
Brasil, o fortalecimento dos CP ocorreu na década de 80, mas somente a partir
do ano 2000, houve a consolidação de ações e práticas clínicas nesse campo [4].
Além disso, em 2005, foi criada a Academia Nacional de Cuidados Paliativos
(ANCP), entidade que impulsionou a difusão e suporte científico para realização
de eventos e pesquisas na área [4].
Em
comparação ao cenário mundial, e considerando o sistema de saúde brasileiro, os
CP ainda não alcançaram o nível de excelência desejado. Conforme revelado no
Atlas Global de Cuidado Paliativo, o qual retrata o desenvolvimento dessa
abordagem em diferentes países, o Brasil recebeu a 3ª classificação. Estão
inclusos nessa categoria, os países que promovem CP de forma isolada, com
suporte financeiro dependente da esfera privada, pouca oferta de morfina, e com
serviços de cuidados paliativos insuficientes para atender à demanda
populacional [5,6].
No
cenário nacional, a oferta de CP acontece de forma irregular, com uma
concentração superior a 50% na região sudeste, enquanto na região
norte-nordeste abrange um número inferior a 10%. Ademais, a maior parte das
atividades se concentram em hospitais, e o atendimento em hospice
e pediatria são as áreas menos contempladas [2].
No
campo das intervenções fisioterapêuticas, os CP envolvem uma avaliação
criteriosa visando à escolha adequada de tratamentos, técnicas e exercícios,
sempre com o objetivo de propiciar conforto e dignidade, e melhorar a qualidade
de vida, visto que o sofrimento e a dor afetam várias dimensões da existência
[4]. Desse modo, a presença do fisioterapeuta na equipe multiprofissional tem o
objetivo de contribuir para ampliar o cuidado ao paciente e aos seus
familiares, considerados parte indissociável da unidade de cuidados [7,8].
Embora
a inserção do fisioterapeuta na Atenção Primária em Saúde (APS) esteja prevista
na estrutura de funcionamento do Núcleo Ampliado de Saúde da Família e Atenção
Básica (NASF-AB) como uma das profissões que podem compor a equipe
multiprofissional [9], ainda há poucos estudos consolidados sobre as
intervenções realizadas no campo dos CP [8,10]. Além disso, também há uma
limitação de pesquisas que tratem da inclusão de tais conteúdos nos cursos de
nível superior, embora se trate de uma temática com visibilidade crescente no
ensino em saúde e particularmente no âmbito da Fisioterapia [8].
Em
2018, através da Resolução de Nº41, elaborada pela Comissão Intergestores
Tripartite (CIT), os CP se tornaram uma política pública, a ser ofertada em
todos os níveis de atenção e saúde [11]. Tal conquista trouxe a necessidade de
que as instituições de ensino superior contemplem o ensino de tais conteúdos na
formação dos profissionais de saúde, alinhado aos desenhos curriculares às
atuais diretrizes do Sistema Único de Saúde (SUS) [11]. Além disso, em outubro
de 2021, os CP foram reconhecidos como área de atuação da Fisioterapia,
definindo a importância de habilidades e competências que precisam ser
desenvolvidas na graduação e formação dos fisioterapeutas especialistas [12].
Diante
do exposto, a presente pesquisa foi projetada para analisar a inclusão dos CP
como conteúdo da graduação em Fisioterapia, tomando como cenário de
investigação uma universidade pública, localizada na região norte do país.
Pretende-se que os resultados apresentados ampliem a discussão do tema e ajudem
a potencializar a participação dos fisioterapeutas nesse importante espaço do
cuidado em saúde.
Objetivo
O
objetivo da pesquisa foi analisar a inclusão dos Cuidados Paliativos como
temática do ensino da Fisioterapia, na perspectiva de fisioterapeutas docentes
de uma universidade pública. Além disso, pretendeu-se investigar o conhecimento
dos docentes acerca dos cuidados paliativos, conhecer a opinião sobre a
importância e o papel dos cuidados paliativos nas intervenções
fisioterapêuticas, e identificar diferenças na abordagem do tema, considerando
as várias etapas da formação acadêmica.
Trata-se
de um estudo do tipo transversal, exploratório e descritivo, com abordagem
quantitativa. A coleta de dados ocorreu no período de março a junho de 2021, e
somente teve início após a aprovação prévia do Comitê de Ética em Pesquisa, sob
parecer número 4.627.739.
