Fisioter Bras 2022;23(6):899-909

doi: 10.33233/fb.v23i6.5182

REVISÃO

Auriculoterapia para o controle da ansiedade em estudantes universitários: uma revisão integrativa

Auriculotherapy for anxiety control in university students: an integrative review

 

Alberto Sumiya*, Maria Helena Ribeiro de Checchi**, Gabriel Farhat***, Kelerman Ezequiel dos Santos****, Vanessa Mainara Marcos*, Carla Fabiana Tenani*****

 

*Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), **Universidade Federal do Amazonas (UFAM), ***Universidade Estadual de Ponta Grossa (UEPG), ****Secretaria Municipal de Caraguatatuba/SP, *****Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP)

 

Recebido em: 30 de maio de 2022; Aceito em 15 de outubro de 2022.

Correspondência: Alberto Sumiya, Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), Rodovia Ulysses Gaboardi, 3000, 89520-000 Curitibanos SC

 

Alberto Sumiya: a.sumiya@ufsc.br

Maria Helena Ribeiro de Checchi: mariahelenaribeirodechecchi@gmail.com

Gabriel Farhat: gabrielfarhat@yahoo.com.br

Kelerman Ezequiel dos Santos: kellermanfisio82@gmail.com

Vanessa Mainara Marcos: vanessaemim1012@gmail.com

Carla Fabiana Tenani: carlatenani@gmail.com

 

Resumo

Introdução: A ansiedade é um problema recorrente entre universitários e a auriculoterapia como técnica reconhecida pela Organização Mundial de Saúde e parte da Política Nacional de Práticas Integrativas e Complementares no Brasil pode contribuir para seu controle. Objetivo: Realizar uma revisão sistemática sobre a redução da ansiedade de universitários por meio da auriculoterapia. Métodos: Realizou-se busca por ensaios clínicos randomizados entre fevereiro e março de 2020 em quatro bases de dados, sendo a qualidade metodológica avaliada pela Escala PEDro seguindo as recomendações PRISMA. Resultados: Foram encontradas 962 referências, participando da análise quatro estudos. Verificou-se que houve variação entre os protocolos de intervenção, tempo de tratamento, instrumentos de quantificação do nível de ansiedade e nomenclaturas dos pontos. Um estudo não apresentou redução significativa da ansiedade. Três estudos foram classificados como de boa qualidade e um de baixa qualidade. Conclusão: Os estudos sugerem que a auriculoterapia pode ser eficaz no controle da ansiedade em universitários. Devido à especificidade da amostra, o número de estudos encontrados foi baixo, o que indicou a necessidade de mais pesquisas.

Palavras-chave: auriculoterapia; ansiedade; estudantes; terapias complementares.

 

Abstract

Introduction: Anxiety is a recurring problem among university students and auriculotherapy as a technique recognized by the World Health Organization and part of the National Policy on Integrative and Complementary Practices in Brazil can contribute to its control. Objective: To carry out a systematic review on the reduction of anxiety in university students through auriculotherapy. Methods: A search for randomized clinical trials was carried out between February and March 2020 in four databases, and the methodological quality was evaluated by the PEDro Scale following the PRISMA recommendations. Results: 962 references were found, participating in the analysis four studies. It was found that there was variation between the intervention protocols, treatment time, instruments for quantifying the level of anxiety and nomenclature of the points. One study showed no significant reduction in anxiety. Three studies were classified as good quality and one as low quality. Conclusion: Studies suggest that auriculotherapy can be effective in controlling anxiety in university students. Due to the specificity of the sample, the number of studies found was low, which indicated the need for more research.

Keywords: auriculotherapy; anxiety; students; complementary therapies.

 

Introdução

 

O campo das Práticas Integrativas e Complementares em Saúde (PICS) contempla sistemas médicos complexos e recursos terapêuticos, os quais são denominados internacionalmente pela Organização Mundial da Saúde (OMS) como medicina tradicional e complementar/alternativa (MT/MCA). Tais sistemas e recursos envolvem abordagens que buscam estimular os mecanismos naturais de prevenção e recuperação da saúde [1].

Desde o final da década de 1970, a OMS criou o Programa de Medicina Tradicional com o compromisso de incentivar os estados-membros a formularem e implementarem políticas públicas para o uso racional e integrado da MT/MCA nos sistemas de saúde, bem como para o desenvolvimento de estudos científicos para melhor conhecimento de sua segurança, eficácia e qualidade [1]. Ademais, considera-se que as PICS são estratégias de revitalização do sistema de saúde [2] por oferecer centralidade ao adoecido nos processos de saúde-doença-cuidado. Assim, qualifica-se a atenção [3], apontando-se também para novos modos de aprender e praticar saúde [4]. Com isso a auriculoterapia (AA), também chamada de acupuntura auricular vem se tornando um recurso promissor.

