Fisioter Bras. 2023;24(1):13-26
ARTIGO ORIGINAL
Avaliação do uso de
estratégias não invasivas em pacientes com insuficiência respiratória por
COVID-19
Evaluation of the use of non-invasive strategies in patients with
respiratory failure by COVID-19
Paulo Nixon Cardoso Monteiro1,
Whelen de Sousa Moreira1, Maylla Salete Rocha Santos Chaves1, Luana
Gabrielle de França Ferreira2
1Hospital Universitário da Universidade
Federal do Piauí (HU-UFPI), Teresina, PI, Brasil
2Universidade Federal do Delta do
Parnaíba (UFDPar), Parnaíba, PI, Brasil
Recebido em 12 de novembro
de 2022; Aceito em 15 de janeiro de 2023.
Correspondência: Paulo Nixon Cardoso Monteiro, E-mail: paulonixon17@gmail.com
Como
citar
Monteiro PNC, Moreira WS, Chaves MSRS,
Ferreira LGF. Avaliação do uso de estratégias não invasivas em pacientes com insuficiência
respiratória por COVID-19. Fisioter Bras. 2023;24(1):13-26. doi: 10.33233/fb.v24i1.5332
Resumo
Introdução: Durante a pandemia de COVID-19,
tornou-se necessário o uso de estratégias no tratamento dos pacientes que
evoluem com insuficiência respiratória aguda. Objetivo: Avaliar o uso de
estratégias não invasivas no desfecho de pacientes com insuficiência
respiratória aguda ou crônica agudizada por COVID-19. Métodos: Pesquisa
de caráter observacional e retrospectivo por meio da coleta de dados em
prontuário eletrônico com pacientes submetidos ao uso de cânula nasal de alto
fluxo (CNAF) e/ou ventilação mecânica não invasiva (VNI). Resultados: 81
pacientes, sendo 70,4% (57) do sexo masculino, com 56,5 ± 14,6 anos. 49,4% (40)
dos indivíduos fizeram uso de CNAF e VNI, 9,9% (8) e 40,7% (33) apenas VNI ou
CNAF, respectivamente. O tempo médio de uso da CNAF foi de 4,4 ± 3,7 dias e de
VNI foi de 2,7 ± 3,4 dias. Observou-se que 43 (53,1%) dos pacientes pesquisados
evoluíram para intubação orotraqueal (IOT) e 40 (49,4%) para óbito. Destes, 22
encontravam-se em IOT. Houve diferença estatística quando comparados idade
entre os grupos IOT e não IOT, 60,5 ± 13,9 anos vs. 52,1 ± 14,2 anos (p =
0,012), respectivamente. Conclusão: O uso de VNI e/ou CNAF pode ser
considerado como alternativa no tratamento de pacientes com COVID-19. Contudo,
os diversos fatores intrínsecos e extrínsecos ao paciente ainda contribuem para
a alta taxa de IOT e de mortalidade.
Palavras-chave: insuficiência respiratória; coronavirus; betacoronavirus;
ventilação não invasiva; cânula.
Abstract
Introduction: During the COVID-19 pandemic, it became necessary to
use strategies in the treatment of patients with acute respiratory failure. Objective:
To evaluate the use of non-invasive strategies in the outcome of patients with
acute or chronic respiratory failure exacerbated by COVID-19. Methods:
Observational and retrospective research through the collection of data from
electronic medical records with patients submitted to the use of high-flow
nasal cannula (HFNC) and/or non-invasive mechanical ventilation (NIV). Results:
81 patients, 70.4% (57) were male, aged 56.5 ± 14.6 years. 49.4% (40) of the
individuals used CNAF and NIV, 9.9% (8) and 40.7% (33) only NIV or HFNC,
respectively. The mean time of HFNC use was 4.4 ± 3.7 days and NIV was 2.7 ±
3.4 days. 53.1% (43) of the patients surveyed evolved to orotracheal intubation
(OTI) and 40 (49.4%) died. Of these 22 were undergoing OTI. There was a
statistical difference when comparing age between OTI and non-OTI groups, 60.5
± 13.9 years vs 52.1 ± 14.2 years (p = 0.012), respectively. Conclusion:
The use of NIV and/or HFNC can be considered as an alternative in the treatment
of patients with COVID-19. However, several intrinsic and extrinsic factors to
the patient still contribute to the high rate of OTI and mortality.
