Fisioter Bras 2022;23(5);672-89
ARTIGO ORIGINAL
Iontoforese e fonoforese no tratamento da dor lombar: um ensaio clínico
comparativo
Iontophoresis and phonophoresis in the treatment of low back pain: A
comparative clinical trial
Deyse Corrêa de Azevedo*, Douglas Maquart Otto*, Fabrício Edler Macagnan**, Vitangela Freitas
Figueiredo***
*Universidade Federal de
Ciências da Saúde de Porto Alegre (UFCSPA), **Departamento de Fisioterapia e
Programa de Pós-Graduação em Ciências da Reabilitação da Universidade Federal
de Ciências da Saúde de Porto Alegre (UFCSPA), ***Coordenadora e docente do
curso de Fisioterapia, Centro Universitário São Lucas (UniSL)
Recebido em 26 de maio de
2022; Aceito em 28 de setembro de 2022.
Correspondência: Fabrício Edler
Macagnan, Universidade Federal de Ciências da Saúde
de Porto Alegre (UFCSPA), Departamento de Fisioterapia e Programa de
Pós-Graduação em Ciências da Reabilitação, Rua Sarmento Leite, 245, sala 400A
prédio 1, 90050-170 Porto Alegre RS
Deyse Corrêa de Azevedo:
deyseazevedo26@gmail.com
Douglas Maquart Otto:
douglasmaotto@gmail.com
Fabrício Edler Macagnan:
fabriciom@ufcspa.edu.br
Vitangela Freitas Figueiredo: vitangela.figueiredo@saolucas.edu.br
Resumo
Introdução: De etiologia multifatorial, a
lombalgia não específica é caracterizada por dor persistência (> 3 meses) e
perda gradual da função/funcionalidade. Por afetar ambos os sexos e ser
altamente prevalente na população trabalhadora, constitui importante causa de
absenteísmo. Objetivo: Comparar a evolução clínica de pacientes
diagnosticados com lombalgia inespecífica tratados com sulfato de magnésio
(MgSO4) associado a iontoforese (I) e MgSO4 associado à fonoforese (F). Métodos: Neste ensaio clínico, a
sensação de dor foi avaliada através da escala visual analógica (EVA) e
questionário de dor de McGill. O questionário
Roland-Morris Brasil de Incapacidade Lombar foi o instrumento utilizado para
avaliar a funcionalidade. A amostra foi composta por 24 pacientes divididos
sequencialmente em dois grupos (I: 11 e F: 13). A evolução clínica dos
pacientes (diferença pré-pós) foi comparada ao final
das intervenções. Resultados: Houve redução significativa na sensação de
dor (I: -55%, p = 0,001; F: -27%, p = 0,08) e melhora na funcionalidade em
ambos os grupos (I: -54%, p = 0,001; F: -55%, p = 0,02), mas não foi observada
diferença significativa entre os grupos. Os resultados agrupados em metanálise para avaliar os desfechos de flexibilidade,
funcionalidade e força também demonstram similaridade entre as intervenções. Conclusão:
Dadas as condições clínicas estudadas, ambas técnicas podem alcançar resultados
similares. Embora não haja dados que apoiem a recomendação de uma técnica em
substituição a outra, novos estudos podem aumentar o tamanho amostral e
esclarecer melhor algumas tendências de superioridade observadas no tratamento
álgico com MgSO4 associado à iontoforese.
Palavras-chave: dor lombar; fisioterapia; fonoforese; iontoforese.