Historicamente, a AA vem sendo empregada em várias culturas, sendo o registro chinês o mais antigo, datado do ano 100 AC aproximadamente. No ocidente moderno, a técnica ganhou relevância quando Paul Nogier em 1957 apresentou o mapa do feto invertido na orelha com 37 pontos auriculares. Atualmente, entende-se a AA como método para diagnóstico e tratamento de disfunções físicas e psicossomáticas pela estimulação de pontos específicos na orelha, que estão conectados com os 12 meridianos da acupuntura. O efeito terapêutico da auriculoterapia é explicado teoricamente por meio da ação reflexa da forte inervação da orelha, ou seja, as informações térmicas, álgicas e proprioceptivas recebidas pelo pavilhão auditivo são transmitidas para inervações periféricas e centrais, sendo os sinais recebidos processados e regulados através dos sistemas neurofisiológicos simpático e parassimpático [5,6,7].

Já a ansiedade manifesta-se como elemento protetivo temporário em situações de estresse. Porém, em alta intensidade e por tempo persistente pode prejudicar a qualidade de vida. Ao tornar-se crônica, altera comportamentos levando ao desenvolvimento de sintomas de medo, apreensão e desastre iminente, ou tensão e inquietação [8,9]. Tendo em vista a saúde mental de estudantes universitários, a ansiedade pode prejudicar a experiência acadêmica (aprendizado, rendimento e socialização) levando à precoce medicalização. Consequentemente, o objetivo desta revisão sistemática foi verificar se AA é eficiente na redução ansiedade em estudantes universitários.

 

Métodos

 

Tipo de estudo e estratégia de busca

 

Este artigo compreende uma revisão sistemática de Ensaios Clínicos Randomizados, seguindo às recomendações do Preferred Reporting Items for Systematic Reviews and Meta-Analyses (PRISMA) [10], e que teve como questão estruturada de pesquisa: qual a eficácia da auriculoterapia na redução da ansiedade em estudantes universitários?

Assim sendo, não se delimitou na busca um período específico, nem idioma de publicação. As buscas foram realizadas, entre fevereiro e março de 2020, nas bases de dados PubMed, Medline, Lilacs e ScienceDirect.

Utilizaram-se os termos de busca apenas em língua inglesa associando-os com o operador booleano AND e emprego de aspas para especificar a busca exata, da seguinte maneira: auriculotherapy AND anxiety, “ear acupuncture” AND anxiety, “auricular acupuncture”AND anxiety.

 

Critérios de elegibilidade

 

Foram incluídos apenas ensaio clínicos randomizados cuja intervenção fosse auriculoterapia para redução da ansiedade e a amostra constituída por estudantes universitários.

 

Avaliação da elegibilidade

 

O procedimento foi realizado por dois avaliadores independentes, que verificaram os títulos e resumos dos estudos, para depois perfazer a leitura do artigo científico na íntegra. Permanecendo discordâncias, o estudo passaria para um terceiro revisor.

 

Avaliação da qualidade metodológica

 

A qualidade metodológica também lançou mão de dois avaliadores independentes que aplicaram a Escala PEDro [11], que se baseia na lista Delphi e objetiva auxiliar na identificação da validade interna e externa dos estudos. A Escala PEDro apresenta 11 critérios de avaliação, sendo a pontuação máxima de 10 pontos. A classificação ocorre da seguinte maneira: 0 a 3 – baixa qualidade; 4 a 5 – qualidade aceitável; 6 a 8 – boa qualidade; 9 a 10 – excelente qualidade. Além disso, testou-se o índice Kappa para avaliar o nível de concordância entre os revisores em relação à primeira pontuação dada aos artigos na Escala PEDro. Os itens divergentes foram revistos e discutidos para obtenção de consenso e classificação final.

 

Resultados

 

A busca inicial identificou 962 estudos, eliminando-se 22 estudos por indisponibilidade, não serem ensaios clínicos randomizados e duplicações. Após a leitura dos títulos e resumos foram retirados mais 28 estudos e com a leitura dos conteúdos confirmou-se sete estudos para a avaliação de elegibilidade. Na etapa da elegibilidade foram excluídos mais dois artigos devido a serem estudantes de nível técnico e o outro referir-se a um estudo piloto (Figura 1).

