Fisioter Bras 2022;23(4):551-62

doi: 10.33233/fb.v23i4.5162

ARTIGO ORIGINAL

A postura fletida está associada à independência funcional, mobilidade e qualidade de vida em pessoas com doença de Parkinson?

The forward flexed posture is associated with functional independence, mobility and quality of life in people with Parkinson’s disease?

 

Hudson Azevedo Pinheiro*, Tauana Calais Franco do Nascimento**, Flávia Martins Gervásio***, Josevan Cerqueira Leal**, Felipe Augusto dos Santos Mendes**

 

*Secretaria de Saúde do Distrito Federal, Brasília, DF, **Programa de Pós-graduação em Ciências de Reabilitação, Universidade de Brasília, Brasília, DF, ***Universidade Estadual de Goiás, Goiania, GO

 

Recebido em 30 de abril de 2022; Aceito em 4 de julho de 2022.

Correspondência: Hudson Azevedo Pinheiro, Rua 36 Norte lote 05 bloco A apto 401 Águas Claras 71919-180 Brasília DF

 

Hudson Azevedo Pinheiro: hudsonap@gmail.com  

Tauana Calais Franco do Nascimento: tauanacalais@gmail.com  

Flávia Martins Gervásio: flavia.gervasio@hotmail.com  

Josevan Cerqueira Leal: josevanleal@gmail.com  

Felipe Augusto dos Santos Mendes: felipemendes@unb.br

 

Resumo

Objetivo: Avaliar se a postura fletida (FFP) está associada à independência funcional, mobilidade e qualidade de vida em pacientes com doença de Parkinson (DP). Métodos: Estudo transversal e comparativo em Brasília/DF. Para avaliar a FFP, foi utilizado o teste de distância occipito-parede (DOP) e este foi comparado com medidas de força muscular (preensão palmar, extensão dorsal e membros inferiores), mobilidade funcional e qualidade de vida para verificar se há associações entre eles. Também foi verificado se havia correlação entre o estágio da doença, medido pela escala de Hoehn e Yahr (HY) e o tempo de diagnóstico. Resultados: Foram observadas correlações fortes entre DOP e HY, tempo de diagnóstico e qualidade de vida, e correlações moderadas entre marcadores de força muscular e mobilidade em indivíduos com DP. Conclusão: O FFP medida pelo DOP está fortemente associada com estágios de gravidade, tempo de diagnóstico e qualidade de vida e moderado com força muscular e mobilidade reduzida em pacientes com doença de Parkinson e representa uma medida simples e de baixo custo para a prática clínica.

Palavras-chave: doença de Parkinson; postura fletida; mobilidade; força muscular; qualidade de vida.

 

Abstract

Aim: To evaluate whether the forward flexed posture (FFP) is associated with functional independence, mobility and quality of life in patients with Parkinson’s Disease (PD). Methods: A cross-sectional and comparative study in Brasilia/DF. To evaluate FFP, the occiput-to-wall test (OWT) was used and this was compared with measures of muscle strength (handgrip, dorsal extensors and lower limbs), mobility and quality of life to verify associations between them. It was also verified if the correlations between stage of the disease, measured by the Hoehn and Yahr (HY) scale and time of diagnosis. Results: Strong correlations were observed between OWR and HY, time of diagnosis and quality of life, and moderate correlations between markers of muscular strength and mobility in individuals with PD. Conclusion: The FFP measured by OWT is significantly correlated with severity stages, time of diagnosis and quality of life and moderately correlated with muscle strength and reduced mobility in patients with Parkinson's disease and represents a simple and low cost measure for clinical practice.

Keywords: Parkinson`s disease; forward flexed posture; mobility; muscle strength; quality of life.

 

Introdução

 

Alterações na posição do centro de massa em relação à base de apoio são influenciadas por mudanças na posição do tronco durante a realização das atividades da vida diária (AVD) e estão associadas a ativação muscular para estabilização, proporcionando uma postura adequada [1,2].

Uma alteração comumente observada nos sujeito com DP é a forward flexed posture (FFP) ou postura fletida, que é definida como posição de anteriorização da cabeça, flexão anterior do tronco e a flexão do joelho, que pode resultar no deslocamento anterior do centro de gravidade e no alargamento da base de suporte, manifestada clinicamente como dificuldade para andar e girar, tendência a cair e dificuldade para girar ou incapacidade de girar na cama, podendo ser acompanhada de fraqueza dos extensores das costas e rigidez da coluna vertebral com ou sem dor associada [3,4,5].

