Fisioter Bras.
2023;24(3):265-73
ARTIGO
ORIGINAL
Doença
reumática autorreferida e presença de dor em idosos
no interior do Amazonas, Brasil
Self-reported rheumatic disease and presence of pain
in elderly in the countryside of Amazonas, Brazil
Yandra Alves Prestes1, Geuziane Souza da Silva1, Johrdy
Amilton da Costa Braga1, Maria Helena Ribeiro De Checchi3,
Elisa Brosina de Leon2, Hércules Lázaro
Morais Campos1
1Universidade Federal do Amazonas, Coari,
AM, Brasil
2Universidade Federal do Amazonas,
Manaus, AM, Brasil
Recebido
em: 4 de outubro de 2022; Aceito em: 12 de janeiro de 2023.
Correspondência: Hércules Lázaro Morais Campos, herculeslmc@hotmail.com
Como citar
Prestes YA, Silva GS, Braga JAC, MChecchi
MHR, Leon EB, Campos HLM. Doença reumática autorreferida e presença de dor em idosos
no interior do Amazonas, Brasil. Fisioter Bras. 2023;24(3):265-73. doi: 10.33233/fb.v24i3.5306
Resumo
Introdução: Identificou-se e descreveu-se a
presença de doença reumática autorreferida e de dor
em idosos do interior do Amazonas. Métodos: Foram visitados 131 idosos
residentes do Amazonas. Utilizou-se o Índice de Comorbidades Funcional (ICF)
para rastrear a presença de doenças autorreferidas e
para avaliação de dor utilizou-se a Escala numérica e de faces que são
sensíveis para baixa escolaridade e alterações cognitivas. Resultados: A
maioria dos idosos deste estudo não apresentou presença de doenças reumáticas autorreferidas e são funcionais, porém, grande parte relata
dor de moderada à forte principalmente na coluna lombar, joelhos e pernas.
Palavras-chave: idoso; doença reumática; dor referida.
Abstract
Introduction: The presence
of self-reported rheumatic disease and pain in older adults from the
countryside of Amazonas state was identified and described. Methods: We
visited 131 elderly residents of Amazonas, using the Functional Comorbidities
Index to track the presence of self-reported diseases, and, to assess pain, we
used the Numerical Scale and Sensitive Faces Scale for low education and
cognitive changes. Results: Most of the elderly in this study did not
present the presence of rheumatic diseases; however, a large part reports
moderate to severe pain, mainly in the lumbar spine, knees, and legs, and do
not present functional physical decline even with signs of rheumatic diseases.
Keywords: aged; rheumatic disease; pain,
referred.
Introdução
O
envelhecimento populacional se torna cada vez mais evidente em todos os países
do mundo [1]. Em 1950 o número de pessoas com 60 anos ou mais era de 202
milhões, em 2020 aumentou para 1,1 bilhão e deve alcançar 3,1 bilhões em 2100
[1]. No Brasil essa tendência global é observada de forma ainda mais acentuada.
Em 2020, o quantitativo de brasileiros com 80 anos ou mais chegou a 4,2 milhões
e espera-se que aumente para 28,2 milhões em 2100 [2]. Os diferentes estados do
território nacional apresentam características específicas quanto aos aspectos
relacionados ao envelhecimento da população [3]. No Amazonas, a população idosa
da zona urbana e rural representa 6,02% da população total [3]. Em algumas
cidades do interior do estado é possível observar números ainda maiores, como,
por exemplo, na cidade Coari que possui mais de 45% de idosos [4].
O
fenômeno do envelhecimento da população traz consigo diversas consequências,
dentre elas está o aumento da frequência de doenças, de fragilidades ou
incapacidades [5]. De acordo com Sociedade Brasileira de Geriatria e
Gerontologia (SBGG), o avanço da idade é o principal fator de risco para
doenças crônicas e degenerativas [5]. As doenças reumáticas são as mais
prevalentes entre os idosos brasileiros, cerca de 37,5% das pessoas com 60 anos
ou mais são afetadas por esse grupo heterogêneo de enfermidades [6]. Elas se
caracterizam por causar alterações sistêmicas envolvendo o tecido conjuntivo,
provocando dores articulares e até causar deformidades que geram incapacidade
para a execução de atividades funcionais básicas [7].
Pesquisas
que abordem essa temática ainda são escassas na população amazonense. Dessa
forma, sabendo-se que as doenças reumáticas são a segunda enfermidade autorreferida mais prevalente em idosos brasileiros e que a
queixa de dor nesse público pode estar relacionada a pelo menos um problema
significativo de saúde que pode impactar a funcionalidade e propósito de vida
dessas pessoas [8,9], buscou-se identificar e descrever a presença de doenças
reumáticas autorreferidas e a presença de dor em
idosos avaliados em seus domicílios no interior do Amazonas.
