Fisioter Bras 2022;23(4):524-37

doi: 10.33233/fb.v23i4.5103

ARTIGO ORIGINAL

Cuidados paliativos no ensino da fisioterapia

Palliative care in physical therapy teaching

 

Jayanne Marques Bitencourt da Costa*, Rubens Marinho da Paz*, Vitória Eduarda Lopes Gonçalves Wariss*, Erika Cristina de Almeida Barros*, Ana Cristina Vidigal Soeiro, D.Sc.

 

*Universidade do Estado do Pará (UEPA)

 

Recebido em 17 de fevereiro de 2022; Aceito em 20 de junho de 2022.

Correspondência: Jayanne Marques Bitencourt da Costa, Passagem Santa Terezinha 169, Coqueiro, 67113-260 Ananindeua PA

 

Jayanne Marques Bitencourt da Costa: bitencourtjayh@gmail.com  

Rubens Marinho da Paz, rubensmarinhodapaz@hotmail.com  

Vitória Eduarda Lopes Gonçalves Wariss: vitoriagoncalves013@gmaill.com  

Erika Cristina de Almeida Barros: erika00cris@gmail.com

Ana Cristina Vidigal Soeiro, D.Sc.: acsoeiro1@gmail.com

 

Resumo

Introdução: A participação da fisioterapia nos cuidados paliativos pressupõe intervenções que visam melhorar o conforto do paciente, reduzir o tempo de hospitalização, e facilitar o manejo das implicações físicas, emocionais, sociais e espirituais, decorrentes de um diagnóstico de doença grave ou potencialmente ameaçadora da vida. Entretanto, mesmo diante da sua crescente importância, o ensino dos cuidados paliativos ainda precisa ser priorizado na formação dos profissionais de saúde. Objetivo: Analisar a inclusão dos cuidados paliativos como temática do ensino da Fisioterapia, na perspectiva de fisioterapeutas docentes de uma universidade pública. Métodos: Trata-se de um estudo do tipo transversal, exploratório e descritivo, com metodologia quantitativa. A coleta de dados incluiu o uso de um questionário online no formato Google Forms, projetado para responder aos objetivos da pesquisa. Resultados: Participaram do estudo 23 docentes de uma universidade pública estadual, localizada no norte do país. Os dados apontaram que os cuidados paliativos são considerados um conteúdo relevante para a formação de futuros fisioterapeutas, e devem ser priorizados na grade curricular do curso. Conclusão: Os resultados indicaram lacunas no ensino sobre cuidados paliativos durante a graduação em fisioterapia, particularmente no que concerne à discussão sobre a autonomia do paciente.

Palavras-chave: cuidados paliativos; fisioterapia; bioética.

 

Abstract

Introduction: The participation of physical therapy in palliative care presupposes interventions aimed at improving patient comfort, reducing hospitalization time, and facilitating the management of physical, emotional, social and spiritual issues arising from a diagnosis of serious illness or potentially life threatening. However, despite its growing importance, the teaching of palliative care still needs to be prioritized in the training of health professionals. Objective: To analyze the inclusion of palliative care as a theme in the teaching of physical therapy, from the perspective of physiotherapists teaching at a public university. Methods: This is a cross-sectional, exploratory and descriptive study with a quantitative methodology. Data collection includes the use of an online questionnaire in Google Forms format, designed to respond to the survey objectives. Results: Twenty-three professors from a state public university, located in the north of the country, participated in the study. The data indicated that palliative care is considered a relevant content for the training of future physical therapists, and should be prioritized in the course's curricular series. Conclusion: The results showed that there are gaps in teaching about palliative care during graduation in physical therapy, particularly with regard to the discussion on patient autonomy.

Keywords: palliative care; physiotherapy; bioethics.

 

Introdução

 

O surgimento dos Cuidados Paliativos (CP) teve o pioneirismo de Dame Cicely Saunders, na Inglaterra, por meio da fundação do St Christopher’s Hospice, em 1967 [1]. Na atualidade, os CP representam uma importante modalidade de cuidado em saúde, constituindo uma abordagem clínica em expansão no Brasil [2]. Em 2002, a Organização Mundial de Saúde (OMS) definiu o termo como uma abordagem multidisciplinar, que objetiva a melhoria da qualidade de vida (QV) do paciente e seus familiares, diante de uma doença que ameace a vida, por meio da prevenção e alívio do sofrimento, identificação precoce, avaliação impecável e tratamento de dor e demais sintomas físicos, sociais, psicológicos e espirituais [3].