Uma revisão sistemática demonstrou que o DOP é um método válido e confiável para medir a FFP em sujeitos com DP demonstrando ser uma ferramenta prática e de fácil realização para a prática clínica, e com correlações com o avanço da doença [6].

A FFP pode ocasionar fraqueza dos músculos extensores do tronco e comprometer o equilíbrio e as reações de proteção; isso pode limitar a tarefas como levantar-se de uma cadeira, manter a posição em pé e girar o tronco durante a marcha, portanto, possíveis relações entre essas alterações posturais e outras medidas que poderiam ser alteradas na DP devem ser estudadas, incluindo seus impactos na qualidade de vida [7,8].

Portanto, o objetivo do presente estudo foi investigar se a FFP está associada à independência funcional, mobilidade e qualidade de vida em sujeitos com DP.

 

Métodos

 

Trata-se de um estudo transversal e comparativo, a amostra foi selecionada e recrutada em um ambulatório de fisioterapia em Brasília (Distrito Federal, Brasil), no período de julho a dezembro de 2019. O estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa sob parecer 129.071/2012, e todos os participantes assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido.

Os critérios de inclusão para os participantes com DP foram: diagnóstico confirmado por um neurologista, estarem entre os estágios II-IV da escala Hoehn e Yahr modificada (HY), uma vez que esses sujeitos precisariam ter algum envolvimento axial e possuir marcha independente, mesmo que às custas de algum dispositivo auxiliar à locomoção. Como critérios de exclusão utilizou-se parkinsonismo secundário, outras doenças neurológicas, incapacidade cognitiva grave avaliada por mini exame do estado mental (MEEM) e fluência verbal (FV), história de cirurgias anteriores em membros inferiores e coluna, deficiência visual autorreferida que comprometia o equilíbrio, além de recusa em participar do estudo.

Para formar o grupo controle (GC), foram selecionados indivíduos saudáveis, pareados por sexo e idade, que apresentavam marcha independente. O critério de exclusão adotado foi o mesmo do grupo com DP.

Os participantes foram submetidos à avaliação clínica por um único pesquisador experiente e treinado para tal finalidade.

A FFP foi avaliada por meio do DOP, que avalia o posicionamento da coluna cervical, é indicativo de cifose anterior da cabeça e torácica e apresenta alta confiabilidade para a população com DP. Para a realização do teste, o paciente ficou em pé, com os calcanhares encostado na parede e manteve o tronco reto, sem flexionar os joelhos; uma fita métrica foi usada para determinar a distância entre a parede e a protuberância occipital externa, sendo considerado normal o teste quando a cabeça encostar na parede [6,9].

Para avalia a independência funcional aplicou-se o Índice de Barthel é uma escala que determina o nível de independência de um indivíduo em relação ao desempenho das AVD básicas e fundamentais; os escores variaram de 0 a 100, sendo que 0 significa maior dependência e 100 total independência para realizar as tarefas do dia-a-dia e é válido e confiável para ser utilizado na população com DP [10].

 


 

Figura 1 - Posição do sujeito para realizar o OWT, em pé e tronco reto. Distância determinada em fita métrica

 

O teste Timed Up and Go (TUG) avalia a mobilidade funcional da população idosa, sendo considerado válido para pessoas com DP (Kappa = 0,72); é registrado o tempo que o participante leva para se levantar de uma cadeira, caminhar três metros na maior velocidade possível, sem correr, voltar e sentar-se na mesma cadeira com as costas apoiadas [11,12].

Para a mensuração de força muscular utilizaram-se os testes: força de preensão palmar medida com o dinamômetro Jamar® com confiabilidade teste-reteste das medidas de força de preensão (ICC = 0,97 para a mão dominante e ICC = 0,98 para a mão não dominante) [13] e para avaliação da força dos músculos extensores do tronco, foi utilizado o dinamômetro lombar CROWN®; os pacientes permaneceram em pé na base do aparelho com o tronco fletido, joelhos estendidos, cotovelos estendidos, mãos pronadas e segurando a barra do aparelho e realizaram extensão de tronco [14].

Para ambos os testes, foi permitida a tentativa de familiarização e o melhor desempenho e foi registrado, entre as três tentativas realizadas por cada paciente, com intervalo de um minuto entre elas.

 

 

Figura 2 - Contração isométrica voluntária máxima dos músculos das costas

 

O teste de sentar para levantar cinco vezes (SL) tem sido frequentemente utilizado para medir a força dos membros inferiores, e na DP pode ser positivo cair quando o indivíduo realizou menos de 16 segundos (sensibilidade 0,75 e especificidade 0,68) [15].

