REVISÃO
O
fortalecimento do complexo lombo pélvico core e sua importância na reabilitação
e no esporte
The strengthening of the core and its importance in
rehabilitation and sport
*Thatiana Lacerda
Nobre, Ft. M.Sc.,**Érico Chagas Caperuto, D.Sc.
*Docente
na Universidade Paulista (UNIP), Membro do Laboratório do Movimento Humano da
Universidade São Judas Tadeu, São Paulo, **Professor, Chefe do Laboratório do
Movimento Humano da Universidade São Judas Tadeu, São Paulo, Professor da
Universidade Presbiteriana Mackenzie, São Paulo
Recebido em 25 de
novembro de 2014; aceito em 12 de janeiro de 2016.
Endereço
para correspondência:
Thatiana Lacerda Nobre, Rua Taquari, 546, 03166-000 São Paulo SP, E-mail:
thatianalacerda@gmail.com, ericocaperuto@gmail.com
Resumo
Introdução: O complexo
lombo-pélvico, também conhecido pelos pesquisadores como core, tem como função manter o alinhamento postural e o equilíbrio
postural dinâmico durante as atividades funcionais e esportivas. Desta forma,
este estudo tem como objetivo analisar a influência do fortalecimento da
musculatura do core na prevenção de
lesões, na reabilitação e no processo de preparação física do atleta. Material e métodos: Foi realizada uma
revisão de literatura não-sistemática nas bases de dados Lilacs, Medline,
Scielo e Pubmed, desde o ano de 2000 até 2015, além de consultas ao acervo
pessoal de livros e dissertações. A estratégia de busca correlacionava às
seguintes palavras-chave: complexo lombo-pélvico, estabilização central,
desequilíbrio muscular, treinamento do core, reabilitação lombar. Resultados: O conceito de estabilidade
do core e de como esta característica pode ser treinada para melhorar
funcionalidade dos movimentos e o desempenho esportivo tem sido muito
utilizado, porém interpretado de maneira diferente entre os profissionais. Conclusão: O programa de fortalecimento
deve ser planejado de acordo com o objetivo desejado, para a reabilitação,
prevenção de lesões ou o aprimoramento do desempenho esportivo.
Palavras-chave: complexo lombo-pélvico,
estabilização central, desequilíbrio muscular, treinamento do core,
reabilitação lombar.
Abstract
Introduction: The lumbar-pelvic complex, also known by researchers as core, has as
function to maintain postural alignment and dynamic postural balance during
functional activities and sports. Thus, this study aims to analyze the
influence of the strengthening of core muscles in injury prevention,
rehabilitation and physical athlete preparation process. Methods: A non-systematic literature review was conducted in
Lilacs, Medline, Pubmed and Scielo databases, from 2000 until 2015, as well as
in personal collection of books and dissertations. The search strategy
correlated with the following key-words: lumbar-pelvic complex, central
stabilization, muscle imbalance, core training, and low back rehabilitation. Results: The concept of core stability
and how this feature can be trained to improve functionality of movement and
sports performance has been widely used, however interpreted differently among
professionals. Conclusion: The strengthening program should be planned
according to the desired aim, for rehabilitation, injury prevention or
improvement of sports performance.
Key-words:
lumbar-pelvic complex, central stabilization, muscle imbalance, low back rehabilitation.
O fortalecimento do core tem sido utilizado em programas de
exercícios voltados para a saúde e qualidade de vida [1]. Este termo é muito
utilizado para designar a região que se localiza no centro de gravidade, e o
local onde se inicia a maioria dos movimentos [1,2]. Portanto, o core é definido como sendo o complexo
lombo-pélvico do quadril [2-5], composto por cerca de vinte e nove músculos,
que se inserem no complexo lombo-pélvico do quadril e são responsáveis pela
estabilização funcional desta região [1,3,5].
A complexa rede de
músculos que compõem o core promovem
uma grande ação na coluna vertebral [1]. Esses músculos, entremeados com as
fibras de outros músculos, funcionam de modo orquestrado, proporcionando a
sustentação necessária para a postura estática, e também para as contrações
dinâmicas necessárias para os movimentos do tronco [6]. Pode-se dizer que a
musculatura profunda tem como função proporcionar estabilidade, assemelhando-se
a função de um colete; já a musculatura superficial é total responsável pelo
movimento [7].
Um core é considerado eficiente quando a contração dos músculos ocorre
de forma sinérgica, permitindo a manutenção da relação entre comprimento-tensão
de músculos agonistas e antagonistas, que possibilitará a manutenção das
relações das forças que atuam nesta região. Isso determina uma cinemática
eficiente no complexo lombo-pélvico durante movimentos funcionais e também
promovendo uma eficiência neuromuscular em toda a cadeia cinética, permitindo
aceleração, desaceleração e estabilização de toda a cadeia muscular durante a
execução dos movimentos integrados e dinâmicos [1,8].
