Fisioter Bras.
2023;24(3):249-64
ARTIGO
ORIGINAL
Potencial
evocado miogênico vestibular e eletrococleografia em
pacientes com vertigem posicional paroxística benigna
Vestibular evoked myogenic potential and
electrocochleography in patients with benign paroxysmal positional vertigo
Ana
Paula Rossetto1, Aline Domingues Chaves Aita2, Fabiano Sbicigo Aita2, Paulo Ricardo Gazzola
Zen1, Pricila Sleifer3
1Universidade Federal de Ciências da
Saúde de Porto Alegre (UFCSPA), Porto Alegre, RS, Brasil
2Faculdade Nossa Senhora de Fátima,
Caxias do Sul, RS, Brasil
3Universidade Federal do Rio Grande do
Sul (UFRGS), Porto Alegre, RS, Brasil
Recebido
em: 30 de outubro de 2022; Aceito em: 28 de abril de 2023.
Correspondência: Ana Paula Rossetto,
anapaula-rossetto@hotmail.com
Como citar
Resumo
Introdução: A Vertigem Posicional Paroxística
Benigna (VPPB) é considerada a causa mais frequente de vertigem atribuída a uma
disfunção vestibular. O Potencial Evocado Miogênico Vestibular (VEMP) e a Eletrococleografia (ECochG) são
exames complementares da avaliação otoneurológica que
apresentam diversas características favoráveis à sua utilização, pois avaliam
estruturas específicas do sistema vestibular. Objetivos: Analisar e
correlacionar as respostas do Potencial Evocado Miogênico Vestibular Cervical (cVEMP) e da ECochG em pacientes com
diagnóstico de VPPB. Métodos: Estudo transversal com intervenção
diagnóstica por meio da audiometria tonal e vocal, medidas de imitância acústica, cVEMP e ECochG, no qual foram avaliados 23 indivíduos com
diagnóstico médico de VPPB. Resultados: No cVEMP,
as médias das latências de P13 e N23 foram 16,9 ms e
23,7 ms na OD e, 17,0ms e 24,0 ms
na OE, respectivamente. A média do índice de assimetria foi de 19,3%. Na
testagem da ECochG, 21 indivíduos apresentaram
alterações. Conclusão: Na correlação da ECochG
com a VPPB, os resultados evidenciaram relevância estatística, diferentemente
dos resultados do cVEMP correlacionados com a VPPB,
não apresentaram estatística significativa. No entanto, verificou-se, nas
análises individuais e qualitativas, presença de alterações nos achados do cVEMP.
Palavras-chave: vertigem; vertigem posicional
paroxística benigna; doenças do labirinto; potenciais evocados miogênicos
vestibulares; audiometria de resposta evocada.
Abstract
Introduction: Benign
Paroxysmal Positional Vertigo is considered the most frequent cause of vertigo
attributed to vestibular dysfunction. Vestibular Evoked Myogenic Potential and
Electrocochleography are complementary exams of otoneurological
evaluation that present several characteristics favorable to its use, as they
evaluate specific structures of the vestibular system, until then not evaluated
by traditional vestibular exams performed in clinical practice. Objectives:
To analyze and associate the responses of Cervical Vestibular Evoked Myogenic
Potential and Electrocochleography in patients diagnosed with Benign Paraxysmal Positional Vertigo. Methods:
Cross-sectional study with a diagnostic intervention using pure tone
audiometry, acoustic immittance measures, Cervical Vestibular Evoked Myogenic
Potential, and Electrocochleography, which evaluated 23 individuals with a
medical diagnosis of Benign Paroxysmal Positional Vertigo. Results: In
the Cervical Vestibular Evoked Myogenic Potential procedure, the mean latencies
of P13 and N23 were 16.9 ms and 23.7 ms in right ear, and 17.0 ms and
24.0 ms in left ear, respectively. The average
asymmetry index was 19.3%. In the Electrocochleography test, 21 (91.30%)
individuals showed changes. Conclusion: In the association of
Electrocochleography with Benign Paroxysmal Positional Vertigo, the results
showed statistical relevance, differently from the results of Cervical
Vestibular Evoked Myogenic Potential associated with Benign Paroxysmal
Positional Vertigo. However, changes in the findings of Cervical Vestibular
Evoked Myogenic Potential were found in individual and qualitative analyzes.
