Fisioter Bras 2022;2395):786-97
REVISÃO
Estado da arte e
perspectivas da reabilitação cardiovascular no Brasil
State of the art and perspectives for cardiovascular rehabilitation in
Brazil
Patricia Luciene da Costa Teixeira*, Carlos
Alberto Bastos de Maria, D.Sc.**
*Doutoranda em Biociências pela
Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro, Professora do Curso de
graduação em Fisioterapia no Centro Universitário de Barra Mansa,
**Departamento de Saúde Coletiva da Universidade Federal do Estado do Rio de
Janeiro
Recebido em 17 de maio de 2022;
Aceito em 25 de agosto de 2022.
Correspondência: Patricia
Luciene da Costa Teixeira, Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro,
Centro de Ciências Biológicas e da Saúde, Instituto Biomédico, Departamento de
Ciências Fisiológicas, Rua Frei Caneca 94, 20211-040 Rio de Janeiro RJ
Patricia Luciene da Costa
Teixeira: palufelix@gmail.com
Carlos
Alberto Bastos de Maria: carreb@uol.com.br
Resumo
Introdução: Inúmeros benefícios dos programas de
reabilitação cardiovascular (PRC) já foram documentados por meio de ensaios
clínicos randomizados e meta-análises. Porém, as doenças crônicas não
transmissíveis, sobretudo as doenças cardiovasculares (DCV), vêm aumentando no
Brasil. Existe uma grande lacuna entre o conhecimento e a recomendação desta
estratégia para prevenção de DVC, uma carência de serviços de reabilitação
cardiovascular (RCV) vinculados ao Sistema Único de Saúde (SUS), uma falta de
universalização do serviço em todas as esferas, bem como falta de um sistema de
integração que os englobe. Objetivo: Escrutinar os motivos de a RCV
ainda não ter sido universalizada pelo SUS. Métodos: Revisão narrativa
realizada em sistemas de bibliotecas online e motores de busca, análise
documental em sites oficiais do governo brasileiro, site do Sistema de
Auditoria do SUS, manuais do Ministério da Saúde, e regulamentações revogadas
citadas em legislações atualizadas. Resultados: Existem barreiras
transponíveis relacionadas aos níveis do provedor e do sistema para melhor
adesão dos pacientes aos PRC. Conclusão: Devem ser fomentadas ações de
encaminhamento para PRC antes da alta hospitalar, melhorar a informação e o
treinamento relacionado aos benefícios da RCV para profissionais da atenção
primária e propor manuais de conduta para contrapor a falta de encaminhamento.
Palavras-chave: reabilitação cardíaca; prevenção
cardiovascular; políticas de saúde.
Abstract
Introduction: Numerous benefits of cardiovascular rehabilitation
programs (CRP) have already been documented through randomized clinical trials
and meta-analyses. However, chronic non-communicable diseases, especially
cardiovascular diseases (CVD) have been increasing in Brazil. There is a large
gap between the knowledge and recommendation of this strategy for the
prevention of CVD, a lack of cardiovascular rehabilitation services (CVR)
linked to the Unified Health System (SUS), a lack of universalization of the
service in all spheres, as well as lack of an integration system that
encompasses them. Objective: To scrutinize the reasons why RCV has not
yet been universalized by the SUS. Methods: Narrative review carried out
in online library systems and search engines, document analysis on official
Brazilian government websites, SUS Audit System website, Ministry of Health
manuals, and revoked regulations cited in updated legislation. Results:
There are insurmountable barriers related to provider and system levels for
better patient adherence to CRP. Conclusion: Referral actions to CRP
should be promoted before hospital discharge, information and training related
to the benefits of CVR for primary care professionals should be improved, and
conduct manuals should be proposed to counter the lack of referral.
Keywords: cardiac rehabilitation; cardiovascular prevention;
health policies.