Trata-se
de um estudo transversal e descritivo, que apresenta as características de dor
e doenças reumáticas autorreferidas em idosos que
foram avaliados em domicílio na cidade de Coari no interior do Amazonas. A
amostra de se deu de forma casual e simples até que se atingiu o número de 131
idosos. Este estudo faz parte de um estudo maior que avalia idosos em domicílio
na cidade de Coari/AM.
O
critério de inclusão foi ter idade igual ou maior a 60 anos e capacidade física
e cognitiva de responder às avaliações. Como critério de exclusão
estabeleceu-se que o idoso (a) apresentasse incapacidade total (cognitiva) para
responder as questões e participar das avaliações.
A
coleta de dados foi realizada no primeiro e segundo semestre de 2019 após a
aprovação do Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade Federal do Amazonas
(UFAM) sob o registro de número de CAAE: 08021319.0000.5020. Primeiramente os
idosos, seus familiares e/ou cuidadores foram informados sobre o estudo e,
quando consentiam participar, assinaram o Termo de Consentimento Livre
Esclarecido (TCLE). Em seguida, para caracterizar os idosos, foi aplicado um
questionário semiestruturado contendo as seguintes informações: faixa etária,
sexo, grau de instrução, situação de moradia, medicamentos tomados,
naturalidade, doenças autorrelatadas e renda mensal.
Para avaliar dor optou-se por duas
escalas sensíveis ao rastreio da dor em idosos com baixa escolaridade.
Aplicou-se a Escala Numérica de Dor, a qual permite quantificar a intensidade
da dor usando números de 0 a 10, sendo o 0 (zero) representando nenhuma dor e o
10 (dez) representando máximo de dor [10]
e a Escala de Faces, o idoso indica a
intensidade de sua dor de acordo com a expressão que a
mímica representa em
cada face desenhada, a expressão de felicidade corresponde
à classificação “sem
dor” e a expressão de máxima tristeza corresponde
à classificação “dor máxima”
[11].
A
fim de averiguar a presença de doenças reumáticas autorreferidas,
aplicou-se o Índice de Comorbidades Funcional (ICF), a qual consiste em uma
lista com 18 comorbidades, não havendo diferença de pesos entre elas. O escore
do ICF é obtido pela soma de todas as comorbidades presentes e varia de 0 a 18
[12].
Realizou-se
uma análise estatística descritiva a partir dos dados coletados. Foi construído
um banco de dados em planilha eletrônica que foi analisado pelo programa SPSS (Statistical Package for the Social Science), versão 22.0 e pelo aplicativo
Microsoft Excel 2007®.
Resultados
Foram
avaliados 131 idosos de ambos os sexos em seus domicílios no interior do
Amazonas. As características sociodemográficas desses idosos estão descritas na
tabela I.
Tabela
I - Dados
sociodemográficos dos idosos que residem no interior do Amazonas (n = 131)
Fonte:
autores
As
doenças reumáticas autorreferidas dizem respeito ao
grupo das osteoartrites e de doenças degenerativas da coluna. Esses achados
estão descritos na tabela II.
Tabela
II – Doenças
reumáticas autorreferidas pelos Idosos no Interior do
Amazonas (n = 131)
Fonte:
autores
Sobre
a presença de dor os principais achados estão descritos na tabela III.
Tabela
III – Resultados da
avaliação para grau de dor com as escalas de faces e escala numérica (n = 131)
Fonte:
autores
A
amostra deste estudo é composta na sua maioria por mulheres idosas com idades
entre 70 e 79 anos. Destas, a maioria são analfabetas, apresentando baixo nível
de escolaridade. São naturais do interior do Amazonas, são aposentados, de
baixa renda e possuem renda de até menos de um salário-mínimo por mês. Estas
características encontradas são semelhantes ao perfil sociodemográfico descrito
por Costa et al. [13] em seu estudo com idosos moradores da zona rural
em Coari/AM.
No
que se refere à escolaridade, observou-se que o trabalho seja ele na roça ou na
pesca é o principal meio de fonte de renda e a educação era vista como
privilégio, sendo possível apenas para aqueles com maior condição financeira
[13]. Segundo Silva et al. [14], a baixa escolaridade e a prevalência de
atividades agrárias são frequentes em idosos moradores da zona rural. Vale
ressaltar que para aqueles que moram em zonas afastadas da cidade, o alto custo
e as dificuldades de acesso através de transportes fluviais até as escolas são
designados como maiores empecilhos para dar continuidade aos estudos [13,14].
