Fisioter Bras. 2023;24:(5):636-46

doi: 10.33233/fb.v24i5.5435

ARTIGO ORIGINAL

Sintomas do assoalho pélvico associados à COVID-19 em mulheres jovens: estudo transversal

Pelvic floor symptoms associated with COVID-19 in young women: cross sectional study

 

Bárbara Valente de Oliveira, Lais de Abreu Trevisan, Isabela Sousa Morais, Gisela Rosa Franco Salerno

 

Universidade Presbiteriana Mackenzie, São Paulo, SP, Brasil

 

Recebido em: 30 de março de 2023; Aceito em 25 de setembro de 2023.

Correspondência: Bárbara Valente de Oliveira, barbara.fxf@outlook.com

 

Como citar

Bárbara Valente de Oliveira, Lais de Abreu Trevisan, Isabela Sousa Morais, Gisela Rosa Franco Salerno. Sintomas do assoalho pélvico associados à COVID-19 em mulheres jovens: estudo transversal. Fisioter Bras. 2023;24(5):636-46. doi:10.33233/fb.v24i5.5435

 

Resumo

Introdução: Considerando a relação recíproca entre o assoalho pélvico e o diafragma respiratório, a sobrecarga da musculatura pélvica pela tosse e a dispneia e ação viral sobre a bexiga, podemos hipotetizar relação entre a COVID-19 e as disfunções do assoalho pélvico. Objetivo: Investigar a frequência de sintomas urinários em mulheres que foram afetadas pela COVID e se esses sintomas permaneceram após a melhora da infecção e identificar se houve piora de sintomas já previamente existentes nas participantes. Métodos: 88 mulheres entre 18 e 60 anos, que haviam sido infectadas pela COVID-19 responderam ao questionário digital via Google Forms, que buscava identificar a presença ou não de incontinência urinária de esforço e urgência, urgência urinária, noctúria, e outros sintomas do trato urinário, em 4 momentos estabelecidos (antes da pandemia, durante a pandemia, durante o período em que estava infectado pela COVID-19 e após a COVID-19). Para análise estatística foi realizado teste de Kolmogorov-Smirnov seguido do teste de Wilcoxon, considerando significância de p < 0,05. Resultados: A média de idade das 88 participantes foi de 31,9 anos, e dessas 13(14,8%) referiram sintomas de incontinência urinária de esforço antes da COVID, tendo a frequência aumentada para 22(25%) durante a infecção (p < 0,08) e 23(26,1%) após a COVID (p < 0,06). O sintoma de incontinência urinária de urgência foi relatado por 9(10,2%) das participantes antes da COVID e esse sintoma foi descrito por 19(21,5%) durante e 29(33%) após (p < 0,005). A frequência de sensação de urgência sem perda urinária aumentou de 14(15,9%) participantes antes, para 19(21,6%) durante e 29(33%) após a COVID (p < 0,005). A frequência de noctúria aumentou de 36(40,9%) antes para 50 (56,8%) durante (p < 0,05), reduzindo para 48(54,5%) após a COVID (p = 0,07). A frequência urinária também aumentou e 6,02 para 7,56 (p < 0,05) considerando o antes e após a COVID. Conclusão: Ocorreu aumento na frequência da noctúria durante o período de infecção pela COVID e na sensação de urgência e esvaziamento incompleto no período de infecção pela COVID e após COVID. A piora entre as participantes foi nos sintomas de perdas urinárias aos esforços e na sensação de urgência miccional no período de infecção pela COVID e após COVID.

Palavras-chave: COVID-19; assoalho pélvico; mulheres; distúrbios do assoalho pélvico; SARS-COV 2.

