Fisioter Bras. 2023;24(1):52-75

doi: 10.33233/fb.v24i1.5335

ARTIGO ORIGINAL

Análise da implementação do modelo de ensino one minute preceptor na vivência da prática profissional de estudantes de fisioterapia de uma faculdade do nordeste brasileiro

Analysis of the implementation of the one-minute preceptor teaching model in the experience of professional practice of physiotherapy students at a college in northeastern Brazil

 

Claudluce Marques Pimentel1, Juliany Silveira Braglia Cesar Vieira2, Juliana Monteiro Costa2, Maria Clara Santos Barros2

 

1Centro de Reabilitação IMIP, Recife, PE, Brasil

2Faculdade Pernambucana em Saúde (FPS), Recife, PE, Brasil

 

Recebido em 16 de novembro de 2022; Aceito em 31 de janeiro de 2023.

Correspondência: Maria Clara Santos Barros, E-mail: barrosmclaras@gmail.com

 

Como citar

Pimentel CM, Vieira JSBC, Costa JM, Barros MCS. Análise da implementação do modelo de ensino one minute preceptor na vivência da prática profissional de estudantes de fisioterapia de uma faculdade do nordeste brasileiro. Fisioter Bras. 2023.24(1):52-75. doi: 10.33233/fb.v24i1.5335

 

Resumo

Analisar o impacto do One Minute Preceptor na vivência da prática profissional de estudantes de fisioterapia de uma instituição de ensino superior que utiliza metodologia ativa de ensino no Nordeste brasileiro. Estudo de intervenção, qualiquantitativo, sequencial explanatório, realizado no centro de reabilitação, um dos cenários do hospital escola, com amostra de 20 estudantes e 10 preceptores. Ocorreu em quatro etapas, seguindo a resolução 510/16 do Conselho Nacional de Saúde, sob parecer 3.021.399. Análises quantitativas realizadas no Microsoft Office Excel 2016® e Software Rstudio®, a qualitativa conforme análise de conteúdo de Bardin. O One Minute Preceptor mostrou-se adequado a metodologia da instituição e perfil dos estudantes participantes. Estimulou, motivou e favoreceu o raciocínio crítico reflexivo, sendo percebido pelos grupos melhora na condução da preceptoria, feedback e postura ativa dos estudantes, possibilitando consolidar instrumentos facilitadores de ensino-aprendizagem em ambientes de prática clínica.

Palavras-chave: preceptoria; Fisioterapia; avaliação; educação baseada em competências.

 

Abstract

To analyze the impact of the One Minute Preceptor on the experience of professional practice of physiotherapy students at a higher education institution that uses active teaching methodology in the Brazilian Northeast. Intervention study, qualitative and quantitative, sequential explanatory, carried out in the rehabilitation center, one of the settings of the teaching hospital, with a sample of 20 students and 10 preceptors. It took place in four stages, following resolution 510/16 of the National Health Council, under opinion 3,021,399. Quantitative analyzes performed in Microsoft Office Excel 2016® and Software Rstudio®, qualitative according to Bardin's content analysis. The One Minute Preceptor proved to be suitable for the institution's methodology and the profile of the participating students. It stimulated, motivated and favored reflective critical reasoning, being perceived by the groups as an improvement in the conduction of preceptorship, feedback and active posture of the students, making it possible to consolidate instruments that facilitate teaching-learning in clinical practice environments.

Keywords: preceptorship; Physical therapy; evaluation; competency-based education.

 

Introdução

 

A Vivência da Prática Profissional (VPP) é uma estratégia educacional que proporciona ao estudante a possibilidade de acompanhar profissionais em suas rotinas de trabalho a fim de extrair, a partir da observação e reflexão, o desenvolvimento profissional gradativo. Para essa vivência, os estudantes são subdivididos em grupos ou duplas, inseridos em um dos campos de prática conveniado com a faculdade e acompanhados por um docente e um profissional colaborador do local em questão [1,2,3,4,5].

No contexto de educação em ciências da saúde, o preceptor da vivência torna-se a figura profissional experiente que exerce um papel fundamental na inserção e socialização do estudante no ambiente de trabalho no processo de educação e formação [6], sendo sua principal função ensinar o estudante a desenvolver aptidões clínicas que favoreçam a aquisição de habilidades e competências em situações reais [7].

A preocupação com a formação e com o desenvolvimento de preceptores vem crescendo, principalmente pelo aumento do número de programas de residências médicas e profissionais na área da saúde. De acordo com a literatura, o treinamento dos residentes ou estudantes deve ser feita por profissionais de saúde portadores de certificado de residência, especialidade ou título superior [8,9,10]. No exercício da preceptoria, é necessário que o profissional responsável lide com a tarefa de ofertar atendimento ao paciente, garantindo que o procedimento ou conduta sejam minimamente interrompidos com as demandas de avaliar e explorar as necessidades de aprendizagem dos estudantes [11,12,13,14].

O modelo de micro habilidades, o One Minute Preceptor (OMP) ou “Preceptor de um minuto” descrito em 1992 por Neher et al. [15] foi planejado para aplicação ambulatorial propondo um conjunto estruturado de cinco passos centrados no aprendiz, todavia diante da boa aceitabilidade o OMP tem sido utilizado em vários outros ambientes de prática clínica [7,16,17,18].

Dessa forma diante das mudanças de estratégias de ensino ocorridas no meio acadêmico para formação de um profissional apto a atuar dentro da assistência à saúde de maneira mais integral, esta pesquisa procurou analisar a percepção dos estudantes e dos preceptores do curso de fisioterapia acerca da utilização do modelo OMP na VPP de uma IES que utiliza o modelo educacional Aprendizagem Baseada em Problema (ABP) na cidade do Recife.