No Brasil, o fortalecimento dos CP ocorreu na década de 80, mas somente a partir do ano 2000, houve a consolidação de ações e práticas clínicas nesse campo [4]. Além disso, em 2005, foi criada a Academia Nacional de Cuidados Paliativos (ANCP), entidade que impulsionou a difusão e suporte científico para realização de eventos e pesquisas na área [4].

Em comparação ao cenário mundial, e considerando o sistema de saúde brasileiro, os CP ainda não alcançaram o nível de excelência desejado. Conforme revelado no Atlas Global de Cuidado Paliativo, o qual retrata o desenvolvimento dessa abordagem em diferentes países, o Brasil recebeu a 3ª classificação. Estão inclusos nessa categoria, os países que promovem CP de forma isolada, com suporte financeiro dependente da esfera privada, pouca oferta de morfina, e com serviços de cuidados paliativos insuficientes para atender à demanda populacional [5,6].

No cenário nacional, a oferta de CP acontece de forma irregular, com uma concentração superior a 50% na região sudeste, enquanto na região norte-nordeste abrange um número inferior a 10%. Ademais, a maior parte das atividades se concentram em hospitais, e o atendimento em hospice e pediatria são as áreas menos contempladas [2].

No campo das intervenções fisioterapêuticas, os CP envolvem uma avaliação criteriosa visando à escolha adequada de tratamentos, técnicas e exercícios, sempre com o objetivo de propiciar conforto e dignidade, e melhorar a qualidade de vida, visto que o sofrimento e a dor afetam várias dimensões da existência [4]. Desse modo, a presença do fisioterapeuta na equipe multiprofissional tem o objetivo de contribuir para ampliar o cuidado ao paciente e aos seus familiares, considerados parte indissociável da unidade de cuidados [7,8].

Embora a inserção do fisioterapeuta na Atenção Primária em Saúde (APS) esteja prevista na estrutura de funcionamento do Núcleo Ampliado de Saúde da Família e Atenção Básica (NASF-AB) como uma das profissões que podem compor a equipe multiprofissional [9], ainda há poucos estudos consolidados sobre as intervenções realizadas no campo dos CP [8,10]. Além disso, também há uma limitação de pesquisas que tratem da inclusão de tais conteúdos nos cursos de nível superior, embora se trate de uma temática com visibilidade crescente no ensino em saúde e particularmente no âmbito da Fisioterapia [8].

Em 2018, através da Resolução de Nº41, elaborada pela Comissão Intergestores Tripartite (CIT), os CP se tornaram uma política pública, a ser ofertada em todos os níveis de atenção e saúde [11]. Tal conquista trouxe a necessidade de que as instituições de ensino superior contemplem o ensino de tais conteúdos na formação dos profissionais de saúde, alinhado aos desenhos curriculares às atuais diretrizes do Sistema Único de Saúde (SUS) [11]. Além disso, em outubro de 2021, os CP foram reconhecidos como área de atuação da Fisioterapia, definindo a importância de habilidades e competências que precisam ser desenvolvidas na graduação e formação dos fisioterapeutas especialistas [12].

Diante do exposto, a presente pesquisa foi projetada para analisar a inclusão dos CP como conteúdo da graduação em Fisioterapia, tomando como cenário de investigação uma universidade pública, localizada na região norte do país. Pretende-se que os resultados apresentados ampliem a discussão do tema e ajudem a potencializar a participação dos fisioterapeutas nesse importante espaço do cuidado em saúde.

 

Objetivo

 

O objetivo da pesquisa foi analisar a inclusão dos Cuidados Paliativos como temática do ensino da Fisioterapia, na perspectiva de fisioterapeutas docentes de uma universidade pública. Além disso, pretendeu-se investigar o conhecimento dos docentes acerca dos cuidados paliativos, conhecer a opinião sobre a importância e o papel dos cuidados paliativos nas intervenções fisioterapêuticas, e identificar diferenças na abordagem do tema, considerando as várias etapas da formação acadêmica.

 

Métodos

 

Trata-se de um estudo do tipo transversal, exploratório e descritivo, com abordagem quantitativa. A coleta de dados ocorreu no período de março a junho de 2021, e somente teve início após a aprovação prévia do Comitê de Ética em Pesquisa, sob parecer número 4.627.739.