 

Abstract

Introduction: Considering the reciprocal relationship between the pelvic floor and the respiratory diaphragm, the overload of the pelvic muscles by coughing and dyspnea, and viral action on the bladder, we can hypothesize a relationship between COVID-19 and pelvic floor dysfunctions. Objective: To investigate the frequency of urinary symptoms in women who were affected by COVID and whether these symptoms remained after the improvement of the infection and to identify whether there was a worsening of previously existing symptoms in the participants. Methods: 88 women between 18 and 60 years old, who had been infected by COVID, answered the digital questionnaire via Google Forms, which sought to identify the presence or absence of stress and urge urinary incontinence, urinary urgency, nocturia, and other symptoms of urinary tract, at 4 established times (before the pandemic, during the pandemic, during the period when I was infected with COVID and after COVID). For statistical analysis, the Kolmogorov-Smirnov test was performed, followed by the Wilcoxon test, considering significance at p < 0.05. Results: The mean age of the 88 participants was 31.9 years, and of these 13 (14.8%) reported symptoms of stress urinary incontinence before COVID, with the frequency increasing to 22(25%) during the infection (p < 0.08) and 23(26.1%) after COVID (p < 0.06). The symptom of urge urinary incontinence was reported by 9(10.2%) of the participants before COVID and this symptom was described by 19(21.5%) during and 29(33%) after (p < 0.005). The frequency of urgency without urinary leakage increased from 14(15.9%) participants before, to 19(21.6%) during and 29(33%) after COVID (p < 0.005). The frequency of nocturia increased from 36 (40.9%) before to 50 (56.8%) during (p < 0.05), reducing to 48 (54.5%) after COVID (p = 0.07). Urinary frequency also increased from 6.02 to 7.56 (p < 0.05) considering the before and after COVID. Conclusion: There was an increase in the frequency of nocturia during the period of COVID infection and in the sense of urgency and incomplete emptying during the period of COVID infection and after COVID. The worsening among the participants was in the symptoms of urinary losses on exertion and in the feeling of urinary urgency in the period of infection by COVID and after COVID.

Keywords: COVID-19; pelvic floor; women; pelvic floor disorders; SARS-COV2

 

Introdução

 

O SARS-CoV-2 é um betacoronavírus responsável por causar a Coronavirus disease ou COVID-19. Apesar de a doença ser principalmente caracterizada pelo acometimento respiratório agudo, existe uma série de manifestações clínicas extrapulmonares [1].

O assoalho pélvico é um grupo muscular responsável pela tríade continência, suporte de órgãos pélvicos e função sexual. Durante situações de aumento da pressão intra-abdominal, como em uma tosse, ocorre contração antecipatória desse grupo muscular. Assim, em situações de fadiga e sobrecarga, desencadeado por uma doença respiratória, por exemplo, com inadequada modulação da pressão abdominal, a musculatura pélvica fica mais suscetível a micro lesões e incoordenação, podendo desencadear o comprometimento da tríade de funções [2].

Existe uma sinergia mecânica entre o assoalho pélvico, o diafragma respiratório e a musculatura abdominal, de forma que ocorre recrutamento sinérgico da musculatura pélvica durante a inspiração e mais significativamente durante a expiração. Assim, o assoalho pélvico exerce importante papel durante a respiração, sendo solicitado durante situações de maior demanda respiratória, contribuindo para a capacidade respiratória e expiratória máxima, e justificando assim afecções simultâneas de ambos os sistemas em condições patológicas [2,3].

Além da relação mecânica entre os músculos pélvicos e respiratórios, a tosse e a dispneia se tratam de sintomas recorrentes da COVID-19, principalmente na forma crítica da doença, e promovem sobrecarga e fadiga na musculatura pélvica podendo favorecer disfunções de estabilidade, como perdas urinárias. A internação hospitalar associada a forma crítica ainda tem potencial para comprometimento geral da funcionalidade, inclusive do controle vesical, pelo uso de sondas e perda de massa muscular [4].

