Fisioter Bras.
2023;24(3):348-55
RELATO
DE CASO
Fotobiomodulação no tratamento da radiodermite:
um estudo de caso
Photobiomodulation in
the treatment of radiodermatitis: a case study
Daiane
Flores de Oliveira1, Gabrielle Peres Paines1, Eduarda Brollo Berni1, Fabiana dos Santos Ferreira2,
Hedioneia Maria Foletto
Pivetta1
1Universidade Federal de Santa Maria
(UFSM), RS, Brasil
2Revigora Corpo e Face, Santa Maria, RS,
Brasil
Recebido
em: 15 de julho de 2022; Aceito em: 30 de março de 2023.
Correspondência: Daiane Flores de Oliveira, ddaiane.flores@gmail.com
Como citar
Oliveira DF, Paines GP, Berni EB, Ferreira FS, Pivetta HMF. Fotobiomodulação no tratamento da radiodermite: um estudo de caso. Fisioter Bras. 2023;24(3):348-55. doi: 10.33233/fb.v24i3.5226
Resumo
Introdução: A radiodermite
é uma complicação comum observada em pacientes submetidos a radioterapia para o
tratamento do câncer. O objetivo deste relato de caso é verificar os efeitos da
terapia por Fotobiomodulação (FBM) no tratamento da radiodermatite em paciente com diagnóstico de câncer de
mama. Métodos: Estudo de caso único com paciente do sexo feminino, 38
anos, diagnóstico de câncer de mama Grau II de Notinghan;
realizou quimioterapia neoadjuvante a retirada do tumor através de setorectomia. Recebeu tratamento por radioterapia em que
desenvolveu radiodermatite grau I e II, de acordo com
Radiation Therapy
Oncology Group (RTGO) A
terapia por fotobiomodulação utilizada foi LED
vermelho (658 nm) a 4 J/cm², emissão de feixe
contínuo, com 48h de intervalo entre as aplicações. No total, 4 sessões durante
um período de 2 semanas foram administradas para tratamento da radiodermatite. A evolução do quadro foi registrada
mediante registro fotográfico pré e pós-intervenção. Resultados:
Observou-se melhora clínica e resolução do quadro de radiodermatite
após a quarta sessão por LED vermelho. As alterações pigmentares causadas pela radiodermite reduziram, tanto a hiperpigmentação quanto a
hiperemia desapareceram, recuperando o aspecto hígido da pele. Também foi
observado diminuição na temperatura da mama ao final do tratamento. Conclusão:
Este relato de caso demonstra potencial efeito bioestimulante
e reparador da fotobiomodulação por LED vermelho na
resolução da radiodermite nos graus I e II.
Palavras-chave: Fisioterapia; terapia com luz de baixa
intensidade; radiodermatite; neoplasias da mama.
Abstract
Introduction:
Radiodermatitis is a common complication observed in patients undergoing
radiotherapy for the treatment of cancer. The objective of this case report is
to verify the effects of Photobiomodulation Therapy
(PBM) in the treatment of radiodermatitis in a patient diagnosed with breast
cancer. Methods: Single case study with a female patient, 38 years old,
diagnosed with Notinghan Grade II breast cancer;
underwent neoadjuvant chemotherapy to remove the tumor through sectorectomy. She received radiotherapy treatment in which
she developed grade I and II radiodermatitis, according to the Radiation
Therapy Oncology Group (RTGO). The photobiomodulation
therapy used was red LED (658 nm) at 4 J/cm², continuous beam emission, with
48h intervals between applications. In total, 4 sessions over a period of 2
weeks were administered for the treatment of radiodermatitis. The evolution of
the condition was recorded through photographic records pre and post
intervention. Results: There was clinical improvement and resolution of
radiodermatitis after the fourth session using red LED. Pigmentary changes
caused by radiodermatitis reduced, both hyperpigmentation and hyperemia
disappeared, recovering the healthy appearance of the skin. A decrease in
breast temperature was also observed at the end of treatment. Conclusion:
This case report demonstrates the potential biostimulant
and repairing effect of photobiomodulation by red LED
in the resolution of radiodermatitis in grades I and II.
Keywords: Physiotherapy; low-level light
therapy; radiodermatitis; breast neoplasms.