Desde a
década de 1960 a doença cardiovascular (DCV) constitui a principal causa de
mortalidade no Brasil [1]. Segundo a Sociedade Brasileira de Cardiologia (SBC),
cerca de 14 milhões de brasileiros têm alguma doença no coração e
cerca de 400 mil morrem por ano em decorrência dessas enfermidades, o que
corresponde a 30% de todas as mortes no país [2]. O estudo Global Burden of Disease
[3] mostrou que embora nos últimos anos as taxas de mortalidade por DCV tenham
diminuído significativamente, o Brasil vem apresentando um aumento das doenças
crônicas não transmissíveis (DCNT), como diabetes, câncer, sobretudo das
doenças cardiovasculares. O infarto agudo do miocárdio (IAM) é uma das
principais causas de morte súbita. Há quase seis décadas, os pacientes
acometidos com IAM apresentavam grande perda da capacidade funcional, mesmo
após serem submetidos ao tratamento preconizado na época, que consistia em
permanecer até 60 dias de repouso no leito. Dessa forma, ao receberem alta
hospitalar, se apresentavam mal condicionados fisicamente, com grandes
implicações para retorno as suas atividades da vida diária (AVD) como também
para retorno a algumas relacionadas às atividades instrumentais de vida diária
(AIVD).
Tomando
como base as grandes perdas funcionais e o descondicionamento físico
apresentados pelos pacientes após a alta hospitalar resultante tanto da
condição cardíaca subjacente, como do tempo de imobilização prolongada (6-8
semanas) a que os mesmos eram submetidos, os Programas de Reabilitação Cardíaca
(PRC) foram então desenvolvidos com o propósito de trazer essas pessoas de
volta às suas atividades diárias habituais com ênfase na prática do exercício
físico supervisionado, acompanhada por ações educacionais voltadas para
mudanças no estilo de vida. No período de 23 a 29 de julho de 1963 um
comitê de experts em reabilitação de pacientes com doenças cardiovasculares se
reuniu em Genebra na Suíça com intuito de promover um documento orientador em
que os tratamentos futuros pudessem se nortear, já que os mesmos se
desenvolveram em resposta aos tratamentos que envolviam o repouso prolongado
[4]. Os primeiros programas de prevenção focavam em exercícios supervisionados
para combater o descondicionamento após a cirurgia de bypass
e para melhorar a capacidade de exercício após IAM. Posteriormente, esses
programas evoluíram para atividades multidisciplinares nas quais foi incluído
um componente educacional (geralmente em formato de grupo) destinado a educar
os pacientes sobre a importância de reduzir os múltiplos fatores de risco,
incluindo tabagismo, dieta e fatores psicossociais relacionados ao risco para
saúde e/ou bem-estar [5].
Em 1992
foi criada a British Association for Cardiac Rehabilitation (BACR)
e as primeiras diretrizes para reabilitação desses pacientes foram publicadas
em 1995. Ainda em 1992, menos da metade de todos os hospitais Britânicos que
tratavam pacientes cardíacos tinham PRC; atualmente a cifra é de 100%. Em 2010,
o BACR adotou seu novo nome, British Association of Cardiovascular Prevention and Rehabilitation (BACPR), por
reconhecer seu papel na prevenção cardiovascular juntamente com a reabilitação.
A partir daí, a ênfase dos PRC mudou, passando a programas integrados de gestão
e prevenção de doenças crônicas com objetivo de retardar a evolução da doença,
prevenir eventos cardíacos futuros, bem como manter e/ou melhorar a qualidade
de vida das pessoas que convivem com o fardo gerado pela DCV subjacente [6].
Nos
últimos anos, além da melhora na capacidade física e funcional, inúmeros
benefícios relacionados à prática regular de exercícios foram descritos,
inclusive para idosos pós IAM [7].