Keywords: respiratory failure; coronavirus; betacoronavirus; noninvasive ventilation; cannula.
Relatada
pela primeira vez na província de Wuhan, na China, em dezembro de 2019, a nova
síndrome respiratória aguda grave coronavírus 2 (SARS-CoV-2), causadora da
doença coronavírus 2019 (COVID-19) se espalhou rapidamente por grande parte do
mundo até que uma emergência global e pandemia foram declaradas pela
Organização Mundial da Saúde (OMS) em 30 de janeiro e 11 de março de 2020,
respectivamente [1]. Até 6 de janeiro de 2022 já havia infectado mais de
296.496.809 indivíduos com 5.462.631 óbitos confirmados pela OMS em todo o
mundo [2]. É comumente transmitida de pessoa a pessoa principalmente por
gotículas respiratórias por meio da tosse, espirro ou contato com a mucosa
oral, nasal e ocular [3].
O
diagnóstico de COVID-19 é feito principalmente através da detecção de ácido
nucleico por reação em cadeia da polimerase em tempo real (RT-PCR), que é o
método padrão ouro de escolha para o diagnóstico laboratorial, assim como pelas
manifestações clínicas em consonância com achados imaginológicos
do tórax [1].
A
apresentação clínica da COVID-19 pode variar de formas assintomáticas ou paucissintomáticas a pneumonia grave e/ou disfunção
orgânica múltipla. Devido à nova natureza virológica
e à falta de imunidade, as apresentações são dinâmicas e alteram frequentemente
[4]. As principais manifestações já relatadas na literatura são febre, tosse não produtiva, dispneia, mialgias, fadiga
generalizada, linfopenia, anosmia e ageusia, assim como diarreia, hiporexia ou
inapetência, náuseas, vômitos e cefaleia [5].
Aproximadamente
5% dos pacientes que contraem COVID-19 requerem cuidados intensivos, sendo
comumente idosos, com idade superior a 60 anos e portadores de comorbidades
como hipertensão arterial sistêmica (HAS), diabetes mellitus (DM), cardiopatias
e obesidade. Infelizmente a mortalidade desta população é elevada e pode chegar
inclusive a ultrapassar os 90% [6]. A taxa de letalidade da COVID-19 é de cerca
de 2-3%, porém leva a mais óbitos totais em comparação a outras síndromes
virais respiratórias existentes devido ao seu maior potencial de disseminação
[7].
Nesse
contexto, na síndrome respiratória aguda por COVID-19, que cursa com baixa
oxigenação tecidual e até mesmo aumento de trabalho respiratório, há
necessidade de suplementação de oxigênio (O2). Logo, a oxigenoterapia é a
principal abordagem de tratamento instituída inicialmente com dispositivos
convencionais, tais como cânula nasal de baixo fluxo e máscara com reservatório
[8]. No entanto, pacientes com hipoxemia aguda grave refratária ao tratamento
inicial podem apresentar dispneia persistente e/ou baixa oximetria periférica,
mesmo com a administração de O2 com fluxos superiores a 10-15 l/min. Nessas
circunstâncias, outras abordagens, como o uso da cânula nasal de alto fluxo
(CNAF) e da ventilação mecânica não invasiva (VNI), podem ser ferramentas
fundamentais do tratamento desta entidade nosológica
[9].
