REVISÃO
Processo
de tradução, propriedades de medida e classificação de acordo a CIF dos
instrumentos de avaliação pós-AVE disponíveis em Português falado no Brasil
Translation process, measurement properties and classification according
to ICF of evaluation instruments post-Stroke available in Portuguese spoken in
Brazil
Angélica Cristiane
Ovando*, Daniele Peres*, Stella Maris Michaelsen*, Marcos Amaral de Noronha**
*Centro
de Ciências da Saúde e do Esporte, Universidade do Estado de Santa Catarina
(UDESC), Florianópolis/SC, **Centro de Ciências da Saúde e do Esporte,
Universidade do Estado de Santa Catarina (UDESC), Florianópolis/SC, La Trobe
Rural Health School, La Trobe University, Bendigo, VIC, Australia
Recebido em 12 de
novembro de 2014; Aceito 18 de novembro de 2015
Endereço
de correspondência:
Angélica Cristiane Ovando, Centro de Ciências da Saúde e do Esporte, UDESC, Rua
Pascoal Simone, 358 Coqueiros 88080-350 Florianópolis SC, E-mail:
angecris@yahoo.com.br, Daniele Peres: dannyperes@hotmail.com, Stella Maris
Michaelsen: michaelsenstella@hotmail.com, Marcos Amaral de Noronha: marcos33br@yahoo.com.br
Resumo
Diversos instrumentos
desenvolvidos em países estrangeiros têm sido propostos para avaliar diferentes
aspectos de indivíduos pós-acidente vascular encefálico (AVE). A identificação
dos instrumentos de medida utilizados nesta população nos conceitos da CIF
permite uma abordagem sistêmica do indivíduo. Este estudo objetivou realizar
uma revisão sistemática de instrumentos para avaliação pós-AVE que passaram
pelo processo de tradução e adaptação para a língua portuguesa, caracterizá-los
nos conceitos da CIF e identificar suas propriedades de medida. Dois autores
realizaram, de forma sistemática, as etapas de seleção dos estudos elegíveis. A
busca se fez pela exploração dos bancos de dados Medline via Ovid, Cinahl via
EBSCO, Scielo e Lilacs. A busca resultou em 562 títulos, reduzidos a 22 artigos
elegíveis, entre os quais foram identificados 19 instrumentos de avaliação,
seis destes classificados como funções e estruturas corporais (FEC), um
classificado dentro de FEC e atividade, oito como atividade e quatro como
participação. Apenas em 4 estudos foram observadas
todas as etapas do processo de tradução. A confiabilidade foi testada em todos
os instrumentos, enquanto apenas 4 avaliaram alguma
forma de validade e 4 avaliaram efeito piso/teto. Sugere-se a realização de
futuros estudos com o objetivo de submeter estes instrumentos à avaliação das
propriedades que ainda não foram avaliadas.
Palavras-chave: acidente vascular
encefálico, hemiparesia, avaliação, tradução, classificação internacional de
funcionalidade.
Abstract
Many instruments developed in foreign countries have been proposed to
evaluate different aspects of patients post-stroke. The identification
measuring instruments already used in the population with cerebrovascular
accident (CVA) in the concepts of the ICF provides a systemic approach of
patients. The purpose of the study was to perform a systematic review of
instruments for post-stroke evaluation that went through the process of
translation and adaptation into Portuguese, featuring instruments in accordance
with the concepts of the ICF and identify its psychometric properties. Two
authors performed, systematically, the steps for selection of eligible studies.
The databases searched were: Medline via Ovid, Cinahl
via EBSCO, Scielo and Lilacs. We selected 562 titles
and reduced to 22 eligible studies, in which 19 instruments were identified,
six classified as structure and body function (SBF), one as SBF and activity,
and eight as activity and four as participation. Only in four studies all the
steps of the translation process were identified. Reliability was the
psychometric property tested in all instruments, while only 4 have evaluated
some type of validity and other four the floor/ceiling effects. Further studies
are suggested in order to submit these instruments to evaluation of properties
that have not yet been evaluated.