Fraternidades médicas na Europa e nos
Estados Unidos da América (EUA) têm usado o termo
"cardiologia
preventiva" por mais de três décadas para definir essa
abordagem
abrangente e vários programas no Reino Unido, Canadá e
Austrália mudaram sua
marca para enfatizar uma abordagem mais positiva em torno da
capacitação do
paciente e melhora do bem-estar usando termos como: "programa de
coração
saudável", "ação coração”,
“corações e mentes saudáveis” [6].
Nos
últimos 50 anos, estudiosos do mundo inteiro já documentaram através de ensaios
clínicos randomizados e meta-análises que os PRC promovem diminuição da
morbimortalidade cardiovascular principalmente quando se enfatiza o exercício
físico [2,8]. Entretanto, ainda há uma grande lacuna entre o conhecimento e a
recomendação desta estratégia para prevenção quaternária da síndrome
coronariana aguda (SCA) no Brasil; entidade nosológica
caracterizada por um espectro de manifestações clínicas e laboratoriais de
isquemia miocárdica aguda, sendo classificada em três formas: Angina Instável
(AI), Infarto Agudo do Miocárdio (IAM) sem supradesnível
do segmento ST e IAM com supradesnível do segmento ST
[9].
Ressalta-se
que prevenção quaternária é definida como detecção de indivíduos em risco de
tratamento excessivo para protegê-los de novas intervenções médicas inapropriadas
e sugerir-lhes alternativas eticamente aceitáveis [10,11]. Partindo desta
premissa, o objetivo deste trabalho foi escrutinar o motivo da Reabilitação
Cardiovascular (RCV) ainda não ter sido universalizada pelo Sistema Único de
Saúde (SUS).
Tratou-se
de uma revisão narrativa para analisar o processo de implantação e
implementação da RCV no Brasil, uma vez que pesquisas dessa natureza no exame
de perspectivas, multiplicidade e pluralidade de enfoques possibilita inferir
indicadores para esclarecer e resolver as problemáticas históricas [12].
Optou-se
por um estudo qualitativo a fim de melhor captar as nuances desse processo, já
que existe uma carência de estudos relacionados ao assunto. Inicialmente foi
adotado o delineamento metodológico de revisão narrativa da literatura, a qual
busca sintetizar resultados amplos obtidos em pesquisas já realizadas sobre o
tema, com seleção arbitraria dos artigos.
Ao
conduzir a pesquisa, os autores obtiveram artigos referenciados em bancos de
dados pessoais, de artigos de periódicos e relatórios encontrados
principalmente em sistemas de bibliotecas online e motores de busca, como Pubmed, Medical Literature Analysis and
RetrievalSistem Online (Medline), Biblioteca Regional de
Medicina (BIREME), Literatura Latino-Americana e do Caribe em Ciências da Saúde
(Lilacs), Biblioteca virtual em saúde (BVS),
Periódicos CAPES, Scielo, Cochrane Library Scopus e Web
of Science.
Também
foi realizada uma análise documental em sites oficiais do governo brasileiro
como o do MS, assembleias e portais legislativos, Diário Oficial da União,
sites relacionados à pessoa com deficiência, site do Sistema de Auditoria do
SUS, manuais do MS, e regulamentações revogadas citadas em legislações mais
atuais. Estudos de qualquer desenho metodológico foram considerados para
inclusão nesta pesquisa (ou seja, métodos quantitativos, qualitativos e
mistos). Não compuseram a atual pesquisa estudos piloto e de relato de caso, e
estudos publicados em outro idioma que não inglês, português ou espanhol.
Os
descritores para a elaboração das estratégias de busca foram selecionados no MeSH e no DeCs,
sendo utilizada
como estratégia de busca a estrutura PICO [S] sem
referência a um termo
Comparador específico: População –
“Doenças
Cardiovasculares”; Intervenção
– “Reabilitação cardíaca” ou
“Reabilitação cardiovascular” ou ainda
“Prevenção
cardiovascular” Outcomes –
custos, anos de vida,
qualidade de vida, custo-efetividade; S projeto de estudo -
“Política de
Saúde”, “SUS” ou “Sistema Único
de Saúde”, “Brasil” ou
“Brasileiro” e
“História”.