Diante
disso, o uso da CNAF no tratamento da insuficiência respiratória aguda hipoxêmica normocápnica, naqueles
que não respondem à terapia convencional de O2 parece ser uma estratégia de
grande relevância terapêutica, uma vez que é capaz de ofertar altos fluxos
aquecido e umidificado, reduz espaço morto, assim como permite uma fração
inspirada de O2 (FiO2) precisa [10]. Já a VNI enquanto recurso terapêutico na
COVID-19 também parece ser uma ferramenta de grande relevância, tendo em vista
que sua pressurização aumenta a área de troca gasosa e reduz a espessura da
membrana alvéolo-capilar, o que resulta em melhora da complacência pulmonar e
redução do trabalho respiratório [11].
Justifica-se
então a realização do presente estudo pela necessidade de aprimoramento e
conhecimento em razão de informações insuficientes a respeito das respectivas
estratégias supracitadas no tratamento de indivíduos acometidos por esta
enfermidade, demonstrando sua relevância à saúde pública, no sentido de melhor
contribuir na assistência aos portadores de SARS-coV-2, levando-se em
consideração a prevenção de intubação orotraqueal (IOT) e óbitos.
Diante do
exposto, este estudo tem como objetivo avaliar o uso de estratégias
terapêuticas não invasivas (VNI e CNAF) no desfecho de pacientes com
insuficiência respiratória aguda ou crônica agudizada secundária à infecção por
COVID-19.
O estudo
foi realizado de forma observacional, retrospectivo e analítico por meio da
coleta de dados em prontuário eletrônico de natureza quantitativa no período de
16 de novembro de 2021 a 11 de janeiro de 2022. Este estudo ocorreu após
aprovação do Comitê de Ética em Pesquisa do HU-UFPI, sob nº de protocolo:
52322121.7.0000.8050.
O estudo
foi realizado na Unidade de Terapia Intensiva COVID (UTI-COVID) de um hospital
público, localizado na cidade de Teresina/PI. A população da pesquisa foi constituída
de todos os pacientes com diagnóstico nosológico de
SARS-coV-2 confirmado laboratorialmente por RT-PCR, em swab
nasofaríngeo e/ou teste rápido internados na UTI. A
amostra deste estudo foi constituída por todos os pacientes internados no
período de outubro de 2020 a maio de 2021 e que estiveram devidamente
registrados nas bases de dados da instituição e que se enquadraram nos
critérios de inclusão.
Os
critérios de inclusão para participação no estudo foram: pacientes internados
na UTI-COVID, com diagnóstico nosológico confirmado
de infecção por SARS-coV-2, com idade ≥ 18 anos, de ambos os gêneros, que
não necessitaram de suporte ventilatório mecânico invasivo por um período
mínimo de 24 horas após a admissão no setor e que fizeram uso de CNAF e/ou VNI
durante sua internação. Foram excluídos aqueles que não apresentaram
informações em prontuário eletrônico e/ou impresso necessárias para realização
do estudo, como os fatores de risco/complicações, respectivo desfecho ou
aqueles já admitidos em uso de via aérea artificial (traqueostomizados)
por doença de base pré-existente.
A
pesquisa contou com um instrumento de coleta que contemplou dados referentes ao
perfil sociodemográfico dos pacientes envolvidos no estudo, tendo como
variáveis de avaliação: idade, gênero, estado civil, local de residência,
comorbidades ou complicações (DM, HAS, obesidade, histórico de tabagismo e/ou
etilismo, lesão renal aguda (LRA) ou crônica agudizada, bem como doença
pulmonar, cardíaca e/ou neurológica prévias). No mesmo instrumento foram
coletados dados referentes à data de admissão no respectivo setor, data do
início dos sintomas, data do diagnóstico nosológico
por comprovação laboratorial, tempo de internação e de dependência da VNI e/ou
CNAF em dias, data da IOT, data de alta da UTI-COVID ou ocorrência de óbito. O
acesso aos números dos prontuários dos participantes ocorreu por meio do censo
oficial do setor, seguido da consulta aos prontuários eletrônicos.