Abstract
Introduction: Non-specific low back pain from a multifactorial
etiology is characterized by persistent pain (> 3 months) and gradual loss
of function/functionality. As it affects both sexes and is highly prevalent in
the working population, it is an important cause of absenteeism. Objective:
To compare the clinical evolution of patients diagnosed with non- specific low
back pain treated with magnesium sulfate (MgSO4) associated with
iontophoresis (I) and MgSO4 associated with phonophoresis (F). Methods:
In this clinical trial, pain sensation was assessed using the visual analogue
scale (VAS) and McGill pain questionnaire. The Roland-Morris Brasil Low Back Disability Questionnaire was the instrument
used to assess functionality. The sample consisted of 24 patients sequentially
divided into two groups (I: 11 and F: 13). The clinical evolution of the
patients (pre-post difference) was compared at the end of the interventions. Results:
There was a significant reduction in pain sensation (I: -55%, p = 0.001; F:
-27%, p = 0.08) and improvement in functionality in both groups (I: -54%, p =
0.001; F: -55%, p = 0.02), but no significant difference was observed between
the groups. The results pooled in a meta-analysis to assess flexibility,
functionality and strength outcomes also demonstrate similarity between the
interventions. Conclusion: Given the clinical conditions studied, both
techniques can achieve similar results. Although there are no data to support
the recommendation of one technique in place of the other, further studies may
increase the sample size and better clarify some trends of superiority observed
in pain treatment with MgSO4 associated with iontophoresis.
Keywords: low back pain; physical therapy; phonophoresis;
iontophoresis.
A maioria
das pessoas sente dor lombar em algum período da vida [1], e na maior parte dos
casos é considerada não específica em decorrência da imprecisão de
identificação da fonte nociceptiva [2]. A classificação da lombalgia mais
utilizada elenca a sobreposição da sensação de dor, incapacidade funcional e
prejuízo na qualidade de vida [3]. A diretriz de manejo da lombalgia não
específica endossa a implementação de intervenções de autocuidado, com uso
adicional de medicamentos de venda livre e prática de exercícios físicos sob
supervisão de um profissional [4].
No âmbito
da fisioterapia, diferentes recursos físicos podem ser utilizados, entre eles a
iontoforese e a fonoforese que têm apresentado
importantes benefícios na recuperação do tônus, trofismo e força muscular que
em conjunto proporcionam estabilização vertebral e subsequente alívio da
manifestação álgica [5]. A fonoforese tem demonstrado
melhora na penetração transdérmica de determinadas
drogas enquanto fornece importantes efeitos terapêuticos do ultrassom [1]. Por
outro mecanismo, a iontoforese impulsiona moléculas medicamentosas
eletricamente carregadas através da pele em direção ao tecido subjacente de
interesse terapêutico simultaneamente à estimulação elétrica da musculatura
local [6,7].
O uso
tópico de medicamentos evita eventuais transtornos no metabolismo
gastrointestinal e hepático [8,9], entretanto, o efeito farmacológico fica
restrito ao local da aplicação tópica e aos tecidos mais superficiais, mesmo
quando o fármaco é impulsionado por ondas sonoras (fonoforese)
ou campos elétricos (iontoforese).
Existe um
conjunto de informações demonstrando o efeito de cada um destes recursos
terapêuticos no tratamento da lombalgia inespecífica, mas até o momento não
está estabelecido superioridade de algum método. Neste sentido, o objetivo
deste estudo é comparar as condições clínicas de pacientes diagnosticados com
lombalgia inespecífica tratados com sulfato de magnésio (MgSO4)
associado à iontoforese e sulfato de magnésio associado à fonoforese.
Dentre as variáveis clínicas avaliadas estão a dor, flexibilidade,
funcionalidade, força muscular e qualidade de vida.
Trata-se
de um ensaio clínico randomizado, no qual o efeito analgésico do uso tópico de
sulfato de magnésio sobre o alívio da dor lombar não específica foi comparado
entre dois regimes diferentes de aplicação: 1) por indução de campo elétrico
bipolar (iontoforese: I) e 2) por propagação de ondas ultrassônicas (fonoforese: F). O recrutamento de voluntários e o início da
coleta ocorreu após a avaliação e aprovação do Comitê de Ética de Pesquisa em
Seres Humanos do Centro de Ensino São Lucas. Todos os procedimentos elencados
no protocolo de pesquisa foram rigorosamente projetados em conformidade com a
Resolução 466/12 do Conselho Nacional de Saúde, e aprovado sob o nº
3.237.481/2019, CAAE: 09945319.0.0000.0013.