 

Figura 1Busca, seleção e inclusão de estudos

 

O índice Kappa entre os avaliadores foi de concordância substancial (0.64, 95% CI), sendo três classificados como de boa qualidade (6-8) e um como de baixa qualidade metodológica (0-3) na Escala PEDro (Tabela I).

 

Tabela I - Detalhamento dos estudos na EP

 

S = Sim, N = Não

 

Desta forma, alcançaram a inclusão final quatro estudos que foram analisados neste artigo (Tabela II). De modo geral, apenas um estudo não apresentou redução significativa da ansiedade (p = 0.06) [12]. Pode-se afirmar também que houve variabilidade nos protocolos de intervenção. Contudo, o ponto auricular mais utilizado foi o shenmen e o instrumento mais aplicado para quantificar os níveis de ansiedade foram o State Trait Anxiety Inventory (20-80 pontos) e o Beck Anxiety Inventory (0-63 pontos).

 

Tabela II - Características dos estudos selecionados

 

 

Protocolos de intervenção

 

As pesquisas que avaliaram a ansiedade em situação de prova tiveram o mesmo objetivo com protocolos diferentes: a) uma única intervenção realizada 48 h antes, que foi avaliada 5 min antes e 48 h depois da prova, utilizando agulhas semipermanentes, não citando em qual orelha [13]; b) três intervenções, cada uma ocorreu 24 h antes e foram avaliadas imediatamente antes e depois das provas, utilizando agulhas de 1,5 mm de comprimento e 0,22 mm de diâmetro, bilateralmente [14].

Na pesquisa que envolveu DTM, os estudantes receberam AA por 6 semanas e a avaliação ocorreu antes da primeira e após a última sessão, usou sementes de mostarda fazendo alternância entre as orelhas [15]. Já na pesquisa com eletroacupuntura, os estudantes tiveram tratamento uma vez por semana, utilizaram-se agulhas de 40 mm de comprimento e 0,25 mm de diâmetro, sendo as avaliações feitas antes de cada intervenção e após uma semana do final do tratamento, sendo pontuadas as duas orelhas em combinação com pontos de acupuntura na face [12].

Os protocolos continham de 1 até 6 pontos em cada orelha. Observou-se que para a escolha dos pontos, os autores seguiram diferentes caminhos; a experiência clínica pautada por juízes, as referências da literatura científica demonstrando a maior frequência de determinado ponto e livros. Verifica-se, portanto, que não houve uma padronização completa da nomenclatura.

 

Discussão

 

A inclusão de práticas não ortodoxas na oferta de serviços assistenciais em saúde vem se consolidando como vertente significativa nas últimas décadas ao redor do mundo. Assim, a utilização de PICS, ao longo desse período, vem ganhando expressão em países que majoritariamente primavam por técnicas biologicistas e médico-centradas. Como consequência, investigações passaram a ser desenvolvidas em busca de comprovações científicas para tais práticas.

Sabe-se, portanto, que a ansiedade quando disfuncional pode afetar a cognição e consequentemente o rendimento do estudante universitário. Lopes et al. [16] realizaram um estudo com 102 estudantes, utilizando o Inventário de Ansiedade de Beck (BAI) e verificaram que entre ausência de ansiedade e ansiedade moderada o desempenho acadêmico pode ser ótimo, porém em altos níveis realmente o desempenho é menor.

Leão et al. [17] estimaram a prevalência e os fatores associados à ansiedade em estudantes universitários através do BAI, responderam ao questionário 476 estudantes, sendo a prevalência de ansiedade de 36,1%, mais associada ao sexo feminino e fatores como relacionamento insatisfatório com familiares, amigos e colegas, insônia, falta de atividade física e preocupação com o futuro. Costa et al. [18], em um estudo publicado em 2020, verificaram a prevalência de sintomas de ansiedade em estudantes universitários usando o BAI e obtendo 279 respostas, evidenciaram que 66,3% apresentavam ansiedade mínima, 21,9% ansiedade leve, 10,8% ansiedade moderada e 1% ansiedade severa.

Desta forma, a questão da ansiedade vem aparecendo em muitos momentos da vida universitária, tornando-se assim um problema comum. Nesse sentido, acarreta um aumento na busca por métodos alternativos, que não medicamentosos, mas que ainda visam promover o bem-estar e a integralidade da saúde. Nesse contexto, o estudo realizado por Klausenitz et al. [14] estudou os efeitos da AA em estudantes que apresentaram ansiedade em situação de exames. Como resultado, os estudantes que realizaram a acupuntura auricular tiveram uma redução na ansiedade maior do que o grupo placebo e do grupo sem intervenção com diferença estatisticamente significante. As principais limitações deste estudo foram a falta do cegamento dos participantes e do terapeuta, além da falta de dados do baseline que apontaria a possibilidade de comparação entre os grupos. Apesar de o estudo ter poder estatístico e presença do cálculo amostral importantes, a amostra foi pequena.

