Fisioter Bras.
2023;24(2):181-90
ARTIGO
ORIGINAL
Avaliação
subjetiva da saúde e caracterização da funcionalidade de idosos domiciliados
numa cidade do interior do Amazonas
Subjective health assessment and functional
characterization of elderly people living in a city in the interior of Amazonas
state
Victor Cezar
Mendes de Melo1, Yandra Alves Prestes1,
Johrdy Amilton da Costa Braga2, Higor Gregore Alencar Oliveira1,
Maria Helena Ribeiro de Checchi1, Elisa Brosina
de Leon2, Hércules Lázaro Morais Campos1
1Instituto de Saúde e Biotecnologia, Universidade Federal
do Amazonas, Coari, AM, Brasil
2Faculdade de Educação Física e Fisioterapia, Universidade
Federal do Amazonas, Manaus, AM, Brasil
Recebido: 6 de outubro de 2022; aceito: 15 de novembro de 2022.
Correspondência: Hércules Lázaro Morais Campos, herculeslmc@hotmail.com
Como citar
Melo VCM, Prestes YA, Braga JAC, Oliveira HGA, Checchi
MHR, Leon EB, Campos HLM. Avaliação subjetiva da saúde e caracterização da funcionalidade de
idosos domiciliados numa cidade do interior do Amazonas. Fisioter Bras. 2023;24(2):181-90.
doi: 10.33233/fb.v24i2.5307
Resumo
Objetivo: Realizou-se a avaliação subjetiva da saúde e da funcionalidade
dos idosos domiciliados na cidade de Coari no interior do Amazonas. Métodos:
Trata-se de um estudo transversal e descritivo com 81 idosos avaliados em domicílio
no primeiro semestre de 2019. Aplicou-se o Who Disability
Assessment Schedule (WHODAS 2.0) para avaliar funcionalidade e o questionário
de avaliação subjetiva da saúde para o autorrelato da
saúde. Resultados: Dos 81 idosos, a maioria são mulheres n = 62 (76,5%) com
faixa etária de 70 a 79, que não chegaram a completar 1 ano de escolaridade n =
55 (67,9%) e possuem renda salarial igual ou inferior a 1 salário mínimo n = 72
(88,8%). Encontrou-se nenhuma ou leve dificuldade para os domínios avaliados no
WHODAS 2.0 e a saúde autorrelatada foi de regular ou ruim
n = 66 (81,5%) para a maioria dos idosos. Conclusão: Os idosos de Coari avaliados
em domicílio são em sua grande maioria independentes e funcionais embora relatem
autopercepção da saúde ruim comparada com outros da mesma idade.
Palavras-chave: idoso; nível de saúde; efeitos psicossociais da doença;
funcionalidade; assistência domiciliar.
Abstract
Objective: The subjective assessment of health and functionality of the elderly domiciled
in the interior of Amazonas in the city of Coari was performed.
Methods: This is a cross-sectional observational and descriptive study with
81 elderly assessed at home in the first half of 2019. The Who Disability Assessment
Schedule (WHODAS 2.0) was applied to assess functionality and the Subjective Health
Assessment Questionnaire for self-report of health. Results: Of the 81 elderly,
the majority are women n = 62 (76.5%) from 70 to 79, who have not completed 1 year
of schooling n = 55 (67.9%) and have wage income equal to or less than 1 minimum
wage n = 72 (88.8%) minimum. It was found no or mild difficulty for the domains
evaluated in the WHODAS 2.0 and the self-reported health was regular or poor n =
66 (81.5%) for most of the elderly. Conclusion: The elderly from Coari assessed at home are mostly independent and functional
and report a poor self-perception of health compared to others of the same age.
Keywords: elderly, health level, psychosocial effects of illness, functionality;
home care.
O
envelhecimento é um fenômeno natural e irreversível, ele não ocorre de forma
igual e simultânea nos seres humanos. O envelhecimento faz parte da vida, com o
conhecimento obtido até hoje, não existe maneiras para alterar esse processo
[1].
