Fisioter Bras 2022;23(6):813-26

doi: 10.33233/fb.v23i6.5110

ARTIGO ORIGINAL

Eficácia do uso do surfactante exógeno em recém-nascidos de uma UTI Neonatal

Effectiveness of the use of exogenous surfactant in newborn in a neonatal ICU

 

Eliane de Fátima dos Reis*, Jéssica Vida Diniz Borges**, Juliana Gonçalves Silva de Mattos, M.Sc.***, Nilce Maria de Freitas Santos, M.Sc.****, Gisélia Gonçalves de Castro, D.Sc.***, Adriana Nunes de Oliveira, M.Sc.***

 

*Graduanda em Fisioterapia, Centro Universitário do Cerrado de Patrocínio (UNICERP), **Centro Universitário de Patos de Minas (UNIPAM), ***Centro Universitário do Cerrado Patrocínio (UNICERP), ****Instituto Brasileiro de Reabilitação e Aprimoramento Especializado (IBRAESP)

 

Recebido em 20 de fevereiro de 2022; Aceito em 20 de outubro de 2022.

Correspondência: Nilce Maria de Freitas Santos, Avenida Bahia, 646, 38295-000 Limeira do Oeste MG

 

Eliane de Fátima dos Reis: elianefatreis@hotmail.com

Jéssica Vida Diniz Borges: jessicavida07@yahooo.com

Juliana Gonçalves Silva de Mattos: julianamattoscoro@gmail.com

Nilce Maria de Freitas Santos: dranilcesantos@gmail.com

Giselia Gonçalves de Castro: giseliagcastro@gmail.com

Adriana Nunes de Oliveira: drinunesfisio@gmail.com

 

Resumo

Introdução: A Doença da Membrana Hialina (DMH) é provocada pela ausência ou deficiência de surfactante, acomete os recém-nascidos prematuros, e o tratamento é realizado com surfactante exógeno. Objetivo: Avaliar a eficácia da terapia com o uso do surfactante exógeno nos distúrbios respiratórios em recém-nascidos. Métodos: Um estudo transversal, descritivo e quantitativo foi realizado com 31 recém-nascidos admitidos na UTI Neonatal do Hospital Santa Casa de Misericórdia de Patrocínio, MG. Para a coleta dos dados, foi elaborado um roteiro estruturado pelas pesquisadoras. Os dados foram analisados por meio dos testes estatísticos: Kolmogorov-Smirnov, Fisher (p ≤ 0,05) e Wilcoxon (p ≤ 0,05). Resultados: O DMH prevaleceu no sexo feminino (51,6%), a maioria prematuros (83,9%) e com baixo peso ao nascer (51,6%). Daqueles que necessitaram do corticoide antenatal, 38,7% usaram duas doses, sendo o Grau III da DMH o mais evidente (35,5%). Todos os recém-nascidos usaram ao menos uma dose de surfactante (58,1%), devido a DMH (87,1%) e a Síndrome da Aspiração Meconial (12,9%). Conclusão: Conclui-se que o distúrbio respiratório mais encontrado nos prematuros foi a DMH, comprovando a evolução positiva dos neonatos após administração do surfactante exógeno e constatando a eficácia do medicamento como tratamento, utilizando-se apenas uma dose.

Palavras-chave: Doença da Membrana Hialina; prematuridade; surfactante pulmonar.

 

Abstract

Introduction: Hyaline Membrane Disease (HMD) is caused by the absence or deficiency of surfactant affecting premature newborns, and the treatment is performed with exogenous surfactant. Objective: To evaluate the effectiveness of exogenous surfactant therapy in respiratory disorders in newborns. Methods: Cross-sectional, descriptive and quantitative study was conducted in 31 newborns admitted to the Neonatal ICU of the Hospital Santa Casa de Misericórdia de Patrocínio, MG. For data collection, a script structured by the researchers was elaborated. The data was analyzed using the statistical tests: Kolmogorov-Smirnov, Fisher (p ≤ 0.05) and Wilcoxon (p ≤ 0.05). Results: The HMD is prevalent in females (51.6%), most premature newborns (83.9%) and with low birth weight (51.6%). Among those who required antenatal corticosteroids, 38.7% used two doses and the Grade III of HMD was the most evident (35.5%). All newborns used at least one dose of surfactant (58.1%), due to HMD (87.1%) and Meconium Aspiration Syndrome (12.9%). Conclusion: This study showed that the respiratory disorder most commonly in premature newborn was HMD, and proving the positive recovery of neonates after administration of the exogenous surfactant, thus verifying the efficacy of this medicinal product as a treatment, mainly using only one dose.