Foram
incluídos 23 docentes do Curso de Fisioterapia, com atuação no campus
metropolitano da Universidade do Estado do Pará (UEPA). A amostra representa
59,0% (n = 39) do total de fisioterapeutas docentes no curso, e foi composta
pelos participantes que aceitaram voluntariamente participar, mediante
assinatura do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE). Foram
excluídos da amostra 41% (n = 16), em razão de não terem respondido ao convite
para participar do estudo.
As
informações foram coletadas por meio de um questionário no formato Google Forms, o qual foi enviado individualmente após o aceite.
Após a finalização da coleta de dados, as respostas ao questionário foram
analisadas de forma sistematizada, com uso de estatística descritiva e
organização das respostas por unidades temáticas, as quais foram estruturadas
em torno das categorias de interesse dos pesquisadores.
Do
total de participantes, 13 (57%) eram do sexo feminino e 10 (43%) do sexo
masculino, com média de idade de 46,5 ± 9,27 anos, mínimo de 33 e máximo de 66
anos. Além disso, 20 (87%) atuavam na instituição há mais de 5 anos, 19 (83%)
tinham vínculo efetivo com a universidade, enquanto os demais 4 (17%) tinham
vínculo temporário.
Quanto
ao período do curso no qual desenvolviam as atividades docentes, 9 (39%)
lecionavam no 1° ano, 6 (26%) no 2° ano, 6 (26%) no 3° ano, 7 (30%) no 4° ano,
e 8 (35%) no 5° ano.
No
que concerne às áreas de especialização, 5 (18%) tinham especialização em
Fisioterapia Neurofuncional, 4 (14,2%) em
Fisioterapia Traumato-ortopédica, 4 (14,2%) em
Fisioterapia Intensiva, 4 (14,2%) em Fisioterapia Cardiorrespiratória, 3 (11%)
em Gerontologia, 2 (7%) em Fisioterapia em Saúde da Mulher. As demais áreas de
especialização incluíram: Fisioterapia em Acupuntura - 1(3%), Epidemiologia 1
(3,6%), Psicomotricidade - 1 (3,6%), Fisioterapia do Trabalho - 1 (3,6%),
Aprendizagem motora 1 - (3,6%) e Cinesiologia - 1 (3,6%), como consta na tabela
a seguir (Tabela I). Vale ressaltar que alguns participantes apontaram mais de
uma área.
Tabela
I - Áreas de
especialização dos docentes
n
= Frequência absoluta; % = Frequência relativa. Fonte: Dados da pesquisa, 2021
Quando
questionados acerca do contato prévio com o tema durante a graduação, 3 (13%)
afirmaram que a abordagem do tema foi muito satisfatória, 7 (30%) satisfatória,
8 (35%) pouco satisfatória e 5 (22%) insatisfatória, como consta na figura 1.
Fonte:
Dados da pesquisa, 2021
Figura
1 - Nível de
satisfação com o contato prévio sobre cuidados paliativos durante a graduação
Quando
foi perguntado aos participantes se sentiam capazes de definir com precisão a
expressão “cuidados paliativos”, 14 (61%) responderam afirmativamente, mas 8
(35%) não tinham certeza, e 1 (4%) não sabia definir (Figura 2).
Fonte:
Dados da pesquisa, 2021
Figura
2 - Capacidade para
definir com precisão a expressão “cuidados paliativos”
Além
disso, apenas 10 (43%) se sentiam seguros para atuar na área, 10 (43%) não se
consideravam aptos, e 3 (13%) não souberam responder.
Em
relação à inclusão dos CP nos conteúdos curriculares do curso de Fisioterapia,
22 (96%) dos professores concordam que eles devem estar na grade curricular, e
somente 1 (4%) considerou que não há necessidade. Entretanto, quando indagados
acerca da frequência com que tais conteúdos são abordados nas atividades de
ensino, 4 (17%) afirmaram que incluem sempre, 7 (30%) às vezes, 6 (26%)
raramente, 4 (17%) nunca, e 2 (10%) não souberam responder a regularidade com
que abordam os CP em suas atividades docentes (Tabela II).
Tabela
II - Frequência com
que conteúdos sobre cuidados paliativos são abordados nas atividades de ensino
n
= Frequência absoluta; % = Frequência relativa. Fonte: Dados da pesquisa, 2021
No
que concerne ao preparo técnico para a abordagem do tema, 3 (13%) avaliaram
como excelente, 10 (43%) bom, 5 (22%) regular, 4 (17%) ruim, e 1 (4%) como
péssimo. No que concerne ao interesse em conhecer mais sobre a temática, 22
(96%) gostariam de conhecer mais o assunto, entretanto, 1 (4%) respondeu
negativamente.