Segundo
a OMS, entre 2015 e 2050, a proporção da população idosa mundial com mais de 60
anos quase dobrará de 12% para 22% [2]. Em 2050, a população mundial com
60 anos ou mais deve totalizar 2 bilhões, o que representa quase o dobro da
população idosa atual [3].
A
estimativa de idosos no Brasil é cerca de 28 milhões de idosos, número que
representa 13% da população do país, que tende a dobrar nas próximas décadas:
um quarto da população terá mais de 60 anos até 2043, enquanto isso, a
população de jovens até 14 anos será de apenas 16,3% [4].
A
autoavaliação da saúde vem sendo uma variável muito utilizada nas grandes
investigações populacionais sobre saúde e bem-estar, mostrando que é um ótimo
indicador multidimensional de saúde e um bom preditor de eventos adversos para
a população idosa [5].
Autoavaliar a saúde depende da maneira de como a pessoa
entende a ideia de uma boa saúde, não apenas levando em consideração os
problemas físicos que se correlacionam com o processo de envelhecer, mas também
envolvendo a autonomia, sentimentos de controle e funcionalidade no dia a dia
[6].
Estudos
recentes apontam que essa avaliação, na velhice, está ligada tanto ao
bem-estar [7,8] quanto aos indicadores de morbidade, mortalidade e de declínio
funcional [9]. Os idosos tendem a avaliar positivamente o seu estado de saúde,
para explicar isso são usados os mecanismos subjetivos de comparação social
[10]. Possivelmente, adotam como base de comparação pessoas que se encontram em
condições de saúde e funcionalidade piores do que as suas, derivando em senso
de superioridade [11].
Envelhecer
com qualidade de vida depende de diversos fatores, como saúde, suporte
familiar, renda suficiente, oportunidades de participação social e política e,
em especial, boa funcionalidade [12]. A capacidade e o desempenho funcional
refletem os atributos relacionados à saúde que possibilitam às pessoas serem e
fazerem o que valorizam ou julgam ser relevantes [13].
Deste
modo, a funcionalidade destaca-se como um dos principais componentes do
envelhecimento saudável, apontada pelos idosos como um dos aspectos mais importantes
nessa fase da vida, pois está associada a independência e autonomia. Isso não
significa, no entanto, ter bom desempenho e boa competência em todos os
domínios durante todo o curso da vida [12].
Caracterizou-se
a funcionalidade juntamente com a avaliação subjetiva da saúde da população
idosa domiciliada na cidade de Coari.
Trata-se
de um estudo transversal e descritivo que apresenta as características
funcionais e a avaliação subjetiva da saúde de idosos domiciliados na cidade de
Coari no interior do Amazonas. Esta pesquisa foi aprovada pelo Comitê de Ética
em Pesquisa da Universidade Federal do Amazonas (UFAM) sob o registro de número
CAEE: 08021219.1.0000.5020, a coleta de dados foi realizada no primeiro e
segundo semestre de 2019.
A
amostra de se deu de forma casual e simples, os alunos visitaram a casa de
idosos na cidade de Coari no interior do Amazonas até que se percebeu a
repetição dos dados pesquisados, atingiu-se então o número de 81 idosos.
Os
idosos, seus familiares e/ou cuidadores foram informados sobre o estudo e
quando consentiam participar assinaram o Termo de Consentimento Livre
Esclarecido (TCLE).
Os
critérios de inclusão foram idosos com idade igual ou maior que 60 anos e com
capacidade e autonomia cognitiva de participar ativamente da bateria de
avaliação. Embora esse grupo tenha sido avaliado cognitivamente através do Miniexame do Estado Mental, incluiram-se
todos os idosos independente da nota de corte para esse teste, visto ser
interesse do grupo trabalhar com idosos com moderado a grave déficit cognitivo.
Nesse estudo o familiar e/ou cuidador poderia responder e/ou auxiliar idoso
(a).
Foram
excluídos idosos com afasia completa e incapacidade física e cognitiva em
responder a bateria de testes.