Os dados
foram organizados em planilha e posteriormente exportados para o programa Statistical Package for
the Social Sciences
(SPSS) versão 22.0, sendo as variáveis descritas por meio de porcentagem, média
e desvio padrão. Para análise das variáveis qualitativas foi aplicado Teste Qui-Quadrado de Pearson. Para análise das variáveis
contínuas foi realizada a verificação da normalidade dos dados pelo teste Kolmogorov-Smirnov para posteriormente análise comparativa
(Teste Mann-Whitney) e de correlação (Teste Spearman).
Foi considerado um intervalo de confiança de 95% e nível de significância de 5%
(p < 0,05).
Um total
de 431 prontuários foram consultados, dos quais 350 foram excluídos por não
atenderem os objetivos propostos, restando 81 pacientes para análise. De modo
geral, a amostra foi composta por 70,4% (57) indivíduos do sexo masculino, com
média de idade 56,5 ± 14,6 anos (mínimo = 20 e máximo = 89), com tempo entre o
início dos sintomas e admissão na UTI de 9,9 ± 3,9 dias, período entre o
diagnóstico e admissão na UTI de 4,0 ± 3,3 dias e o tempo médio de permanência
em dias na UTI de 13,9 ± 8,9 dias (mínimo = 2 e máximo = 38). A Tabela I
apresenta a caracterização da amostra quanto ao perfil sociodemográfico.
Tabela I - Caracterização sociodemográfica e
dos fatores de risco/complicações dos pacientes internados incluídos na amostra
em um hospital público de Teresina/PI
Fonte:
Dados do pesquisador. MA = Maranhão; PI = Piauí
Dos 81
pacientes observou-se desfecho IOT em 43 (53,1%) e óbito em 40 (49,4%), destes
22 encontravam-se em IOT. Dentre os indivíduos do sexo masculino, observou-se
óbito em 54,4%, e dentre os pacientes do sexo feminino observou-se uma taxa de
óbito de 37,5%. Ao cruzar os dados entre sexo e taxa de óbitos não se observou
diferença significativa (qui2
= 0,165; p = 0,225). Por outro lado, houve diferença estatística quando
comparados idade com os grupos IOT e não IOT, 60,5 ± 13,9 anos vs. 52,1 ± 14,2
anos (p = 0,012), respectivamente.
A Figura
1 apresenta a descrição dos fatores de risco/complicações dos grupos que
evoluíram ou não para IOT. Houve diferença estatística significativa na
presença de LRA entre os grupos IOT e não IOT (qui2 = 18,73, p < 0,001).
Figura 1 - Descrição em porcentagem dos
fatores de risco/complicações presentes nos grupos IOT (A) e não IOT (B)
Com
relação ao uso das estratégias de tratamento não invasivas avaliadas,
observou-se que 40 (49,4%) pacientes fizeram uso associado de CNAF+VNI, 33
(40,7%) fizeram uso somente de CNAF e 8 (9,9%) apenas de VNI. No grupo CNAF+VNI
observou-se que 19 (47,5%) eram hipertensos, 18 (45%) diabéticos, 16 (48,5%)
obesos, dos quais 26 (65%) evoluíram para IOT. No grupo CNAF, 21 (52,5%) eram
obesos, 18 (54,5%) hipertensos, 12 (36,4%) diabéticos, e 15 (45,5%) evoluíram
para IOT.
O tempo
médio de CNAF foi de 4,4 ± 3,7 dias (máximo de 17 dias), enquanto o tempo médio
de VNI foi de 2,7 ± 3,4 dias (máximo de 13 dias). Ao comparar o tempo médio em
dias de utilização de CNAF+VNI entre os grupos com desfecho IOT e não IOT, não
houve diferença significativa no tempo de uso entre os grupos como mostra a
Figura 2.
Figura 2 - Comparação do tempo de uso de CNAF
e VNI nos grupos dos desfechos IOT e não IOT
Quanto ao
tempo médio em dias de internação dos grupos, observou-se uma média de tempo de
16 ± 9,8 dias de CNAF+VNI e 12 ± 8,2 dias de CNAF havendo apenas uma tendência
a significância estatística (p = 0,058). Observou-se ainda uma correlação entre
o tempo de internação e tempo de CNAF (r = 0,392, p < 0,001) e tempo de VNI
(r = 0,319, p = 0,004).