Keywords: vertigo; benign paroxysmal
positional vertigo; labyrinth diseases; vestibular evoked myogenic potentials;
evoked response audiometry.
A
manutenção do equilíbrio corporal é determinada pela integração funcional das
informações provenientes das estruturas sensoriais dos sistemas vestibular,
visual e proprioceptivo, nos núcleos vestibulares do tronco encefálico, sob a
coordenação do cerebelo [1,2]. Quando há conflito na integração dessas
informações, surgem os sinais e os sintomas de alteração do equilíbrio:
nistagmo, vertigem e/ou tontura ou instabilidade corporal [3,4]. A etiologia das tonturas pode ser de origem
vestibular ou extra vestibular [5,6]. A Vertigem Posicional Paroxística Benigna
(VPPB) é considerada a causa mais frequente de vertigem atribuída a uma disfunção
vestibular [7,8]. Sendo mais comum em jovens e adultos e mais
frequente em idosos [3,9,10,11]. Sua prevalência na população adulta em geral
está entre 2,4% [12,13]. Ao passo que, em clínicas especializadas, a
prevalência varia de 20 a 30% [14].
Clinicamente
a VPPB se caracteriza por episódios breves e violentos de vertigem, provocada
pela rápida mudança da posição da cabeça em relação à gravidade [15,16,17]. A sua origem está relacionada com depósito
anormal de cristais de carbonato de cálcio, chamados de otólitos ou otocônias,
que se deslocam do utrículo para o canal semicircular posterior, superior ou
lateral, forma conhecida como canalitíase, ou quando os cristais de carbonato
de cálcio aderem à cúpula destes canais semicirculares, forma conhecida como cupulolitíase
[16,18,19]. A VPPB pode apresentar envolvimento
labiríntico unilateral, bilateral ou acometimento simultâneo de diferentes
canais semicirculares [20]. A causa, na maioria das vezes, é idiopática
[15,16]. O seu diagnóstico é baseado na história
clínica e confirmado por meio da provocação da vertigem e/ou nistagmos
característicos, durante os testes de posicionamento [17,21,22].
Importante
salientar que existem cinco órgãos sensoriais no labirinto, portanto, quanto
mais precisa for a avaliação desses órgãos, mais concisa será a avaliação da
função vestibular. Os recentes avanços na tecnologia têm proporcionado aos
clínicos a capacidade de avaliar a função dos órgãos otolíticos (sáculo e
divisão inferior do nervo vestibular; utrículo e divisão superior do nervo
vestibular), através dos potenciais evocados vestibulares [23,24,25]. O Potencial Evocado Miogênico Vestibular
(VEMP) é um exame complementar da avaliação otoneurológica, considerado um
exame objetivo, não invasivo ao paciente, rápido, de fácil execução, de baixo
custo e que não traz grande desconforto ao paciente [26,27]. O Potencial Evocado Miogênico Vestibular
Cervical (cVEMP) tem como origem as células da mácula sacular, e sua aferência
através da divisão inferior do nervo vestibular e núcleo vestibular lateral. A eferência
é através das vias vestibuloespinais descendentes e dos neurônios motores do
músculo esternocleidomastóideo ipsilateral [27]. Outro procedimento utilizado para auxiliar
no diagnóstico das alterações vestibulares, é a Eletrococleografia (ECochG),
que permite registrar os eventos bioelétricos da cóclea e do nervo coclear que
ocorrem antes de 5 ms. Na eletrococleografia, registram-se três fenômenos
elétricos: o microfonismo coclear, o potencial de somação e o potencial de ação
[28,30,31]. A ECochG permite uma avaliação objetiva da
porção mais periférica do sistema auditivo. Sua aplicação não se restringe
apenas ao diagnóstico de hidropsia endolinfática, mas também complementando a
bateria de testes eletrofisiológicos disponíveis ao diagnóstico diferencial [28,29,30,31].
