REVISÃO

Interface entre a saúde coletiva e a fisioterapia: avaliação da política educacional

Interface between collective health and physical therapy: assessment of education policies

 

Vanessa Lôbo de Carvalho, Ft., M.Sc.*, Ana Larissa Costa de Oliveira**

 

*Doutoranda em Biotecnologia, Professora do Centro Universitário Tiradentes, Maceió/AL, Universidade Estadual de Ciências da Saúde de Alagoas, **Professora Faculdade Estácio de Alagoas e da Universidade Estadual de Ciências da Saúde de Alagoas

 

Recebido em 7 de abril de 2015; aceito em 15 de junho de 2016.

Endereço para correspondência: Vanessa Lôbo de Carvalho, Rua Professor Lourenço Peixoto, 31/604, Jatiúca, 57035-640 Maceió AL, E-mail: carvalhovanessa@hotmail.com, Ana Larissa Costa de Oliveira: alcofisio@yahoo.com.br

 

Resumo

Objetivos: Avaliar por meio das políticas educacionais a interface entre a fisioterapia e a saúde coletiva. Métodos: Trata-se de um estudo descritivo com pesquisa bibliográfica e documental. Foram analisados documentos do Ministério de Educação e Cultura (MEC), do Ministério da Saúde (MS) e do Conselho Federal de Fisioterapia e Terapia Ocupacional (COFFITO) que possuem em seu teor relação com a interface fisioterapia e saúde coletiva. Os documentos analisados foram do período de 1963 a 2013. Resultados: Os documentos analisados apontam para uma interface em desenvolvimento da atuação do fisioterapeuta e a saúde coletiva influenciada pelo contexto econômico, político e social. A fim de minimizar as inadequações da interface entre a fisioterapia e a saúde coletiva o MEC e o MS desenvolveram medidas para adequação da formação e atuação ao contexto de saúde coletiva adotada pelo Sistema Único de Saúde. Conclusão: O estudo apontou para a ocorrência da inserção da fisioterapia na saúde coletiva e uma interface crescente entre esses, todavia são necessárias mudanças para ampliação dessa relação e análise do seu impacto na assistência à saúde.

Palavras-chave: políticas, políticas públicas de saúde, Fisioterapia.

 

Abstract

Objectives: To evaluate through educational policies the interface between physical therapy and public health. Methods: This is a descriptive study of bibliographical and documentary research. Documents of Ministério da Educação e Cultura (MEC), Ministério da Saúde (MS) and Conselho Federal de Fisioterapia e Terapia Ocupacional (COFFITO), from 1963 to 2013, which have relation with the interface physical therapy and public health, were analyzed. Results: The reviewed documents indicate a underdevelopment interface between the physical therapy and the public health with influence of the economic, political and social context. In order to minimize the inadequacies of the interface between physical therapy and public health, MEC and MS developed strategies to suit the training and performance to the context of public health adopted by the Unified Health System. Conclusion: The study pointed to the occurrence of insertion of physical therapy in public health and a growing interface between them, however changes are needed to expand this relationship and an analysis of their impact on health care.

Key-words: policies, health public policy, physical therapy specialty.

 

Introdução      

 

O poder público possui a função de elaborar e implementar políticas a fim de salvaguardar os direitos dos cidadãos. Ao se tratar das políticas educacionais, especificamente o Ministério da Educação e Cultura (MEC) é o responsável por impor limites e perspectivas da política educacional brasileira [1]. Esse fato implica em examinar o alcance das medidas educacionais tomadas pelo Estado brasileiro viabilizando a adequação da formação do cidadão e do profissional, ao se tratar da educação no nível técnico e superior [1].

A medicina foi à primeira profissão conhecida da área da saúde e seu desenvolvimento provocou um processo de especialização e de subdivisão. Esse processo promoveu o surgimento de outras ocupações denominadas de paramédicos, a exemplo a fisioterapia [2]. A Fisioterapia se iniciou como ocupação, isto é, teve origem técnica, ligada à medicina. O técnico em fisioterapia era visto como “auxiliar do médico” que atuava na reabilitação dos indivíduos lesados na segunda guerra mundial, na qual o Brasil participou e dos acometidos pela poliomielite [3].