No
presente estudo, houve um predomínio de indivíduos do sexo masculino e
moradores da cidade de Teresina/PI. A obesidade, HAS e DM foram as comorbidades
mais comuns nos pacientes. Além disso, observou-se prevalência significativa de
LRA entre os indivíduos que evoluíram para IOT e a idade avançada mostrou ser
um fator relevante de mau prognóstico. Quase metade dos pacientes avaliados
fizeram uso das duas estratégias (CNAF e VNI) e, de modo geral, mais da metade
dos pacientes evoluíram para IOT após falha das estratégias terapêuticas não
invasivas. Não houve diferença entre as estratégias e a taxa de IOT e não
ocorreu diferença no tempo de uso das estratégias em relação aos desfechos IOT
e não IOT.
A
predominância da população masculina, bem como o maior percentual de
mortalidade encontrados no presente estudo, apresenta similaridade com
pesquisas já descritas na literatura, como o estudo alemão [12] de coorte
observacional retrospectivo multicêntrico, com 223 pacientes, sendo a maioria,
73% (n = 167) homens e o estudo brasileiro [13], transversal retrospectivo
realizado em Foz do Iguaçu, Paraná, composto por 381 notificações, sendo 57% do
sexo masculino (n = 217), com incidência de óbitos nesta população de 57%.
Percentual semelhante encontrado por outros autores brasileiros [14,15] de
56,2% e 55%, respectivamente, que atribuem a maior mortalidade deste grupo a
fatores socioculturais, tais como não procura aos serviços primários de atenção
à saúde, alta resistência e negligência aos cuidados de saúde, ou até mesmo por
informações errôneas divulgadas em grupos isolados não oficiais.
Neste
estudo observou-se média de idade de 56,5 ± 14,6 anos, com taxa de IOT
significativamente maior naqueles com idade ≥ 60 anos. Outro fator que
contribui para um mau prognóstico em indivíduos com COVID-19 é sem dúvidas, a
faixa etária mais avançada associada à presença de doenças crônicas [16]. Dados
da OMS [17] sugerem que indivíduos com idade superior a 60 anos, juntamente com
comorbidades como HAS, DM, especialmente tipo 2, doenças respiratórias crônicas
e encefalovasculares, possuem maior risco de
desenvolver infecção pelo SARS-CoV-2 em sua forma grave.
Observou-se
nesta pesquisa que a obesidade, HAS e DM foram as comorbidades pré-existentes
mais prevalentes. Achados similares são encontrados na literatura [18], em que
a taxa de mortalidade foi de 67% naqueles com idade ≥ 60 anos com
comorbidades, sendo a HAS a mais prevalente, representando 40,1% dos casos e no
estudo nordestino [14] realizado em Sergipe, com amostra de 5.292 indivíduos,
demonstrando que os principais fatores de risco que impactaram significativamente
na mortalidade por COVID-19 foram sexo, idade e presença de comorbidades.
Outro
estudo asiático [19] observou uma diferença significativa na idade entre os não
sobreviventes e sobreviventes da COVID-19 (média 78 vs.
64 anos), respectivamente. A obesidade e a HAS foram as comorbidades mais
frequentes nos pacientes que não sobreviveram. Idade superior a 61 anos,
presença de pelo menos uma comorbidade ou imunossupressão são fatores
independentes associados ao insucesso da VNI e/ou CNAF, sugerindo que estes
indivíduos acometidos pela COVID-19 não se beneficiam destas terapias, uma vez
que são mais propensos a falha [20,21].
Adicionalmente,
o presente estudo observou uma diferença significativa na presença de LRA
quando comparados os grupos de pacientes IOT e não IOT, o que representa pior
prognóstico e alta mortalidade, segundo este estudo retrospectivo [22] com 188
pacientes com LRA e COVID-19 realizado em Rondônia, que atingiu percentual de
mortalidade na população analisada de 93%. Resultado similar foi encontrado no
estudo coreano [19] realizado em 2020, em que a taxa de mortalidade desta
população foi de 11 (78,6%).