Amostra
Neste
estudo de avaliação de superioridade terapêutica,
foram incluídos voluntários
de ambos os sexos (entre 18 e 60 anos de idade) que estavam na espera
de
atendimento na Clínica de Fisioterapia do Centro
Universitário São Lucas, da
cidade de Porto Velho/RO, que apresentavam dor na região da
coluna lombar com
ou sem uma causa já definida, persistente, com ou sem
irradiação. Todos os
voluntários manifestaram concordância em participar do
estudo após ler e
assinar o termo de consentimento livre e esclarecido, de acordo com a
Resolução
466/12 CNS/MS. Foram excluídos portadores de marca-passo
cardíaco; casos de
insuficiência renal; indivíduos com alergia ao(s)
componente(s) do creme de
sulfato de magnésio, situações
inespecíficas de inflamação/infecção
na pele sob
a região da coluna lombar (lesões cutâneas ou
feridas abertas); presença de
áreas isquêmicas, tumores; gestantes; portadores de
doenças neurológicas e
indivíduos com comprometimento cognitivo.
Instrumentos avaliativos
No início
foram coletadas informações sociodemográficas, comportamentais e demais
características clínicas. A dor foi avaliada no pré-teste e no pós-teste
através da escala visual analógica (EVA) junto ao questionário de dor
preconizado por McGill. Para quantificar a
intensidade da percepção subjetiva de dor numa escala de zero a dez, pontuações
entre 0 e 2 foram consideradas como dor leve, moderada entre 3 e 5 e intensa
entre 6 e 10. O questionário de dor de McGill,
elaborado em 1975 por Melzack, na Universidade McGill, em Montreal, Canadá, foi adaptado para a Língua
Portuguesa em 1996. É um instrumento utilizado para avaliação da dor,
constituído por 78 descritores (palavras que qualificam a dor), organizado em
quatro categorias (sensorial, afetiva, avaliativa e mista) e 20 subcategorias.
Cada subcategoria é composta por um número determinado de palavras que tem como
objetivo caracterizar diferentes detalhes da sensação de dor [10,11]. O
questionário Roland-Morris Brasil de Incapacidade e uma sequência de testes
físicos de flexibilidade e funcionalidade foram realizados em todos os
voluntários antes e após os diferentes tratamentos. O questionário de Roland-Morris
Brasil, é específico para medir a incapacidade funcional de pacientes com
lombalgia. É composto por 24 questões relacionadas às atividades de vida
diária, dor e função. Cada questão afirmativa vale 1 ponto,
e o escore final pode alcançar até 24 pontos. A pontução
acima de 14, indica incapacidade funcional [12,13]. O teste de funcionalidade
foi composto pela mensuração 1) da distância do terceiro dedo ao chão durante a
flexão anterior do tronco em bipedestação, 2)
amplitude da inclinação lateral (direita-esquerda), 3) distância da C7 ao chão
durante a extensão do tronco em bipedestação, 4)
flexibilidade anterior de tronco avaliado no banco de Wells, e 5) força
muscular por meio do teste de Oxford com resistência manual e classificação de
0 a 5 para os movimentos do tronco (flexão, extensão, rotação e inclinação
bilateral da coluna ) e de membros inferiores conforme raiz nervosa de L2-S2 (
flexão de quadril, extensão de joelho, dorsiflexão de tornozelo, extensão do Halux, plantiflexão de tornozelo
e flexão de joelho), respectivamente.
Intervenção
Todos os
voluntários foram submetidos a duas sessões semanais, durante 3 semanas. Além
do atendimento inicial e final, para avaliação e reavaliação respectivamente,
foram 6 sessões de tratamento, totalizando 8 encontros. Todos os atendimentos
foram realizados com os voluntários em decúbito ventral, com a região lombar
devidamente exposta. A região foi devidamente higienizada com o objetivo de
preparar o local anatômico para a aplicação do sulfato de magnésio. Para
iontoforese, foi manipulada uma solução aquosa a 2% de sulfato de magnésio,
enquanto que para fonoforese, foi manipulada uma
emulsão suave, cremosa e de rápida absorção de sulfato de magnésio a 2%.
O grupo
iontoforese (I) foi submetido a uma corrente galvânica contínua (polarizada),
por 15 minutos, gerada no Neurodyn® Multicorrentes da Ibramed®
(Amparo/SP, Brasil). A intensidade foi ajustada para atingir o limite da
tolerância máxima do voluntário, sem ultrapassar 5mA, conforme protocolo proposto
por pesquisadores [14]. Foram utilizados eletrodos metálicos envoltos por
esponjas, com tamanhos adequados para cada voluntário. A esponja do eletrodo
positivo foi embebida com a solução aquosa de sulfato de magnésio, enquanto a
outra foi apenas umedecida.