Os
autores também incluíram outros artigos encontrados nas referências dos artigos
pesquisados ou outros de que tivessem conhecimento em suas áreas de
especialidade, caso os estudos atendessem aos critérios acima mencionados. A
experiência dos autores em conduzir pesquisas no Brasil, a maior facilidade na
obtenção de dados e a necessidade patente em aprofundar a análise de como o SUS
tem respondido ao aumento da demanda imposta pelo aumento das DCNT e de como os
desafios sistêmicos podem estar afetando o encaminhamento para a RCV, fizeram
com que o Brasil fosse escolhido como objeto da pesquisa. Escopo: o
sistema público de saúde brasileiro em seu contexto mais abrangente (p. ex: infraestrutura geral).
Como os
dados utilizados para este trabalho estavam disponíveis exclusivamente nas
bibliotecas virtuais e / ou físicas, optou-se pela não realização de
entrevistas com trabalhadores e/ou usuários do SUS. Consequentemente, não sendo
necessária aprovação ética para condução da mesma.
A saúde é
um direito assegurado pelo governo a todos os cidadãos brasileiros desde a
constituição de 1988. A implantação do SUS estabeleceu um marco neste cenário,
pois foi concebida de maneira integral, preventiva e curativa [13]. Apesar de
novas leis e portarias terem sido criadas pelo MS com intuito de garantir o
financiamento e a regularização de diversos pontos dessa política, esta
prerrogativa é relativamente recente levando em consideração a história do
nosso país. Todos os materiais utilizados neste artigo foram revisados com foco
na história do direito à saúde e na reabilitação cardíaca, tendo como início do
recorte temporal a década de 1960.
Até o
final da década de 1980, os serviços de reabilitação, que começaram a ser
implantados na década de 1960, somente prestavam assistência aos cidadãos com
vínculo formal trabalhista vinculado ao Instituto Nacional de Assistência
Médica da Previdência (INAMPS), e os serviços filantrópicos que atendiam as
pessoas com deficiência do Brasil [14]. As primeiras legislações relacionadas
aos serviços de reabilitação foram oficialmente publicadas entre os anos de
1989 a 2015, sendo a maior parte voltada para pessoas com deficiência (PcD) para ordenar e organizar as ações e os serviços
oferecidos às mesmas [15]. Apesar de a reabilitação ter sido abarcada pela
Política de Saúde, e pelas diretrizes mundiais vigentes, ela permanece diluída
em normativas de diferentes subáreas no país. Isso nos leva a crer que o
impacto sociopolítico e econômico que a guerra fria instaurou, repercutindo em
grandes desigualdades de acesso às políticas públicas pelas classes sociais
menos privilegiadas que não detinham conhecimento sobre seus direitos,
reverbera até os dias atuais. O maior número de legislações relacionadas aos
serviços de reabilitação está associado à PcD, os
demais serviços vinculados às subáreas da saúde são de caráter pontual,
seletivo sem rede de atendimento própria.
A
reabilitação é definida e organizada por normatizações criadas a partir de
diversas áreas técnicas do MS, que dispõem de políticas específicas como a da PcD, do Idoso, de Trauma e Violência, e também do
Trabalhador. Por outro lado, até a atualidade, os serviços de reabilitação
ainda não possuem legislações, orçamentos e aparatos organizacionais próprios
sendo dependente da administração federal e consequentemente da organização
centralizada [15]. Destaque deve ser dado para a segunda versão da
Classificação Internacional de Deficiências, Incapacidades e Desvantagens
(CIDID) que retirou o foco das incapacidades e limitações passando enfatizar os
contextos ambientais e as potencialidades do indivíduo, reabilitando-o
verdadeiramente. Todas as PcD, independente da
natureza, agente causal ou grau de severidade (Decreto nº 3298/1999) assim como
aqueles com doenças crônicas que resultassem em desvantagem ou incapacidade
(Portaria MS/GM nº 1060/2002) seriam beneficiários dos processos de
reabilitação [16]. Cabe ao MS instituir e coordenar a Política Nacional de
Saúde (PNS) definindo as bases comuns a todo o território nacional e induzindo
outros entes da federação a implementarem serviços que integrem a rede de
saúde.