Torres et al. [15] afirmam que a dificuldade de deslocamento é fator
contribuinte para a prevalência de analfabetos ou não letrados, o que pode
estar diretamente ligado à baixa renda.
Quanto
à participação de idosas neste estudo, Storti et
al. [16] justificam que a presença delas nas pesquisas quando comparada aos
homens se dá, principalmente, por conta das diferenças de estilos de vida, seja
no consumo de álcool e tabaco ou pela maioria delas serem mais solicitas aos
serviços de saúde [16].
Em
relação aos achados pelo ICF, os idosos deste estudo relataram não ter nenhuma
das doenças reumáticas: osteoartrite ou osteoartrose, osteoporose e/ou doenças
degenerativas da coluna. No estudo de Holick et al.
[17], foi encontrado o contrário deste estudo, o autor afirma que em idosos as
doenças reumáticas têm maior incidência, sendo a osteoartrite, osteoporose e
doenças da coluna as mais comuns.
Ao
avaliarmos os resultados pela Escala Numérica da Dor e Escala de Faces, os
idosos relataram dor, referindo-a com maior intensidade nas regiões da coluna
lombar, joelhos e pernas. Para Dellaroza et al.
[18], a dor pode ser compreendida como um fenômeno multifatorial, sendo ele por
uma lesão, aspectos emocionais, socioculturais ou ambientais. Em seu outro
estudo sobre dor crônica em idosos, Dellaroza et
al. [19] afirmam que os locais mais prevalentes à dor em idosos foram 21,7%
na região dorsal e 21,7% em membros inferiores.
Na
Escala Numérica e de Faces a dor foi considerada de moderada à forte e alguns
estudos [19,20,21] apontam que a presença de dor nos idosos é frequente em
mulheres e pode estar associada aos seus estilos de vida. Para Cunha et al.
[22], a principal causa de dor nos idosos é devido a presença de doenças osteoarticulares. Com isso, voltando ao ICF, observou-se
que a maioria dos idosos apresentaram dificuldades ao relacionar suas dores com
as doenças mencionadas, tornando claro que a falta de informação influenciou na
interpretação desse questionário.
A
presença de dor pode causar limitação em atividade de vida diária (AVD) em
idosos, para Ferretti et al. [23], a dor interfere na acuidade que cada
indivíduo tem em sua vida e devido a esse ato são necessárias ações adequadas
podendo assim oferecer bem-estar e controle da dor, com o objetivo de reduzir
as queixas dolorosas para melhorar a capacidade funcional.
Ao
avaliar a dor em idosos impactamos na sua qualidade de vida, pois na maioria
das vezes a dor impulsiona situações que geram desconforto e limitações [24].
Nos estudos de Gold et al. [25] vê-se que a dor causa um impacto nas
atividades diárias com uma alta prevalência em inabilidade funcional maior
fragilidade e níveis altos de comorbidades.
A
baixa escolaridade e o pouco conhecimento dos idosos deste estudo sobre as
patologias podem ter influenciado diretamente como os idosos fizeram o autorrelato, nesse sentido o autorrelato
pode não expressar a realidade.
Há
necessidade de novos estudos sobre o tema e maior investigação sobre estes
idosos visto ser descrito e conhecido na literatura o impacto das doenças
reumática sobre a saúde da população idosa.
Os
idosos deste estudo apresentam dor, algumas queixas reumatológicas e alterações
das funções dos membros inferiores, no entanto possuem dificuldade no autorrelato de doenças reumáticas. Acredita-se que isso
aconteça pela enorme dificuldade de diagnóstico dessas doenças no interior do
Amazonas, além da baixa escolaridade e entendimento quando arguidos sobre a
presença dessas comorbidades. Faz-se necessário, baseado na queixa que esses
idosos apresentam, realizar o diagnóstico clínico e funcional para doenças
reumáticas, a fim de fomentar tomadas de decisão e de prevenção em saúde para
essa população.
Conflitos
de interesse
Não
há nenhum conflito de interesse.
Fontes
de financiamento
Não
há fonte de financiamento.
Contribuição
dos autores
Concepção
e desenho da pesquisa:
Campos HLM; Coleta de dados: Silva GS, Braga JAC, Prestes YA; Análise
e interpretação dos dados: Campos HLM, Braga JAC, Prestes YA; Redação do
manuscrito: Braga JAC, Prestes YA, Silva GS; Revisão crítica do
manuscrito quanto ao conteúdo intelectual importante: Braga JAC, Checchi MHR, Leon EB.