O grupo fonoforese (F) foi submetido ao ultrassom contínuo de 1 MHz
gerado no Avatar II da KLD® (Amparo/SP, Brasil). A intensidade foi ajustada
para 1,5 W/cm² conforme protocolo proposto por pesquisadores [15]. A região
lombar foi dividida nos quadrantes 1) L1-L3 direito; 2) L1-L3 esquerdo; 3)
L3-sacral direito e 4) L3-sacral esquerdo. O tempo de aplicação em cada
quadrante foi de 4 minutos, totalizando 16 minutos. O creme com sulfato de
magnésio foi generosamente despejado no cabeçote do equipamento de ultrassom e
aplicado em movimentos lentos longitudinais e circulares.
Adesão ao tratamento
A adesão
foi rigorosamente controlada, e a falta em duas sessões não recuperadas foi
utilizada como critério de interrupção do tratamento.
Amostra e randomização
Após a
triagem inicial os pacientes aptos a participar do estudo foram encaminhados
para um dos grupos de acordo com a ordem de chegada, ou seja, os números
ímpares foram alocados no grupo I, enquanto que os pares foram alocados no
grupo F. O processo foi realizado de forma totalmente isenta, ou seja, não
houve interferência no processo de alocação, uma vez que a ordem de entrada foi
ocasional e realizada de forma independente pela equipe de secretaria. Um
profissional totalmente independente da equipe de pesquisa executou o
agendamento consecutivamente e espontaneamente no momento em que o paciente deu
ingresso no serviço.
Avaliação estatística
Os
resultados das variáveis qualitativas foram apresentados em valores absolutos e
relativos através de frequência e percentual. As variáveis quantitativas foram
expressas através de média e desvio-padrão. Os cruzamentos do grupo com as
variáveis qualitativas foram realizados pelo teste Qui-Quadrado
e pelo teste t de Student. As comparações intragrupo
foram realizadas pelo teste t de Student para
amostras pareadas. Correlações entre o IMC e os desfechos, e entre idade e os
desfechos foram verificadas pelo coeficiente de correlação de Pearson. A média
da diferença padronizada entre o pré-teste e o pós-teste das avaliações de
flexibilidade, funcionalidade e força foi comparada entre os grupos para cada
desfecho separado. A análise combinada foi utilizada para estudar o benefício
de uma intervenção em relação a outra. Foram considerados significativos os resultados
com valor de p < 0,05. As análises foram realizadas no
software estatístico SPSS (IBM SPSS Statistics
for Windows, Version 25.0, Armonk,
NY: IBM Corp.).
No total,
38 voluntários foram recrutados para a triagem inicial (Figura 1), mas 2 foram
excluídos por não se enquadrarem nos critérios de inclusão (um com idade
inferior a 18 anos e outro por ausência do diagnóstico de lombalgia). Na tabela
I estão descritas as características clínicas dos voluntários. Os grupos foram
semelhantes para todas as variáveis analisadas. Ao longo do estudo, 12
voluntários foram desligados do estudo (43% de perda amostral). Alguns
relatando problemas de ordem pessoal, outros por falta de tempo, problemas com
transporte e alguns por falta de interesse no tratamento. Na análise final, 24
voluntários completaram todas as etapas previstas no protocolo (IONTO = 11 e
FONO = 13 voluntários).
Figura 1 – Fluxograma
Tabela I - Características clínicas
Na tabela
I, os dados representam a média e o desvio padrão da média; valores absolutos e
percentuais relativos (%). As comparações entre as características clínicas do
grupo fonoforese iontoforese foram, para idade e o
índice de massa corporal (IMC), realizadas através do Teste t de Student, as demais variáveis foram analisadas pelo teste de
qui-quadrado.