A
radioterapia tem sido um dos tratamentos essenciais para auxiliar na
erradicação de células tumorais em diferentes tipos de câncer. Contudo, a radiodermatite (RD) compreende o principal efeito adverso
da radioterapia, tornando-se a preocupação mais comum da equipe médica e dos
pacientes. Segundo Costa et al. [1], cerca de 80-90% dos pacientes em
tratamento radioterápico irão desenvolver RD em algum grau, sendo 10-15% em
graus mais avançados, que ocasionam muitas vezes a diminuição da qualidade de
vida ou até mesmo interrupção do tratamento radioterápico. A RD ocorre porque a
pele possui um importante fator de radiossensibilidade,
células com ciclo de rápida divisão celular e, por esse motivo, a pele é o
primeiro tecido a manifestar reações adversas à radiação [2].
A
RD provoca uma reação eritematosa da pele devido ao aumento da permeabilidade
capilar e a vasodilatação. Essa reação varia desde eritema leve até reações
mais severas, como descamação seca ou úmida, causadas pela reação direta da
radiação nas glândulas sebáceas e sudoríparas, o que provoca a redução da
lubrificação da pele e afetando o processo de cicatrização [3].
Dentre
as linhas de tratamento e manejo dessa situação surge a Fotobiomodulação
(FBM). Esta compreende a terapia por emissão de feixe de luz de diferentes
formas, incorporando a terapia a LASER (Light Amplification
by Stimulated Emission of Radiation)
bem como por LED (Light Emitting Diode),
ambas com diferentes comprimentos de onda, que são absorvidas a nível celular
pelos cromóforos endógenos resultando em reações atérmicas, eventos fotofísicos e fotoquímicos em várias escalas biológicas
[3,4,5].
Estudos
vêm demonstrando efeitos positivos da FBM na resolução da RD. A FBM é modulada
por diodos semicondutores submetidos a uma corrente elétrica com comprimentos
de onda de 658 nm (vermelho). O LED tem como
princípio a eletroluminescência de materiais condutores e sua ação ocorre por
estimulação intracelular. Estudo realizado por Robijns
et al. [6] provou que a FBM reduz significativamente a gravidade da RD
e, com isso, melhora consideravelmente a qualidade de vida dos pacientes
durante o curso da radioterapia. Corroborando esses achados, o estudo de Strouthos et al. [7] também evidenciou o efeito
benéfico da FBM na gravidade da RD, além de demonstrar diminuição da
intensidade da dor causada pela toxicidade cutânea da radioterapia.
Diante
disso, este estudo teve por objetivo verificar os efeitos da Fotobiomodulação com a luz vermelha sobre a radiodermatite em uma paciente com diagnóstico de câncer de
mama.
Estudo
de caso único que se utiliza de dados qualitativos em profundidade para
descrever o caso de uma paciente com RD tratada com FBM. Método este que parte
de eventos reais, porém em curto espaço de tempo, no intuito de explorar,
explicar e descrever fenômenos inseridos no contexto de vida real [8]. O mesmo
integra um projeto maior, no qual tem por objetivo analisar os efeitos da FBM em pacientes com diagnóstico de
câncer. A pesquisa foi aprovada pelo Comitê de Ética da Instituição responsável
sob CAAE: 48881321.4.0000.5346. Para realização do estudo, a participante do
caso assinou o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido autorizando sua
participação, assim como o uso de imagem.
Participou
deste estudo uma paciente de sexo feminino, 38 anos, ensino superior completo,
diagnóstico de carcinoma mamário invasivo grau II de Nottingham na mama
esquerda, em março de 2021. A paciente foi submetida a oito ciclos de
quimioterapia neoadjuvante e realizou cirurgia de setorectomia
com biópsia de linfonodo sentinela em novembro do mesmo ano. Em seguida,
realizou 25 sessões de RT realizadas diariamente em acelerador
linear Elekta Synergy, com
dose total de 50Gy.