Key-words: hemiparesis,
evaluation, translation, international classification of functioning,
disability and health.
O acidente vascular
encefálico (AVE) apresenta elevados índices de incidência e prevalência,
considerado uma das maiores causas de incapacidades crônicas em adultos no mundo
[1,2]. Diversos instrumentos foram desenvolvidos para avaliar diferentes
aspectos funcionais e sensório-motores de pacientes
acometidos por AVE, podendo ser utilizados na prática da reabilitação,
em pesquisas para diagnósticos e prognósticos e resposta a tratamentos [3-8].
Avaliações sistemáticas e confiáveis fornecem informações adequadas para a
tomada de decisão clínica, sendo úteis na avaliação do nível de comprometimento
sensório-motor, capacidade funcional e qualidade de vida, evitando assim a subjetividade
do autorrelato [9].
Apesar da diversidade
de instrumentos, sua grande maioria é produzida em outros países e encontrada
originalmente na língua inglesa. Sabe-se que uma simples tradução do texto para
a utilização do instrumento em uma língua diferente da original pode distorcer
o significado real de alguns itens, uma vez que os conceitos são influenciados
pela cultura local. Devido a fatores culturais, alguns aspectos podem ser mais
relevantes em um país do que em outros [10,11] e assim, a tradução e adaptação
transcultural e avalição das propriedades de medida das versões traduzidas tem
sido vista como uma alternativa para que seja possível obter medidas válidas e
confiáveis. A adaptação cultural de uma escala é um processo complexo que
implica na equivalência não apenas linguística, mas também conceitual e
técnica, devendo ser prioritária na escolha de um instrumento [12].
Tanto na prática
clínica como na pesquisa é importante a avaliação da recuperação motora e
funcional após AVE, no entanto a seleção dos instrumentos de avaliação é
difícil, devido à heterogeneidade dos sintomas e a variabilidade da severidade
[13]. A seleção de medidas relevantes pode ser otimizada
através da utilização de uma estrutura que enfoque a condição de saúde e a
funcionalidade, como a Classificação Internacional de Funcionalidade,
Incapacidade e Saúde (CIF), publicada pela Organização Mundial de Saúde [14]. A
funcionalidade relacionada às condições de saúde irá identificar se uma pessoa
é capaz de realizar ou não as atividades da vida diária com base nas funções
dos órgãos ou sistemas e estruturas do corpo, assim como as limitações de
atividades e restrição da participação social no meio ambiente onde a pessoa
vive. A CIF apresenta um sistema de classificação hierárquico, seguindo um
esquema de ramificação, constituído por componentes (funções e estruturas do
corpo, atividade e participação), domínios e categorias, sendo um modelo
biopsicossocial do processo de funcionalidade e incapacidade humana. Cada um
dos componentes contém vários domínios e cada um dos domínios contém várias
categorias, que são as unidades de classificação da saúde e dos estados da
saúde. Essa organização hierárquica é ordenada por níveis e cada domínio
apresenta categorias de dois, três ou quatro níveis, identificadas por códigos
distintos [15].
O acidente vascular
encefálico tem recebido atenção especial de grupos de pesquisa na tentativa de
utilizar o modelo da CIF para a descrição dos estados relacionados à saúde
[15-18]. Esse interesse pelo AVE pode estar
relacionado ao fato dessa condição de saúde apresentar elevados índices de
incidência e prevalência [1]. Outros estudos têm buscado a identificação dos
instrumentos de medida já utilizados na população com AVE para a utilização dos
conceitos relacionados à CIF [19].