Em 1929, a demanda de pacientes necessitando de reabilitação aumentou e o médico Dr. Waldo Rolim de Moraes implantou o serviço de Fisioterapia do Instituto do Radium Arnaldo Vieira de Carvalho no Hospital Central da Santa Casa de Misericórdia de São Paulo [3]. Em 1951, o Dr. Rolim planejou o primeiro curso técnico em fisioterapia no Brasil [3]. Após o surgimento do curso técnico em fisioterapia, o poder público iniciou a discussão sobre a formação profissional antes mesmo da regulamentação da profissão como nível superior.

A formação em fisioterapia como profissão foi também influenciada pelo relatório Flexner, assim como a medicina. Esse relatório foi elaborado em 1910 e centrava-se em um conceito de saúde reduciocista, com foco no aspecto biologicista, centrado na doença e no hospital [4]. Assim, a Fisioterapia teve ênfase no cunho de reabilitação com caráter tecnicista e atuação uniprofissional, ou seja, sem o trabalho em equipe necessário à saúde coletiva.

A saúde coletiva compreende a interrelação de núcleos de saberes para construir o campo de saber e compreender a complexidade do processo de adoecimento e a ação profissional adequada [5]. A interrelação entre saberes ocorre por meio do trabalho em equipe necessário na saúde coletiva [5].

Diante do exposto é relevante discutir a interface da fisioterapia e da saúde coletiva analisando as políticas educacionais brasileiras a fim de refletir a história da fisioterapia e sua relação com a saúde coletiva por meio do percurso percorrido pelo MEC. Acrescenta-se a identificação da intersetorialidade da educação com a saúde e a repercussão das políticas educacionais relacionadas à fisioterapia e sua repercussão na assistência a saúde da sociedade. Essa reflexão subsidia aos educadores a ocorrência de mudanças na formação que por sua vez corroboram a atuação do profissional na saúde coletiva e consequentemente a melhoria dos serviços oferecidos nas instituições ou empresas de saúde.

A presente pesquisa tem como objetivo avaliar por meio das políticas educacionais a interface entre a fisioterapia e a saúde coletiva.

 

Métodologia

 

Trata-se de um estudo descritivo com pesquisa bibliográfica e documental. Os documentos analisados são de domínio público, referentes à relação entre as políticas educacionais e a interface entre a fisioterapia e a saúde coletiva.

Foram analisados documentos do MEC, do Ministério da Saúde (MS) e do Conselho Federal de Fisioterapia e Terapia Ocupacional (COFFITO) que possuem em seu teor relação com a interface fisioterapia e saúde coletiva. Os documentos analisados foram do período de 1963 a 2013.

Para análise do resultado e da discussão, optou-se por dividir em duas análises temáticas: Trajeto das Políticas Educacionais em Fisioterapia e Contexto Histórico e inserção da fisioterapia na saúde coletiva.

 

Resultados e discussão

 

Trajeto das Políticas Educacionais em Fisioterapia

 

O primeiro documento oficial referente à Fisioterapia, no âmbito da Política Educacional do Brasil, foi o Parecer 388, elaborado por uma comissão de peritos, no Conselho Federal de Educação (CEF), que foi aprovado em 1963, pelo MEC. O parecer considerava o fisioterapeuta como auxiliar do médico remetendo-o a sua origem, o departamento de eletricidade médica. Esse parecer definiu a duração de 3 (três) anos para os cursos técnicos de Fisioterapia, além de estabelecer um currículo mínimo [6]. Freitas critica a postura médica quanto à profissão do fisioterapeuta, contida no referido parecer ao afirmar que o documento tendencia que os fisioterapeutas estariam condicionados aos limites impostos pelos médicos que atuavam na área da reabilitação [7].

A fisioterapia surgiu como profissão de nível superior, no Brasil, durante a ditadura militar, por meio do Decreto-Lei 938 de 1969, estabelecido pelos ministros da Marinha de Guerra, do Exército e da Aeronáutica Militar, através do poder que lhes foi atribuído pelo Ato Institucional Nº12 [8]. Este marco reconheceu a profissão com caráter reabilitador e lhe conferiu autonomia, elemento básico para a valorização do profissional.