Neste
estudo, observou-se que quase metade dos pacientes investigados fizeram uso
associado de CNAF e VNI, uma outra parcela importante fizeram uso somente de
CNAF e uma minoria fez uso apenas de VNI. O tempo médio de uso de CNAF e VNI
foi próximo ao encontrado na literatura. Estudo [23] observacional
retrospectivo, realizado na Arábia Saudita, com 63 pacientes em sua amostra, 37
(58,7%) receberam CNAF e 26 (41,26%) receberam VNI, tiveram uma duração média
em dias de 5,53 ± 1,11 dias e 5,86 ± 1,10, respectivamente.
Em outros
dois estudos a duração média em dias naqueles que fizerem uso exclusivo de CNAF
em relação ao sucesso e falha foi de 5 e 2,5 dias, respectivamente [24] e 6
(3-9) dias naqueles tratados com sucesso vs. 2 (1-5) dias naqueles que falharam
[25]. Neste estudo, na população não IOT foi de 4,7 ± 3,6 dias. Sugerindo desta
forma, que o uso da CNAF por períodos mais longos pode elevar as taxas de
sucesso da mesma. No entanto, para que isso seja possível, é crucial uma
intervenção apropriada no estágio inicial da doença.
Uma vez
que a hipoxemia na fase inicial da COVID-19 resulta do desequilíbrio da
ventilação/perfusão [26]. Assim, esses pacientes podem se beneficiar da CNAF
durante o estágio inicial, uma vez que esta desempenha papel importante no clearence do espaço morto anatômico, proporciona efeito de
pressão positiva expiratória, o que pode recrutar unidades alveolares
previamente colapsadas, aumentando a complacência pulmonar, com possível
redução indireta do trabalho respiratório [27].
É
importante ressaltar que em virtude de uma baixa amostra submetida
exclusivamente a VNI, tornou-se inviável qualquer tipo de análise comparativa
entre os grupos VNI e CNAF isoladamente. Alguns fatores podem ser listados
visando uma justificativa para este fato, sendo eles: (1) relação
máquina-paciente-profissional para o sucesso da terapia; (2) baixo número de
interfaces adequadas; (3) falta de colaboração/má adesão do paciente,
influenciadas por sensação de claustrofobia e dispneia acentuada; (4)
inexperiência profissional, influenciando na escolha e acoplagem da interface,
nos ajustes ventilatórios e na incapacidade de identificação, correção e
redução das taxas de assincronias [23,28].
Adicionalmente,
acredita-se ainda que a maior taxa de insucesso da VNI esteja atrelada ao fato
de a maioria dos pacientes criticamente enfermos com COVID-19 serem idosos e
desacompanhados de familiares, com profissionais e outros pacientes
desconhecidos ao seu redor, assim como o medo em relação à doença, aumentando
sua ansiedade e agitação, o que piora sua condição clínica [28]. Por outro
lado, a CNAF apresenta algumas vantagens quando comparada à VNI, como maior
conforto e tolerância, maior facilidade na eliminação de secreções,
possibilidade de ingesta via oral e comunicação, além de menor incidência de
eventos adversos que podem levar a desfechos negativos [23].
A taxa de
utilização da VNI quando comparada com a CNAF é menor [20,22,23,24]. Dos estudos
revisados, apenas um [12] observou um percentual divergente, sendo a VNI
utilizada em 31 e a CNAF em 26 pacientes, resultando em uma taxa de insucesso
de ambas as terapias de 81%, percentual este muito acima da média encontrada na
literatura 54,85% (38,1-76,6) [23,24,25,28,29]. Em um estudo italiano [20]
observacional prospectivo com amostra de 85 indivíduos observaram uma
necessidade de IOT após falha de VNI ou CNAF em 61% dos pacientes.