Assim, a padronização
de uma linguagem juntamente com a tradução, adaptação e validação de
instrumentos vai ao encontro de um propósito comum, padronização de termos e de
métodos de avaliação válidos. Neste contexto, esta revisão sistemática buscou:
1) rever a literatura que apresenta instrumentos de avaliação para pacientes
acometidos por AVE e que foram traduzidos e/ou adaptados para a língua
portuguesa; 2) avaliar a qualidade metodológica dos processos de
tradução/adaptação; 3) classificar estes instrumentos dentro dos componentes
básicos da CIF de funções e estruturas do corpo, atividades e participação
social e 4) identificar as propriedades de medida
avaliadas nas versões traduzidas dos instrumentos.
Esta revisão sistemática
seguiu as recomendações do PRISMA (Preferred
Reporting Items for Systematic Reviews and Meta-Analyses) [20].
Critérios
de elegibilidade
Foram incluídos
estudos reportando instrumentos que avaliam as funções e estruturas do corpo,
atividades e participação, que foram submetidos a qualquer procedimento de
tradução e/ou adaptação para a língua portuguesa, publicados na íntegra até 22
de maio de 2014, cuja amostra utilizada no estudo inclua indivíduos com
hemiparesia decorrente de AVE. Não foram estabelecidos limites com relação à
data de publicação e idioma, porém foram considerados apenas estudos publicados
em textos completos, excluindo textos advindos de teses/dissertações, resumos
de congressos e livros.
Estratégia
de busca
A busca de referências
relevantes realizou-se por meio da exploração de bancos de dados das seguintes
bases – Medline via Ovid, Cinahl via EBSCO, Scielo e Lilacs até maio de 2014. Os termos de busca e os operadores (AND ou OR) utilizados em todas as bases foram: (stroke OR hemiparesis OR hemiplegia OR hemiparetic) AND (questionnaire OR index OR scale OR score
OR assessment OR evaluation OR self report OR
inventory OR instrument) AND (translation OR cross-cultural adaptation) AND
(Brazil OR Brasil OR Portuguese OR Brazilian Portuguese
OR Brazilian).
Seleção
dos estudos
Após a pesquisa nas
bases de dados, dois avaliadores independentes selecionaram os artigos, pela
leitura dos títulos e resumos. As divergências entre os avaliadores foram
resolvidas por consenso entre eles. No caso de não haver um consenso entre os
avaliadores, um terceiro avaliador foi consultado para definir elegibilidade do
estudo. Somente os estudos que foram adequados em relação aos critérios de
inclusão e exclusão foram completamente analisados.
Avaliação
da qualidade metodológica dos estudos elegíveis
Foram extraídos de
cada estudo dados referentes à tradução e às propriedades de medida. O método
de tradução e adaptação transcultural foi avaliado de acordo com Beaton et
al. [10], e avaliou cinco etapas consecutivas; 1)
tradução; 2) síntese das traduções;
3) retro-tradução; 4) análise do comitê; e
5) pré-teste.
Os estudos foram
classificados de acordo com os critérios de avaliação de propriedade de medidas
da HTA (Health Technology Assessment) [21], que recomenda o uso de oito
critérios de avaliação. Foram utilizados cinco destes critérios para avaliar os
estudos (Tabela I), já que os demais são destinados para estudos de criação ou
desenvolvimento de instrumentos, os quais não foram abordados neste trabalho.
Como nem todos os estudos avaliaram algum tipo de validade, tampouco correlacionaram o instrumento com outra medida, foi
realizada uma descrição conjunta de validade e correlação, conforme está
mencionado em cada estudo.
Tabela
I - Critérios de avaliação das propriedades de
medida dos instrumentos de acordo com a HTA. (ver anexo em PDF).
Conforme realizado no
estudo de Salter et al. [22], os instrumentos foram
classificados nos componentes da CIF de funções e estruturas do corpo,
atividade e participação de forma independente por dois dos autores do estudo,
ambos fisioterapeutas com conhecimento no uso da CIF, após análise detalhada do
conteúdo de cada instrumento. As divergências entre os autores foram resolvidas
por consenso entre eles. Este componente subjetivo foi utilizado visto que não
há consenso publicado sobre como esse tipo de classificação deve proceder.