Apesar da
elevada prevalência e recorrência da VPPB, ainda existem dúvidas do seu
comportamento sob a perspectiva do VEMP e da ECochG. Portanto, avaliar de forma
íntegra a função vestibular, poderá contribuir para melhor caracterização dessa
afecção e, dessa forma, auxiliará os profissionais da área no diagnóstico
preciso e terapêutica adequada a cada caso. Assim, o objetivo deste estudo foi
analisar e correlacionar as respostas do Potencial Evocado Miogênico Vestibular
Cervical (cVEMP) e da Eletrococleografia (ECochG) em pacientes com diagnóstico
de Vertigem Posicional Paroxística Benigna (VPPB).
Trata-se
de um estudo com delineamento transversal. Desenvolvido após a
aprovação do
Comitê de Ética em Pesquisa do Instituto de Psicologia,
Universidade Federal do
Rio Grande do Sul, sob o parecer de número 2011039 e mediante a
autorização da
instituição envolvida, Clínica Particular da
cidade de Caxias do Sul, Rio
Grande do Sul. Os procedimentos foram realizados após a
assinatura de um Termo
de Consentimento Livre e Esclarecido. A amostra foi composta por 23
indivíduos
de ambos os sexos, com idade entre 24 e 67 anos. Foram incluídos
na pesquisa
somente indivíduos com diagnóstico médico de VPPB,
realizado por um
otorrinolaringologista da clínica onde foi realizada a coleta de
dados. Os
critérios de exclusão adotados foram: indivíduos
que apresentaram quaisquer
alterações de orelha média e/ou
perfuração da membrana timpânica e
malformações
do meato acústico externo, além de doenças da
orelha externa ou média que
pudessem interferir nos resultados do cVEMP, alterações
da coluna cervical ou
do pescoço e indivíduos que não concluíram
as avaliações.
Os
participantes foram recrutados através de convite individual dos pesquisadores.
Estes foram submetidos a anamnese, abordando dados em relação a saúde em geral,
passado otológico e informações pessoais. Além disso, foi realizada uma
pesquisa de prontuário destes pacientes, a fim de verificar outras informações
relevantes da história clínica, considerando que os participantes da pesquisa
já eram pacientes da clínica onde o estudo foi realizado. Posteriormente a
avaliação com o médico otorrinolaringologista, realizou-se a avaliação
auditiva, composta pela audiometria tonal e vocal e medidas de imitância
acústica. Logo após, realizou-se a avaliação eletrofisiológica, por meio do cVEMP
e da ECochG.
Para a meatoscopia
foi utilizado o otoscópio WelchAllyn da marca Heine. A audiometria tonal e
vocal foi realizada em cabina acústica, com o audiômetro modelo AC40 da marca Interacoustics,
com a utilização do fone TDH39 e vibrador ósseo B71. As medidas de imitância
acústica foram realizadas com o equipamento AZ7 da marca Interacoustics,
contendo um fone de ouvido contralateral modelo TDH-39 e uma sonda conectados
ao equipamento principal. O cVEMP e a ECochG foram realizados em uma maca, com
o equipamento Masbe ATC Plus, da marca Contronic, de um canal, com o software
ATC Plus versão 2.2.0, utilizando fones de inserção E-ARTONE 3A e, para a ECochG,
foi utilizado o eletrodo extratimpânico de níquel. Todos os equipamentos
utilizados foram calibrados adequadamente, conforme previsto em lei e também
atendendo às exigências do Conselho Federal de Fonoaudiologia.
A
audiometria tonal foi realizada por via aérea, testando as frequências de 250
Hz a 8000 Hz, e via óssea, nas frequências de 500 Hz a 4000 Hz. A audiometria
vocal foi realizada no mesmo equipamento, sendo realizado o Limiar de
Reconhecimento de Fala (LRF) e o Índice Percentual de Reconhecimento de Fala
(IPRF). Para classificar as perdas auditivas encontradas, foi utilizada a
classificação de Lloyd e Kaplan (1978) [32]. Na testagem das medidas de imitância
acústica, as curvas timpanométricas foram pesquisadas e caracterizadas de
acordo com a classificação de Jerger (1970 e 1972) [33,34]. Os reflexos acústicos contralaterais foram
pesquisados nas frequências de 500, 1000, 2000 e 4000 Hz e ipsilaterais nas
frequências de 1000 e 2000 Hz, com intensidade inicial de 80 dBNA e máxima de
105 dBNA, bilateralmente.