A formação universitária necessária à educação superior sofreu inúmeras mudanças quanto à gestão e à autonomia. Segundo Fávero apud Silva [9], a Reforma Universitária - Lei 5.549 de 1968 - foi um marco importante, quanto a questionamentos referentes à autonomia e gestão; à estrutura; à organização; ao papel da universidade, na promoção do desenvolvimento brasileiro; a mudanças disciplinares e à indissociabilidade do binômio ensino-pesquisa. Tais reformas modificaram o perfil universitário, que influenciou a Fisioterapia, após 1969, quando esta se tornou nível superior.

            No período de 1969 a 1983, houve novas normatizações na Fisioterapia. Em 1975, foi decretada a Lei 6.316 de 1975, pelo Conselho Nacional e sancionada pelo presidente da República, que criou o Conselho Federal e os Conselhos Regionais de Fisioterapia e Terapia Ocupacional. Posteriormente, em 1978, por meio de Resolução 10 do COFFITO, estabeleceu o Código de Ética Profissional de Fisioterapia e Terapia Ocupacional. Essa resolução estabeleceu a atividade de promoção da saúde, que anteriormente não pertencia às responsabilidades fundamentais do profissional fisioterapeuta dispostas no Decreto 938 de 1969 [10].

Em 1985, o CFE aprovou o Parecer 264 que determinou que os egressos do curso do currículo mínimo do Parecer de 388/63 seriam designados de tecnólogos em fisioterapia, e os fisioterapeutas seriam os que cumprissem o currículo mínimo de 1983 [11]. Existia um receio no que se refere ao reconhecimento dos cursos de fisioterapia e de terapia ocupacional, para que os médicos não perdessem o poder de interferência, sobre as demais profissões da área de saúde [1]. Segundo o Parecer 264/85 a história dos cursos de Fisioterapia e Terapia Ocupacional foram disciplinadas por meio da Portaria MEC 511/64, decorrente do Parecer 388/63 [10]. Este último parecer considera a formação de "auxiliares médicos, que desempenham tarefas de caráter terapêutico, sob orientação e responsabilidade do médico", ou seja, sem autonomia [11]. Ressalta-se o caráter reabilitador da fisioterapia.

Em 1983, o MEC aprovou o currículo mínimo para 4 anos letivos, nas graduações de fisioterapia e terapia ocupacional, que eram compostos por quatro ciclos: I - Ciclo de Matérias Biológicas; II - Ciclo de Matérias de Formação Geral; III - Ciclo de Matérias Pré-profissionalizantes; e IV - Ciclo de Matérias Profissionalizantes [12].

O ciclo de Matérias de Formação Geral era composto pelas disciplinas de Sociologia, Antropologia, Psicologia, Saúde Pública e Metodologia de Pesquisa. Observa-se, assim, uma mudança no currículo com o objetivo de transformar o perfil dos egressos, graças a influência da reforma sanitária no Brasil. O currículo mínimo dos Cursos de Fisioterapia e Terapia Ocupacional devia perfazer um total de 3.240 horas, ministradas num período mínimo de 4 anos e em um máximo de 8 anos. Os Ciclos I e II deviam ocupar 20%, desse tempo. O Ciclo Pré-profissionalizante, 20%; o Ciclo Profissionalizante, 40%, restando 20%, para a prática supervisionada. Este currículo mínimo era critério para que o egresso fosse considerado de nível superior [12]. Durante a vigência da Lei de Diretrizes e Bases da Educação (LDB), de 1961, a Fisioterapia ainda era inclusa dentre os cursos tecnológicos. Esta profissão foi inclusa no nível superior após a homologação da LDB de 1996, o que representou a autonomia curricular, pois cessou a obrigatoriedade do currículo mínimo [13]. A Fisioterapia após a LDB de 1996 apresentou como diretrizes propostas pelos órgãos responsáveis pela formação profissional a proposta de curso de 5 anos com 4.500 horas de formação para atividade profissional [14].