As buscas resultaram
em 562 estudos selecionados para análise nas etapas seguintes. Após a análise
dos títulos e resumos, restaram 25 artigos; destes, três foram excluídos e os
estudos elegíveis reduzidos a 22 (Figura 1). Um dos artigos foi excluído por
não ter sido obtido na íntegra, apesar do contato com os autores por e-mail
[23]. Outro estudo [24] foi excluído, pois não esclarecia a forma de aplicação
do instrumento e apesar da tentativa de contato, não foi obtida resposta dos
autores para esclarecimento. Por fim, outra exclusão teve como motivo [25] a
ausência de descrição de qualquer tipo de tradução e/ou adaptação transcultural
do instrumento. Nos 22 artigos incluídos foram identificados 19 diferentes
instrumentos.
Figura
1 - Fluxograma da revisão sistemática.
Classificação do
instrumento por componentes da CIF de funções e estruturas do corpo, atividade
e participação.
Na tabela II, os
instrumentos estão dispostos conforme sua classificação nos componentes da CIF.
Foram identificados oito instrumentos dentro do componente
funções e estruturas do corpo, incluindo atividade em um deles. Sete
instrumentos foram classificados dentro do componente atividade e quatro
instrumentos avaliam a participação, todos estes instrumentos de avaliação da
qualidade de vida, dois gerais e dois específicos para AVE.
Tabela
II -
Características dos instrumentos
traduzidos e/ou validados para língua portuguesa falada no Brasil e
classificação nos componentes da CIF de Funções e Estruturas do Corpo,
Atividade e Participação. (ver anexo em PDF).
Tradução
e/ou adaptação transcultural
A análise da tradução
e adaptação transcultural dos instrumentos demonstrou que somente em quatro
deles (21%) estão descritas as cinco etapas de tradução [26-29] (Tabela III).
Propriedades
de medida
A tabela IV apresenta
as características das propriedades de medida avaliadas de acordo com os critérios
da HTA dos artigos selecionados.
Tabela
III
- Análise dos instrumentos baseada na
observação das etapas de tradução/adaptação transcultural conforme proposto por
Beaton et al. [10] (ver anexo em PDF).
Tabela
IV -
Análise das propriedades de medida das
versões em língua portuguesa dos instrumentos para pessoas com AVE de acordo
com os critérios da HTA. (ver anexo em PDF).
Esta revisão
identificou 19 instrumentos de avaliação desenvolvidos ou utilizados em indivíduos
com hemiparesia decorrente de AVE que foram traduzidos e adaptados para a
língua portuguesa. Os instrumentos englobam aspectos diferenciados dos
comprometimentos decorrentes do AVE, sendo agrupados
de acordo com os componentes da CIF.
Com relação à
adequação do processo de tradução e adaptação transcultural dos
questionários/instrumentos, foi observado que somente quatro estudos cumpriram
todas as etapas de tradução, dos quais três são questionários. A maioria dos
instrumentos (57%) foi traduzida por apenas um tradutor, enquanto seis estudos
utilizaram dois ou mais tradutores [8,24,26,27,29,30]
e dois não mencionam o número de tradutores [3,31]. A retrotradução foi a segunda etapa mais frequentemente descrita pelos artigos,
11 (57 %) completaram esta etapa. A análise por comitê foi realizada apenas nos
estudos que completaram todas as etapas. A Motor Assessment Scale (MAS) [32] não apresenta nenhuma informação sobre
o processo de tradução no artigo encontrado, é mencionado apenas que uma versão
em português foi elaborada pelos autores. A EuroQol
foi traduzida pelo grupo criador do instrumento para diversos idiomas, e a
versão em português-Brasil está disponibilizada no site pelo grupo [31]. Quatro
estudos mencionam a tradução do manual de aplicação [5,7,8,33]
e dois estudos [5,34] avaliam as propriedades de medida de uma versão já
traduzida em outro estudo.