 

Métodos

 

Foi desenvolvido um estudo de intervenção, com análise quanti- qualitativa, do tipo sequencial explanatório, realizado no Instituto de Medicina Integral Prof. Fernando Figueira (IMIP), no Centro Especializado em Reabilitação IV – CER IV cuja coleta de dados esteve compreendida entre os meses de novembro de 2018 a julho de 2019. A população do estudo foi composta por preceptores e estudantes do curso de fisioterapia da FPS que estavam em atividade prática regular no CER IV- IMIP. A amostra foi composta por 30 participantes, 10 preceptores e 20 estudantes, e estabelecida por conveniência e de maneira intencional. Do total amostral, apenas 10 estudantes e 7 preceptores participaram da reunião de grupo focal (GF), os quais para garantir o anonimato foram identificados por algarismos de 1 a 10 e pelas letras E e P. Foram selecionados para o estudo, preceptores que estivessem exercendo a atividade regularmente por no mínimo 1 ano e que recebessem estudantes de fisioterapia no quarto e/ou sexto período do curso. Para a seleção dos estudantes, o critério de elegibilidade foi cursar o quarto ou sexto período de fisioterapia, estarem devidamente matriculados e inseridos no cenário de VPP selecionado para o estudo.

Para a coleta dos dados quantitativos pré-capacitação dos preceptores, foi aplicado um questionário desenvolvido pelos pesquisadores no qual se buscou, a partir da escala Likert de seis pontos, identificar a percepção de preceptores e estudantes acerca da preceptoria, ficando convencionado como resposta 1 quando o participante respondesse discordo totalmente (DT) com a informação, 2 para discordo (D), 3 para discordo parcialmente (DP), 4 para concordo parcialmente (CP), 5 para concordo (C) e 6 para concordo totalmente (CT) como neutro foram consideradas as respostas dadas para 3 (DP) e 4 (CP). Subsequentemente, os preceptores que responderam aos questionários e que receberiam os estudantes de quarto e sexto período foram devidamente capacitados para utilização do OMP a partir do segundo rodízio até o fim das atividades de VPP do semestre.

Ao final da intervenção para coleta dos dados qualitativos o roteiro elaborado de forma estruturada com perguntas sobre a visão da preceptoria com o modelo OMP foi utilizado para guiar duas reuniões distintas de GF, uma com estudantes e outra com preceptores. Estudantes e preceptores que concordaram livremente em participar do estudo, assinaram um Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE) respeitando os preceitos da Resolução CNS 510/16. Os debates fomentados nos GF foram gravados pelo moderador através do uso de um gravador de voz digital mediante aplicativo incorporado na versão de iOS13.

Os resultados quantitativos provenientes dos questionários aplicados previamente a capacitação com o OMP foram digitados, tabulados em um banco específico e analisados estatisticamente através do programa Microsoft Office Excel 2016® e do Software para Análise Estatística para Ciências Sociais Rstudio®. As falas foram transcritas na íntegra e os dados foram analisados através do método de análise de conteúdo de Bardin, que utiliza procedimentos sistemáticos e objetivos para descrever conteúdo das alocuções, sendo imprescindível que sua realização seja feita em três passos (pré-analise), exploração do material e tratamento dos resultados) e estes devem ser respeitados [17]. Durante a pré-análise, foi realizada a leitura e organização do material de estudo, na exploração do material os dados similares foram agrupados em categorias, e assim foi possível iniciar o tratamento dos resultados, procurando formar uma relação entre os referenciais teóricos e os dados obtidos.

A pesquisa teve sua aprovação pelo Comitê de Ética em Pesquisa do IMIP (CEP/IMIP), concedida aos 14 de novembro de 2018 sob o CAAE: 00447218.0.0000.5201 e parecer de no 3.021.399.

 

Resultados e discussão

 

Este estudo contabilizou 30 participantes uma amostra que corresponde a 80% da população de estudantes e 58% da de preceptores, os quais responderam aos questionários aplicados previamente a capacitação com o OMP. Dos preceptores, 100% foram capacitados segundo o modelo de preceptoria OMP e todos executaram a metodologia proposta pelo estudo durante três meses. Todavia, das reuniões de GF referentes a última etapa da coleta dos dados, participaram 70% dos preceptores e 50% dos estudantes.

Os dados referentes a caracterização da amostra estão descritos na Tabela I. O grupo de estudantes apresentou idade média de 24 anos e 6 meses, DP ± 4 anos e 8 meses, sendo 95% do sexo feminino, 55% do 4o período e 45% do 6o. Em relação à amostra de preceptores contemplada na Tabela II, foi composta por 70% mulheres e 30% homens, cuja idade média foi de 31 anos DP ± 3 anos e 8 meses, os quais exerciam a atividade de preceptoria há cinco anos e dois meses em média, DP ± um ano e onze meses, tendo o preceptor de mais tempo nove anos e o de menor tempo um ano. Entre eles, a titulação mais expressiva foi compreendia entre especialistas e pós-graduados.

 

Tabela I - Caracterização da amostra de estudantes

 

A = anos, M = meses, N = frequência absoluta; % = frequência relativa

 

Tabela II - Caracterização amostral dos preceptores

 

A = anos; M = meses; N = frequência absoluta; % = frequência relativa

 

Na Tabela II, de acordo com a análise estatística do presente estudo, apenas 20% da amostra de preceptores teve formação acadêmica pelo método ABP, 90% não havia passado por capacitação específica para preceptores, porém 60% havia realizado o curso de formação de tutor em ABP oferecido pela IES participante do estudo. A Tabela III mostra que de acordo com as respostas do questionário pré-capacitação, 50% dos preceptores concordam (C) que se sentem capacitados a desenvolver a preceptoria com estudantes inseridos em metodologias ativas ainda que 80% tenham recebido formação através do método tradicional de ensino (MET).

 

Tabela III - Questionário estruturado para preceptores pré-capacitação com o modelo OMP

 

R = respostas; EL = escala likert; DT = discordo totalmente; DP = discordo parcialmente; CP = concordo parcialmente; CT = concordo totalmente; N = frequência absoluta; % = frequência relativa

 

Acerca desse achado, um estudo quantitativo [19], realizado em 2000 com 90 participantes preceptores de dois programas de residência médica de pediatria do estado do Rio de Janeiro, trouxe sob o ponto de vista dos preceptores atributos e características importantes para o perfil profissional de quem desempenha essa tarefa. Destacaram-se: ética e humanismo, domínio do conteúdo, capacidade de educação permanente e capacidade didática [19]. Todavia, apesar de 50% deles não tivesse recebido habilitação específica para esse exercício, sentiam necessidade de uma capacitação didática para exercer essa função mesmo reconhecendo que esse é um exercício pautado na experiência de prática clínica [19].