Keywords: Hyaline Membrane Disease; prematurity; pulmonary surfactant.

 

Introdução

 

Segundo a Organização Mundial de Saúde (OMS) são contabilizados 15 milhões de recém-nascidos (RN) pré-termos no mundo anualmente, desses 1 milhão falece [1]. O nascimento prematuro tornou-se um importante problema de Saúde Pública em nível mundial. Em 2018, aproximadamente 15 milhões de crianças nasceram com idade gestacional abaixo de 37 semanas [2]. Desde 2000, a taxa média de recém-nascidos pré-termos no Brasil é de 6,6% e o desenvolvimento de Unidades de Terapia Intensiva (UTI) para cuidados neonatais aumentou a taxa de sobrevida desses prematuros [3].

Em estudos, alguns autores relatam que os prematuros possuem risco aumentado para várias alterações clínicas, como as doenças respiratórias, destacando-se a doença da membrana hialina (DMH), insuficiência respiratória grave, apneia, pneumotórax, enfisema intersticial, displasia broncopulmonar e dependência prolongada de oxigênio [4].

É essencial para o recém-nascido a maturação adequada dos pulmões. Os alvéolos devem ser capazes de se encherem de ar no momento do nascimento e de permanecerem abertos para o prematuro respirar de modo independente. Isto se torna plausível sobretudo por causa do surfactante, uma substância produzida nos pulmões que age diminuindo a tensão superficial alveolar [5].

A DMH é provocada pela ausência ou quantidade inadequada de surfactante, um distúrbio associado à imaturidade pulmonar. Considerada a doença respiratória mais comum no período neonatal, é uma das principais razões de morbidade e mortalidade em recém-nascidos com idade gestacional menor que 28 semanas, com peso inferior ou igual a 1500 g, sendo mais comum naqueles nascidos de parto cesáreo, sexo masculino e raça branca [6].

O surfactante pulmonar é produzido a partir da 20ª semana de gestação pelos pneumócitos tipo II, com produção aumentada gradativamente e com pico na 35ª semana. Sua principal função é reduzir a tensão superficial na interface ar-líquido alveolar e nos bronquíolos distais, evitando colapso alveolar e garantindo adequada expansão pulmonar, além de ser importante na defesa do pulmão [7].

Desde 1990, o desenvolvimento da terapia com o surfactante exógeno foi considerado seguro e eficaz e se tornou um avanço histórico e marcante no cuidado neonatal, sendo preconizado seu uso terapêutico nas primeiras duas horas de vida [8].

Atualmente, o surfactante exógeno é utilizado no tratamento de recém-nascidos pré-termos com SDR e além disso, usado em outras patologias pulmonares. A utilização da terapia de reposição do surfactante, altera os efeitos gerados por sua disfunção endógena no sistema respiratório do prematuro [6].

Diante do contexto apresentado, questiona-se: o uso do surfactante exógeno nos distúrbios respiratórios em recém-nascidos possui eficácia como conduta de tratamento?

Portanto, este estudo busca avaliar a melhora da incidência dos distúrbios respiratórios em recém-nascidos, submetidos ao tratamento com surfactante exógeno em uma unidade de terapia intensiva neonatal.

 

Métodos

 

Trata-se de um estudo transversal, com caráter descritivo e quantitativo.

O estudo foi realizado em RN, admitidos na UTI Neonatal do Hospital Santa Casa de Misericórdia de Patrocínio, MG, entre fevereiro e junho de 2021 e que estiveram inclusos nos critérios de indicação para o uso do surfactante exógeno.

Para a coleta de dados foi elaborado um roteiro estruturado pelas pesquisadoras, baseado no estudo de Freddi et al. [9], que buscou investigar critérios como exposição ao corticoide antenatal; presença de sofrimento fetal; peso de nascimento; idade gestacional; sexo; apgar ao nascer; doença prévia materna; diagnóstico do RN; avaliação fisioterapêutica; avaliação radiológica pulmonar; necessidade de administração de surfactante exógeno e número de doses; administração do surfactante (protocolo usado na unidade); avaliação fisioterapêutica após a administração do surfactante e sua evolução clínica; avaliação radiológica após a administração do surfactante.