             Conforme Machado apud Nascimento et al. [15], “a princípio, qualquer atividade humana no mundo do trabalho pode ser considerada uma atividade profissional’’. Para este teórico, “[...] a sociologia enfatiza alguns elementos que constituem uma profissão: autonomia; adesão ao ideal de serviço; forte identidade profissional, traduzida pelo código de ética; e a demarcação do território profissional” [15]. Assim, a Fisioterapia evoluiu nas década 60 – 70, com o Decreto- Lei 938 de 1969, a Lei 6.316 de 17 de 1975 e a Resolução 10 de 1978 -- do COFFITO --, fatos que lhes conferiram autonomia, identidade profissional, organização de classe e o código de ética. Com o avançar das responsabilidades da profissão e das mudanças das necessidades e demandas sociais, foram elaboradas as Diretrizes Curriculares Nacionais (DCN) do curso de Fisioterapia, em 2001-2002 [12].

As DCN dos cursos de graduação foram elaboradas por um processo construtivista em 2001- 2002 com mobilização da comunidade e da classe profissional. Elas visam proporcionar a Instituição de Ensino Superior (IES) uma maior autonomia e adequação ao contexto das políticas públicas nacionais e locais [16]. As DCN de graduação proporcionam direcionamento para formação e a implementação dos projetos político-pedagógicos. Esse direcionamento é acompanhado de autonomia e do contexto sociopolítico e cultural que permeiam as IES interferindo nas demandas da formação e nos métodos de ensino-aprendizagem [17]. Sem olvidar dos preceitos éticos da profissão.

Em 2013, houve a aprovação do Código de Ética e Deontologia, da Fisioterapia, por meio da aprovação da Resolução 424, que revogou a Resolução 10/78. O Código de Ética vigente determina em seu Artigo 4 que o fisioterapeuta deve prestar assistência no âmbito coletivo e individual, e participar da promoção da saúde, prevenção e reabilitação, respeitando os princípios do sistema de saúde vigente no Brasil, ou seja, aumentando a responsabilidade na formação e atuação do profissional no Sistema Único de Saúde (SUS). Esse Código de Ética apresenta uma preocupação com o fisioterapeuta e a sua formação e atuação, na saúde coletiva [18].

 

Figura 1 - Evolução das políticas educacionais e da profissão de fisioterapia.

 

Fonte: a autora

 

Contexto histórico e inserção da fisioterapia na saúde coletiva

 

Entre as décadas de 70 e 80 desenvolveu-se o movimento da reforma sanitária, no Brasil, que foi responsável pela reafirmação, no país, da nova concepção do processo saúde/doença e o abandono do conceito de saúde, como ausência de doença. Tal fato ampliou as atividades dos profissionais de saúde, para a realização de práticas de promoção da saúde e de medidas preventivas [19].

No período da reforma sanitária ocorreu a Conferência Internacional de Cuidados Primários, realizada em Alma-Ata (1978), que facilitou o esclarecimento sobre termos da promoção da saúde e da prevenção de doenças e fortaleceu o movimento sanitário, ao enfocar o conceito ampliado de saúde, como estado de completo bem-estar físico, mental e social [20].

A reforma sanitária culminou com VIII Conferencia Nacional de Saúde, em 1986, que ratificou a saúde como resultante das condições de alimentação, habitação, educação, renda, meio-ambiente, trabalho, transporte, emprego, lazer, liberdade, acesso e posse de terra, e acesso a serviços de saúde [21]. Ao considerar a saúde no seu conceito amplo, como descrito acima, faz-se necessário a ampliação do campo de atuação dos serviços de saúde, nos seus níveis de atenção [21]. A Fisioterapia se desenvolveu mais na atenção secundária e terciária, ou seja, para a reabilitação. Todavia, o contexto da Reforma Sanitária e a VIII Conferência Nacional de Saúde enfocou a integralidade, princípio doutrinário do SUS, o que aumentava sua importância e promove a disseminação da prática da atenção primária [22].