Na Tabela IV é possível identificar a satisfação com a forma de como os preceptores conduziam as atividades antes da capacitação com o modelo OPM, dessa maneira, 55% dos estudantes aparecem concordando totalmente com a afirmativa quanto a satisfação positiva para com as habilidades do seu preceptor no desenvolvimento da VPP. Na mesma, 40% deles também concordou totalmente com a afirmativa que acha estimulante e motivadora a forma como seu preceptor conduzia as atividades durante a VPP.

 

Tabela IV - Questionário estruturado para estudantes pré-capacitação com o modelo OMP

 

R = respostas; EL = escala likert; DT = discordo totalmente; DP = discordo parcialmente; CP = concordo parcialmente; CT = concordo totalmente; N = frequência absoluta; % = frequência relativa

 

De acordo com o que foi colocado pelos participantes dos dois grupos focais, postulou-se os mesmos temas e as mesmas categorias para ambos, sendo eles: 1) Conceito e entendimento de preceptoria; 2) Importância da preceptoria; 3) Contribuição do OMP na VPP e na preceptoria; 4) Centralização da preceptoria no estudante; 5. Mudanças de desempenho e atitudinais dos estudantes; 6) Potencialidades e fragilidades do OMP; 7) O OMP e o Feedback.

 

Conceito e entendimento de preceptoria

 

        As falas, que serão apresentadas, foram colhidas nas reuniões de GF desta pesquisa. Mostram que preceptores e estudantes entendem a preceptoria como uma prática na qual o preceptor é responsável por ensinar, assessorar, orientar, facilitar, fazer pensar e integrar em ambientes reais o que foi visto na teoria com a parte prática, favorecendo também o aprendizado no contexto ético e moral.

 

P1: “[...] É como se fosse uma assessoria do aluno para a parte prática. Não só também no contexto de ensino, mas também ético e moral. Absorvem muito isso da gente. ”

E3: “[...] Eu entendo que o preceptor é um profissional que está responsável por guiar e puxar da gente o conhecimento, mostrar para a gente os casos clínicos e fazer a gente pensar sobre aquilo”.

 

Sobre o tema, a literatura define preceptoria como uma abordagem de ensino de prática clínica que vem sendo empregada há anos no ocidente com graduandos dos cursos de saúde de modo geral [20], e de acordo com o Art. 2º da Resolução do Conselho Nacional de Residência Médica nº 005/2004, de 8 de junho de 2004, é responsável por orientar e treinar diretamente os médicos residentes do programa no qual estes estão inseridos [21].

Nesse contexto, revisões de literatura trazem o preceptor como uma figura profissional experiente essencial no processo formativo do estudante. Através de instruções formais, com objetivos e metas específicas, o aprendiz desenvolve aptidões clínicas que favoreçam a aquisição de habilidades e competências, dentro do ambiente de trabalho [7,20]. A partir de uma metodologia que estimule o raciocínio clínico, sob a forma de discussão de casos, o aluno pode demonstrar suas habilidades, integrando os conhecimentos teóricos às atividades práticas da clínica [22]. Assim, esta atividade tem sido considerada uma tarefa complexa, pois envolve a integração de diferentes competências por parte do preceptor, e estas vão desde o ensino e supervisão até uma melhoria da qualidade assistencial prestada aos pacientes pelos quais também é responsável [6,19] como pontuam os integrantes nas falas abaixo:

 

P7: “ [...] É um contexto bem amplo e complexo que envolve tudo isso. [...] é um professor que vai ter que lidar com um monte de coisas dos pacientes, dos alunos...”

E4: “[...] Além disso, mostrar para a gente como é a vivência do profissional, nos trazer informações como: ‘Oh, existem essas dificuldades; a gente pode fazer dessa forma’ [...] nos mostrar como a gente pode conseguir lidar com essas dificuldades, além de atitudes que devemos tomar em algumas situações que só iremos presenciar na vivência prática pois na teoria não conseguiríamos ver. Então, nessa vivência teremos situações inesperadas que a gente tem que saber lidar e eles guiam a gente para isso.”

 

Importância da preceptoria

 

As falas que emergiram do grupo focal com os estudantes sugerem que a preceptoria é importante, pois, sob o apoio de um profissional experiente, sentem-se seguros nos procedimentos, erros podem ser corrigidos e acertos reforçados em um ambiente diferente da sala de aula. Além disso, favorece a possiblidade de conexão entre o assunto aprendido na teoria e a prática no contato com o paciente, conforme comentários abaixo.

 

“E4: [...] Eu acho que é importante justamente por nos guiar, demonstrar como devemos lidar com os problemas. Também tirar dúvidas, porque como somos estudantes, a gente não sabe tanto... então o profissional está mais apto para nos guiar, nos dizer o que é e o que não é, se estamos certos, se estamos errados...”

 “E6: [...] É importante por ter uma pessoa do lado, ter esse apoio deixa a gente se sentir seguro, nos ensina como devemos nos portar, o que fazer.”

 

Trabalho realizado em Curitiba, que se destinou a compor um capítulo do manual do preceptor de residência médica do Paraná [23], reconhece o preceptor como uma figura mais velha, de elevado padrão ético e profissionalmente experiente o suficiente para favorecer o aprendizado e a inserção do estudante no mercado profissional a partir do desenvolvimento prático, corroborando assim os achados deste estudo.

De acordo com revisão de literatura [17] e estudo comparativo [24] sobre os papéis do mentor e do preceptor no ambiente de prática clínica da enfermagem, o ponto essencial do papel do preceptor e da preceptoria é a oportunidade de aproximação entre teoria e prática, a seguir os estudantes pontuam também essa constatação de maneira clara atribuindo a preceptoria a característica de complementação das abordagens teóricas e práticas vividas na faculdade.