Para a
captação dos testes eletrofisiológicos, cVEMP e ECochG, inicialmente foi
realizada a limpeza da pele com gaze e gel abrasivo (Nuprep®), de modo a
garantir uma impedância menor ou igual a 5 kilohms (kW). O eletroencefalograma (EEG) foi realizado para capturar a atividade
elétrica espontânea do cérebro, a fim de verificar a presença de artefatos que
pudessem interferir no exame. Para a obtenção dos dados do cVEMP, foi utilizado
como estímulo Tone Burst de polaridade alternada, na frequência de 500 Hz,
intensidade de 94 dBNA, com filtro passa baixa de 1000 Hz e passa alta de 5 Hz,
com taxa de apresentação de 100 estímulos, foram apresentados 5,1 estímulos por
segundo, com janela de 50 ms. Os eletrodos fixados à pele por meio de pasta
eletrolítica e fita adesiva (micropore) em posições pré-determinadas: eletrodo
ativo (positivo) na borda anterior do músculo esternocleidomastoideo, em seu
terço superior; o eletrodo de referência (negativo) na região da fúrcula esternal
e o eletrodo terra na fronte do paciente. Os fones de inserção foram colocados
na orelha do indivíduo para a apresentação do estímulo sonoro. O paciente foi
orientado a deitar-se em decúbito dorsal em uma maca, com a cabeça apoiada em
um travesseiro para relaxamento da musculatura cervical. Durante a apresentação
da estimulação sonora, foi solicitado que o paciente realizasse uma flexão da
cabeça e mantivesse a rotação para o lado oposto ao da orelha estimulada,
gerando assim a contração do músculo esternocleidomastoideo. Além disso, os
pacientes foram orientados a não cruzar as pernas e/ou braços. Foram
considerados os seguintes critérios de análise: presença ou ausência de ondas
reprodutíveis e índices de assimetria da amplitude de respostas interaural.
Foram considerados como VEMP normal a presença de ondas reprodutíveis e o
índice de assimetria da amplitude de respostas interaural igual ou menor do que
34%. Foi considerado como VEMP alterado ausência de ondas reprodutíveis e/ou
índice de assimetria da amplitude de respostas interaural maior do que 34%. O
índice de assimetria foi calculado de acordo com a equação: R(%) = (AE - AD/ AE
+ AD) x 100. Onde, A = amplitude e D e E em referência aos lados direito e
esquerdo, respectivamente.
Para a
obtenção dos dados da ECochG, foi utilizado o estímulo clique, de polaridade
rarefeita e comprimida, intensidade de 90 dBNA, com filtro passa baixa de 3000
Hz e passa alta de 1 Hz, com taxa de apresentação de 100 estímulos, foram
apresentados 13,7 estímulos por segundo, com janela de 10 ms. Os eletrodos
fixados à pele por meio de pasta eletrolítica e fita adesiva (micropore) em
posições pré-determinadas: eletrodo ativo (positivo) na mastoide; eletrodo
terra na fronte do paciente e o eletrodo de referência (extratimpânico de
níquel) em contato com a membrana timpânica, sendo mantido pelo fone de
inserção colocado no Meato Acústico Externo (MAE). Foi considerada alterada uma
relação PS/PA maior do que 40%. Os participantes foram classificados,
qualitativamente, em ECochG normal ou alterado.
É
importante mencionar que, para garantir maior confiabilidade da análise, os
registros eletrofisiológicos foram analisados por dois avaliadores, e os
participantes foram submetidos a pelo menos duas estimulações em cada lado para
verificar a replicabilidade do potencial. Os achados foram tabulados,
utilizando o programa Excel e posteriormente foram submetidos a análise
estatística. Os dados foram analisados através de tabelas, estatísticas
descritivas e pelos testes estatísticos: teste t-student, teste de associação
exato de Fisher e teste Qui-quadrado de Pearson para as variáveis categóricas.
Os resultados foram considerados significativos a um nível de significância
máximo de 5% (p ≤ 0,05), e o software utilizado para esta análise foi o SPSS (Statistical
Package for Social Sciences), versão 22.0.