Foram incluídos 23 docentes do Curso de Fisioterapia, com atuação no campus metropolitano da Universidade do Estado do Pará (UEPA). A amostra representa 59,0% (n = 39) do total de fisioterapeutas docentes no curso, e foi composta pelos participantes que aceitaram voluntariamente participar, mediante assinatura do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE). Foram excluídos da amostra 41% (n = 16), em razão de não terem respondido ao convite para participar do estudo.

As informações foram coletadas por meio de um questionário no formato Google Forms, o qual foi enviado individualmente após o aceite. Após a finalização da coleta de dados, as respostas ao questionário foram analisadas de forma sistematizada, com uso de estatística descritiva e organização das respostas por unidades temáticas, as quais foram estruturadas em torno das categorias de interesse dos pesquisadores.

 

Resultados

 

Do total de participantes, 13 (57%) eram do sexo feminino e 10 (43%) do sexo masculino, com média de idade de 46,5 ± 9,27 anos, mínimo de 33 e máximo de 66 anos. Além disso, 20 (87%) atuavam na instituição há mais de 5 anos, 19 (83%) tinham vínculo efetivo com a universidade, enquanto os demais 4 (17%) tinham vínculo temporário.

Quanto ao período do curso no qual desenvolviam as atividades docentes, 9 (39%) lecionavam no 1° ano, 6 (26%) no 2° ano, 6 (26%) no 3° ano, 7 (30%) no 4° ano, e 8 (35%) no 5° ano.

No que concerne às áreas de especialização, 5 (18%) tinham especialização em Fisioterapia Neurofuncional, 4 (14,2%) em Fisioterapia Traumato-ortopédica, 4 (14,2%) em Fisioterapia Intensiva, 4 (14,2%) em Fisioterapia Cardiorrespiratória, 3 (11%) em Gerontologia, 2 (7%) em Fisioterapia em Saúde da Mulher. As demais áreas de especialização incluíram: Fisioterapia em Acupuntura - 1(3%), Epidemiologia 1 (3,6%), Psicomotricidade - 1 (3,6%), Fisioterapia do Trabalho - 1 (3,6%), Aprendizagem motora 1 - (3,6%) e Cinesiologia - 1 (3,6%), como consta na tabela a seguir (Tabela I). Vale ressaltar que alguns participantes apontaram mais de uma área.

 

Tabela I - Áreas de especialização dos docentes

 

n = Frequência absoluta; % = Frequência relativa. Fonte: Dados da pesquisa, 2021

 

Quando questionados acerca do contato prévio com o tema durante a graduação, 3 (13%) afirmaram que a abordagem do tema foi muito satisfatória, 7 (30%) satisfatória, 8 (35%) pouco satisfatória e 5 (22%) insatisfatória, como consta na figura 1.

 

 

Fonte: Dados da pesquisa, 2021

Figura 1 - Nível de satisfação com o contato prévio sobre cuidados paliativos durante a graduação

 

Quando foi perguntado aos participantes se sentiam capazes de definir com precisão a expressão “cuidados paliativos”, 14 (61%) responderam afirmativamente, mas 8 (35%) não tinham certeza, e 1 (4%) não sabia definir (Figura 2).

 

 

Fonte: Dados da pesquisa, 2021

Figura 2 - Capacidade para definir com precisão a expressão “cuidados paliativos”

 

Além disso, apenas 10 (43%) se sentiam seguros para atuar na área, 10 (43%) não se consideravam aptos, e 3 (13%) não souberam responder.

Em relação à inclusão dos CP nos conteúdos curriculares do curso de Fisioterapia, 22 (96%) dos professores concordam que eles devem estar na grade curricular, e somente 1 (4%) considerou que não há necessidade. Entretanto, quando indagados acerca da frequência com que tais conteúdos são abordados nas atividades de ensino, 4 (17%) afirmaram que incluem sempre, 7 (30%) às vezes, 6 (26%) raramente, 4 (17%) nunca, e 2 (10%) não souberam responder a regularidade com que abordam os CP em suas atividades docentes (Tabela II).