Em
complemento a essa pergunta, aqueles que responderam afirmativamente eram
solicitados a justificar sua resposta, com base em uma lista de justificativas.
As respostas são apresentadas na Tabela III.
Tabela
III - Justificativas
sobre o interesse em conhecer mais os cuidados paliativos
n
= Frequência absoluta; % = Frequência relativa. Fonte: Dados da pesquisa, 2021
Em
relação aos conhecimentos acerca dos CP, 17 (73%) concordaram totalmente com o
fato de que são práticas que objetivam a melhora da QV, particularmente no
cuidado a pacientes com doenças graves, incuráveis e ameaçadoras da vida, 5
(22%) concordaram parcialmente, e 1 (4%) discordou parcialmente. Ademais, 21
docentes (91%) acreditam que os CP estão baseados nos princípios bioéticos da
autonomia, beneficência, não maleficência e justiça, dos quais 1 (4%) concorda
parcialmente, e 1 (4%) não soube responder.
No
que concerne à abordagem familiar, 21 (91%) concordaram que o profissional deve
abordar, não apenas o paciente, mas também seus familiares e cuidadores, haja
vista que a família é considerada a unidade de cuidado. Entretanto, 1 (4%)
discordou parcialmente, e 1 (4%) discordou totalmente de tal afirmativa.
Além
disso, 19 (74%) concordaram que os CP podem ser utilizados por portadores de
doenças que ameacem a sua vida, independentemente da idade. No entanto, 2 (9%)
concordaram parcialmente, 1 (4%) não souber responder, e 1 (4%) não concordou.
Do
total, 21 (91%) dos docentes concordaram totalmente com a afirmação de que os
CP devem contemplar diferentes dimensões do cuidado, incluindo a abordagem dos
problemas físicos, sociais, psicológicos e espirituais do paciente, 1 (4%)
concordou parcialmente, e 1 (4%) não soube dizer. Além disso, 8 (35%)
concordaram totalmente que os CP constituem uma abordagem terapêutica
direcionada a pacientes em fase final de vida, 9 (39%) concordaram
parcialmente, 2 (9%) não souberam responder, 3 (13%) discordaram parcialmente,
e 1 (4%) discordou.
Questionados
acerca da autonomia do paciente, 17 (74%) concordaram que esta deve ser
considerada um dos princípios estruturantes da assistência em CP, 5 (22%)
concordaram parcialmente, e 1 (4%) discordou. Além disso, 16 (70%) costumam
inserir assuntos relacionados à autonomia do paciente em suas atividades
docentes, porém, 7 (30%) abordam apenas às vezes.
Do
total de participantes, 8 (35%) conhecem e sabem conceituar “diretivas
antecipadas de vontade”, 6 (26%) já ouviram falar, mas não sabem exatamente o
que significa, e 9 (39%) nunca ouviram falar. Em relação ao “testamento vital”,
7 (30%) conhecem a expressão e seu significado, 6 (26%) conhecem, mas não
saberiam definir o significado, 2 (9%) ouviram falar e não sabem o significado,
e 8 (35%) desconhecem de fato.
No
que concerne à relevância do ensino dos CP no ensino da Fisioterapia, 9 (40%)
concordam totalmente que eles devem ser considerados prioridade, 7 (30%) apenas
concordam, enquanto 7 (30%) concordam parcialmente. Além disso, 21 (91%)
consideram que há necessidade de incluir mais conteúdos relacionados à CP
durante a graduação em fisioterapia, 1 (4%) não tem certeza, e 1 (4%) não
considera necessário.
Em
relação à caracterização da amostra, a maioria dos participantes desenvolvia
suas atividades docentes há mais de cinco anos na instituição, mas nenhum
indicou especialização na área de cuidados paliativos. Ainda que constitua uma
área de intervenção multiprofissional, os CP constituem um campo da atuação
fisioterapêutica, tendo sido reconhecidos como área de especialização da
fisioterapia, a partir de outubro de 2021. Além disso, o Código de Ética e
Deontologia da Fisioterapia esclarece, no artigo 4°, que o fisioterapeuta deve
prestar assistência ao ser humano, tanto no plano individual quanto coletivo,
participando da promoção da saúde, prevenção de agravos, tratamento e
recuperação da sua saúde, e deve participar dos cuidados paliativos, sempre
dando ênfase à QV [13].