Durante o
período de estudo, foram diagnosticados 24 indivíduos com VPPB, dentre os quais,
23 se encaixaram nos critérios de inclusão. Todos os participantes realizaram a
audiometria tonal e vocal, medidas de imitância acústica, cVEMP e ECochG. A fim
de garantir a confiabilidade dos achados, os registros eletrofisiológicos foram
analisados por duas avaliadoras, em momentos distintos e houve concordância
entre as avaliadoras nos resultados destes testes. Dos 23 indivíduos
participantes, 14 eram do sexo feminino e nove eram do sexo masculino, com
idade entre 24 e 67 anos, sendo, 16 com idade inferior a 60 anos e sete com
idade igual ou superior a 60 anos.
Com
relação aos resultados da avaliação audiológica, cinco dos participantes
apresentaram perda auditiva sensorioneural na orelha direita (OD), dois deles
com perda auditiva de grau leve e três com perda auditiva limitada as
frequências agudas; oito apresentaram perda auditiva sensorioneural na orelha
esquerda (OE), dois deles com perda auditiva de grau leve e seis com perda
auditiva limitada as frequências agudas. Esses resultados foram considerados
compatíveis, tanto com os resultados obtidos na pesquisa das curvas timpanométricas
(curva tipo A) e presença de reflexos acústicos, quanto com a faixa etária dos
participantes. Cabe ressaltar que, apesar das perdas auditivas apresentadas,
esses achados não interferiram na captação dos testes eletrofisiológicos.
Treze
participantes apresentaram envolvimento do labirinto direito e dez do labirinto
esquerdo. Nesta amostra de estudo, não houve nenhum participante com
envolvimento labiríntico bilateral. Na tabela I, estão expostos os resultados
da estatística descritiva das variáveis quantitativas do cVEMP, em relação ao
índice de assimetria (IA) e as latências, em milissegundos, das ondas P13 e N23
de ambas as orelhas.
Tabela
I - Estatísticas
descritivas das variáveis quantitativas para latência (ms)
e índice de assimetria do cVEMP
OD
= orelha direita; OE = orelha esquerda
Em relação a avaliação
eletrofisiológica, por meio do cVEMP, cinco
indivíduos apresentaram alteração (quatro na OD e um na OE). Ao passo que, na
testagem da ECochG, 21 indivíduos apresentaram
alterações (13 na OD e oito na OE). Na tabela II, estão expostos os resultados
da correlação da VPPB, com os resultados do cVEMP e
da ECochG. Observa-se associação estatisticamente
significante na correlação VPPB e ECochG no lado
esquerdo, ou seja, pacientes com VPPB mais frequentemente apresentaram
alterações na ECochG no lado esquerdo (p = 0,037).
Tabela
II - Análise da
correlação da VPPB com cVEMP e com a ECochG
LD
= lado direito; LE = lado esquerdo; OD = orelha direita; OE = orelha esquerda
O
objetivo deste estudo foi analisar e correlacionar as respostas do Potencial
Evocado Miogênico Vestibular Cervical (cVEMP) e da Eletrococleografia (ECochG)
em pacientes com diagnóstico de Vertigem Posicional Paroxística Benigna (VPPB).
A VPPB é o distúrbio mais comum do sistema vestibular periférico [35,36]. Muitos fatores aparentemente predispõe a
VPPB, embora seja idiopática na maioria dos casos [37]. Apesar de ser rotulada como benigna, pode
seguir um curso crônico e recidivante, perturbando consideravelmente a
qualidade de vida do paciente [38,39]. No presente estudo, foi observado uma
predominância do sexo feminino. Outros estudos também verificaram prevalência
do sexo feminino entre os pacientes com VPPB [36,40,41,42,43,44,45,46,47]. Estudos apontaram a mulher como mais
suscetível do que o homem às alterações otoneurológicas e, ainda, acreditam que
este achado se deve às alterações hormonais mais frequentemente encontradas no
sexo feminino, favorecendo a maior ocorrência da VPPB [46,48].