A palavra fisioterapia, com sua terminação de “terapia”, em princípio, exclui algumas modalidades de atuação profissional, como a prevenção, manutenção de boas condições de saúde e a promoção da saúde [23]. Tal fato é criticado por Bispo Júnior que justifica que cria como modelo de atuação a Fisioterapia Coletiva, para inclusão das atividades de prevenção e promoção da saúde, e ratifica que o destaque do modelo da fisioterapia coletiva não invalida o modelo curativista, mas acrescenta “novas possibilidades e necessidades de atuação do fisioterapeuta frente ao atual quadro sanitário e da nova lógica de organização do SUS” [24].

A escassez do desenvolvimento de atenção primária, nesta profissão, despertou a necessidade de elaborar políticas educacionais, para assegurar uma formação com atuação para o princípio do SUS - a integralidade.

O SUS foi normatizado na Constituição Federativa do Brasil de 1988, nos seus artigos 196-200, nos quais são postas as diretrizes e os seus princípios organizativos [22]. Após esse momento de oficialização do sistema de saúde no Brasil, os profissionais devem se adequar para atuarem e para atingir os princípios ideológicos, por intermédio das diretrizes propostas pelo sistema. A Lei Orgânica da Saúde (LOS) ratifica a importância da formação dos profissionais da saúde e garante, em seu artigo 15, inciso IX, a participação dos recursos humanos direcionados para a saúde, na formulação e execução e no artigo 27, no qual é garantido que os serviços do SUS servem de campo de prática, para o ensino e a pesquisa [25]. A DCN, política educacional, objetiva garantir a formação do profissional de saúde, para a atuação no SUS [16].

A DCN do curso de graduação em fisioterapia, ordenadas pelo Conselho Nacional de Educação, por meio da Resolução CNE/CES de 2002, objetiva um perfil de egressos que sejam capazes de suprir a demanda da saúde coletiva, com formação generalista, humanístico, crítico e reflexivo [16]. Nas DCN dos cursos da saúde há “um texto idêntico para todas as profissões, abordando os seguintes itens: atenção à saúde; tomada de decisões; comunicação; liderança; administração e gerenciamento; e educação permanente” retomando a necessidade do desenvolvimento de competências e habilidades gerais dos profissionais de saúde [16].

Desta forma, a DCN insere competências e habilidades, em todos os níveis de atenção à saúde, inclusive ao perfil do egresso do curso de Fisioterapia. Tal política possibilitou a ampliação dos níveis de atenção à saúde, com a inclusão da atenção primária, que foi olvidada durante a evolução da profissão, anteriormente centrada na atenção secundária e terciária [16]. Almeida se reporta às DCN, como meio de apresentação da Fisioterapia, às políticas públicas brasileiras, além de associá-la ao rompimento com o modelo flexineriano, do perfil de egresso especialista, e de disciplinas fragmentadas [14]. Esse rompimento fortalece a saúde coletiva.

A DCN é composta pelos seguintes itens: perfil do formando egresso/ profissional; competências e habilidades; conteúdos curriculares; estágios e atividades complementares; organização do curso; acompanhamento e avaliação. Esta composição permite uma formação focada no discente -- antes focada no docente --, e atribui uma autonomia a IES, para criação de propostas curriculares e técnicas de ensino-aprendizagem, adequadas à especificidade da estrutura, além de envolver órgãos competentes para o acompanhamento e avaliação permanentes, assegurando, deste modo, a efetivação da política [16]. A mudança na formação acadêmica dos profissionais de saúde constitui um avanço para “a atenção em saúde prestada à população, ampliando a participação de gestores, profissionais de saúde e sociedade na formulação desse campo das políticas públicas” [26].

Há mudanças que objetivam a formação do egresso fisioterapeuta em conformidade com o perfil exigido nas políticas educacionais e descrito nas legislações vigentes, no entanto tais transformações não se efetivaram, no processo de formação da Fisioterapia. A formação e o processo pedagógico dos profissionais da área de Saúde é “discutido, refletivo, construído e reconstruído, para atender a demandas educacionais e sociais do mundo contemporâneo” [27]. No entanto, mesmo após esse processo de construção e reconstrução da formação em saúde, “os Projetos Políticos Pedagógicos, dos cursos de fisioterapia da maioria das IES parecem perpétuos, intocáveis e distantes de qualquer possibilidade de ação reflexiva que gere transformações” [27].