Os
resultados demonstraram que a maioria dos participantes teve uma abordagem do
tema pouco satisfatória durante sua graduação, com mais de 35% afirmando que
não tinham certeza se seriam capazes de definir com precisão a expressão. Além
disso, somente 43% se sentiriam seguros para atuar na área. Tais achados
revelam que o ensino de CP durante a graduação, particularmente para aqueles
graduados há mais de cinco anos, se mostra insuficiente para uma abordagem mais
aprofundada da temática, realidade que certamente repercute nas atividades de
ensino [14].
Embora
mais da metade dos participantes tenham avaliado positivamente seu preparo
técnico para abordar o tema, 96% gostariam de conhecer mais o assunto,
principalmente por reconhecerem a relevância do tema, em se tratando do
atendimento a pacientes com doenças graves e incuráveis, e nas situações
envolvendo a morte e o morrer [8]. Entretanto, embora considerem que tais conteúdos
devam ser incluídos nas atividades acadêmicas, nem todos inserem a discussão da
temática em seus conteúdos de ensino.
Em
relação aos motivos que justificam o interesse pelo tema, as respostas com
maior frequência apontaram o argumento de que todos os professores devem
conhecer o assunto, o qual deve ser abordado em todos os conteúdos do curso, já
que se trata de uma temática transversal. De fato, a importância dos CP vem
sendo intensamente debatida em vários espaços do ensino em saúde, particularmente
porque no Brasil esse tipo de abordagem tem ganhado progressiva visibilidade,
alterando a concepção equivocada de que não há mais nada a fazer diante de
doenças incuráveis ou ameaçadoras da vida [3,4,15].
Do
total, 91% concordaram que os CP devem contemplar diferentes dimensões do
cuidado, incluindo a abordagem dos problemas físicos, sociais, psicológicos e
espirituais do paciente. Entretanto, as respostas apontaram uma falta de
precisão em relação aos objetivos e abrangência dos cuidados paliativos, embora
grande parte dos participantes reconheça a sua importância na melhoria da
qualidade de vida. Cabe destacar que os CP impactam não só na qualidade de
vida, mas também na dignidade humana, durante toda sua caminhada do paciente em
decorrência do seu processo de adoecimento [4,18].
Os
cuidados paliativos implicam em uma abordagem interdisciplinar que busca cuidar
e reduzir o sofrimento e a dor, tanto do paciente quanto da sua família
[16,17]. Na presente pesquisa, os achados demonstraram que mais de 90%
concordam com a inclusão da família no processo terapêutico, haja vista que os
familiares são compreendidos como parte indissociável da unidade de cuidados
[2,8].
Em relação aos princípios bioéticos da
autonomia, beneficência, não maleficência e justiça, mais de 90% concordaram
que são importantes para os CP. Merece destaque o fato de que, embora concordem
que a autonomia deva ser priorizada como princípio estruturante dos CP, 30%
abordam tal assunto apenas às vezes. Tal resultado demonstra que a autonomia é
um aspecto dos CP que precisa ser melhor problematizado, em se tratando do
ensino da fisioterapia.
Considerar
a autonomia do paciente não constitui só a garantia de um direito, mas também
um dever de todos os profissionais da equipe de saúde, embora seja necessário
considerar a complexidade e os desafios que a expressão comporta. Vale destacar
que o fato de alguns profissionais compreenderem a importância desse princípio,
não necessariamente significa que o validam na relação com o paciente. Tal
pressuposto reforça a importância de que tais conteúdos sejam contemplados na
formação acadêmica, particularmente no que tange aos aspectos éticos e
bioéticos do exercício profissional.
Os
achados revelaram lacunas no conhecimento sobre as “diretivas antecipadas de
vontade” e “testamento vital”, temas relacionados aos CP. As Diretivas
Antecipadas de Vontade (DAV) constituem um conjunto de orientações e/ou
direcionamentos que expressam a vontade de um indivíduo quanto às decisões
sobre sua vida. Nesse escopo, está incluso o Testamento Vital, documento que
expressa o desejo de um paciente em fim de vida, quanto aos cuidados que deseja
ou não receber, quando estiver impossibilitado de manifestar sua vontade. As
DAV e o Testamento Vital, embora não sejam previstos na legislação brasileira,
têm sido aceitos como instrumentos de reconhecimento da vontade e da autonomia
do paciente [19,20].