Nas
tabelas II e III estão os dados das avaliações de flexibilidade, funcionalidade
e força avaliados no início e ao final do estudo. Ao final do programa houve
redução significativa na sensação de dor com o tratamento com iontoforese
(-55%, p = 0,001) enquanto que com a fonoforese houve
tendência no alívio deste sintoma (-27%, p = 0,08). Contudo, a análise
intergrupo demonstra que não houve superioridade entre as propostas
terapêuticas. A funcionalidade também melhorou significativamente em ambos os
grupos (Roland Iontoforese = -54%, p = 0,001; Roland Fonoforese
= -55%, p = 0,02). Novamente não foi observada diferença significativa entre os
grupos.
Tabela II - Flexibilidade, funcionalidade e
dor
Na tabela
II, os dados representam a média (Med) e desvio padrão da média (DP) das
variáveis avaliadas no início e ao final do período de intervenção. Os dados
representam também a diferença entre os valores pré e
pós-tratamento (DIF). O efeito no tempo sobre o comportamento das variáveis
está descrito através do valor de probabilidade estatística (p) na última
coluna. A comparação entre os grupos, nos diferentes momentos, está descrita
para cada variável. A probabilidade de homogeneidade ou heterogeneidade entre
os grupos foi calculada para as avaliações pré-tratamento, pós-tratamento e
para as diferenças entre as duas avaliações.
Tabela III – Força muscular da coluna e miótomos lombo-sacrais
Os dados
representam a média (Med) e desvio padrão da média (DP) das variáveis avaliadas
no início e ao final do período de intervenção. Os dados representam também a
diferença entre os valores pré e pós-tratamento
(DIF). O efeito no tempo sobre o comportamento das variáveis está descrito
através do valor de probabilidade estatística (p) na última coluna. A
comparação entre os grupos, nos diferentes momentos, está descrita para cada
variável. A probabilidade de homogeneidade ou heterogeneidade entre os grupos
foi calculada para as avaliações pré-tratamento, pós-tratamento e para as
diferenças entre as duas avaliações.
Não houve
modificação significativa em relação à flexibilidade no grupo tratado pela Fonoforese, mas com a Iontoforese a extensão de tronco (C7
– chão) aumentou de 2% (p = 0,04), a flexão de tronco (D3 – chão) demonstrou
tendência de aumento de 29% (p = 0,077) e melhor desempenho no teste do Banco
de Wells de 11% (p = 0,056). Não houve nenhuma diferença entre os grupos. Na
análise intragrupos, houve melhoras significativas na avaliação de força
pós-intervenção (tabela III), mas não houve diferença significativa entre os
grupos, com exceção da avaliação do miótomo L3 a
esquerda (p = 0,047).
A média
da variação padronizada do pré-teste e do pós-teste está nas figuras 2 e 3. As
análises foram realizadas para cada desfecho de flexibilidade, funcionalidade e
força. Os resultados demonstram claramente a similaridade nos resultados
obtidos com os diferentes meios de tratamento. É possível perceber, no
resultado combinado, que não há deslocamento significativo em direção a uma ou
outra técnica terapêutica.
Figura 2 - Diferença padronizada das avaliações do pré-teste e do pós-teste foi comparada entre os grupos MgSO4 + Iontoforese e MgSO4 + Fonoforese
Na Figura
2, a média da diferença padronizada das avaliações do pré-teste e do pós-teste
foi comparada entre os grupos MgSO4 + Iontoforese e MgSO4
+ Fonoforese. A comparação dos desfechos relacionados
à flexibilidade (desfechos 1, 2, 3, 4, 5) e funcionalidade (Roland e McGill) apresentou resultados semelhantes entre os grupos.
A análise combinada confirma claramente que os diferentes métodos de dispersão
farmacológica promovem efeitos muito semelhantes em relação ao comportamento clínico
da evolução da flexibilidade e funcionalidade dos pacientes em tratamento da
dor lombar inespecífica.
Figura 3 - Diferença
padronizada das avaliações do pré-teste e do pós-teste foi comparada entre os grupos
MgSO4 + Iontoforese e MgSO4 + Fonoforese
Na figura
3, a média da diferença padronizada das avaliações do pré-teste e do pós-teste
foi comparada entre os grupos MgSO4+Iontoforese e MgSO4+Fonoforese.