Não se deve esquecer que a atuação profissional está intimamente relacionada à formação profissional. Há necessidade de mudanças, nos saberes e campos de prática da fisioterapia. Críticas são realizadas a formação para atender às demandas do mercado, já que o preconizado é a formação para atender às necessidades da sociedade [28]. Não é possível nem viável dissociar o projeto educacional das necessidades do indivíduo e da sociedade [29].

A fim de atender a demanda da sociedade, incentiva-se a atuação do profissional fisioterapeuta que possua “atuação multiprofissional, interdisciplinar e transdisciplinar com extrema produtividade na promoção da saúde baseado na convicção científica, de cidadania e de ética”, conforme o Artigo 5º da DCN para graduação em Fisioterapia [16]. Este artigo preconiza a atuação do fisioterapeuta em equipe e a troca de saberes entre diversos profissionais.

O desenvolvimento da formação para o trabalho em equipe pode ser facilitado pelo modelo educacional, adotado no Brasil, que preconiza os quatro pilares da educação, elaborados pela Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura: aprender a conhecer, aprender a fazer, aprender a viver juntos e aprender a ser [30]. Os dois últimos pilares apontam para habilidades necessárias, na formação de equipes com desenvolvimento de prática interdisciplinar.

O trabalho em equipe facilita a compreensão e a atuação, na demanda social. Assim, é importante para atuação profissional o conhecimento da demanda da sociedade, que depende do contexto histórico, político e social [31]. A formação com enfoque na realidade em um espaço de saúde enfoca na expectativa de vida, nas condições de vida, no desenvolvimento de tecnologias e busca de cuidados, na percepção de direitos à saúde e nos determinantes e condicionantes da saúde [31].

Em 2002, foi iniciado o movimento para aprovação do ato médico. Tal ato foi aprovado no Brasil, em 2013, com condições diferentes das disposições iniciais, propostas pelo ato normativo. A crítica, ao ato médico, perdurou ao longo de sua tramitação, por meio de movimentos sociais e de protestos das classes profissionais, que se sentiram prejudicadas [32]. O principal motivo da crítica ao ato médico foi o fato de que os “médicos não são mais os detentores do controle dos meios materiais de produção do nosso trabalho e sequer conseguem, hoje, definir o valor de mercado de nosso tempo de trabalho” [32]. O marco operacional importante no campo da saúde tem sido a da universalização da assistência seja pública ou privada somada a “concepção de saúde como direito de cidadania, reconhecida do ponto de vista tanto do usuário de serviços públicos quanto do consumidor de planos privados de saúde” [31].

No transcorrer do percurso histórico e situacional, exposto no presente artigo, observa-se que houve mudanças sociais que propiciaram mudanças educacionais e na atuação profissional na saúde coletiva. Todavia, a formação tem que ser acompanhada, para verificação do seu objetivo, que não pode se desvirtuar do compromisso social, para uma formação cidadã e profissional adequada à saúde coletiva.

 

Conclusão

 

A interface entre a fisioterapia e a saúde coletiva sob a ótica das políticas educacionais brasileiras ocorreu de forma paulatina e ainda está ocorrendo como se percebe com as ações intersetoriais da saúde e do conselho da profissão com o MEC apontadas no estudo.

O estudo apontou para a ocorrência da inserção da fisioterapia na saúde coletiva e uma interface crescente entre esses, todavia são necessárias mudanças para ampliação dessa relação. A ampliação da interface permitirá mudanças na atuação profissional e consequentemente impactará na assistência a comunidade.

Em suma, houve mudanças no perfil do fisioterapeuta e na sua atuação na saúde coletiva, todavia há o que aprimorar e discutir, sobre a efetivação da política educacional vigente e repercussão na interface da fisioterapia com a saúde coletiva.

 

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