 

Tabela II - Frequência com que conteúdos sobre cuidados paliativos são abordados nas atividades de ensino

 

n = Frequência absoluta; % = Frequência relativa. Fonte: Dados da pesquisa, 2021

 

No que concerne ao preparo técnico para a abordagem do tema, 3 (13%) avaliaram como excelente, 10 (43%) bom, 5 (22%) regular, 4 (17%) ruim, e 1 (4%) como péssimo. No que concerne ao interesse em conhecer mais sobre a temática, 22 (96%) gostariam de conhecer mais o assunto, entretanto, 1 (4%) respondeu negativamente.

Em complemento a essa pergunta, aqueles que responderam afirmativamente eram solicitados a justificar sua resposta, com base em uma lista de justificativas. As respostas são apresentadas na Tabela III.

 

Tabela III - Justificativas sobre o interesse em conhecer mais os cuidados paliativos

 

n = Frequência absoluta; % = Frequência relativa. Fonte: Dados da pesquisa, 2021

 

Em relação aos conhecimentos acerca dos CP, 17 (73%) concordaram totalmente com o fato de que são práticas que objetivam a melhora da QV, particularmente no cuidado a pacientes com doenças graves, incuráveis e ameaçadoras da vida, 5 (22%) concordaram parcialmente, e 1 (4%) discordou parcialmente. Ademais, 21 docentes (91%) acreditam que os CP estão baseados nos princípios bioéticos da autonomia, beneficência, não maleficência e justiça, dos quais 1 (4%) concorda parcialmente, e 1 (4%) não soube responder.

No que concerne à abordagem familiar, 21 (91%) concordaram que o profissional deve abordar, não apenas o paciente, mas também seus familiares e cuidadores, haja vista que a família é considerada a unidade de cuidado. Entretanto, 1 (4%) discordou parcialmente, e 1 (4%) discordou totalmente de tal afirmativa.

Além disso, 19 (74%) concordaram que os CP podem ser utilizados por portadores de doenças que ameacem a sua vida, independentemente da idade. No entanto, 2 (9%) concordaram parcialmente, 1 (4%) não souber responder, e 1 (4%) não concordou.

Do total, 21 (91%) dos docentes concordaram totalmente com a afirmação de que os CP devem contemplar diferentes dimensões do cuidado, incluindo a abordagem dos problemas físicos, sociais, psicológicos e espirituais do paciente, 1 (4%) concordou parcialmente, e 1 (4%) não soube dizer. Além disso, 8 (35%) concordaram totalmente que os CP constituem uma abordagem terapêutica direcionada a pacientes em fase final de vida, 9 (39%) concordaram parcialmente, 2 (9%) não souberam responder, 3 (13%) discordaram parcialmente, e 1 (4%) discordou.

Questionados acerca da autonomia do paciente, 17 (74%) concordaram que esta deve ser considerada um dos princípios estruturantes da assistência em CP, 5 (22%) concordaram parcialmente, e 1 (4%) discordou. Além disso, 16 (70%) costumam inserir assuntos relacionados à autonomia do paciente em suas atividades docentes, porém, 7 (30%) abordam apenas às vezes.

Do total de participantes, 8 (35%) conhecem e sabem conceituar “diretivas antecipadas de vontade”, 6 (26%) já ouviram falar, mas não sabem exatamente o que significa, e 9 (39%) nunca ouviram falar. Em relação ao “testamento vital”, 7 (30%) conhecem a expressão e seu significado, 6 (26%) conhecem, mas não saberiam definir o significado, 2 (9%) ouviram falar e não sabem o significado, e 8 (35%) desconhecem de fato.

No que concerne à relevância do ensino dos CP no ensino da Fisioterapia, 9 (40%) concordam totalmente que eles devem ser considerados prioridade, 7 (30%) apenas concordam, enquanto 7 (30%) concordam parcialmente. Além disso, 21 (91%) consideram que há necessidade de incluir mais conteúdos relacionados à CP durante a graduação em fisioterapia, 1 (4%) não tem certeza, e 1 (4%) não considera necessário.

 

Discussão

 

Em relação à caracterização da amostra, a maioria dos participantes desenvolvia suas atividades docentes há mais de cinco anos na instituição, mas nenhum indicou especialização na área de cuidados paliativos. Ainda que constitua uma área de intervenção multiprofissional, os CP constituem um campo da atuação fisioterapêutica, tendo sido reconhecidos como área de especialização da fisioterapia, a partir de outubro de 2021. Além disso, o Código de Ética e Deontologia da Fisioterapia esclarece, no artigo 4°, que o fisioterapeuta deve prestar assistência ao ser humano, tanto no plano individual quanto coletivo, participando da promoção da saúde, prevenção de agravos, tratamento e recuperação da sua saúde, e deve participar dos cuidados paliativos, sempre dando ênfase à QV [13].