Nota-se que os
artigos metodológicos que trazem as etapas de adaptação transcultural
disponíveis na literatura foram elaborados para discutir a tradução de
questionários e entrevistas estruturadas [10,11,35].
Isso explica o fato de os artigos de tradução de instrumentos baseados no
desempenho de uma atividade completar apenas algumas etapas do processo, e não
seguirem necessariamente todas as etapas da adaptação transcultural.
Na fisioterapia,
grande parte dos instrumentos é baseada no desempenho, na qual a ênfase é dada
à clareza das instruções para execução do teste ou da tarefa. A informação
traduzida será utilizada pelos avaliadores e o indivíduo avaliado irá apenas
executar a tarefa baseado no comando verbal do seu avaliador. A adaptação
transcultural de instrumentos baseados no desempenho de uma atividade [29] é
uma lacuna na literatura, pois os artigos metodológicos que trazem as etapas de
adaptação transcultural foram elaborados para discutir a tradução de
questionários e entrevistas estruturadas [10,11,35].
Com relação à
avaliação das propriedades de medida, a confiabilidade foi a
propriedade mais testada, descrita em todos os artigos. Todos os instrumentos
foram testados com relação à confiabilidade interavaliador, todos apresentando
valores adequados. A concordância, que juntamente com a confiabilidade
constitui a propriedade de medida de reprodutibilidade [36], foi avaliada em
sete estudos, destes, um utilizou o erro padrão de medida [30] e outros seis
estudos utilizaram a plotagem de Bland-Altman como método [37]. Em cinco
estudos [5,7,38-40], os limites de concordância
representaram menos de 15% de variação da escala. Os limites de concordância
devem ser avaliados do ponto de vista clínico, para cada medida específica.
Apesar de pouco utilizada, a plotagem de Bland-Altman permite uma fácil
identificação do erro de medida e deve ser considerada na escolha de um
instrumento para avaliar efeitos de intervenções quando várias medidas são
realizadas ao longo do tempo. Qualquer diferença que esteja dentro dos limites
de concordância, provavelmente será causada por um ruído ou erro de medida
[37].
Com relação à
propriedade psicométrica validade, quatro estudos descrevem a realização de
algum tipo da mesma. Os estudos de tradução da ECT [41] e EDT [39], duas
escalas de avaliação do controle de tronco, realizaram validade de construto
com a Escala de Equilíbrio de Berg, enquanto o estudo da SIS
[30] realizou a validade discriminante com a Escala de Rankin Modificada e
validade convergente com o Índice de Barthel e National Institutes of Health Stroke Scale (NIHSS). O estudo de
validação do TEMPA [8] realizou validade concorrente com a Escala de Fulg-Meyer.
Em outros cinco estudos, foi realizado algum tipo de
correlação com outros instrumentos de medida, porém os autores não citam o
termo validade [7,31,38,40,44]. Somente quatro estudos mencionaram a presença
ou não do efeito piso e teto [30,38-40], destes em apenas um instrumento essa
medida se mostrou ausente [41]. Nenhum estudo analisou a responsividade do
instrumento. Como a responsividade é a capacidade do instrumento em detectar
mudanças clínicas no mesmo paciente ao longo do tempo [36], a realização de
estudos com ênfase nesta propriedade acaba sendo um processo mais trabalhoso,
pois geralmente envolve uma intervenção terapêutica e tempo.
No presente estudo, a
CIF foi utilizada como um modelo cujas medidas foram classificadas de acordo
com o tipo de avaliação que incluem. Considerando os resultados desta revisão
sistemática, dispomos hoje em língua portuguesa de pelo menos seis instrumentos
de medidas de funções e estruturas do corpo que foram traduzidos, adaptados e
tiveram confiabilidade interavaliadores adequada voltada para a população com
AVE avaliando aspectos motores e sensoriais [7,29,31,38-40].