Para avaliar a DMH e seus níveis de agravamento, foi utilizado o exame radiológico feito nos RN quando admitidos e após o período de internação, método rotineiro na Unidade de Terapia Intensiva Neonatal.

A instituição foi informada sobre os objetivos da pesquisa, autorizando a coleta de dados.

A normalidade das variáveis foi realizada por meio do teste de Kolmogorov-Smirnov, apresentando distribuição não normal dos dados, sendo considerados não paramétricos. Para calcular a associação entre as variáveis, utilizou-se o teste de Fisher (p ≤ 0,05), enquanto que a comparação do período pré e pós surfactante foi feito pelo Teste de Wilcoxon (p ≤ 0,05).

O presente estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa do Centro Universitário do Cerrado de Patrocínio (COEP/UNICERP), através do Protocolo 20201450FIS006, estando em conformidade com o disposto nas resoluções 466/2012 e que regulamentam o desenvolvimento de pesquisas com seres humanos.

 

Resultados

 

Foram coletados dados de 31 RN, sendo 51,6% do sexo feminino. A maioria nasceu pré-termo (83,9%), com média de 33,8 semanas de gestação, variando de 26 a 40 semanas gestacionais. Os dados referentes ao nascimento dos RN são apresentados na Tabela I.

 

Tabela ICaracterização dos recém-nascidos analisados. Patrocínio, MG, 2021

 

Fonte: Dados da pesquisa. 2021

 

O peso médio ao nascimento foi de 2,22 kg, variando de 0,730 a 4,33 kg.

Daqueles que necessitaram do corticoide antenatal, 38,7% usaram duas doses, 12,9% usaram uma dose e 3,2% três doses.

Os RN foram submetidos a uma avaliação fisioterapêutica e classificados quanto ao grau da Doença da Membrana Hialina (DMH) pré e pós utilização do surfactante.

O Grau III da DMH foi o mais evidente (35,5%) (Tabela II).

 

Tabela IIDistribuição dos RN quanto ao grau da Doença da Membrana Hialina. Patrocínio, MG, 2021

 

 

A avaliação dos padrões iniciais dos RN é apresentada na Tabela III.

 

Tabela IIIAvaliação fisioterapêutica sobre a situação de saúde dos RN pré e pós uso de surfactante. Patrocínio, MG, 2021

 

Fonte: Dados da pesquisa. 2021. *Boletim de Silverman-Anderson

 

O Teste de Wilcoxon mostrou que após o uso do surfactante pelos RN houve melhoria do BSA (Z = -4,972; p = 0,000), da expansão torácica (Z = -1,933; p = 0,05), da FiO2 (Z = -4,875; p = 0,000), da PIP (Z = -3,880; p = 0,000), da PEEP (Z = -2,906; p = 0,004) e da FR (Z = -3,111; p = 0,002).

Os critérios de administração do surfactante exógeno no tratamento dos RN foram baseados no quadro clínico (Tabela IV). Todos os RN usaram surfactante, variando de uma (58,1%) a três doses (3,2%), devido a SDR/DMH (87,1%) e a SAM (12,9%). Dos RN, 15 apresentaram melhora do quadro clínico após a primeira dose do surfactante, 12 após duas doses e um após a terceira dose.

 

Tabela IV - Relação do número de doses de surfactante de acordo com o quadro clínico. Patrocínio, MG, 2021

 

Fonte: Dados da pesquisa. 2021

 

O teste exato de Fisher mostrou que não há associação entre o número de doses recebidas e a SDR/DMH (X2(2) = 2,670; p: 0,327) e a SAM (X2(2) = 1,089; p = 0,679), inferindo que o diagnóstico influi no critério do uso do surfactante, mas não no número de doses.

O protocolo utilizado em todos foi o mesmo. O Protocolo de administração de surfactante da unidade foi baseado no: "I Consenso Brasileiro de VM em Pediatria e Neonatologia: uso do surfactante no RN (2015)" e "Terapêutica de reposição de Surfactante do Jornal de Pediatria (2001)".