A comparação da avaliação de força apresentou resultados semelhantes entre os
grupos. A análise combinada confirma claramente que os diferentes métodos de
dispersão farmacológica promovem efeitos muito semelhantes em relação ao
comportamento clínico da capacidade de produção de força dos pacientes em
tratamento da dor lombar inespecífica.
Por fim,
sexo e IMC não foram significativamente correlacionados com a evolução do
desfecho principal (dor). Por outro lado, a variação pré-pós
tratamento da flexão de tronco (D3-Chão) foi fortemente correlacionado com a
variação pré-pós do escore de dor (EVA), Roland e McGill. A análise revelou que quanto menor é a variação na
flexão de tronco menor é a variação nas pontuações das escalas de dor (r =
0,58; p = 0,037), Roland (r = 0,64; p = 0,032) e McGill
(r = 0,65; p = 0,011). Estes dados reforçam a importância da relação entre a
capacidade de flexão anterior do tronco com a manifestação dolorosa e
funcionalidade de pacientes com lombalgia inespecífica.
Tabela IV – Análise de correlação
A análise
foi realizada entre as diferenças pré e
pós-tratamento e todos os voluntários (n = 24) agrupados. Os dados representam
o valor da correlação de Pearson (r) e o valor da probabilidade estatística
(p). Pode-se observar que para a maioria das análises houve correlação
significativa, indicando que tanto o grau de flexão do tronco (D3-chão) quanto
o grau de extensão (C7-chão) estão correlacionados com o desempenho nos testes
de Roland e Mc Gill. Da mesma forma, a sensação subjetiva de dor (EVA)
apresenta correlação significativa com todas as variáveis apresentadas.
Ambas as
técnicas terapêuticas promoveram redução significativa da dor, melhora da
funcionalidade, aumento da força de alguns movimentos globais da coluna
vertebral e de boa parte dos miótomos da coluna
lombar e sacral. De um modo geral a flexibilidade foi menos impactada e
apresentou menor variação entre as avaliações pré e
pós-tratamento. Contudo, o ponto central nessa discussão é a constatação de que
não houve diferença entre os grupos após o término do período estipulado para o
tratamento da dor lombar inespecífica. Sendo assim, é possível presumir que,
diante das condições clínicas estudadas, ambas as técnicas podem promover
resultados semelhantes. Houve uma ou outra avaliação em que a iontoforese
apresentou modificações significativas, mas nada tão expressivo que suporte a
recomendação de uma técnica em detrimento da outra.
Ambas as
técnicas de potencialização de entrega transdérmica
de sulfato de magnésio demonstraram efeito analgésico similar. O efeito
analgésico ocorre principalmente quando há inflamação envolvida [16], contudo
nenhuma avaliação específica foi conduzida no sentido de determinar a existência
e o grau de inflamação na região lombar.
A indução
de campo elétrico do tipo galvânico e a propagação de ondas mecânicas de
ultrassom podem por si só promover efeitos analgésicos [17], mas o sulfato de
magnésio promove efeito miorrelaxante a partir da
inibição da excitabilidade da membrana musculoesquelética e lentificação da
transmissão neural da junção neuromuscular. Adicionalmente, o sulfato de
magnésio também exerce efeito anti-inflamatório e consequentemente analgésico
[18].
Infelizmente,
a avaliação da influência do campo elétrico e das ondas mecânicas sobre a
penetração do sulfato de magnésio e o subsequente efeito terapêutico para o
tratamento da lombalgia inespecífica dependeria da comparação com um grupo
tratado apenas com sulfato de magnésio e outro com placebo. Sendo assim, as
respostas para estas análises permanecem à espera de um novo estudo.
A dor
crônica também está relacionada à ativação dos receptores Nmetil-D-aspartato
(NMDA) e subsequente aumento da transmissão de impulsos excitatórios para o
sistema nervoso central, mas o sulfato de magnésio atenua a sensibilidade dessa
via neural, ao inibir perifericamente os receptores NMDA do corno dorsal,
causando alívio da dor, relaxamento muscular e analgesia [19].