Ainda, é descrito a provável ação viral sobre o tecido vesical ou estruturas nervosas e vasculares adjacentes na denominada COVID-19 Associated Cystitis (CAC). Essa hipótese é sustentada pela presença de receptores ECA 2 nas células uroteliais e bexiga, tornando esse órgão suscetível a inflamação e a manifestação de sintomas urinários [5].

Tendo em mente a ampla variedade de sistemas acometidos pela COVID-19 e a importância de uma abordagem fisioterapêutica global, a investigação dos sintomas do assoalho pélvico é fundamental para garantir adequado rastreio, encaminhamento e tratamento desses pacientes após estabilidade do quadro.

Assim, o presente trabalho teve como objetivo investigar a frequência de sintomas urinários em mulheres que foram afetadas pela COVID-19 e se esses sintomas permaneceram após a melhora da infecção. Ainda, como objetivo secundário, buscou-se identificar se houve piora de sintomas já previamente existentes nas participantes.

 

Métodos

 

Foi realizado um estudo transversal mediante aprovação do Comitê de Ética em Pesquisa com seres humanos, sob parecer CAAE: 44655221.9.0000.0084, respeitando todos os princípios éticos que norteiam a pesquisa.

Foram recrutadas, por conveniência, no período de setembro a novembro de 2021, 135 participantes do sexo feminino, idade entre 18 e 60 anos, e que haviam sido infectadas pela COVID-19 dentro dos últimos 6 meses, para que assim os sintomas pudessem ser realmente mensurados com fidedignidade, para responder à questionário Google Forms, de autoria própria, para investigação de sintomas urinários pós-COVID. Foram excluídas participantes fora da faixa etária estabelecida, que não foram afetadas pela doença, gestantes, questionários incoerentes e/ou com respostas que não poderiam ser utilizados adequadamente. Além disso, a declaração da contaminação prévia pelo vírus bem como os demais dados coletados foi baseado exclusivamente no autorrelato da participante.

Todas as participantes do estudo tiveram livre acesso ao Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE), disponibilizado na primeira página do questionário Google Forms, e concordaram com o documento antes do início da coleta de dados.

Para a estruturação da coleta de dados foi utilizado um questionário de própria autoria desenvolvido com base na análise de sintomas pélvicos associados a COVID-19 de Siracusa e Gray [4], e disponibilizado via Google Forms. O questionário consistiu em uma triagem para caracterização da amostra, seguida de uma série de perguntas dicotômicas (sim e não) referentes a presença de sintomas urinários relacionados ao assoalho pélvico (incontinência urinária, urgência urinária, noctúria e frequência urinária) em 3 momentos estabelecidos (antes, durante o período em que estava infectado pela COVID-19 e após a COVID-19). A noctúria foi determinada como a interrupção do sono pela vontade de urinar, mais de 2 vezes na mesma noite, ressaltando que essas perguntas eram para visualizar a autopercepção delas a respeito desses incômodos.

No caso de a participante já possuir um sintoma previamente, no próprio instrumento de avaliação ela era direcionada para uma pergunta que avaliava a piora do sintoma nos demais momentos avaliados. Essa piora era analisada como a percepção delas sobre o sintoma, ou seja, analisamos o ponto de partida das que se autorrelatavam com essa percepção e comparamos com os dados apresentados por elas na presença da COVID e após a COVID. Todos os sintomas foram apresentados às participantes por meio de termos populares e de fácil entendimento, com uma breve explicação a seu respeito, com a finalidade de reduzir erros pela não compreensão.

Após a coleta e tabulação dos dados, estes foram analisados inicialmente pelo teste de Kolmogorov-Smirnov, seguido do teste Wilcoxon, considerando uma significância de p < 0,05.