 

“E1: [...] É uma experiência totalmente diferente, é como realmente o Fisioterapeuta trabalha, é uma complementação. É muito importante, até porque a gente vê a diferença da faculdade, temos a oportunidade de trabalhar com os pacientes em algumas coisas, é muito importante para a gente se sentir útil e se sentir confiante do que a gente sabe do assunto. ”

“E7: [...] É a partir da prática que a gente vê que o tratamento não é só aquela receita de bolo que está no livro... é muito mais além... que o Fisioterapeuta tem toda aquela questão de entender o paciente como o todo, não só do paciente, mas também do seu acompanhante.”

 

Durante o grupo focal, os preceptores expressam a importância da preceptoria nas oportunidades de troca de conhecimento entre profissionais e estudantes, na necessidade de manutenção constante da atualização profissional, contribuindo assim tanto para a formação acadêmica quanto para o seu próprio aprimoramento, conforme ilustrado abaixo. Todavia, a literatura atenta para o fato de que o ensino da prática clínica ambulatorial tem mostrado inadequações no preparo específico para o desenvolvimento dessa atividade, principalmente, na qualidade e no tempo destinado por esses profissionais aos estudantes, tendo em vista que muitas vezes essa prática ocorre em um ritmo rápido e com múltiplas demandas sobre o preceptor sendo a atividade variável em oportunidades de ensino e aprendizagem [12,13,14].

 

“P5: [...] A importância da preceptoria é que faz com que a gente, preceptor, sempre esteja se atualizando, né? [...] Força a gente estar realmente se atualizando, lendo, trazendo coisas novas, aprendendo coisas novas, porque existe a troca entre profissional-aluno e profissional-profissional.

“P3: [...] A troca sabe? Quando tem alguém com um outro olhar, com uma outra experiência, né? Outro indivíduo com outra experiência faz a gente olhar de forma diferente...”

 

Nesse contexto, corroborando esses achados, estudos [6,25] mencionam tanto a importância das aquisições de experiências clínicas pelos estudantes durante a graduação, quanto a dimensão das relações estabelecidas entre os preceptores e os futuros novos profissionais. Dessa forma, evidenciam que ao preceptor é acrescido além da responsabilidade do ensinamento e desenvolvimento do saber, as funções de aconselhar, inspirar e influenciar os aprendizes de maneira técnica e ética.

As falas que seguem trazem ainda nessa categoria a importância da satisfação pessoal dos preceptores acerca do exercício dessa atividade, fortalecida pelo prazer em contribuir com o crescimento e empatia do estudante para com a profissão e para com a atividade acadêmica. Corroborando estudo analítico descritivo realizado no Rio de Janeiro, no qual 50 preceptores do curso de medicina responderam um questionário que abordou a visão dos estudantes acerca da preceptoria [22], nele, o gosto pelo magistério e os desdobramentos de uma boa relação preceptor/ estudante receberam destaque [22].

Uma revisão sistemática realizada em 2012 [26], que contempla em seus resultados um total de 36 artigos, afirma que estudantes são influenciados por seus preceptores na escolha de sua carreira profissional: estimulados positivamente escolhem a área. Pontua ainda que isso acontece mediante os julgamentos que os mesmos fazem quanto ao nível profissional dos que os acompanham.

 

“P6: [...] “Eu vejo assim... A preceptoria ela tem importância para quem gosta de ser preceptor, porque nem todo mundo que é preceptor é preceptor por escolha né? Mas eu gosto de ser preceptora e a importância dela para mim é porque me deixa sempre próxima da docência que é o que eu gosto na minha vida. Porque querendo ou não é um estudante que está ali e acaba que eu estou ‘entre aspas’ ensinando, mostrando para ele a minha vivência, a minha atitude e ele está se espelhando, aprendendo... Eu estou contribuindo com o crescimento dele. Para mim é isso. É importante porque eu gosto de contribuir com esse crescimento”.

 

Concordando com essas opiniões a literatura mostra que preceptoria exige habilidades múltiplas, desenvolvimento consciencioso e refinamento contínuo, contudo, estudos mostram o pouco investimento no processo seletivo desses profissionais sendo a maioria deles historicamente escolhida por seus méritos profissionais e tempo de experiência clínica [6,7]. Porém, diante das novas estratégias educacionais isso pode não estar atrelado a competência de ensinar, pois muitos deles não possuem preparo propriamente pedagógico ou esse é insuficiente podendo impactar de maneira prejudicial ao aproveitamento do estudante [23,27].

Contribuição do OMP na VPP e na preceptoria

Os relatos a seguir apresentam diferenças positivas sob a visão dos estudantes, durante a VPP, quando comparam as experiências vividas previamente ao modelo OMP com as estimuladas a partir desse modelo. Consideraram um modelo positivo e enriquecedor principalmente quanto à participação ativa e ao estímulo do raciocínio clínico que, segundo eles, contribui para o amadurecimento profissional durante a vida acadêmica.

 

“E7: [...] Eu percebi que essa nova metodologia fez com que eles impulsionaram a gente tentar mais do que observar, essa foi a principal diferença que eu senti. Essa prática faz com que haja maturação profissional porque se não tivesse isso não seria tão enriquecedor para nossa vida acadêmica”.

“E5: [...] Outros estudantes também perceberam que depois da capacitação, o preceptor mudou bastante a forma de se portar, explicar como são as coisas...”

 

Esses achados contrapõem um estudo realizado com 68 participantes no ano de 2006 [28], no qual o objetivo foi avaliar a contribuição do OMP no desenvolvimento docente mediante autoavaliação institucional e avaliação dos preceptores pelos residentes. Nele foi identificado que de acordo com a avaliação institucional, o modelo OMP melhorou significativamente as habilidades de preceptoria de seus profissionais, todavia de acordo com os estudantes que participaram da pesquisa essa mudança positiva não foi verificada.

Ainda que os dados quantitativos oriundos dos questionários respondidos pelos preceptores (Tabela III) apresentem 90% oferecendo feedback, apenas 50% concordaram totalmente que reforçava o que estava correto e corrigia o que estava incorreto. Dessa amostra, apenas 30% seguiam um roteiro para realizar suas atividades. A esse respeito, nos próximos discursos do GF de preceptores identifica-se que o modelo de preceptoria OMP provocou algumas mudanças positivas na prática dos profissionais, entre elas, a facilitação na forma de condução e a realização da tarefa e do feedback através do roteiro em cinco passos que o OMP propõe.