Ibrahin et al. [20] avaliaram o efeito
agudo e tardio da aplicação da iontoforese com sulfato de magnésio para o
tratamento de trigger points nas fibras superiores do músculo trapézio. O
estudo contou com 60 voluntários. O grupo intervenção (n = 30) foi tratado duas
vezes por semana ao longo de quatro semanas. O grupo controle recebeu o mesmo
esquema de tratamento, mas sem a aplicação do sulfato de magnésio, apenas a
corrente elétrica. Os resultados foram animadores e demonstraram claramente que
a corrente elétrica aplicada isoladamente melhora significativamente os
sintomas, mas de maneira substancialmente inferior aos benefícios alcançados
com a combinação do sulfato de magnésio. Infelizmente os autores também
deixaram de testar o efeito isolado do sulfato de magnésio e pouco se sabe até
o momento a respeito do tamanho do efeito que o campo elétrico polarizado
exerce sobre a ação do sulfato de magnésio aplicado topicamente para o
tratamento da dor em humanos.
Kalani et al. [21] demonstraram um
promissor potencial terapêutico para o uso intravenoso do sulfato de magnésio
(8 mg/kg de massa corporal) ao constatar efeito similar ao obtido pelo uso
intravenoso de paracetamol (15 mg/kg de massa corporal). O estudo foi realizado
com voluntários submetidos à cirurgia de membros inferiores.
Na metanálise realizada por Albrecht et al. [22], a
infusão intravenosa de sulfato de magnésio no período peri-operatório
foi considerada segura (livre de efeitos adversos graves), eficaz para a
redução do uso de opióides (-24% de consumo de
morfina; 95% CI -9,5 to -5,8 mg; p < 0,00001) e,
em menor extensão, útil para a redução de dor em repouso (95% CI -6,3 to -2,1; p < 0,0001) e em movimento (95% CI -16,1 to -2,3; p = 0,009).
Estes
achados descritos na literatura corroboram os nossos resultados, pois com o uso
tópico do sulfato de magnésio, tanto na modalidade iontoforese quanto fonoforese, houve melhora significativa na funcionalidade.
A significativa correlação entre dor e funcionalidade da coluna reforçam ainda
mais o papel do efeito analgésico para o tratamento da dor lombar inespecífica.
É importante salientar que o tamanho da variação foi aparentemente maior no
grupo tratado com iontoforese, porém a comparação entre os grupos resultou em
um valor de probabilidade acima do ponto de corte determinado na análise de
significância estatística.
O flagelo
promovido pela dor está intimamente associado à intensidade do sintoma e as
subsequentes repercussões que levam à incapacidade física promovida pelo
próprio bloqueio do movimento gerado pelo quadro álgico ou pela estratégia de
manter-se em repouso em posição de proteção evitando o agravo decorrente do
movimento. Os efeitos de desuso que disso podem resultar, agravam o prognóstico
gerando piora da funcionalidade [14]. Nesse sentido, um adequado manejo da dor
pode contribuir para a melhora da mobilidade e funcionalidade. A lombalgia
envolve processos biopsicossociais, e torna a avaliação específica e complexa,
mas o entendimento dos mecanismos patológicos favorece a escolha da conduta
adequada para manejar também os fatores cognitivos, emocionais, psicológicos,
comportamentais, físicos e sociais que interagem para perpetuação da dor. Entre
estas variáveis está a força para a realização dos principais movimentos da
coluna vertebral e dos miótomos relacionados à coluna
lombar e sacral. Neste seguimento do estudo, demonstramos que ambos os grupos
apresentaram resultados de melhora significativa após as intervenções, reforçando
novamente a associação entre dor e a disfunção do movimento [23]. Boa parte
dessa complexidade foi avaliada no questionário de McGill,
mas devido à dificuldade em caracterizar com maior precisão os descritores de
dor relacionados aos complexos aspectos emocionais [16], optamos por limitar
nossas análises às variáveis mais objetivas.