O
acometimento labiríntico unilateral prevaleceu na amostra estudada. Este achado
é comparável com os achados de outros estudos que também encontraram prevalência
de acometimento unilateral [37,49,50]. Em relação à lateralidade dos canais
acometidos, 13 participantes apresentaram envolvimento do labirinto direito e
dez do labirinto esquerdo. Este achado foi evidenciado em outros estudos
realizados, que verificaram envolvimento do labirinto direito [11,41,44,46,50,51]. Conforme recomendado por Slater [52], uma das hipóteses para este achado, é devido
à primeira manobra diagnóstica geralmente ser realizada no lado direito, sempre
que o paciente não souber informar qual o lado desencadeante de vertigem ou
nistagmo. Outra hipótese, como relatado por Ganança et al. [3], poderia ser a de que a primeira manobra
desencadearia vertigem e nistagmo mais intensos e não sofreria a influência da fatigabilidade
à repetição do teste diagnóstico.
A literatura
científica refere que o pico de incidência da VPPB ocorre entre os 40 e 60 anos
de idade [37,53]. Na atual pesquisa a idade dos participantes
foi limitada até 70 anos (média = 45,6 anos), com o intuito de diminuir o
impacto da variabilidade das respostas do VEMP, pois existem controvérsias a
respeito dos resultados do VEMP nos pacientes acima desta faixa etária [54]. Outros pesquisadores referiram que o
envelhecimento pode ter um efeito primário na redução das respostas do VEMP,
com declínio mais acentuado após a quinta década de vida [55,56]. Diversas técnicas já foram propostas para
categorizar anormalidades no VEMP, e, em sua maioria, são avaliados a presença
ou ausência do potencial bifásico P13-N23, bem como a latência e a amplitude
das ondas P13-N23 e o índice de assimetria da amplitude P13-N23 entre os lados
[24,54]. Neste estudo, as médias das latências de P13
e N23 foram 16,9 ms e 23,7 ms na OD e, 17,0 ms e 24,0 ms na OE,
respectivamente. Estudo em pacientes com diagnóstico de VPPB [54] verificou que as médias das latências para
P13 e N23 foram 13,91 ms e 22,47 ms, respectivamente. Outro estudo [57], com o objetivo de investigar o VEMP na VPPB
e na doença de Ménière, também verificou as latências médias para o grupo com
VPPB em P13 e N23 de 14,3 ms e 22,4 ms, respectivamente. Os dados dos estudos
exposto diferem da presente pesquisa. Uma das hipóteses para as diferenças
obtidas nos resultados entre esses e a presente pesquisa é o equipamento
utilizado, bem como, as diferenças dos protocolos utilizados.
Embora no
presente estudo as médias das latências de P13 e N23 não tenham excedido 17,7 ms,
como recomenda a literatura para justificar alterações no cVEMP [58], percebe-se que os valores encontrados foram
elevados, apresentado uma tendência à alteração. No entanto, quando realizada
análise individual e qualitativa, o lado afetado, ou seja, com VPPB, na maioria
dos participantes, apresentou latências de P13 e N23 elevadas, ou seja, igual
ou superior a 17,7 ms, o que não foi possível verificar na média das latências,
tendo em vista que alguns dos participantes apresentaram valores normais. Cabe
ressaltar que o tamanho amostral pode ter influenciado a média das latências.
A grande
variação da amplitude das respostas, devida às diferenças individuais do grau
de contratura, tônus e massa do músculo, apesar da padronização da postura do
paciente durante a realização do exame, justifica a análise das respostas do
VEMP por meio do índice de assimetria interaural. No presente estudo,
verificamos uma variabilidade no índice de assimetria de 0 a 55%, com média de
19,3%, considerando desvio padrão de 14,1. Um estudo realizado por Dorigueto [54], a média do índice de assimetria encontrada
foi de 11,29%. Verificou-se na literatura compulsada diversos valores do índice
de assimetria: de 0 a 69% [59]; 22,95% [60] e 11,22% [61]. O índice de assimetria reflete a diferença interaural
da amplitude, ponderada pela amplitude média dessa resposta [62,63]. Alguns pesquisadores sugerem como alterados
valores superiores a 34% [23,24,64,65].
Na
análise geral dos testes eletrofisiológicos, cVEMP e ECochG, os participantes
apresentaram maior percentual de alterações na ECochG, quando comparado com o cVEMP.