 

“P4: [...] Você meio que tem um roteiro estruturado pra dar o feedback e isso é importante. Porque, às vezes, a gente se perde e vai falar de uma coisa e outra e fala de uma situação e, aí às vezes, o que é importante do feedback ele se dissipa naquela fala”.

 

Conceitualmente, realizar o feedback é uma estratégia que oferece a possibilidade de informar o estudante sobre seu desempenho, de forma que se for oferecido com efetividade provocará reflexões e mudanças de comportamento em resposta, o que é imprescindível para o aprendizado [21].

O estudo quantitativo deste estudo, no período de pré- capacitação, identifica que 30% da amostra (Tabela III) concorda parcialmente que tem alguma dificuldade de estimular positivamente seus estudantes, complementando esse achado, as falas que seguem revelam mudanças de comportamento dos preceptores pós-capacitação de modo que se pode observar uma diferença na forma de conduzir a atividade de preceptoria de maneira mais organizada, sistematizada e de maior solicitação ativa do estudante durante o encontro, levando o estudante a elaboração mais complexa de raciocínio.

 

“P5: [...] Eu sou muito de falar e eu venho do tradicional, então para mim modificou um pouquinho de eu me segurar mais e deixar eles desenvolverem. [...] E aí agora eu dei uma segurada e percebi que dá pra gente fazer em outras vertentes as coisas, puxando pra outra organização e segurando mais o freio.”

“P7: [...] “Fazer a gente seguir mais as regras. Os cinco passos. Porque querendo ou não, com a dinâmica que a gente está acabamos fazendo uma coisa, atropelamos outra, acabamos nos perdendo em algumas coisas e seguindo as regras fica bem mais fácil. Isso facilitou um pouquinho...”

 

Para esses comentários, é possível identificar o que expressa um estudo com preceptores do programa de residência médica da família e da comunidade, quando asseguram que os microskills são fáceis de aprender e a maioria dos ensinamentos nos encontros clínicos podem ser facilmente usados. Os preceptores apresentam assim como mencionado nas falas acima a boa aceitabilidade desse modelo de preceptoria [15].

 

Centralização da preceptoria no estudante

 

Ainda que estudos abordem sobre os requisitos necessários para o exercício da preceptoria e tragam a importância da oferta de treinamento adequado para a mesma, no intuito de oferecer aos estudantes além de um profissional especialista experiente um bom educador da prática clínica, observa-se pouca atenção para ofertas de possibilidades de capacitação a esses profissionais [23,28].

Após a capacitação, percebe-se que os preceptores observaram um maior refinamento no desenvolvimento de suas atividades de preceptoria, e que a orientação, segundo os passos propostos pelo modelo OMP, facilitou o direcionamento da abordagem do estudante na vivência, de modo que o estudante passou a protagonizar o encontro, como se propõe [7], sendo ele levado a ser o autor da construção do seu conhecimento a partir das elaborações de raciocínios estimulados pelo profissional que o recebia naquele momento [15].

 

“P6: [...] Nesse modelo, nós não somos os protagonistas. O estudante é que é o protagonista e ele é quem vai construir aquele conhecimento naquele minuto.”

 “P3: [...] Então assim como dissemos, refinou, um pouco mais, mas era algo que já era feito. Agora é feito mais direcionado, como uma linha do tempo. [...] Possui um começo, um meio e um fim.”

 

De acordo com as respostas obtidas nos questionários respondidos pelos estudantes (Tabela IV), 45% da amostra concordou parcialmente com a afirmação de que se sentia estimulado a expressar suas opiniões sobre o caso e de ressaltar a forma como chegaram a suas conclusões. Sobretudo, 60% dos preceptores afirmam, concordando totalmente, que antes de expressar suas opiniões sobre o assunto em questão procuram saber o que o estudante tem de conhecimento prévio.

          No discurso dos estudantes foi possível verificar que os questionamentos realizados mediante estratégia com o modelo OMP provocaram uma diferença expressiva quando compararam suas participações antes e depois da capacitação. De acordo com eles, as experiências vividas após a implementação desse modelo de preceptoria favoreceram a autoconfiança, a autonomia e o aprendizado de maneira especial.

 

“E3: [...] Foi o rodízio que mais trouxe para gente autonomia realmente, de como lidar com o paciente, de saber ter esse contato... me fez pensar muito, ela me ajudou em determinados assuntos que eu também veria em tutoria e clareou bastante. Então eu achei muito bom.”

 

Outro ponto importante destacado pelos estudantes a seguir foi que o modelo OMP pareceu motivador e que promoveu mais segurança de modo que eles falam da oportunidade de troca de conhecimento mediante a escuta de suas opiniões sobre o caso em questão, favorecendo experiências novas que podem ser usadas como conhecimentos prévios em outro momento.

 

E9: [...] Eu acho que isso facilitou no nosso aprendizado, principalmente na questão de estimular, de passar mais segurança, passar mais informação, explicando como é aquele paciente, que fazer com ele, dando oportunidade a nós de falar se temos alguma sugestão de alguma atividade para fazer e juntar a nossa opinião com o que eles queriam fazer já para termos noção de ter condições de pegar o paciente e levar como experiência.”

 

A literatura mostra que ser reconhecido pelo preceptor, a partir de suas preferências de aprendizado e da relevância atribuída a cada assunto, torna o encontro mais interessante e efetivo, por isso alguns modelos e estratégias educacionais atuam estimulando a motivação intrínseca a fim de favorecer a obtenção do aprendizado em cenários clínicos [23]. A falas abaixo parecem identificar que os estudantes passam a ser mais requisitados ao raciocínio clínico à medida que amadurecem no curso e que a personalidade do preceptor mesmo após a capacitação é um determinante de como ele vai agir durante o encontro.