Nossos
resultados deixam questões em aberto. Talvez a mais intrigante delas seja sobre
o melhor desempenho que os voluntários do grupo Iontoforese demonstraram em alguns
testes funcionais. Sabe-se que a corrente galvânica age na redução de dor pela
diminuição do edema promovido pelo processo inflamatório, através do mecanismo
da eletrosmose, um efeito resultante da passagem da corrente contínua pelos
tecidos, o que provoca a transferência ou fuga de líquido do polo positivo para
o polo negativo [24]. A justificativa biológica para esta modalidade é baseada
no princípio de que cargas semelhantes se repelem. Neste caso, a solução aquosa
de sulfato de magnésio (um íon carregado positivamente) foi aplicada no polo
positivo (cátodo), onde uma carga elétrica aplicada repele os íons da droga
através da pele acelerando a dispersão do fármaco para tecidos mais profundos
[25]. Não temos como medir essa dispersão em humanos, mas talvez estudos em
animais possam associar a marcação com radioisótopos na tentativa de mensurar o
efeito propulsor da iontoforese e da fonoforese.
Na fonoforese a dispersão da medicação pelo estrato córneo
ocorre por diferença de concentração entre o meio externo e interno. O
ultrassom é utilizado na fase inflamatória do reparo por interagir com células
que participam do processo inflamatório (plaquetas, mastócitos, macrófagos e
neutrófilos) acelerando o reparo [17]. A deposição farmacológica usada de maneira
tópica, ocorre segundo o fenômeno de cavitação, que resulta na formação de
microbolhas gasosas na camada externa da pele (estrato córneo) que podem
romper-se violentamente, e possivelmente permitir a passagem da droga para o
meio interno, onde irá desempenhar sua ação farmacológica [26]. Contudo, nosso
estudo não trouxe informações adicionais sobre o efeito de uma ou outra técnica
adjuvante, pois não comparamos nenhuma delas a um grupo controle.
Limitações
A falta
de um grupo controle para comparar a eficácia das terapias aplicadas ao
protocolo de tratamento medicamentoso habitual foi um aspecto limitador do
desenho experimental do estudo. O tamanho amostral também limitou a qualidade
das comparações, assim como a perda no seguimento e a não utilização do método
estatístico de intention to treat. A análise de
superioridade demonstrou dados suficientes de semelhanças entre as
intervenções, mas parte desta semelhança pode estar limitada à subjetividade
dos questionários utilizados, visto que a assertividade e precisão das
respostas muitas vezes não se demonstraram suficientemente claras para os
pacientes, principalmente em relação aos aspectos relacionados à percepção da
doença e evolução do tratamento. O comportamento das atividades de vida diária,
hábitos alimentares e trabalho laboral não foram completamente controlados ao
longo do estudo e isso também pode, em certa medida, ter interferido na análise
do efeito das terapêuticas propostas. A avaliação de força e flexibilidade
poderiam ter maior precisão ao utilizar dispositivos isocinéticos e análise
digital do movimento corporal. Por fim, o uso isolado do sulfato de magnésio em
um grupo específico teria oportunizado a análise acurada do efeito das técnicas
de potencialização (campo elétrico e ação mecânica) de entrega transdérmica do composto.
Dadas as
condições clínicas estudadas, pode-se dizer que ambas as técnicas de
potencialização transdérmica empregadas para a
dispersão farmacológica melhoraram a dor, mobilidade e funcionalidade de
pacientes com lombalgia inespecífica. Houve importante e inequívoca correlação
entre dor, função e funcionalidade reforçando a importância da intervenção
analgésica instituída nesta condição clínica, mas não houve superioridade entre
as técnicas. Por este motivo, estudos com maior número amostral precisam ser
conduzidos para esclarecer este aspecto. Além disso, acrescentar um grupo
tratado apenas com o sulfato de magnésio poderia apontar se há ou não
potencialização da dispersão farmacológica com as técnicas de iontoforese e fonoforese e com isso esclarecer os achados de tendência
reportados em nossos resultados e lançar luz sobre a definição da melhor
estratégia de intervenção.
Conflito
de interesses
Não há
conflitos de interesse para serem declarados.
Fontes
de financiamento
Não houve
financiamento externo do estudo e todos os custos foram cobertos pelos próprios
autores.
Contribuição
dos autores
Concepção
e desenho da pesquisa:
Azevedo DC, Otto DM, Figueiredo VF; Coleta de dados: Azevedo DC, Otto
DM; Análise e interpretação dos dados: Macagnan
FE; Análise estatística: Macagnan FE; Redação
do manuscrito: Azevedo DC, Otto DM, Macagnan FE; Revisão
crítica do manuscrito quanto ao conteúdo intelectual importante: Macagnan FE