Para
a caracterização dos idosos aplicou-se um questionário semiestruturado contendo
as seguintes informações: faixa etária, sexo, grau de instrução, situação de
moradia, medicamentos tomados, naturalidade, doenças autorrelatadas
e renda mensal.
Para
análise da funcionalidade aplicou-se o Disability
Assessment Schedule (WHODAS 2.0) que é um instrumento que mede o nível de saúde
e incapacidade da população e auxilia a prática clínica. Este instrumento
avalia a incapacidade em seis domínios da vida: cognição, locomoção,
autocuidado, convivência com as pessoas, atividades da vida e participação.
Para cada item do WHODAS 2.0 avalia-se a quantidade de dificuldade que um
sujeito apresenta, no período do último mês, para realizar suas atividades
[14]. Para avaliar a percepção subjetiva da saúde, foi usado um pequeno
questionário para saber como cada um considera sua própria saúde, a partir das perguntas:
De modo geral, como o/a senhor/a avalia a sua saúde no momento atual? Como o/a
senhor/ avalia sua saúde em comparação a de outras pessoas da sua idade? Como o/a senhora avalia sua memória em comparação com a de outras
pessoas da sua idade? Como o/a senhora avalia a sua
saúde hoje, em comparação com a de 1 ano atrás? Como o/a senhor/a avalia sua
atividade hoje, em comparação com um ano atrás? A partir da resposta o idoso
escolherá uma dentre cinco opções que vai de muito pior a muito melhor [15].
A
partir dos dados coletados, foi construído um banco de dados em planilha
eletrônica que foi analisado pelo programa SPSS (Statistical
Package for the Social
Science), versão 22.0 e pelo aplicativo Microsoft Excel 2007®.
A
maioria dos idosos deste estudo são de sexo feminino e com idade entre 70 e 79
anos, todas as características sociodemográficas estão na tabela I.
Tabela
I – Caracterização
da amostra de idosos que residem no interior do Amazonas (n = 81)
Fonte: Melo, 2021
Em
relação ao WHODAS 2.0, observou-se que a maioria dos idosos tinham nenhuma,
leve ou média dificuldade nos últimos 30 dias para a maioria dos domínios. Os
demais dados estão na tabela II.
Tabela
II – WHODAS 2.0 na
versão de 12 itens, grau de dificuldade nos últimos 30 dias (n = 81)
Fonte:
Melo, 2021
Mais
da metade dos idosos descrevem a sua saúde como regular ou ruim, as demais informações sobre avaliação subjetiva da saúde
estão na tabela III.
Tabela
III - Resultados da
avaliação Subjetiva da Saúde, n = 81
Fonte:
Melo, 2021
Discussão
A
maioria dos idosos deste estudo foram mulheres de 70 a 79 que não chegaram a
completar 1 ano de escolaridade e possuem renda salarial igual ou inferior a 1
salário mínimo. A alta taxa de mulheres se dá por conta da maior sobrevivência,
diferenças de exposição aos riscos ocupacionais, maiores taxas de mortalidade
por causas externas entre os homens, diferenças nos estilos de vida quanto ao
consumo de álcool e tabaco e maior procura pelos serviços de saúde entre elas
[16].
Em
relação a escolaridade, mais da metade dos idosos avaliados em seus domicílios
na cidade de Coari são analfabetos ou tem apenas o primário incompleto, a
maioria não chegou a completar um ano de estudos. A escolaridade baixa se deve
ao fato de a educação não ser vista como prioridade na região [17]. Muitos dos
idosos deste estudo relataram que na infância moravam na zona rural da cidade e
que o custo socioeconômico junto com a distância era um obstáculo para realização
dos estudos na cidade. Segundo Torres & Reis a dificuldade de deslocamento
contribui para a prevalência de analfabetos ou não letrados [18].