Infelizmente,
não existe uma política específica de reabilitação, e os serviços estão
normatizados, de forma pulverizada, em várias subáreas da saúde. Ou seja, a
oferta de serviços de reabilitação é diretamente dependente dos aspectos
institucionais que os regem, como a existência de aparato legal, definição de
repasses orçamentários e definição estrutural. Apesar de muitos municípios
terem avançado na garantia do direito universal e integral à saúde, essa não é
a realidade em todo território nacional, ou seja, ainda existe um longo caminho
a ser trilhado. Pesquisas realizadas sobre cenários futuros sugerem a urgente
necessidade de abordar desigualdades geográficas persistentes, financiamento
insuficiente, e colaboração insuficiente entre o setor privado e o setor
público [17]. Cabe ressaltar que de acordo com informações dos órgãos do
governo federal (2021), apenas 66 municípios brasileiros possuem mais de 500
mil habitantes, destes 3.770 possuem menos de 20 mil habitantes, ou seja, a
cada três, dois são de baixa densidade correspondendo a 67,7% do total. Este
número é importante, já que é amplamente conhecido que hierarquia urbana
determina a estrutura econômica em diversas escalas de organização.
A taxa de
mortalidade por doenças cardiovasculares no mundo apresentou redução importante
nas últimas décadas, tendo sido relacionada a avanços na prevenção primária e
no tratamento da SCA. Embora essa redução seja tendência mundial, ainda é mais
prevalente em países desenvolvidos. No Brasil o número total de mortes por DCV
aumentou, talvez como resultado do crescimento e envelhecimento populacional
reforçando que a linha de cuidado é essencial. A elevada taxa de mortalidade no
sistema público de saúde brasileiro é atribuída à dificuldade no acesso do
paciente com IAM ao tratamento em terapia intensiva, aos métodos de reperfusão
e às medidas terapêuticas estabelecidas para o IAM como os PRC. O Global Burden of Disease
[3] ressalta que esse novo perfil de saúde-doença necessita de uma renovada
atenção à saúde e uma política nacional de saúde que busque utilizar novas
métricas do nível de saúde da população, informando e avaliando o cuidado em
saúde, testando, construindo e agregando conceitos e métricas ainda não
aplicados na gestão da saúde no SUS nos mais diversos níveis.
Por outro
lado, a reabilitação já foi incorporada ao SUS há décadas, porém ainda não
existem serviços de RCV na maioria dos centros de Reabilitação, de forma que
urge a necessidade de uniformização no atendimento destes indivíduos. Destaque
deve ser dado a política de saúde inglesa que em 1992 tinha menos da metade de
todos os hospitais britânicos tratando pacientes cardíacos no PRC; atualmente a
cifra é de 100% [6].
Cabe ressaltar ainda que, fraternidades médicas na Europa
e nos Estados Unidos da América têm usado o termo
"cardiologia
preventiva" por mais de três décadas para definir essa
abordagem
abrangente, e vários programas no Reino Unido, Canadá e
Austrália mudaram sua
marca para enfatizar uma abordagem mais positiva em torno da
capacitação do
paciente e melhora do bem-estar usando termos como: “programa de
coração
saudável”, “ação
coração”, “corações e mentes
saudáveis?” [6].