A
paciente desenvolveu RD ao término das sessões de RT, sendo radiodermite
grau I em plastrão de mama esquerda (região anterior
do tórax) e grau II na região axilar e linha axilar anterior (região lateral do
tórax). Para a classificação da radiodermite, foi
utilizada a Escala RTGO/EORTC (Radiation Therapy Oncology Group / European Organization for Research and Treatment
ofCancer) Acute Radiation Scoring Criteria, com avaliação da toxicidade aguda e efeitos
adversos da RT, que surgem durante o tratamento e até aos 90 dias após o início
da mesma.
O
grau I, de acordo com a RTGO, apresenta eritema ligeiro ou moderado, descamação
seca, alopecia e hipoidrose. O grau II caracteriza-se
pela presença de eritema moderado a intenso, descamação úmida irregular
localizada principalmente em dobras e pregas cutâneas, edema moderado e pele
sensível. Também foi registrada a temperatura local da mama esquerda, obtida
com termômetro infravermelho da marca Incoterm.
A
avaliação dos efeitos da terapia com FBM foi realizada através de registros
fotográficos, obtidos com a câmera traseira do celular Motorola Moto G6 play,
que possui qualidade de 13 megapixels. A avaliação da pele da paciente, assim
como os registros fotográficos foram capturados em três tempos distintos, sendo
estes: (1) no dia do início da RT e anterior a aplicação da mesma; (2) um dia
após o término da RT, imediatamente antes do início da terapia com LED; (3) um
dia após o término das sessões de tratamento por LED.
A
paciente foi posicionada à frente de um painel de cor azul não reflexivo,
utilizado como fundo para as imagens no intuito de minimizar interferências de
imagem no registro fotográfico, e a captura foi realizada com a câmera
posicionada a 60 cm de distância da área de interesse, em posição ortostática.
O
protocolo de intervenção utilizado para o manejo da radiodermite
consistiu em quatro sessões de FBM por LED vermelho (658 nm)
a 4 J/cm², que equivalem a aproximadamente 01 minuto de irradiação, calculado a
partir de duas equações: Energia = Distância x Tempo, e Dose = energia/área. As
sessões foram realizadas duas vezes por semana, com intervalo mínimo de 48 h
entre elas. A paciente foi posicionada em decúbito dorsal, utilizando óculos de
proteção ocular disponibilizado pelo fabricante do equipamento específico para
o comprimento de onda utilizado. Foi utilizado o aparelho de FBM Endophoton - KLD – Brasil, número de série FB4LSD3,
autorizado e validado pela ANVISA. O cluster emissor do equipamento possui 12
pontos de LED com 0,04 W de potência cada, totalizando 0,48 W de potência por
área de irradiação. Este foi posicionado de modo a irradiar perpendicularmente
a luz até a pele da paciente, a uma distância de 5cm. Foram irradiados, na mama
esquerda, 4 pontos nos quadrantes (superior lateral, inferior lateral,
superior medial e inferior medial), 2 pontos na linha inframamária
e 01 ponto lateral (axilar-linha axilar anterior).
Concomitante
ao tratamento com FBM, a paciente utilizou, por prescrição médica, loção oleosa
Dermisana ® e creme de calêndula.
A
figura 1A corresponde a avaliação realizada após o término da radioterapia, no
qual se observa radiodermite grau I na região da mama
esquerda. As características da pele demonstram eritema de leve a moderado,
sensação de queimação e aumento de temperatura local, o que caracteriza RD grau
I (RTGO). Na região lateral do tórax, no oco axilar e linha axilar média,
observa-se eritema de moderado a intenso, com hiperpigmentação da pele,
descamação e pele sensível, o que caracteriza RD grau II. A figura 1B retrata o
término das 04 sessões de fototerapia por LED, evidenciando que a FBM por luz
vermelha foi capaz de reverter as alterações pigmentares causadas pela RD.
Tanto a hiperpigmentação, a hiperemia e a sensibilidade referida pela paciente
desapareceram, recuperando o aspecto hígido da pele. Também foi observado
diminuição de 2ºC na temperatura da mama ao final do tratamento.
As
imagens que seguem apresentam os resultados da terapia por LED anterior à
primeira e após a quarta aplicação.
Figura
1 - Avaliação
imediatamente após RT (A) - Avaliação após tratamento com LED (B)
No
presente estudo, observou-se que o protocolo de tratamento de quatro sessões
com FBM por LED vermelho a 4 J/cm² mostrou-se eficaz para recuperação da pele e
resolução do quadro de RD classificado como graus I e II.