Os resultados demonstraram que a maioria dos participantes teve uma abordagem do tema pouco satisfatória durante sua graduação, com mais de 35% afirmando que não tinham certeza se seriam capazes de definir com precisão a expressão. Além disso, somente 43% se sentiriam seguros para atuar na área. Tais achados revelam que o ensino de CP durante a graduação, particularmente para aqueles graduados há mais de cinco anos, se mostra insuficiente para uma abordagem mais aprofundada da temática, realidade que certamente repercute nas atividades de ensino [14].

Embora mais da metade dos participantes tenham avaliado positivamente seu preparo técnico para abordar o tema, 96% gostariam de conhecer mais o assunto, principalmente por reconhecerem a relevância do tema, em se tratando do atendimento a pacientes com doenças graves e incuráveis, e nas situações envolvendo a morte e o morrer [8]. Entretanto, embora considerem que tais conteúdos devam ser incluídos nas atividades acadêmicas, nem todos inserem a discussão da temática em seus conteúdos de ensino.

Em relação aos motivos que justificam o interesse pelo tema, as respostas com maior frequência apontaram o argumento de que todos os professores devem conhecer o assunto, o qual deve ser abordado em todos os conteúdos do curso, já que se trata de uma temática transversal. De fato, a importância dos CP vem sendo intensamente debatida em vários espaços do ensino em saúde, particularmente porque no Brasil esse tipo de abordagem tem ganhado progressiva visibilidade, alterando a concepção equivocada de que não há mais nada a fazer diante de doenças incuráveis ou ameaçadoras da vida [3,4,15].

Do total, 91% concordaram que os CP devem contemplar diferentes dimensões do cuidado, incluindo a abordagem dos problemas físicos, sociais, psicológicos e espirituais do paciente. Entretanto, as respostas apontaram uma falta de precisão em relação aos objetivos e abrangência dos cuidados paliativos, embora grande parte dos participantes reconheça a sua importância na melhoria da qualidade de vida. Cabe destacar que os CP impactam não só na qualidade de vida, mas também na dignidade humana, durante toda sua caminhada do paciente em decorrência do seu processo de adoecimento [4,18].

Os cuidados paliativos implicam em uma abordagem interdisciplinar que busca cuidar e reduzir o sofrimento e a dor, tanto do paciente quanto da sua família [16,17]. Na presente pesquisa, os achados demonstraram que mais de 90% concordam com a inclusão da família no processo terapêutico, haja vista que os familiares são compreendidos como parte indissociável da unidade de cuidados [2,8].

       Em relação aos princípios bioéticos da autonomia, beneficência, não maleficência e justiça, mais de 90% concordaram que são importantes para os CP. Merece destaque o fato de que, embora concordem que a autonomia deva ser priorizada como princípio estruturante dos CP, 30% abordam tal assunto apenas às vezes. Tal resultado demonstra que a autonomia é um aspecto dos CP que precisa ser melhor problematizado, em se tratando do ensino da fisioterapia.

Considerar a autonomia do paciente não constitui só a garantia de um direito, mas também um dever de todos os profissionais da equipe de saúde, embora seja necessário considerar a complexidade e os desafios que a expressão comporta. Vale destacar que o fato de alguns profissionais compreenderem a importância desse princípio, não necessariamente significa que o validam na relação com o paciente. Tal pressuposto reforça a importância de que tais conteúdos sejam contemplados na formação acadêmica, particularmente no que tange aos aspectos éticos e bioéticos do exercício profissional.

Os achados revelaram lacunas no conhecimento sobre as “diretivas antecipadas de vontade” e “testamento vital”, temas relacionados aos CP. As Diretivas Antecipadas de Vontade (DAV) constituem um conjunto de orientações e/ou direcionamentos que expressam a vontade de um indivíduo quanto às decisões sobre sua vida. Nesse escopo, está incluso o Testamento Vital, documento que expressa o desejo de um paciente em fim de vida, quanto aos cuidados que deseja ou não receber, quando estiver impossibilitado de manifestar sua vontade. As DAV e o Testamento Vital, embora não sejam previstos na legislação brasileira, têm sido aceitos como instrumentos de reconhecimento da vontade e da autonomia do paciente [19,20].