 

Resultados

 

O estudo contou com 135 respostas aos questionários, sendo excluídos 47 devido a respostas faltantes e não consentimento livre esclarecido posterior (Figura 1). Restaram assim 88 participantes para análise desses sintomas, com média de idade de 31,9 ± 10,8 anos, e que haviam sido infectadas pela COVID nos últimos 6 meses. Dessas, 24(30%) apresentavam comorbidades, sendo que as mais relatadas foram; doenças respiratórias por 8(9,09%), diabetes mellitus por 4(4,55%), hipertensão por 3(3,41%) participantes. Além disso, 38(47,50%) eram sedentárias e 7(7,95%) necessitaram de internação hospitalar pela COVID.

 

 

Figura 1 - Fluxograma de captação dos participantes, de acordo com o guidelines STROBE [6]

 

Considerando os sintomas de incontinência urinária de esforço, ocorreu aumento de 13(14,8%) participantes sinalizando os sintomas antes, para 22(25%) durante a infecção (p = 0,08) e 23(26,1%) após a COVID (p = 0,06), mas sem significância estatística (Tabela I).

Quanto a frequência urinária, aumentou de 6,02 para 7,56 vezes diárias (p<0,05) considerando o antes e após a COVID. Além disso, 36(40,9%) participantes relataram percepção de aumento durante a infecção, e 29(33%) perceberam aumento após a COVID.

Considerando a noctúria, o percentual de mulheres que acordavam mais de duas vezes no meio da noite aumentou de 36(40,9%) antes para 50(56,8%) durante a infecção (p < 0,05), reduzindo para 48(54,5%) após a COVID (p = 0,07) (Tabela I).

A sensação de urgência urinária aumentou significativamente durante e após a COVID quando comparada ao período antes. De 14(15,9%) mulheres que apresentavam o sintoma antes, houve aumento para 29(33%) durante a infecção e 31(35,9%) após a COVID (p < 0,05). Essa urgência foi relatada por elas como acompanhada de perda urina (sintomas de incontinência urinária de urgência) em 9(10,2%) participantes antes e aumentou para 19(21,6%) durante a infecção e 29(33%) após a COVID (p < 0,005) (Tabela I).

Quanto aos demais sintomas urinários (sensação de esvaziamento incompleto da bexiga, necessidade de esforço para alívio miccional, e infecção urinária recorrente) o único sintoma que apresentou diferença significativa foi a sensação de esvaziamento incompleto que aumentou de 14(15,9%) antes para 29(33%) durante o período da infecção pela COVID (p < 0,05).

 

Tabela I - Sintomas urinários apresentados nos momentos avaliados

 

Teste de Wilcoxon; *: significância estatística comparada ao período antes.

 

Considerando as mulheres que já apresentavam sintomas de perdas urinárias aos esforços anteriormente a infecção pela COVID-19, podemos observar que a urgência urinária acompanhada de perda de urina foi o único sintoma relatado por elas que estatisticamente se alterou nos momentos avaliados, além disso, a urgência urinária com perda de urina piorou no pós-COVID (Tabela II).

 

Tabela II - Piora dos sintomas de perdas urinárias aos esforços durante e após a infecção pela COVID

 

 Teste de Wilcoxon; *: significância estatística

 

Discussão

 

O presente trabalho teve por objetivo investigar a frequência de sintomas do assoalho pélvico em mulheres jovens infectadas pela COVID-19 e comparar a presença de sintomas antes da COVID, durante e após o período de infecção, e num segundo momento definir se houve piora de sintomas já existentes após a COVID, com base exclusivamente no relato das participantes.

Em nosso estudo, houve aumento da frequência de relato de sintomas de perdas urinárias aos esforços de 13 (14,8%) para 22 (25%) e 23 (26,1%) participantes considerando o período antes da COVID e os períodos durante e pós-COVID. Contudo, essa diferença não foi estatisticamente significativa (p=0,06), de forma que não podemos considerar a relação entre o sintoma e a infecção viral.