 

“E7: [...] Apesar dessa orientação, dessa nova metodologia da prática, é muito particular de preceptor para preceptor, porque tem preceptores que eu vi realmente essa diferença de acreditar e me impulsionar a fazer e teve preceptores que continuaram na mesma, só seminário e observacional”

“E8: [...] Eu sou do 4º período e quando a gente vai para os rodízios, ficamos só no observacional..., mas essa vivência da prática, eu acho que dá muita teoria, e eu acho importante eles permitirem que a gente coloque em prática o que a gente já sabe, até para a gente consolidar; só que não permitem.”

 

De acordo com algumas pesquisas os comportamentos pessoais dos preceptores podem ser fatores complicadores dentro do processo, reduzindo a participação ativa, desmotivando e limitando o raciocínio crítico reflexivo do estudante inserido no contexto [7,18,22]. Um estudo realizado em 2012 com preceptores do Programa e Residência Multiprofissional em Oncologia do Instituto Nacional do Câncer (INCA) trouxe as carências e dificuldades no exercício da preceptoria, entre elas a falta de capacitação didático-pedagógica e a ausência de definição institucional formal sobre as responsabilidades e papéis dessa atividade [19]. Tal achado fortalece a importância e a necessidade de levar ao conhecimento desses profissionais táticas facilitadoras da atividade que desenvolvem diariamente [23].

 

Mudanças de desempenho e atitudinais dos estudantes

 

Do total de estudantes que respondeu ao questionário 25% concordam parcialmente, 30% concordam e 5% concordam totalmente que tem dificuldade em compreender e interpretar o caso clínico em questão (Tabela IV). Em relação à preferência por receber informações mais amplas sobre os casos ou condutas, 25% concordaram totalmente com a afirmação, 25% concordaram parcialmente e 5% não concordaram. Nesse sentido, 50% dos preceptores concordaram que, durante a transmissão de seus ensinamentos, preconizam oferecer conceitos amplos e informações gerais ao invés de oferecer detalhes sobre casos e condutas.

No GF com os estudantes, foram pontuadas mudanças importantes de desempenho e nas atitudes mediante a prática seguindo o OMP. De modo geral, essas práticas estiveram ligadas a maior confiança, motivação, autonomia, aprendizado e redução da timidez inclusive no esclarecimento de dúvidas.

 

E6: [...] O que mudou realmente foi a questão da confiança... de se sentir capaz de fazer aquilo e não sentir que está ali porque tem que estar ou porque faz parte da grade curricular... Eu me senti mais capaz, me senti mais motivada a aprender tudo, a querer entender como aquilo está acontecendo, qual seria a forma de melhorar, praticar... Eu acho que isso foi uma coisa que pecou muito nos outros períodos, pelo menos nos setores que eu peguei, não tínhamos tanto a prática, era só a teoria, observação e pronto. Então assim... Você não tinha nenhuma autonomia”.

“E5: [...] Tivemos um aprendizado bem maior, pois quando íamos para a tutoria, já tínhamos visto no hospital. Acho que mudou e muito. No terceiro período tivemos alguns que até puxavam, mas percebemos que melhorou muito, principalmente o segundo rodízio. Como eu disse, para mim, foi o melhor rodízio até agora durante todos esses terceiro e quarto períodos...”

“E5: [...] Então isso me ajudou bastante em relação a timidez porque querendo ou não, eu tinha que estar lá conversando, orientando tirando dúvidas... me ajudou muito”.

 

Nessa perspectiva, um estudo que procurou identificar entre os estudantes quais eram os comportamentos dos preceptores que contribuíam para facilitar a formação referiu que eles valorizam a preceptoria, e que as habilidades não cognitivas relacionais, didática, conhecimento do tema e paixão pelo magistério eram condutas fundamentais para estimular formação reflexiva [22].

A partir da análise de conteúdo dos profissionais, percebeu-se que eles também identificaram alterações na postura dos estudantes principalmente na participação ativa e segurança, sobretudo em relação ao nervosismo e a insegurança também no momento em que precisavam responder as perguntas que eram direcionadas.

 

“P2: [...] Aconteceu, recentemente, nesse processo pós-capacitação, alguns estudantes rodarem comigo novamente. Então, eles já me conheciam antes e aí depois eles perceberam que eu havia mudado um pouco a postura em relação a falar demais, entende? Aí notei sim que isso mudou a postura deles. Eles ficaram mais inseguros ao dar a resposta. De algumas coisas que eu perguntava”.

“P5: [...], mas ao mesmo tempo eu vi outros que mudaram assim: ‘Não. É isso mesmo e ponto’. Então, eu achei bacana também essa mudança deles.

 

Nesse contexto, a fala abaixo obtida do GF com preceptores procura trazer uma situação na qual o guia de bolso, entregue na capacitação como forma de facilitar o seguimento dos passos, incitou por parte do estudante uma comparação do OMP com uma avaliação. Porém, de acordo com a mesma fala essa sensação parece não aparecer quando o preceptor automatiza os passos ao longo da prática não necessitando consultar o guia.

 

“P6: [...] Eu confesso que eu puxava o papelzinho para ver os cinco passos e aí: ‘Ai, P6, o que é isso? É uma prova é?’.” Aí eles ficavam nervosos, não todos, e aí quando eu começava a fazer ao longo do dia e acabava que já decorava, aí ia ficando mais tranquilo... mas se você tiver de puxar a sua ‘filinha’ ali, eles acham que você está fazendo alguma prova prática e assim vai...”

 

De acordo com a metodologia adotada pelo modelo, quando um estudante apresenta os fatos de um caso e em seguida para, é porque está aguardando que o preceptor ofereça uma interpretação, porém nesse momento é importante que o mesmo evite preencher a lacuna verbal, a orientação e em vez disso questione sobre o que ele pensa sobre os dados que acabaram de ser colocados o que exige uma postura mais participativa e resolutiva sobre a questão [7,15].

Os discursos dos estudantes abaixo trazem que inicialmente sentem-se fora da zona de conforto, o que provoca uma certa inquietação, sendo pontuado por eles de maneira positiva, por provocar uma solicitação ativa maior, que exigiu tomadas de atitudes e posturas diferentes, favorecendo a partir dos estímulos que estavam recebendo, melhora de sua criatividade, autonomia, redução da timidez, melhora da forma de expressão e do trato inclusive mediante situações éticas.