A estabilização
central funciona também de modo a manter o alinhamento e o equilíbrio postural
dinâmico durante as atividades funcionais. A postura e o alinhamento
satisfatório possibilitarão máxima eficiência neuromuscular, porque será
mantida a normalidade na relação entre comprimento-tensão e entre as forças
atuantes. Para, assim, impedir também a ocorrência de desequilíbrios musculares
[8].
Os desequilíbrios
musculares constituem uma das causas mais comuns de lesões, pois, quando um
músculo ou grupo muscular torna-se mais forte que seu grupo oposto, os músculos
mais fracos ficam fadigados rapidamente, tornando-se suscetíveis a quadros de
lesões [9]. Uma das consequências desse desequilíbrio é a influência sobre a
qualidade e o controle dos movimentos. Contudo, os desequilíbrios musculares
são associados a alterações no padrão do movimento articular e redução da
amplitude de movimento [10], podendo promover incapacidade na estabilização
segmentar, causando, assim, perda de equilíbrio, aumento da viscoelasticidade
nas estruturas sensíveis à dor, como músculos, articulações e ligamentos [11].
Contudo, o
treinamento para a estabilização central apresenta grande relevância na prática
esportiva, pois mostra ser um método eficaz na melhora da performance e
prevenção de lesões [7].
Assim, esta revisão
de literatura tem como objetivo analisar a influência do fortalecimento da
musculatura do core na prevenção de
lesões, na reabilitação e no processo de preparação física do atleta.
Foi realizada uma
revisão de literatura não-sistemática nas bases de dados Lilacs, Medline,
Scielo e Pubmed, desde o ano de 2000 até 2015. Além de consultas ao acervo
pessoal de livros e dissertações.
A estratégia de busca
correlacionava as seguintes palavras-chave: Complexo lombo-pélvico,
estabilização central, desequilíbrio muscular, fortalecimento do core, treinamento do core. Os idiomas analisados foram o
português e o inglês. Nos trabalhos selecionados, foram buscadas definições
sobre a estabilização central, principais lesões que acometem esta região,
revisão anatômica métodos de treinamento e a utilização para a reabilitação e
desempenho esportivo.
Em estudos sobre os
movimentos corporais, verificou-se a importância da coluna vertebral, devido à
estratégica localização no centro do corpo [12]. Sua musculatura não só
proporciona estabilidade e equilíbrio como também é responsável pelo controle
coordenado dos movimentos [3,5,8,12].
Os músculos da coluna
vertebral atuam em conjunto, movendo-se em uma posição vantajosa para
suplementar a produção de força, ou assistir um movimento dos membros como, por
exemplo, ao chutar uma bola, ou arremessar [12,13]. Estes músculos absorvem o
impacto durante os movimentos, aliviando a coluna de grandes cargas, além de
possuir ação protetora durante o trauma na prática esportiva. Este fato
demonstra que a eficiência dos movimentos da musculatura da coluna pode
colaborar com a melhora do desempenho esportivo [12]. Porém, quando ocorre
algum tipo de atraso na resposta dos músculos do tronco depois de algum
estímulo, isto pode causar uma instabilidade central, e deixando a região muito
suscetível para riscos de lombalgia crônica [7].
Contudo, programas de
fortalecimento do core, estabilização
central, tem sido indicado para diversos tipos de lesões, dentre as quais pode
citar as lombalgias crônicas, discopatias, artroses; alterações posturais;
processo traumático; situações que levam a algum tipo de desequilíbrio
biomecânico da coluna lombar; preparação de atletas de alto nível [7].
Reinher et al. [14], em seu estudo,
observaram a redução do quadro de lombalgia em mulheres jovens, após vinte
sessões de treinamento de estabilização central.
O controle da
sincronia na contração dos músculos abdominais e dos extensores lombares é o
fator chave para a estabilidade do core,
a fim de obter um “colete fisiológico” para a coluna lombar [15,16]. Desta
forma, o core fortalecido atua como
um método de condicionamento e de prevenção de lesões na coluna e/ou nas
extremidades superiores e inferiores [8,17].
Segundo Rienzo et al.
[18], esportes que envolvem movimentos de arremesso, por exemplo, exigem dos
seus praticantes uma ação coordenada dos músculos da região do ombro e a
interação desses com outras regiões do corpo. Nobre [19] em seu estudo mostrou
que o treino de força muscular é capaz de ativar os músculos de forma mais
eficiente e sincrônica, desde o início do movimento até o final de sua
execução, proporcionando estabilidade nas articulações e nas regiões
consideradas instáveis.