Ao
longo
dos anos, as legislações tendem a ser influenciadas por
recomendações técnicas
e organizacionais estabelecidas pelas diretrizes mundiais. Desta forma,
por
meio de ações e de uma série de atos legais o MS
vem tentado viabilizar, um
modelo assistencial pautado por abordagem multiprofissional e
multidisciplinar,
com ênfase nas ações de promoção
à saúde, na reabilitação e na
inclusão social.
Uma estratégia importante com evidências para
redução da morbimortalidade é a
implementação de PRC nos municípios brasileiros
com alta prevalência de DCV,
capacitando e motivando as equipes das Unidades de Pronto Atendimento (UPAs) para que passem a divulgar o fluxo e os potenciais
benefícios da implantação da linha de cuidado do IAM, uma doença silenciosa que
mata em média 114 mil brasileiros por ano. A cada hora pelo menos 13 pessoas
morrem, não obstante, apesar das recomendações internacionais, a implementação
efetiva da RC após SCA, RVM e/ou IC permanece baixa. No Brasil, estes serviços
infelizmente continuam sendo subutilizados, necessitando a realização de
estudos pormenorizados, como os iniciados em Portugal em 1998 [18] com o
objetivo de conhecer a realidade da RC no nosso país e analisar a sua evolução.
Sem dúvida a qualidade do PRC no que tange a segurança do paciente, o
conhecimento dos programas disponíveis (cobertura pelo plano de saúde),
processos e normas, são fatores que podem influenciar o encaminhamento dos
pacientes com indicação para RCV.
Uma
pesquisa sobre percepções sobre as barreiras para acesso a RC em duas cidades
no sul do Brasil demonstrou que os indivíduos que não realizam a RC não o fazem
principalmente por não terem conhecimento sobre RC e perceberem que seus
médicos não a consideravam necessário. Essa informação levanta a questão de
quão familiares os médicos estão com a RC no Brasil em termos de sua natureza,
benefícios e disponibilidade de programas locais [19,20]. Embora um número
limitado de estudos tenha sido identificado mundialmente, os dados compilados
sugerem que existem barreiras transponíveis relacionadas aos níveis do provedor
e do sistema para melhor adesão dos pacientes aos PRC. Por outro lado, as
barreiras que afetam a adesão ao PRC foram: falta de conhecimento por parte do
usuário e do médico, idade avançada do paciente, disponibilidade e maior
divulgação dos serviços. Essa importante lacuna deve ser veementemente
combatida através de PRC padronizados.
Nossa
experiência demonstra que a maioria dos pacientes se perde justamente no
momento de transição entre a fase 1 (hospitalar) para 2 (ambulatorial), uma vez
que ao ter alta hospitalar não são encaminhados para RCV. Desta forma, eles
iniciam a RCV tardiamente, só após liberação por “poucos médicos
cardiologistas” que realizam o acompanhamento ambulatorial e que na maior parte
das vezes não acompanharam seus pacientes durante a internação.
A partir
do diagnóstico médico e da estabilização hemodinâmica, o fisioterapeuta inicia
os cuidados no processo de recuperação do paciente, ou seja, ainda na fase 1 da
RCV. A avaliação do movimento e do status funcional é crucial para prescrição
do exercício que é considerado um tratamento não farmacológico. Quem prescreve
a frequência, intensidade e duração do exercício é o fisioterapeuta, portanto,
este deve ser considerado um dos profissionais-chave no processo de
encaminhamento. Apesar de dados robustos sobre a fisioterapia estar integrada
às várias disciplinas que trabalham com objetivos que integram os PRC, há
carência de estudos que incluam este profissional como componente
potencialmente forte e co-responsável para educar,
encorajar, facilitar e encaminhar o paciente para RC ambulatorial assim que o
mesmo receber alta hospitalar.