Em outro
estudo indiano [29] controlado randomizado em centro único, com 109 pacientes
alocados e divididos em dois grandes grupos, CNAF (n = 55) ou VNI (n
= 54), observaram que a taxa de IOT foi menor no grupo CNAF (27,27%) em
comparação ao grupo VNI (46,29%), o mesmo acontecendo com a taxa de mortalidade
entre os grupos, CNAF (29,1%) e VNI (46,2%). Resultados estes que corroboram o
exporto anteriormente acerca do uso da VNI em pacientes com COVID-19.
O tempo
médio em dias de permanência na UTI do presente estudo assemelha-se aos valores
encontrados na literatura. Este tempo varia comumente entre 13 [12] e 17 [30]
dias. Estes períodos são considerados relativamente altos no contexto de
terapia intensiva, o que reduz a rotatividade de leitos, impede novas admissões
de pacientes criticamente enfermos, além de aumentar progressivamente o risco
de infecções hospitalares, contribuindo para o maior custeio e desfechos
desfavoráveis.
O
presente estudo tem como limitação o fato de ter sido realizado em apenas um
hospital, além de sua característica retrospectiva e observacional, retratando
apenas o exposto em prontuários eletrônicos. Também não foram coletadas
informações sobre pacientes internados que foram vacinados contra a COVID-19. A
vacinação no estado do Piauí iniciou-se em meados de janeiro de 2021
contemplando primeiramente profissionais e grupos prioritários e até maio tinha
atingido apenas cerca de 29% e 13% da população adulta com a primeira e a
segunda dose da vacina, respectivamente [31]. Adicionalmente, a não utilização
de marcadores de gravidade descritos na literatura e a impossibilidade de
controle das condições ideais, assim como a presença de um cenário
epidemiológico flutuante com momentos de grande demanda de pacientes
criticamente enfermos admitidos em janelas terapêuticas distintas, sendo a
escolha dos recursos realizada muita das vezes tardiamente. No entanto, o uso
das estratégias terapêuticas pesquisadas ocorreu em ambiente real de terapia
intensiva e com profissionais de fisioterapia presentes 24h no setor.
Quase
metade dos pacientes fizeram uso das duas estratégias terapêuticas não
invasivas (CNAF e VNI), e um pouco mais da metade dos pacientes avaliados
tiveram como desfecho a intubação orotraqueal. Não houve diferença entre as
estratégias e a taxa de IOT. Também não ocorreu diferença no tempo de uso das
estratégias entre os desfechos IOT e não IOT. Fatores como idade avançada e a
presença de comorbidades associadas, sobretudo a LRA parecem contribuir
significativamente para o desfecho IOT. Contudo, destaca-se que o estudo foi
feito em cenário real e em pleno pico da segunda onda da pandemia, havendo
grande demanda de pacientes e em janelas terapêuticas distintas, sem acompanhamento
da gravidade e da indicação às intervenções. Por estas razões, ressalta-se a
necessidade de novos estudos que possam descrever o perfil dos pacientes com
maiores chances de sucesso com o uso das estratégias terapêuticas não
invasivas, preferencialmente prospectivos e experimentais, com uma maior
amostra, sobretudo da população em uso exclusivo de VNI.
Conflitos
de interesse
Os autores
declaram não haver conflitos de interesse de qualquer natureza.
Fontes
de financiamento
Financiamento
próprio.
Contribuição
dos autores
Concepção
e desenho da pesquisa:
Monteiro PNC, Ferreira LGF; Coleta de dados: Monteiro PNC, Moreira WS,
Chaves MSRS; Análise e interpretação dos dados: Monteiro PNC, Moreira
WS, Chaves MSRS, Ferreira LGF; Análise estatística: Monteiro PNC,
Ferreira LGF; Redação do manuscrito: Monteiro PNC, Moreira WS, Chaves
MSRS, Ferreira LGF; Revisão crítica do manuscrito quanto ao conteúdo
intelectual importante: Monteiro PNC, Moreira WS, Chaves MSRS, Ferreira LGF