Para Willson et al.
[20], a estabilização central funciona como manutenção da saúde da coluna
lombar. Porém a sua deficiência pode aumentar o risco de lesão na extremidade
inferior, principalmente nos joelhos. Lesões como síndrome da dor femoropatelar
e lesões do ligamento cruzado anterior, por exemplo, podem estar associados à
deficiência da musculatura responsável pela estabilidade central. Porém esta
conclusão não pode se tornar regra [21].
Iacono et al. [22] observaram evidências
satisfatórias na diminuição da assimetria e desequilíbrio muscular em atletas
de futebol, após um plano de exercícios que visava o treinamento da
estabilização do core.
Ao selecionar
exercícios para a estabilidade do core,
o conceito de especificidade deve ter importância primordial. Assim os
exercícios devem ser cuidadosamente escolhidos e simular as exigências da
atividade de vida diária ou do desporto [4].
Para Clark &
Cumming [8], o desenvolvimento de um programa de exercícios de fortalecimento
que visa à estabilidade do core é
primordial para o alcance do objetivo. A progressão dos exercícios deve
proceder da seguinte forma: de baixa velocidade para alta; de posturas
estáticas para posturas dinâmicas; de menor para maior intensidade; de
movimentos controlados e conscientes para movimentos inconscientes e sem
controle (equilíbrio); de exercícios com utilização da visão para a não
utilização da visão; de movimentos bilaterais para unilaterais; de exercícios
com pouca força para muita força; de movimentos simples para movimentos
complexos; de exercícios que exijam pouca coordenação para exercícios com
grande exigência dessa qualidade; de movimentos em condições estáveis para
condições instáveis; de movimentos em um plano para vários ou múltiplos planos
e de exercícios gerais para o específico.
Segundo Campos &
Coraucci Neto [10], existem fatores a serem considerados na progressão do
programa de exercícios que incluem sintomas como dor ou instabilidade, bem como
a qualidade do padrão de movimento. A apresentação destes sintomas ou o uso de
padrões de movimento anormais são um sinal de que o indivíduo ainda não possui
o controle neuromuscular adequado para executar as tarefas de maneira segura e
eficiente e, deste modo, o programa deve ser modificado de acordo com o
objetivo.
O programa de
treinamento deve ser sistemático, progressivo e funcional, devendo ser
realizado em um ambiente rico em termos proprioceptivos, ou seja, fazendo com
que o indivíduo reconheça a localização espacial do seu corpo, sua posição e
orientação, a força exercida pelos músculos. Assim, os exercícios da
estabilidade do core tanto nas
atividades de vida diária, como na reabilitação ou desempenho esportivo, devem
envolver um elemento desestabilizador [8]. Um ambiente instável pode ser a base
ou a plataforma em que o exercício é realizado, ou mesmo o posicionamento dos
membros para a resistência, fora da base de apoio do corpo, por exemplo, os
movimentos de resistência unilaterais [4]. A utilização de exercícios dinâmicos
em superfícies instáveis restabelece a melhora do feedback sensório-motor,
levando a ativação de estratégias eficientes no controle motor [11].
McGill [23] em seu
estudo definiu os exercícios de estabilidade do core como qualquer exercício em que os padrões motores assegurem a
estabilidade da coluna, através da repetição. Portanto, os tradicionais
exercícios resistidos podem ser considerados exercícios de estabilidade do core que se modificaram para esta
proposta. Por exemplo, os exercícios podem ser realizados ao mesmo tempo de pé
e não sentado, com pesos livres, ao invés de máquinas e, unilateralmente e não
bilateralmente [4]. O treinamento do core
envolvem exercícios que exigem controle motor global e sua execução se dão por
contrações musculares isométricas, sem a necessidade de acréscimo de cargas
[16].
A estabilização do core é obtida por meio do treinamento
repetitivo consciente que, ao longo do tempo, acaba tornando-se uma resposta
natural inconsciente. A estabilidade envolve a manutenção de uma amplitude de
movimento controlada, que varia de acordo com a posição e a atividade a ser
realizada [15].
O treinamento deve
apresentar atividades funcionais que exigem aceleração, desaceleração e
estabilização dinâmica, para que seja possível o uso de toda a cadeia cinética
em todos os planos motores, ao invés de isolar um músculo determinado [8].
Os exercícios de
equilíbrio podem ser considerados um modelo de treinamento da estabilidade do core, pois estes exercícios causam
desequilíbrios súbitos aplicados ao corpo, deslocando o centro de gravidade.