Convém ressaltar que a administração do surfactante exógeno foi realizada como forma terapêutica, pois a maioria dos RN foram diagnosticados com a DMH. A administração foi realizada de forma invasiva em todos os bebês da amostra, através de um tubo endotraqueal, pois todos estavam sob ventilação mecânica invasiva e utilizaram o surfactante de origem animal (suíno) conhecido como Curosurf. O manejo do medicamento na unidade estudada, foi realizado pela fisioterapeuta de plantão com auxílio de uma técnica de enfermagem/enfermeira de forma estéril, após a prescrição do surfactante e sua dosagem pelo médico plantonista, e análise do raio x para verificar posicionamento do tubo endotraqueal e possível necessidade de mudança do mesmo, caso estivesse mal posicionado (introduzido ou tracionado), impedindo assim uma ventilação homogênea [10].

A técnica deve ser realizada nas primeiras duas horas de vida do recém-nascido, administrada em bolus e depois de sua administração, é orientado que o RN permaneça sobre manuseio mínimo por seis horas e se houver necessidade de aspiração endotraqueal, que seja feita após duas horas do procedimento. A necessidade de outras doses é avaliada através da evolução clínica do bebê e das imagens radiológicas seguintes [10,11].

 

Discussão

 

No presente estudo, foi observado um percentual mais elevado de recém-nascidos do sexo feminino, diferentemente de resultados encontrados por alguns autores que apontaram que a prematuridade predominou em recém-nascidos do sexo masculino. Porém a literatura retrata que essa variável não exerce influência sobre a ocorrência de partos prematuros e afirmaram que a predominância nesse gênero ocorre porque a maturidade pulmonar no sexo masculino possui um processo mais lento de maturação [3,6,12,13].

De acordo com a idade gestacional (IG), foi observado que a maioria nasceu pré-termo (83,9%), prevalecendo os nascidos com média de 33,8 semanas de gestação. Tais resultados assemelham-se aos encontrados no estudo em que verificaram que 81,5% dos partos prematuros ocorreram entre a 33º e a 36º semana de gestação, assim como em outro estudo em que 85% dos partos avaliados ao longo dos cinco anos estudados eram prematuros e ocorreram entre 32 a 36 semanas de idade gestacional, observando que embora os partos ocorreram prematuramente, estavam próximos do término [14,15].

Entretanto, ao analisar a evolução clínica dos prematuros, a IG de nascimento não deve ser utilizada como critério isolado para avaliação, devido a diversidade desse grupo, pois os mesmos apresentam distinção dos pesos de nascimento, morbidade, mortalidade e estado nutricional [16].

Em relação ao peso de nascimento, em resultados de alguns autores, encontraram dados similares ao desta pesquisa, caracterizando o baixo peso ao nascer [13]. Outros autores frisaram que o baixo peso ao nascer é um fator de risco associado a morbimortalidade neonatal e possui quatro vezes mais chances de estar relacionado ao nascimento prematuro. Além disso, estudos demonstraram clara relação entre a idade gestacional e o peso ao nascer, pois quanto menor o tempo de desenvolvimento intrauterino, menor será o peso do RN [17,18].

Já em estudo semelhante ao presente, obtiveram Apgar de 7 a 10 no 1º e 5º minutos de vida, respectivamente. Além do peso de nascimento, foi analisado o Índice de Apgar, que avalia as condições do RN ao nascer e suas condições vitais. Consiste na avaliação de 5 itens do exame físico do recém-nascido e para cada um desses itens é atribuída uma nota de zero a dois. O total é a soma das notas de cada item, podendo dar uma nota mínima de 0 e máxima de 10. Os aspectos avaliados são frequência cardíaca, esforço respiratório, tônus muscular, irritabilidade reflexa e cor da pele [14].

Neste estudo, observou-se que 38,7% dos RN usaram duas doses de corticoide antenatal (CA), dados que corroboram a literatura consultada, em que de 493 neonatos, a maioria recebeu duas doses de CA (40,8%), e segundo ela foi possível constatar que receber duas doses de corticoide antenatal culminou em menor mortalidade [19]. Contudo, de acordo com outra pesquisa, existem resultados positivos em todos os grupos de idade gestacional e com qualquer número de dose [20].