 

“E6: outra coisa foi a criatividade, antes eu não tinha muita..., mas isso deve ter despertado né? Estou melhor, um pouquinho... digamos que 10% mais criativa...”

 “E5: [...] sou muito tímida. Eu tinha que aprender a sobreviver de algum jeito, né? Então isso me ajudou bastante em relação a timidez”.

E3- “São tantas coisas... Tantos detalhes que nos ajudaram de fato... Eu acho que enfrentar os desafios que a gente ainda não tinha passado, né? [...] A autonomia, o ter o cuidado com as palavras, o jeito de falar com o paciente, o que falar e o que não falar... acho que isso é muito enriquecedor para o nosso aprendizado, aprender lidar com situações éticas, como se tornar profissional.”

 

As opiniões a seguir sugerem que alguns preceptores classificam também o modelo como meio de avaliação, ficando implícito que o mesmo pode ser capaz de verificar de maneira formativa a construção e a consolidação do conhecimento aplicado ao contexto clínico, o que poderia vir a facilitar o acompanhamento de sua responsabilidade, através da redução da subjetividade, favorecendo um feedback mais direcionado oportunizando ao estudante reflexão e manejo de estratégias próprias que possam vir a auxiliar seu desenvolvimento.

 

“P1: “Eu não informava a eles que iam estar sendo avaliados de uma forma diferente”.

“P6: [...] Eu também não avisava que ia avaliar de uma forma diferente não...”

 O comentário que segue indica uma mudança de postura de preceptores quanto ao despertar da necessidade de identificar o período em que o estudante está a fim de acompanhar o currículo do curso e extrair do estudante exatamente aquilo que ele pode oferecer mediante seu grau de maturidade acadêmica.

“E2: [...] Tanto é que quando a gente chega eles perguntam logo, vocês são de que período? Vocês já viram isso? e tal? E com o decorrer, dependendo do período em que a gente está, da nossa bagagem, dos laboratórios, eles sabem o que devem ou não extrair da gente na prática”.

 

No intuito de oferecer aos estudantes um processo formativo desfragmentado que facilite uma reflexão sistemática e bem fundamentada acerca dos modelos de atenção à saúde, uma revisão de literatura [20] menciona que as inquietações com a formação pedagógica de preceptores na área da saúde tem sido uma constante nos últimos anos, sendo a capacitação baseada em estratégias educacionais levantada como fator relevante para o fortalecimento das trocas entre preceptores e estudantes. Sobretudo, para tanto é necessário que haja apoio das instituições envolvidas no que diz respeito a dotar de habilidades educacionais seus preceptores, favorecendo-lhes a possibilidade de compreender como é realizado o planejamento curricular do curso, a importância da problematização, os diferentes tipos de avaliação, a utilização de tecnologias de informação e a comunicação [29].

 

O impacto do OMP no feedback

 

Considerando as colocações feitas pelos dois GF da pesquisa nas falas que seguem, percebe-se que o OMP foi um facilitador da condução do feedback, pois subsidiou um maior direcionamento do preceptor, refinando a prática desse exercício, promovendo uma melhora de desempenho alinhando-o de maneira mais adequada e efetiva bilateralmente.

 

P1: “Eu já trabalhava com os alunos da forma que foi proposta a gente no treinamento, mas o feedback que foi solicitado pra gente fazer diariamente acho que deu uma melhorada nesse sentido, tanto pra eles quanto pra mim. Acho que essa questão do feedback diário foi legal”.

P4: [...] “então eu acho que o mais importante pra mim, foi esse roteiro estruturado do feedback pra direcionar e focar nas coisas mais importantes e que de fato fazem a diferença para o aluno”.

 

O feedback tem sido utilizado para promoção de desenvolvimentos positivos e desejáveis, e essa prática pode ser desafiadora para muitos profissionais que educam estudantes de saúde, pois é uma prática que envolve um conhecimento que vai além do domínio técnico e científico da profissão, requer também habilidades de reconhecimento de necessidades psicossociais do receptor [21]. Essa estratégia deve se concentrar na tarefa e ser específica ao momento da execução, ligando-se diretamente a objetivos pessoais do estudante e oportunidades para oferece-lo não devem ser perdidas, inclusive em momentos que envolvem alto risco [21].

O preceptor abaixo destaca mudança de percepção em relação a forma de colaboração e compartilhamento de conhecimento, o que possibilita um movimento diferente para desempenhar novas estratégias educacionais.

 

P3: “Assim... Pra mim mudou um pouco a minha visão, porque eu venho de um outro método de ensino, onde o preceptor, onde o professor doa, de certa forma, o conhecimento. Ou seja, o aluno pergunta e a gente responde".

 

De acordo com a literatura o MET não parece mais tão inquestionável e absoluto, pois centraliza a preceptoria na figura do preceptor e do paciente, e, diante das mudanças que vem acontecendo no perfil dos estudantes, a passividade pode vir a provocar uma redução do interesse destes, culminando na redução do aproveitamento individual e inviabilizando a prática do feedback [13], que explora a interação nos aspectos indivíduo-feedback que são: o eu; a aceitabilidade e estabelecimento de novas metas [21,30].

Os estudantes abaixo mencionam percepção da preceptoria mediante o modelo OMP, relatando momentos que envolvem e pontuam o feedback imediato voltado para a atividade, de modo que o a interpretação foi voltada ao estímulo do pensamento e da execução perfeita da atividade, aumentando a segurança e confiança na capacidade quando houve necessidade de repetição da tarefa.

 

“E3: [...] Então ela deixava um paciente pra cada uma e dizia o que tinha que ser feito e botava a gente pra pensar também... [...] E se a gente estivesse fazendo algo errado, ela ia lá e já consertava né?”

“E6: [...]Quando foi da outra vez eu me senti mais capaz, porque não tinha mais aquele medo. A gente tinha sido estimulada a fazer tudo perfeito.”