A avaliação da velocidade da marcha (VM) é um instrumento de rápida aplicabilidade, que avalia o risco de desfechos como internação, fragilização, além do desempenho funcional; para sujeitos com DP foi preconizado o tempo que o sujeito levou para caminhar 10 metros em velocidade usual, excluindo a aceleração e a desaceleração [16,17].

A qualidade de vida foi mensurada por meio do questionário PDQ-8, que identifica os impactos causados pela doença levando em consideração os domínios mobilidade, AVD, bem-estar emocional, estigma, suporte social, cognição, comunicação, além de desconforto corporal. Logo quanto maior a pontuação, pior a qualidade de vida [18].

Todas as análises foram realizadas no SPSS versão 25.0, a amostra foi caracterizada por estatística descritiva e apresentada em média, desvio padrão e intervalo de confiança. O tamanho da amostra foi determinado por meio do software G * Power 3.1.9.2 (Franz Faul, Universitat Kiel, Alemanha), considerando os valores de OWT obtidos, a amostra necessária foi de 22 obtendo tamanho de efeito 1,68, significância de 95% e poder de 0,95 para o DOP.

A análise inferencial foi realizada comparando as médias dos dois grupos avaliados pelo teste T de Student e Mann-Whitney.

As análises das relações entre as variáveis, no GP, foram medidas pelo Coeficiente de Correlação de Pearson para os dados paramétricos e Correlação de Spearman para os dados não paramétricos, com valores variando de < 0,3 relação fraca, 0,3-0,6 relação moderada,> 0,6 relação forte e 1,0 relação ótima. O nível de confiança estatística na análise adotada foi p < 0,05.

 

Resultados

 

As características clínicas e demográficas dos participantes estão apresentadas na tabela I. A amostra entre os grupos foi homogênea, diferindo apenas quanto ao diagnóstico clínico (DP).

 

Tabela I - Dados de caracterização e comparação da amostra do grupo Parkinson e do grupo controle

 

GP = grupo Doença Parkinson; GC = grupo controle; MMS = mine-exame do estado mental; FV = fluência verbal; HY = Escala de Hoehn e Yahr modificada; Teste de t Student

 

A tabela II mostra o desempenho do DOP e da força extensora de idosos com e sem DP. Houve diferenças estatisticamente significativas entre os grupos demonstrando que o FFP é um fator que pode limitar funcionalmente essas pessoas.

 

Tabela II - Comparação entre as características da postura flexionada para frente nos grupos DP e controle

 

Teste de t Student; *p < 000,1

 

A Tabela III mostra as relações entre as variáveis no GP. Observou-se forte correlação entre o DOP e HY, tempo diagnóstico e qualidade de vida para DP e moderada entre força muscular e velocidade da marcha.

 

Tabela III - Correlações do teste occipital-a-parede com os testes de capacidade funcional, força muscular e mobilidade no GP

 

PDQ8 = Questionário de qualidade de vida na Doença de Parkinson; Correlação de Pearson

 

Discussão

 

Este estudo teve como objetivo avaliar a relação entre FFP e independência funcional, mobilidade e desempenho da marcha em pacientes com DP. O aumento do DOP foi associado com HY, tempo de diagnóstico e qualidade de vida.

A FFP implica na falta de movimento do pescoço, o que gera um risco potencial de mau equilíbrio e quedas durante tarefas dinâmicas, conforme identificado por estudos prévios [8,19,20]. Essa característica, tão comum em pacientes com DP, influencia negativamente as variáveis relacionadas à capacidade funcional.

Antonelli et al. [21] observaram a relação entre o DOP e o desempenho físico em pacientes com DP, com média de 75 anos. Concluíram que existe associação entre o posicionamento da cabeça e sentar e levantar da cadeira e entre o posicionamento da cabeça e o equilíbrio estático, que representam funções necessárias para a realização das AVD.

Embora o aumento do DOP seja influenciado pela gravidade da doença medida pela escala de HY, neste estudo não houve associação robusta com o grau de independência para AVD.

Uma hipótese levantada pelos autores foi que a fraqueza dos músculos extensores do tronco influenciaria o aumento do DOP e porque a capacidade de manter a postura e o equilíbrio está relacionada à força de extensão do tronco e declínio da independência funcional em pacientes com DP [22,23], porém o estudo atual mostrou associação moderada.