A porção motora da
EFM [33] é uma escala específica de avaliação do comprometimento motor e inclui
membros superiores e inferiores. O WMFT [7] contém partes de avaliação de
funções e estruturas do corpo, porém avalia exclusivamente o membro superior
(MS). Enquanto na EFM o interesse é avaliar o grau de recuperação motora, o
WMFT inclui aspectos de atividade.
As escalas EDT, ECT e
EAPA [39-41] se propõem a avaliar o equilíbrio e controle do tronco em
diferentes aspectos do controle postural. Dentre as três escalas, somente a
EAPA testa o indivíduo desde a posição deitada até a ortostática; é uma escala
com níveis progressivos de dificuldade e, dessa forma, pode ser mais útil para
acompanhar tanto estágios iniciais como mais avançados de recuperação [40].
As duas escalas
disponíveis hoje em língua portuguesa para avaliação da sensibilidade tátil e
proprioceptiva são a EFM [29,33] e a ASN [38]. Essa última mensura também a
estereognosia e discriminação entre dois pontos.
Conforme literatura
revisada, dispomos de instrumentos adequados para medida de resultado nos
seguintes aspectos de funções e estruturas do corpo após AVE: comprometimento
motor, sensibilidade e avaliação do tronco. Constata-se a ausência de uma
escala para avaliação da espasticidade que tenha sido desenvolvida ou
traduzida, validada e adaptada para o português. Outra lacuna encontrada diz
respeito ao comprometimento cognitivo, pois apesar de muitos estudos terem
usado o Mini Exame do Estado Mental [42], ele não foi propriamente validado
para AVE na população brasileira.
Como os instrumentos
que avaliam o comprometimento de funções corporais podem ser mais sensíveis a
alterações e tem a maior capacidade de diferenciar entre grupos de tratamento,
eles são particularmente úteis para estudos de eficácia [16].
No entanto, para que
haja um significado clínico é importante relacionar as alterações nas funções e
estruturas corporais às mudanças na atividade e participação.
As escalas de
avaliação da atividade, disponíveis e validadas em português, podem ser
classificadas funcionais, ou seja, aquelas que avaliam o nível de
dependência/independência dos pacientes para a realização de AVDs como a MIF e
o Índice de Barthel e escalas de função focal como o TJT [43], o TEMPA [8] e o
THMMS [44]. As primeiras são indicadas para avaliar de forma geral quanto de
auxílio é necessário para a realização de AVDs e as demais o tempo e/ou o
desempenho do MS durante a realização de tarefas ligadas as AVDs.
O Índice de Barthel é
mais rápido e mais simples de pontuar comparativamente a MIF e pode ser
aplicado independentemente por qualquer profissional de saúde e mesmo por meio
de questionário autoaplicado [45]. Embora o efeito piso e teto das versões em
português do IB a da MIF não tenham sido avaliados, a versão original do IB
apresentou efeito teto em avaliações realizadas no período crônico após AVE em
indivíduos com comprometimento leve em estudo prévio [46], o que parece ser uma
limitação do instrumento para indivíduos menos acometidos pelo
AVE.
O TJT [44], o TEMPA
[8], o THMMS [44] e o WMFT [7], apesar de avaliarem a função focal, apresentam
características diferentes. O primeiro consiste em um instrumento que avalia
apenas o tempo de execução, tendo como vantagem o fato de ser de fácil
aplicação, enquanto que os outros três avaliam aspectos relacionados à
qualidade do movimento. Tanto o TEMPA como o THMMS avaliam AVDs e parte de
atividades instrumentais de vida diária. Ambos avaliam o escore funcional e o
tempo de movimento, porém o TEMPA apresenta como vantagem a seção de análise
das tarefas, que permite identificar quais os possíveis componentes que
comprometem a execução da tarefa pelo indivíduo. Outra vantagem do TEMPA e do
WMFT é a padronização das tarefas cujo material utilizado se localiza em
lugares precisos e predeterminados, diferente do THMMS, que não requer uma
plataforma padronizada. Todos os instrumentos avaliam o desempenho em situações
que simulam as AVDs ou mesmo AVDIs, no entanto não avaliam o uso real do MS
nestas atividades fora do ambiente de reabilitação ou pesquisa. Para este
propósito temos disponível a MAL [5,27], uma entrevista estruturada que avalia
o uso espontâneo do MS e que permite avaliar se os resultados das atividades
propostas no contexto da reabilitação estão sendo transferidas para o cotidiano
do sujeito.