Estudo realizado demonstrou que profissionais de diversas áreas da saúde têm dificuldades para lidar com a morte de pacientes. Ao argumentar as razões disso, os autores apontaram que a falta de conhecimento em CP interfere nas atitudes tomadas diante de situações de finitude, afetando também, o estado psicológico do profissional [16]. Tais resultados, conforme também apontado no presente estudo, reforçam a necessidade da inclusão de mais conteúdos envolvendo CP durante a graduação, principalmente no que tange à fisioterapia, também pela proximidade e o contato prolongado que caracterizam a relação terapêutica.

Na opinião de Costa, os fisioterapeutas ainda não estão familiarizados com o tema “final de vida”, em virtude da falta de conteúdos curriculares durante a graduação. Assim, embora muitos profissionais reconheçam a importância dos CP, como foi descrito, podem apresentar dificuldades em lidar com a autonomia do paciente e os sentimentos envolvidos durante o processo [8].

Outro fato a ser considerado é que alguns profissionais de saúde se sentem impotentes quando o paciente não tem possibilidades terapêuticas de cura, e tem a possibilidade de morrer em virtude de sua doença [16]. Anteriormente, os CP eram recomendados somente aos pacientes com doenças incuráveis, entretanto, na atualidade, são indicados a indivíduos que tenham o diagnóstico de uma doença que limite ou ameace a vida, independente de faixa etária, focando na minimização da dor e do sofrimento, e não no prognóstico [2]. Essa ampliação conceitual implica que os CP sejam introduzidos de forma precoce, e não apenas quando o paciente se encontra em uma fase final de sua vida.

A Resolução n° 539, do Conselho Federal de Fisioterapia e Terapia Ocupacional, reconhece a atuação do fisioterapeuta em CP, afirmando que essa abordagem deve ser ofertada em todos os níveis de cuidado [12]. Tal avanço amplia uma demanda já existente para a sensibilização e capacitação dos futuros profissionais em relação aos CP. Da mesma forma, os achados da pesquisa corroboram o reconhecimento da importância de tal temática na graduação em fisioterapia, haja vista que 91% dos participantes consideraram que há a necessidade de incluir mais conteúdos relacionados à CP ao longo da grade curricular do curso.

 

Conclusão

 

Em se tratando do seu recente reconhecimento como área de atuação da Fisioterapia, os CP precisam ser incluídos e validados como conteúdos curriculares relevantes do Curso de Fisioterapia. Além disso, os dados obtidos demonstraram que os participantes têm interesse em aprimorar seus conhecimentos nessa abordagem, por considerarem um tema a ser contemplado nas atividades docentes.

Apesar de estarem sensibilizados para a importância do tema, os resultados demonstram a importância de intensificar as discussões sobre o assunto, particularmente aquelas que envolvem questões relacionadas à autonomia do paciente. Ademais, em se tratando de uma política pública direcionada aos cuidados prestados no âmbito do SUS, e considerando o importante papel desenvolvido pelas universidades públicas brasileiras, é necessário desenvolver estratégias pedagógicas que visem a problematização do tema, ampliando o acesso a esse tipo de conhecimento por parte dos futuros profissionais.

Embora os achados representem um quantitativo reduzido de respostas, o que dificulta a generalização dos resultados, pretende-se que eles impulsionem novas pesquisas na área, fomentando importantes reflexões para o ensino do tema no campo da fisioterapia.

 

Conflitos de interesse

Os autores declaram que não existem conflitos de interesse.

 

Fonte de financiamento

A pesquisa teve financiamento próprio e não obteve recursos de instituição de fomento.

 

Contribuição dos autores

Concepção e desenho da pesquisa: Soeiro ACV, Bitencourt JM, Paz RM, Barros ECA, Wariss VELG. Coleta de dados: Bitencourt JM, Paz RM, Barros ECA, Wariss VELG; Analise e interpretação de dados: Soeiro ACV, Bitencourt JM, Paz RM, Barros ECA, Wariss VELG; Análise estatística: Soeiro ACV, Bitencourt JM, Paz RM, Barros ECA, Wariss VELG; Redação do manuscrito: Soeiro ACV; Bitencourt JM, Paz RM, Barros ECA, Wariss VELG; Revisão crítica do manuscrito quanto ao conteúdo intelectual importante: Soeiro ACV, Bitencourt JM, Paz RM, Barros ECA, Wariss VELG.

 

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