Alguns
fatores amplamente difundidos na literatura podem esclarecer os resultados
obtidos neste estudo. Autores afirmam que a FBM no tratamento da RD atua como
uma técnica não invasiva que estimula a cicatrização de feridas, pois promove a
circulação local, estimula a proliferação celular de fibroblastos e aumenta a
síntese de colágeno e elastina, ademais sua luminosidade atua sobre as
mitocôndrias aumentando a produção de ATP. Desse modo, a FBM diminui o edema e
reduz a população de células inflamatórias como monócitos, macrófagos,
linfócitos e plasmócitos, uma vez que estimula e induz os tecidos em
desequilíbrio a retomarem suas funções fisiológicas normais [9].
A
ação terapêutica da FM em cicatrização
de feridas está difundida na literatura científica [10]. Em radiodermite,
o primeiro relato de casos ocorreu na década de 90, em estudo que avaliou o
efeito da FBM em diferentes tipos de
lesões de pele. Schindl et al. [11]
verificaram que a luz 632 nm utilizada três vezes por semana foi capaz de acelerar
a recuperação da pele agredida pela radiação. Estudo realizado por Censabella et al. [12] avaliaram a eficácia da FBM
por Laser (LT) sobre a RD aguda e verificaram que a toxicidade cutânea da RT
foi equivalente entre os grupos antes de iniciar a terapia por Laser, mas
diferiu significativamente no final da radioterapia, com maior gravidade no
grupo controle (P < 0,005). Os autores não encontraram diferenças
significativas intergrupos acerca da qualidade de vida, porém, a pontuação
subjetiva na escala de avaliação de reações cutâneas foi favorável ao grupo LT.
Atualmente
pesquisas já acenam para a possibilidade de prevenção da radiodermite,
com a FBM, sendo utilizada durante todo o período de tratamento radioterápico. Strouthos et al. [7] aplicaram o LED vermelho
imediatamente antes das sessões de RT e julgaram a técnica eficaz na diminuição
da incidência das sequelas cutâneas induzidas pela toxicidade da radiação. A
FBM foi considerada como uma forte recomendação para prevenção e tratamento de
RD, visto que os estudos evidenciaram potencial para reduzir a sua gravidade,
bem como os desconfortos associados [13].
Este
estudo apresenta questões pouco abordadas na literatura e ainda não
consolidadas em relação a eficácia da FBM no tratamento da radiodermite,
o que remete a necessidade de pesquisas mais robustas tipo caso-controle e
ensaios clínicos randomizados para que se possa ancorar cientificamente a
utilização da FBM em pacientes com radiodermite.
Cabe
ressaltar que houve algumas dificuldades em encontrar estudos que abordassem a
eficácia da FBM ou a não eficácia da mesma, o que dificultou a generalização
dos resultados deste estudo.
Diante
dos resultados obtidos, pode-se afirmar que a intervenção com fotobiomodulação por LED
vermelho sobre a radiodermite foi eficaz para a
resolução do quadro. Importante ressaltar que o caso apresentou radiodermite grau I e II nos critérios de toxicidade da
RTGO. A paciente apresentou melhora das características da pele como eritema,
descamação seca e úmida. Sendo assim, sugere-se que estudos sejam realizados
com diferentes graus de radiodermite para que os
achados possam ser consolidados frente às diferentes condições clínicas, para
que os pacientes se beneficiem dessa terapêutica e desfrutem da melhora da
qualidade de vida.
Conflitos
de interesse
Declaramos
para todos os efeitos que não há nenhum conflito de interesse que possa ser
declarado.
Fonte
de financiamento
Próprio.
Contribuição
dos autores
Concepção
e desenho da pesquisa:
Oliveira DF; Coleta de dados: Oliveira DF; Análise e interpretação
dos dados: Oliveira DF, Pivetta HMF, Ferreira FS;
Redação do manuscrito: Berni EB, Paines GP, Oliveira DF, Ferreira FS; Revisão crítica do
manuscrito quanto ao conteúdo intelectual importante: Pivetta
HMF