A
avaliação da funcionalidade através do WHODAS 2.0 mostrou que a maioria desses
idosos não apresenta dificuldade para realizar as suas atividades de vida
diária. Houve uma grande porcentagem de idosos que não relataram problemas com
incapacidade decorrente de alguma dor ou desconforto o que se reflete na
independência para as atividades de vida diária. Esses dados refletem a
qualidade de vida do idoso já que é influenciada diretamente pela
funcionalidade, pois ela está relacionada com a independência e autonomia [12].
Os
idosos apresentaram independência funcional para quase todos as funções avaliadas,
porém autorrelataram que a saúde é ruim comparadas a
outras pessoas da mesma idade ou comparada com a do ano anterior, o que é
controverso já que a literatura mostra que quanto mais funcional é o idoso,
maior é a satisfação com a própria vida e seu bem-estar [19,20]. Segundo Soares
et al. [21], o bom desempenho físico parece ser fundamental para a
funcionalidade frente às demandas diárias e para uma boa percepção da vida. O
que reforça o dado achado por Rocha et al., relatando que níveis mais altos de autopercepção
de saúde relaciona-se com maiores valores de independência em atividades da
vida diária [22].
Pessoas
resilientes em suas práticas cotidianas de vida na juventude e idade adulta,
são justamente aquelas que vão dispor, geralmente, de uma boa saúde
apresentando poucas doenças, bom nível de autocuidado, funcionalidade física e
mental preservadas, adesão a atividades físicas, participação social e
satisfação com a vida, pressupondo-se que ao passar pela meia idade, tal
resiliência tenda a aumentar funcionando como propulsor das adaptações a uma
velhice bem-sucedida [23,24].
Uma
hipótese para explicar o autorrelato negativo da
saúde, talvez esteja ligada ao grau de escolaridade dos idosos, já que o mesmo
está relacionado com o declínio cognitivo [25]. A piora da autoavaliação da
memória, o menor desempenho cognitivo, presença de sintomas depressivos,
dependência funcional e a grande prevalência de queixas inespecíficas e de
comorbidades estão incluídos no processo de envelhecimento, em que a baixa
escolaridade é um dos fatores de riscos para essas condições encontradas nos
idosos [26,27]. O que reforça os achados de Medeiros et al. [28],
segundo ele, a baixa escolaridade é uma limitação para estudos com autorrelato da saúde, pois tem potencial de comprometer a
compreensão das questões investigadas e a qualidade das respostas.
Outro
fator que pode influenciar nesse resultado negativo da saúde autorrelatada é a baixa renda, já que os idosos deste
estudo, em sua grande maioria, não ultrapassavam 1 salário-mínimo. A
autoavaliação da saúde como excelente ou muito boa destaca-se entre os idosos
com melhor escolaridade e renda [29]. Estudos realizados em países
desenvolvidos mostraram que a autoavaliação da saúde é fortemente influenciada
pela situação socioeconômica do idoso e/ou da sua família [30].
Os
idosos domiciliados de Coari são, em sua grande maioria, independentes. Nos
aspectos funcionais os idosos deste estudo possuem pouca limitação funcional,
porém a saúde autorrelatada não condiz com o grau de
funcionalidade que os dados mostram, isso pode ser ocasionado pela baixa renda
e pelo baixo grau de escolaridade.
Estudo
posteriores devem ser feitos para correlacionar os dados achados para saber se
a cognição não está interferindo no autorrelato da
saúde. Faz-se necessário avaliar um número maior de idosos para que esses dados
possam ser generalizados para essa população.
Fontes de
financiamento
Não há fonte
de financiamento.
Conflito de
interesses
Não há conflito
de interesses e nenhum dos autores tem quaisquer relações financeiras ou pessoais
que possam influenciar indevidamente ou viés sobre o conteúdo do artigo.
Contribuição
dos autores
Redação do
manuscrito e coleta de pesquisa: Melo VCM, Oliveira HGA; Redação e correção do manuscrito:
Prestes YA, Braga JAC; Co-orientação do estudo: Checchi MHR, Leon EBD; Concepção
e desenho da pesquisa, revisão crítica do manuscrito e orientação do estudo:
Campos HLM.