 

As falas acima são endossadas pela literatura que traz a importância do feedback facilitador, durante a realização de tarefas complexas, pois esse aprimora o aprendizado estimulando o estudante ao alcance de alto nível, reduzindo as interrupções durante a execução da atividade [21,30]. Para manter a motivação e o estímulo, os estudantes precisam ser devidamente apoiados. Entretanto, seus educadores também devem receber esse auxílio na busca de desenvolvimento de abordagens estratégicas.Para alcançar tal integração, é necessário o desenvolvimento cultural do feedback, incorporando-o de forma implícita e explícita em todas as atividades [21,30].

 

Fortalezas e fragilidades do OMP

 

As falas a seguir trazem pontos fortes ligados ao OMP, durante o desempenho da preceptoria, por parte dos preceptores e da VPP, por parte dos estudantes. Os participantes acharam positivo a saída da zona de conforto suscitada pelo modelo, também, que o mesmo apresenta um maior alinhamento com a metodologia vivenciada pelos estudantes. Considerando as colocações, o OMP foi capaz de impulsionar os estudantes a elaboração do raciocínio clínico reflexivo, e os preceptores a experimentar uma nova maneira de prover construção do saber, inspirada em uma estratégia educacional que estimula a participação ativa e colaborativa, fazendo do estudante o centro de seu próprio aprendizado, o que, sob a visão deles, melhorou ainda mais as Vivências da Prática Profissional.

 

“E6: [...] Sair totalmente da zona de conforto. O que é uma coisa boa, porque quando a gente sai dela, a gente aprende coisas novas, sente coisas novas, e vê as coisas de outro jeito...

“P3: [...] com essa capacitação, a vivência da gente é tentar estimular o aluno, o estudante a ir buscar dentro do que ele conhece, ou então buscando em outras referências, a resposta daquilo que ele quer e não só a gente dar de mão beijada, mas cobrar dele esse raciocínio clínico, um raciocínio científico para buscar o que ele precisa.”

“P5: [...] Percebi que dá pra gente fazer em outras vertentes as coisas.”

“E4: [...] Melhorou ainda mais, me orientando, me guiando de fato.”

 

Nesse contexto, estudos de desenvolvimento do modelo asseguram que ele foi criado para oferecer ao preceptor uma forma diferente de conduzir ensinamentos valiosos, em um curto espaço de tempo, e de maneira eficaz. [7,13,15]. Sobretudo, os preceptores pontuaram a falta de tempo como dificuldade para realizar a preceptoria mediante o que solicita o modelo OMP atrelando-a a todas as atribuições que os cercam diariamente. As falas que seguem mostram que apesar de ser um método ativo que centraliza o encontro no estudante, um dos integrantes do grupo de preceptores sentiu-se engessado pelos passos do modelo:

 

 “P6: [...] Você não gasta três/quatro minutos não... Muitas vezes você precisa gastar mais. Fazendo com todos os estudantes que estão com você, em todos os pacientes, atrasa seu atendimento, entendeu? [...] É legal, mas não é em um minuto. Dura mais tempo.”

“P3: [...] Tendo em vista que o atendimento dura cerca de meia hora... [...] Você está falando com o estudante e olhando para porta. O estudante começa a ficar agoniado e se apressa sabe?

 

A literatura aborda constantemente as inúmeras demandas de responsabilidade do preceptor e o exíguo lapso temporal como limitadores na execução das atividades que ele desempenha [19,22,23]. Autores [7,13,15] evidenciam que o modelo OMP favorece um aprendizado em tempo limitado em meio as demandas criadas pelo atendimento do paciente, pois o mesmo foi projetado para manter o encontro 5 minutos ou menos, porém apesar disso, é importante esclarecer que o encontro poderá variar em tempo mediante a complexidade do caso e necessidades do estudante.

 

Conclusão

 

De acordo com o estudo desenvolvido é possível identificar que o OMP foi avaliado positivamente pelos estudantes e preceptores, de modo que os mesmos o consideraram alinhado a metodologia de ensino e ao perfil estudantil da faculdade analisada, tendo contribuído para o desenvolvimento de habilidades, atitudes e conhecimentos de ambos os grupos. Pelos preceptores, não foram oferecidas sugestões para melhoramento dos passos do OMP e segundo a opinião destes os passos desse modelo de preceptoria são bem delineados e orientam bem o exercício de preceptoria, facilitando, norteando e auxiliando o desenvolvimento dessa tarefa tão complexa e que exige muitas aptidões profissionais. Já para os estudantes o OMP foi identificado como um método facilitador da preceptoria, promovendo uma elaboração complexa do raciocínio que muitas vezes foi utilizado também em tutoria como mostra a análise qualitativa.

Outro ponto importante e várias vezes mencionado por eles foi a questão da motivação, participação ativa e de maior autonomia nas práticas e resolução de problemas que envolvem demandas em outros aspectos de aprendizado. O roteiro do OMP foi avaliado de maneira satisfatória pelos preceptores e pelos estudantes e percebido como uma melhora na forma a qual os preceptores passaram a estimular a participação e o raciocínio de maneira mais ativa e direcionada. Pelos preceptores, o instrumento ofereceu um caminho para avaliar e oferecer feedback, que passou a ser mais efetivo e eficiente de acordo com os estudantes. Contudo, é importante ressaltar que de acordo com as dificuldades e várias demandas apresentadas pelos preceptores, o tempo destinado a preceptoria com o modelo OMP pode atrasar os atendimentos, o que preocupa os profissionais, pois eles precisam atender as demandas do serviço e oferecer suporte educacional de qualidade aos estudantes. Assim este estudo oferece um diagnóstico em relação à educação no ambiente de prática clínica sob a visão de estudantes e preceptores, trazendo um retrato da possibilidade de utilização de uma metodologia voltada a preceptoria.

 

Conflitos de interesse

Não há.

 

Fontes de financiamento

Próprio.

 

Contribuição dos autores

Concepção e desenho da pesquisa: Vieira JB, Costa JM, Pimentel CM; Coleta de dados: Pimentel CM; Análise e interpretação dos dados: Pimentel CM; Análise estatística: Pimentel CM; Redação do manuscrito: Pimentel CM, Barros MCS; Revisão crítica do manuscrito quanto ao conteúdo intelectual importante: Vieira JB, Costa JM.

 

Referências

 

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