Para evitar o desequilíbrio e a queda, são feitas adaptações posturais,
deslocando o centro de gravidade de volta para a base de apoio. Estes ajustes
posturais exigem ativação da musculatura do core
para estabilizar a coluna lombar [4,24]. O fortalecimento dos músculos do core em superfícies instáveis, em uma
bola terapêutica, por exemplo, exigem uma maior participação do sistema de controle
motor, com o objetivo de estabilizar e equilibrar o tronco. Os materiais
instáveis, usados com o propósito de aumentar a estabilização ativa,
potenciarão a atividade proprioceptiva e as demandas do controle neuromuscular
[4,24].
Um estudo proposto por
Marshall & Murphy [25] analisou a atividade eletromiográfica dos músculos
abdominais (reto abdominal, transverso abdominal e oblíquos interno e externo)
e eretores da espinha em quatro tipos de exercícios com e sem a bola suíça,
constatando maior ativação destes músculos nos exercícios realizados na bola
terapêutica (superfície instável). Estes resultados fornecem provas que
sustentam a hipótese de que o desempenho de tarefas com a bola terapêutica a
levaria a maiores níveis de ativação quando comparado com a superfície estável.
Em outro estudo, que
comparou o grau de ativação de vários músculos do tronco, durante treinamento
com peso com exercícios dinâmicos e atividades isométricas instáveis, constatou-se
que os exercícios dinâmicos com cargas moderadas podem aumentar a instabilidade
da atividade muscular da região do tronco, e promover um maior recrutamento
muscular do que exercícios isométricos numa base instável [26].
Segundo Willardson
[4], durante a periodização do treinamento, a prescrição de exercícios de
estabilidade do core deve variar de
acordo com a fase do treinamento e do estado de saúde do atleta.
Para Weineck [27], a
maior parte de utilização desses exercícios é no período de pré-temporada, pois
nesta fase o objetivo principal é melhorar as capacidades biomotoras e, também,
no período de transição, cuja ênfase está no processo de regeneração e
recuperação ativa do atleta. Já em uma fase de reabilitação esses exercícios
devem ser incluídos nas sessões de tratamento associados às técnicas
fisioterapêuticas e a outros exercícios que complementam o processo de
reabilitação.
O treinamento visando
o fortalecimento dos músculos responsáveis pela estabilização central/core mostra ser uma grande tendência na
reabilitação atual, pois é capaz de proporcionar prevenção e reabilitação de
lesões, além de melhora na performance esportiva [7,28].
Acredita-se que o
exercício visando o fortalecimento do core
pode ser incrementado na rotina de treinamento dos atletas de forma
progressiva, além de poder ser associado a outras técnicas e exercícios
executados durante a fase de reabilitação. Esses mostraram ser eficazes para o
aumento da força muscular, colaborando para o incremento de estabilidade articular
e uma sincronia muscular que vai sendo ativada de acordo com os músculos
agonistas e antagonistas que são solicitados durante o gesto esportivo. Sendo
assim, a musculatura da região central do corpo mais fortalecida e ativada de
forma mais harmônica promoverá um melhor alinhamento e equilíbrio postural
dinâmico, devido a uma melhor ativação neuromuscular e consequentemente melhor
performance esportiva.
Nesta revisão
constatamos que para a aplicação de um programa de fortalecimento da musculatura
do core são necessários exercícios
com elementos desestabilizadores. Quando este programa é voltado para o
desempenho esportivo, deve-se levar em consideração o conceito de
especificidade do gesto esportivo, a fase de treinamento e o processo de reabilitação.
Foi possível
verificar que um programa de fortalecimento dos estabilizadores centrais pode
ser eficaz na melhora do equilíbrio, sincronia e força muscular, estabilidade
da coluna vertebral, diminuição de dores lombares e, consequentemente, redução
dos riscos de lesões.
Desta forma,
acredita-se que o treinamento visando o fortalecimento dos músculos que compõem
o core, proporcione a estabilidade de
toda a cadeia muscular que é utilizada nas atividades de reabilitação e durante
o treinamento esportivo. Sendo assim, quadros de fadiga e desequilíbrio
muscular, além de instabilidade articular, que levem o paciente/atleta a crises
dolorosas e a desenvolver quadros de lesões, tendem a diminuir. Justamente
devido ao treinamento que tem como objetivo proporcionar uma sincronia muscular
mais eficiente, por causa do aumento da força muscular que foi adquirida e
treinada, promovendo, também, uma estabilidade articular que levará a uma maior
eficiência no movimento durante as atividades de vida diária ou do gesto
esportivo.