Já Vieira et al. [13] mensuraram os efeitos clínicos da AA em estudantes de medicina com sintomas de ansiedade, através de um estudo randomizado, tendo como resultado menor nível de ansiedade no grupo intervenção em relação ao grupo placebo e controle. O estudo apresenta algumas limitações como randomização parcial e aplicação de pontos de AA diferentes no grupo placebo, o que enviesou o resultado, refletindo na baixa pontuação na EP, utilizada para avaliação da qualidade metodológica.

Nessa mesma linha, com vistas a avaliar os efeitos da utilização da eletroacupuntura em sintomas relacionados ao estresse como distúrbios do sono, ansiedade, depressão e Síndrome de Burnout em estudantes de medicina em período de exame final, Dias et al. [12] desenvolveram um estudo clínico randomizado cujos achados apontaram para uma melhora significativa na qualidade do sono em comparação com o grupo controle, apontando concordância com achados de Klausenitz et al. [14]. Apesar dos grupos amostrais serem quase paritários, o tamanho reduzido de indivíduos em cada grupo amostral representa importante limitação nesta pesquisa. É importante destacar que a pesquisa de Dias et al. [12] mostrou redução em diversas variáveis, exceto para a ansiedade.

O estudo de Iunes et al. [15] avaliou o papel da AA no tratamento de desordens temporomandibulares (DTM), mensurando a ansiedade e atividade eletromiográfica (EMG) em estudantes universitários, evidenciando diminuição significativa da ansiedade e de pontos dolorosos desses indivíduos. Além disso, a atividade elétrica dos músculos foi significativamente reduzida na análise intergrupos (experimental e placebo), o que vai ao encontro da pesquisa de Klausenitz et al. [14]. Embora este estudo apresente limitações como falta de informações a respeito do cálculo amostral e número reduzido da amostra, foi estabelecido um protocolo para o tratamento de DTM, o qual pode auxiliar futuros estudos relacionados ao tema.

A revisão realizada apresentou algumas considerações importantes a destacar: investigação sistemática de largo espectro, lançando mão de padrões claros e reaplicáveis para a identificação de potencialidades e fragilidades de cada estudo encontrado. Em contrapartida, ao final verificou-se número limitado de ensaios clínicos randomizados da temática. Ainda, a carência na uniformização dos desfechos dos estudos pode indicar ponto frágil desta revisão, motivo pelo qual não foi realizada metanálise. Não obstante os senões apontados, considera-se que os resultados evidenciados nesta revisão sistemática oportunizaram detectar o atual panorama de conhecimento científico acerca dos efeitos da auriculoterapia como potencial ferramenta para redução de ansiedade.

Constatou-se a partir dos resultados desta revisão, que mesmo sob uma variabilidade nos protocolos de intervenção interestudos, em quase totalidade das pesquisas houve a redução da ansiedade com a utilização da AA, entretanto apenas um estudo não apresentou redução significativa. Pode-se afirmar que o ponto auricular mais utilizado foi o shenmen e o instrumento mais aplicado para quantificar os níveis de ansiedade foi o STAI, sendo três estudos classificados como de alta qualidade metodológica e um de baixa, segundo os critérios da EP.

Os estudos incluídos não apresentaram a utilização de mesma nomenclatura para os pontos auriculares, não sendo possível comparar protocolos de intervenção nesta dimensão, sendo o conhecimento prévio dos participantes sobre a AA presente apenas em um trabalho.

 

Conclusão

 

A AA mostrou-se eficaz no controle da ansiedade para universitários, indicando ser uma possibilidade terapêutica e preventiva promissora. Contudo, são necessários mais estudos que busquem o aprimoramento da qualidade metodológica para a técnica, na medida em que a especificidade da amostra reduziu o número de artigos encontrados, o que favorecerá a criação de protocolos consistentes e maior poder de generalização.

 

Conflitos de interesse 

Não há conflitos de interesse.

 

Fontes de financiamento

Não há fontes de financiamento.

 

Contribuição dos autores

Concepção e desenho da pesquisa: Sumiya A; Coleta de dadosSumiya A; Análise e interpretação dos dados: Farhat G, Santos KE; Redação do manuscrito: Sumiya A, De Checchi MHR, Tenani CF, Marcos VM; Revisão crítica do manuscrito quanto ao conteúdo intelectual importante: Sumiya A, De Checchi MHR, Tenani CF

 

Referências

 

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