Ainda no quesito
atividade, temos disponível a MAS [32] que consiste em
uma escala mais global que avalia o desempenho geral incluindo a mobilidade. É
indicada para avaliar a evolução do paciente nas fases iniciais quando a
mobilidade no leito e transferências são ainda limitadas.
Apesar da diversidade
de instrumentos disponíveis, não foi encontrada uma escala de avaliação do
equilíbrio traduzida para o português e validada para pessoas pós-AVE. Embora a
Escala de Berg tenha sido utilizada para avaliar o equilíbrio pós-AVE em
estudos prévios [47,48], a versão em português não foi validada especificamente
para indivíduos com sequela de AVE [49].
Um desafio ao
estabelecer metas no processo de reabilitação após um AVE é a conexão entre a
extensão da perda no nível de comprometimento pela patologia, a execução de uma
atividade e a participação, já que outros fatores podem influenciar o
resultado. Por exemplo, um indivíduo pode melhorar a função motora, mas sem
suporte social para incentivar a independência, ele pode não tornar-se mais
independente em AVDs, AIVDs, ou na participação em uma situação de vida social.
Neste sentido, é importante a avaliação de medidas que apontem para a
participação deste indivíduo num contexto social após a lesão.
É notório que a
aplicação da estrutura proposta pela CIF não é um processo simples. Muitas
medidas existentes incluem itens que podem estar incluídos em mais de uma
dimensão da CIF, enquando outras medidas podem parecer não se encaixar em
nenhum domínio. O conceito de qualidade de vida se reflete tanto na
participação como na atividade. Tradicionalmente, a qualidade de vida envolve
várias dimensões essenciais, incluindo funcionamento físico, bem-estar
emocional, funcionamento social, e atividades e papéis, assim como as
percepções de saúde e avaliação global da satisfação na vida [22].
Nosso estudo
identificou quatro instrumentos de avaliação da participação. O Perfil de Saúde
de Nottingham e o Euro-QOL são instrumentos genéricos de avaliação de qualidade
de vida [28,31]. As escalas EQVE-AVE [26] e a SIS [30] apresentam como vantagem
o fato de terem sido desenvolvidas especificamente para pessoas com sequelas de
AVE. A versão original SIS foi submetida a extensivas avaliações psicométricas,
considerada uma ferramenta válida e confiável para a avaliação de pacientes por
entrevista presencial direta com o paciente, por correspondência, telefone ou por
meio dos cuidadores [30]. Uma das vantagens da SIS em
comparação a EQVE-AVE, é em relação ao domínio da função do MS, o qual
apresentou melhor responsividade a mudanças após a reabilitação comparado a
outra escala.
Este estudo identificou
20 instrumentos de avaliação para pacientes acometidos por AVE que foram
traduzidos e/ou adaptados para a língua portuguesa. A qualidade metodológica
dos processos de tradução/adaptação foi em geral deficiente, pois não seguiram
todas as etapas das recomendações dos guias disponíveis para tal. Oito
instrumentos disponíveis em português foram classificados como de avaliação de
funções e estruturas do corpo, oito de atividade e quatro de participação
social. A confiabilidade foi avaliada em todos os instrumentos, entretanto em
apenas nove dos instrumentos disponíveis em português foi avaliada algum tipo
de validade. Os efeitos piso e teto foram avaliados em apenas quatro
instrumentos e nenhum estudo avaliou a responsividade. Desta forma esta revisão
sistemática identificou várias lacunas nos estudos de tradução e validação de
instrumentos de avaliação pós-AVE que deverão ser consideradas em estudos
futuros.