Estudo
realizado demonstrou que profissionais de diversas áreas da saúde têm
dificuldades para lidar com a morte de pacientes. Ao argumentar as razões
disso, os autores apontaram que a falta de conhecimento em CP interfere nas
atitudes tomadas diante de situações de finitude, afetando também, o estado
psicológico do profissional [16]. Tais resultados, conforme também apontado no
presente estudo, reforçam a necessidade da inclusão de mais conteúdos
envolvendo CP durante a graduação, principalmente no que tange à fisioterapia,
também pela proximidade e o contato prolongado que caracterizam a relação
terapêutica.
Na
opinião de Costa, os fisioterapeutas ainda não estão familiarizados com o tema
“final de vida”, em virtude da falta de conteúdos curriculares durante a
graduação. Assim, embora muitos profissionais reconheçam a importância dos CP,
como foi descrito, podem apresentar dificuldades em lidar com a autonomia do
paciente e os sentimentos envolvidos durante o processo [8].
Outro
fato a ser considerado é que alguns profissionais de saúde se sentem impotentes
quando o paciente não tem possibilidades terapêuticas de cura, e tem a
possibilidade de morrer em virtude de sua doença [16]. Anteriormente, os CP
eram recomendados somente aos pacientes com doenças incuráveis, entretanto, na
atualidade, são indicados a indivíduos que tenham o diagnóstico de uma doença
que limite ou ameace a vida, independente de faixa etária, focando na
minimização da dor e do sofrimento, e não no prognóstico [2]. Essa ampliação
conceitual implica que os CP sejam introduzidos de forma precoce, e não apenas
quando o paciente se encontra em uma fase final de sua vida.
A
Resolução n° 539, do Conselho Federal de Fisioterapia e Terapia Ocupacional,
reconhece a atuação do fisioterapeuta em CP, afirmando que essa abordagem deve
ser ofertada em todos os níveis de cuidado [12]. Tal avanço amplia uma demanda
já existente para a sensibilização e capacitação dos futuros profissionais em
relação aos CP. Da mesma forma, os achados da pesquisa corroboram o
reconhecimento da importância de tal temática na graduação em fisioterapia, haja
vista que 91% dos participantes consideraram que há a necessidade de incluir
mais conteúdos relacionados à CP ao longo da grade curricular do curso.
Em
se tratando do seu recente reconhecimento como área de atuação da Fisioterapia,
os CP precisam ser incluídos e validados como conteúdos curriculares relevantes
do Curso de Fisioterapia. Além disso, os dados obtidos demonstraram que os
participantes têm interesse em aprimorar seus conhecimentos nessa abordagem,
por considerarem um tema a ser contemplado nas atividades docentes.
Apesar
de estarem sensibilizados para a importância do tema, os resultados demonstram
a importância de intensificar as discussões sobre o assunto, particularmente
aquelas que envolvem questões relacionadas à autonomia do paciente. Ademais, em
se tratando de uma política pública direcionada aos cuidados prestados no
âmbito do SUS, e considerando o importante papel desenvolvido pelas
universidades públicas brasileiras, é necessário desenvolver estratégias pedagógicas
que visem a problematização do tema, ampliando o acesso a esse tipo de
conhecimento por parte dos futuros profissionais.
Embora
os achados representem um quantitativo reduzido de respostas, o que dificulta a
generalização dos resultados, pretende-se que eles impulsionem novas pesquisas
na área, fomentando importantes reflexões para o ensino do tema no campo da
fisioterapia.
Conflitos
de interesse
Os
autores declaram que não existem conflitos de interesse.
Fonte
de financiamento
A
pesquisa teve financiamento próprio e não obteve recursos de instituição de
fomento.
Contribuição
dos autores
Concepção
e desenho da pesquisa:
Soeiro ACV, Bitencourt JM, Paz RM, Barros ECA, Wariss
VELG. Coleta de dados: Bitencourt JM, Paz RM, Barros ECA, Wariss VELG; Analise e interpretação de dados:
Soeiro ACV, Bitencourt JM, Paz RM, Barros ECA, Wariss
VELG; Análise estatística: Soeiro ACV, Bitencourt JM, Paz RM, Barros
ECA, Wariss VELG; Redação do manuscrito:
Soeiro ACV; Bitencourt JM, Paz RM, Barros ECA, Wariss
VELG; Revisão crítica do manuscrito quanto ao conteúdo intelectual
importante: Soeiro ACV, Bitencourt JM, Paz RM, Barros ECA, Wariss VELG.