A revisão
de estudos randomizados para promover a aceitação e adesão de pacientes aos PRC
publicada pela Cochrane [21] identificou um estudo bem-sucedido, em que os
enfermeiros integrados às práticas médicas gerais foram bem-sucedidos em
garantir um ótimo uso da RC. Isso também pode servir como uma estratégia
apropriada para as lacunas de encaminhamento feitos pelos próprios
fisioterapeutas, profissionais prescritores de exercício físico integrantes da
equipe multiprofissional que acompanham e tratam esses indivíduos desde a
internação até a alta hospitalar.
Indivíduos
com alto risco podem necessitar de atendimento médico imediato ou em curto
prazo (reinternação, intervenções ou ajustes de
fármacos). Tal fato também pode corroborar a falta de encaminhamento imediato
para fase 2, pois nestes casos o monitoramento do treinamento pela equipe
demanda maior atenção na identificação de sinais e sintomas de risco para
atuação imediata no atendimento de intercorrências clínicas, inclusive com
material de suporte básico e avançado de vida, com cardiodesfibrilador
manual ou automático. Destaca-se neste ponto que a Resolução Nº 501, de 26 de
dezembro de 2018 em seu artigo 1 “reconhece a atuação do Fisioterapeuta na
assistência à Saúde nas Unidades de Emergência e Urgência, sendo necessário e
preconizado que tais profissionais sejam capacitados em Suporte Básico de Vida
e, especialmente, em Suporte Avançado de Vida Cardiovascular em Adultos – ACLS”
[22]. Contudo, cabe um melhor entendimento sobre barreiras e facilitadores para
que mudanças políticas possam acontecer de forma que os pacientes possam aderir
a estes programas.
Este
estudo destacou a interação complexa entre indivíduos, provedores e o sistema
de saúde na adesão aos PRC. Os esforços para mudar os comportamentos de
todos os envolvidos devem considerar cuidadosamente todos os fatores descritos
para serem bem-sucedidos. Uma vez que o termo “reabilitação” pode assumir
alguns sentidos conotativos, pois remonta a ideia de recuperação de alguma
dependência, passando a noção estereotipada do indivíduo ou, ainda, pessoas com
outras manifestações não cardíacas de DCV, sugere-se que sejam utilizados
termos que possam ressaltar uma abordagem com enfoque multidisciplinar voltado
especificamente para abordagens cardiovasculares como “programa
multidisciplinar para saúde cardiovascular”. Para maximizar a captação,
otimização da adesão a esses programas e a prevenção secundária, o endosso por
parte da classe médica sobre a importância da reabilitação cardíaca é
mandatório.
O
encaminhamento dos indivíduos para RC após um diagnóstico recente de doença
cardíaca coronária ou insuficiência cardíaca deve ser realizado não apenas pelo
cardiologista no ambulatório, mas ainda no ambiente hospitalar antes da alta.
Esta responsabilidade deve ser também do fisioterapeuta que participa da
equipe. Para tal, torna-se de vital importância maximizar a comunicação entre
os especialistas para garantir que o encaminhamento seja realizado e que seja
feito de maneira mais precoce, bem como ações adicionais para otimizar a
informação e o treinamento sobre os benefícios dos PRC para profissionais da
atenção primária que tratam de pacientes cardíacos em relação ao papel vital da
RC no atendimento ambulatorial. Manuais de conduta podem ser eficazes para
contrapor a falta de encaminhamento.
Contudo,
os profissionais de saúde precisam estar mais envolvidos, acolhendo os
pacientes e agregando informação sobre os benefícios dos exercícios nos PRC de
forma a motivar a participação e continuidade. Urge uma mudança de paradigmas
para que afete positivamente a participação destes pacientes nos PRC. Esses
achados abrem luz para futuras pesquisas e propostas para planos que visem a
criação e acompanhamento das metas a serem estabelecidas, a fim de,
efetivamente, implementarem estes programas nos diferentes níveis de atenção à
saúde.
Conflitos
de interesses
Os autores
declaram não haver conflitos de interesses.
Fonte
de financiamento
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Contribuição
dos autores
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