A literatura mostra que existem alterações axiais mesmo nos estágios iniciais da doença e que essas alterações no tronco promovem adaptações posturais que podem comprometer as estratégias de equilíbrio, mobilidade, o que pode comprometer a independência para AVD, diminuir a mobilidade e aumentar o risco de quedas, além de prejuízos à qualidade de vida [24,25].

Cano-de-la-Cuerda et al. [26] realizaram revisão sistemática com o objetivo de avaliar se havia fraqueza muscular em indivíduos com DP, condição geralmente atribuída nas fases em que ocorreria comprometimento bilateral em decorrência da doença. Esses autores descobriram que as medidas de força isocinética demonstraram ter alta confiabilidade em pacientes com DP, especialmente em velocidades mais rápidas e, em combinação com a avaliação clínica, podem ser usadas como um suplemento na avaliação dos sintomas e terapia nesses pacientes, restrito ao ambiente de pesquisa.

Corcos et al. [27] relataram que à medida que a doença progride, os músculos extensores tornam-se mais fracos que os músculos flexores, levando a uma tendência de adoção do FFP, mas esse fato não foi observado no presente estudo, que observou correlação moderada entre a força de extensão dorsal e o DOP.

Jones et al. [28] investigaram as medidas clínicas que teriam o maior impacto na capacidade funcional de pessoas com DP: medidas de marcha, equilíbrio e força de preensão manual foram concluídas e a eletromiografia foi examinada no bíceps braquial, tríceps braquial, vasto-lateral e bíceps femoral durante um dia de 6,5 horas e modelos de regressão múltipla passo a passo foram usados para determinar a proporção de variância nas características de explosão explicada por medidas clínicas de função física em DP e a força de preensão manual poderia servir como uma ferramenta de avaliação clínica eficaz para determinar mudanças em atividade muscular, que é um precursor da perda funcional em pessoas com DP. No presente estudo, observamos correlação moderada entre a preensão manual e o DOP.

A rigidez axial é uma possível causa para FFP. Em pessoas com DP afetará adversamente o desempenho das atividades cotidianas e está associada com redução do equilíbrio em pé, alteração da biomecânica da marcha e aumento do risco de quedas: Forsyth et al. [29] verificaram esta associação em seu estudo utilizando os testes TUG, velocidade da marcha e SL, e o DOP, mostrando forte correlação entre essas variáveis.

Também se verificou essa associação entre o FFP e os marcadores de força e mobilidade muscular, inclusive utilizando os mesmos instrumentos, porém as correlações neste caso foram moderadas, talvez devido a características diferentes entre as amostras.

Aspectos da qualidade de vida, principalmente aqueles relacionados às transferências e deslocamentos necessários à realização das AVD, além dos sintomas álgicos, podem estar associados à PFP em sujeitos com DP, porém, Mikami et al. [30] observaram em seu estudo correlações leves a moderadas com a progressão dos estágios da doença medida por HY. No presente estudo, foram encontradas fortes correlações mostrando o impacto que o FFT traz para esses sujeitos.

Van Uem et al. [31] verificaram a associação entre menor mobilidade em pacientes com DP mensurada pelo TUG e longos tempos para realizar tarefas diárias, impactando na qualidade de vida desses sujeitos.

Uma limitação do estudo é a correlação moderada entre a força da extensão dorsal e o FFT, hipótese que poderia justificar a piora postural com o avanço da doença, porém o uso do DOP, por ser simples e de baixo custo, pode contribuir para a permanência em acompanhar a evolução desses pacientes, principalmente no contexto clínico.

 

Conclusão

 

Os resultados sugerem que a postura fletida medida pelo teste da distância occipito-parede está fortemente correlacionada com estágios de gravidade, tempo de diagnóstico e qualidade de vida na doença de Parkinson e moderada para força muscular e mobilidade, sendo que este teste representa uma medida simples e de baixo custo para a prática clínica e serve como um bom indicador para a capacidade funcional, força muscular, mobilidade e qualidade de vida nesta população.

 

Conflitos de interesse

Os autores declaram não haver conflitos de interesse

 

Fontes de financiamento

Financiamento próprio.

 

Contribuição dos autores

Concepção e desenho da pesquisa: Pinheiro HA, Lopes FAZ; Coleta de dados: Pinheiro HA, Nascimento TC; Análise e interpretação dos dados: Pinheiro HA, Leal JC; Análise estatística: Pinheiro HA, Leal JC; Redação do manuscrito: Pinheiro HA, Nascimento TC; Revisão crítica do manuscrito quanto ao conteúdo intelectual importante: Gervásio FM, Leal JC, Mendes FAS

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