E os indivíduos que apresentaram cVEMP alterado na orelha direita, também
apresentaram ECochG alterada na orelha direita. Portanto, para a amostra
estudada, a ECochG obteve tendência a apresentar alterações. Além disso, na
correlação das alterações da ECochG no lado esquerdo com VPPB, os resultados
indicaram relevância estatística. Embora tenha se verificado, nas análises
individuais e qualitativas, presença de alterações nos achados do cVEMP.
Existem relatos na literatura de que o VEMP é útil para detectar alterações em
pacientes com VPPB, mas seus resultados devem ser agregados, não se sabe ao
certo se as alterações encontradas no VEMP são provocadas pela própria VPPB, ou
são secundárias ao seu mecanismo de criação, fazendo parte de um diagnóstico ou
mecanismo anterior, mesmo que este esteja oculto à análise do observador [54].
Estudos
apontam que na presença de VPPB os fragmentos de otólitos flutuantes na
endolinfa poderiam induzir a hidropsia endolinfática pela obstrução mecânica do
fluxo da endolinfa e pela alteração na sua absorção [66,67,68]. Além disso, em pacientes com hidropsia endolinfática,
a pressão endolinfática e a distensão do labirinto membranoso podem facilitar o
desprendimento dos otólitos, devido a lesão da mácula do utrículo e do sáculo [68,69,70]. A doença de Ménière é uma possível etiologia
da VPPB [71,72], corroborando um estudo [73]
que mostrou que a maioria dos casos de VPPB
unilateral ocorreu posteriormente ao início da doença de
Ménière do mesmo lado e
reforçando a ideia de que essa última
afecção poderia levar à alteração no
órgão otolítico. A concomitância ou
associação de VPPB com a doença de
Ménière
tem sido descrita por diversos autores. Hughes e Proctor [68] observaram que a instalação da doença de Ménière
precedia a VPPB na maioria das vezes. A origem periférica das duas doenças e a
possível liberação de otocônias por lesão do utrículo, pela hidropisia e
hipertensão endolinfática seriam possíveis hipóteses para o fato. Pesquisadores
avaliaram pacientes com diagnóstico de doença de Ménière e VPPB concomitantes e
referiram que as alterações do balanço hídrico induzidas na mácula utricular e
sacular e uma eventual obstrução parcial do labirinto membranoso poderiam ser
mecanismos envolvidos na coexistência das duas vestibulopatias [69].
Com base
no exposto, podemos inferir que a VPPB, na amostra do presente estudo, pode
estar relacionada com a presença de hidropsia endolinfática, ou vice-versa, em
função das alterações apresentadas na ECochG dos participantes desta pesquisa.
Contudo, acredita-se que analisar os resultados do cVEMP, somados aos
resultados da ECochG, poderá contribuir efetivamente para a identificação do
mecanismo de formação e recorrência da VPPB e, dessa forma, auxiliar os
profissionais da área na melhor escolha de conduta terapêutica.
Na
correlação dos resultados da ECochG com a VPPB, os
resultados evidenciaram relevância estatística, diferentemente dos resultados
do cVEMP correlacionados com a VPPB, que não apresentaram
estatística significativa. Entretanto, nas análises individuais e qualitativas,
verificou-se presença de alterações nos achados das latências de P13 e N23 no cVEMP. Por fim, para o melhor diagnóstico e conduta
terapêutica, é necessário levar em consideração a associação destes
procedimentos à história clínica.
Conflitos
de interesse
Não
há conflitos de interesse.
Fontes
de financiamento
CNPq.
Contribuição
dos autores
Concepção
e desenho da pesquisa:
Rossetto AP, Sleifer P, Aita
ADC, Zen PRG; Coleta de dados: Rossetto AP, Aita
ADC, Aita FS; Análise e interpretação dos dados:
Rossetto AP, Sleifer P, Aita
ADC, Aita FS; Análise estatística: Rossetto
AP, Sleifer P; Redação do manuscrito: Rossetto
AP, Sleifer P, Zen PRG; Revisão crítica do
manuscrito quanto ao conteúdo intelectual importante: Rossetto AP, Sleifer P, Aita ADC, Aita FS, Zen PRG.