Convém destacar que a administração de CA às gestantes com risco de parto prematuro, reduz o risco de morte perinatal, de morte neonatal, de síndrome de dificuldade respiratória e de hemorragia intraventricular (HIV), além de promover a aceleração da maturidade pulmonar fetal antes do RN nascer [21]. O recém-nascido pré-termo, exposto ao CA em até sete dias do seu nascimento apresenta maior complacência e volume pulmonar, menor permeabilidade da vascularização pulmonar e melhor resposta ao tratamento pós-natal com surfactante [20].

Em pesquisa feita por Avery e Mead, ambos foram os responsáveis pelos primeiros estudos que relacionaram à SDR neonatal a carência de surfactante ao nascimento. Porém alguns autores concluíram que a incidência da DMH é inversamente proporcional ao peso de nascimento e à idade gestacional [22,23].

O diagnóstico da DMH é realizado segundo a suposição clínica aos achados radiológicos [24]. O aspecto radiológico é de infiltrado retículo-granular difuso (vidro moído) espalhado de maneira uniforme na região pulmonar, com presença de broncogramas aéreos e elevação de líquido no pulmão [16].

Dentre os principais sintomas decorrentes da doença, destacam-se: desconforto respiratório, insuficiência respiratória podendo se agravar progressivamente, aumento das frequências respiratória e cardíaca, redução da expansibilidade torácica, necessidade de cada vez mais aporte de oxigênio e assistência ventilatória, dentre outros [25].

O Grau III da DMH foi o mais evidente neste estudo. Contudo, em função do pequeno número de estudos com o intuito de avaliar a predominância dos graus da DMH e o que isso causa na evolução do RN, entendemos que existe a necessidade de uma maior quantidade de estudos sobre o tema. Todavia, alguns autores abordam em seus estudos, que a necessidade de uma nova dosagem de surfactante exógeno é prevalente ao escore radiológico grau 3 ou 4 da SDR [26].

No presente estudo, foi observado que, após a administração do surfactante exógeno, houve redução em vários parâmetros ventilatórios, além da melhora da expansibilidade torácica e dos níveis de BSA (Boletim de Silverman-Andersen, 1956). Corroborando estudos encontrados na literatura que observaram que a utilização dessa terapia aumenta os níveis de oxigenação do sangue, diminui os picos de pressão da ventilação, dos níveis de oxigênio inspirado e melhora a imagem radiológica dos pulmões desse neonato [27].

O escore de BSA é utilizado para estimar o nível de desconforto respiratório e quantificar a gravidade do comprometimento pulmonar [28]. O BSA possui escores que variam entre zero, indicando ausência de desconforto, até dez, expressando máximo desconforto respiratório [29]. Os escores médios do BSA observados neste estudo foram em sua maioria de dificuldade respiratória severa (51,6%) antes do tratamento com surfactante, e de 90,3% sem dificuldade respiratória no pós-tratamento.

Além disso, é possível observar que grande parte dos neonatos da amostra apresentaram expansibilidade torácica reduzida (80,6%) e todos tiveram que ser intubados, em sua maioria, com parâmetros ventilatórios altos. Isso se justifica através do Consenso Brasileiro de Ventilação Mecânica (2015) no qual é descrito que a recomendação para o uso de ventilação mecânica invasiva (VMI) acontece quando há necessidade de uma concentração de oxigênio maior que 60%, acompanhado de desconforto respiratório grave. No que se refere aos parâmetros altos de VMI, aqui destacados apenas a PIP, FR, PEEP e FiO2, o consenso discorre que a melhora do volume pulmonar se inicia com o recrutamento dos alvéolos seguida de estabilização alveolar para manter os pulmões abertos durante o ciclo respiratório por meio dos ajustes do pico de pressão inspiratória (PIP) e da PEEP [30].

Convém ressaltar que após a administração do surfactante foi possível avaliar o aumento da expansibilidade torácica (71%), devido a melhora da complacência pulmonar e consequentemente redução dos parâmetros de ventilação.

Além da DMH, a terapia de reposição de surfactante é utilizada em outras patologias pulmonares em que existe a inibição do surfactante pulmonar, como a SAM e hemorragia pulmonar, sendo o mecônio causador de alterações na vasculatura pulmonar, incluindo remodelação e espessamento das paredes [24,27].

Nesse estudo, os critérios utilizados para administração do surfactante exógeno no tratamento dos RN foram baseados no quadro clínico. Todos os RN usaram surfactante, sendo a patologia respiratória predominante para utilização da terapêutica, a DMH (87,1%) e secundariamente a SAM (12,9%). Destes, 15 apresentaram melhora do quadro clínico após a primeira dose do surfactante, 12 após duas doses e um após a terceira dose, mostrando que não há associação entre o número de doses recebidas e que o diagnóstico influi no critério do uso do surfactante, mas não no número de doses.

Estudos semelhantes ao presente sugeriram que a necessidade de nova dosagem de surfactante varia e depende da condição clínica do RN. Grande parte dos pediatras repetem a dosagem de surfactante de acordo com a gravidade da insuficiência respiratória. Porém, ainda há informações limitadas sobre a eficácia e os critérios clínicos para redosagem de surfactante [26].

Geralmente, há uma melhora clínica inicial após a administração do surfactante, porém, horas depois, pode ocorrer a degradação da função pulmonar, exigindo retratamento. Isso é necessário para neonatos, que oferecem maior consumo de surfactante relacionado a uma condição radiológica mais grave e a uma condição pulmonar mais grave, como aqueles com menor peso ao nascer [31].

Em relação a técnica de administração, no presente estudo, todos os RN receberam a dosagem por VMI (via endotraqueal), porém alguns autores em seus estudos mostraram que o surfactante exógeno pode ser realizado por diversos métodos: pela técnica que originou essa terapia, administrado pela cânula orotraqueal (COT), permanecendo o RN em ventilação mecânica, sendo a técnica mais eficaz e sua distribuição é feita de forma uniforme nos pulmões; com o método INSURE (intubation-surfactant-extubation) que consiste na entubação, aplicação do surfactante e extubação; pelo método LISA (less invasive surfactant administration) e MIST (minimally invasive surfactant therapies), o RN é ventilado com CPAP, por meio de uma pronga nasal e o surfactante é infundido na traqueia por um cateter; CALMEST (catheter and laryngeal mask endotracheal surfactant therapy), o neonato é submetido a uma máscara laríngea e um cateter, para a administração do surfactante, e nela posicionado; e a técnica por aerossol e nebulização, que é uma promessa para o futuro, porém por não serem confiáveis, não são aceitas como indicação de rotina [27].

Nesse contexto, o fisioterapeuta na UTI neonatal possui a finalidade de avaliar a mecânica respiratória do neonato, proporcionando os cuidados necessários ao mesmo, além de uma boa evolução da doença, tendo em vista a fragilidade desse recém-nascido [6].

 

Conclusão

 

Conclui-se que a Doença da Membrana Hialina foi o distúrbio respiratório mais encontrado dentre os neonatos estudados. Diante disso, os critérios utilizados para o uso do surfactante exógeno seguem as indicações necessárias e é administrado de maneira adequada. Quanto a sua eficácia, é possível comprovar a evolução positiva dos recém-nascidos após a utilização do medicamento, em boa parte com apenas uma dose. Entretanto, convém ressaltar que foi notada a ausência de outras práticas na administração do surfactante exógeno, estas que poderiam ser feitas de maneira não invasiva e reduzir a necessidade de intubação. Outro ponto a ser mencionado é que além da ação do fármaco, os atendimentos fisioterapêuticos são de suma importância no processo evolutivo desses neonatos.

 

Conflitos de interesse

Sem conflito de interesses

 

Fontes de financiamento

Sem financiamento

 

Contribuição dos autores

Concepção e desenho da pesquisa: Reis EF, Borges JVD, Castro GC, Oliveira NA; Coleta de dados: Reis EF, Borges JVD; Análise e interpretação dos dados: Mattos JGS, Santos NMF, Castro GG, Oliveira NA; Análise estatística: Santos NMF, Castro GG; Redação do manuscrito: Reis EF, Borges JVV, Mattos JGS, Santos NMF, Castro GG, Oliveira NA; Revisão crítica do manuscrito quanto ao conteúdo intelectual importante: Castro GG, Oliveira AN

 

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