A análise de Siracusa e Gray [4] aponta a COVID-19 como potencial causador ou fator de piora nos sintomas de incontinência urinária de esforço pelo micro trauma muscular ocasionado pelo aumento da pressão abdominal durante a tosse e fadiga muscular derivada do constante recrutamento sinérgico da musculatura do assoalho pélvico durante a condição respiratória. Ainda, Zhu et al. [7] estabelecem histórico de doença respiratória generalizada como fator de risco para desenvolvimento de incontinência urinária de esforço.

Assim, apesar de nossos achados para sintomas de perdas urinárias aos esforços não serem significativos, a porcentagem alta de pacientes que referiram o sintoma após a infecção (26,1%) e o respaldo apresentado pela literatura, tornam-se relevantes estudos com melhores estruturações metodológicas, tendo em vista a ampla gama de limitações envolvidas em nosso trabalho.

Em contrapartida, nosso estudo observou aumento significativo na frequência de sintomas urinários como: noctúria e sensação de urgência miccional, acompanhada ou não de perdas urinárias (p < 0,05). Além disso também pode-se observar aumento significativo na percepção de frequência urinária antes e após a COVID (p < 0,05). Esses são sintomas descritos pela literatura como componentes da COVID-19 Associated Cystitis (CAC), condição clínica em investigação que relata a sintomatologia referida em resposta a inflamação da COVID-19 sobre tecidos do sistema urinário [5,8,9].

As teorias que tangem a CAC assumem que o vírus da COVID afeta tanto a células uroteliais quanto células nervosas responsáveis pela percepção de enchimento vesical, levando a um estado de irritabilidade vesical com sintomas como urgência urinária, noctúria e aumento da frequência miccional. De acordo com a literatura, a CAC está associada a formas mais graves da COVID e presença de comorbidades associadas, sendo elas hipertensão e diabetes, assim como o achado em nosso estudo [5,8,9].

Apesar de ainda não haver consenso a respeito da COVID-19 Associated Cystitis, Lamb et al. [9] descrevem como frequência urinária associada ao COVID, aquela que tende a ser superior a 14 vezes no dia, e noctúria quando superior a 4 despertares por noite. A percepção frequência urinária diária em nosso trabalho aumentou de 6,02 para 7,56 (p < 0,05), e apesar da significância, ainda é considerada dentro do esperado para um indivíduo saudável [10]. A noctúria considerada em nosso trabalho foi aquela superior a 2 despertares noturnos, não sendo perguntado às participantes quantas vezes de fato levantavam durante a noite para urinar, assim não é possível atestar se nossos achados diferem ou não do que foi descrito pela literatura até então, mas a significância de todos os sintomas referentes à inflamação vesical chama a atenção para novos estudos.

Siracusa e Gray [4] ainda apontam a COVID como potencial desencadeadora dos sintomas de noctúria, urgência e frequência miccional elevada, o acometimento psicológico durante a pandemia e o isolamento social pela COVID-19, visto que se tratou de um período de mudanças socioeconômicas impactantes em todo o mundo. A literatura já é bem estabelecida quanto a relação entre ansiedade com urgência e frequência miccional, e apesar de serem fenômenos multifatoriais, o domínio psicológico tem importante papel no gatilho para manifestação dos sintomas [11,12]. É observado por Lai et al. [13], em estudo controle, a relação entre estados depressivos e a manifestação de urgência urinária.

Quando consideramos a parte da amostra que já possuía sintomas de alterações no assoalho pélvico, a nossa população se torna ainda mais reduzida, assim, apesar de ser observada percepção de piora dos sintomas de perda urinária associada a urgência, a análise torna os achados refutáveis e irrelevantes do ponto de vista estatístico. Apesar disso, trabalho realizado por Carlin et al. [14] descrevem percepção de piora dos sintomas de incontinência urinária de esforço e urgência por 28% das participantes, discutindo o impacto psicológico e a descontinuidade de tratamento, demonstrando impacto da COVID sobre a sintomatologia já existente.

É relevante apontar, que por se tratar de uma pesquisa digital, divulgada em maioria no meio acadêmico universitário, a nossa amostra é composta majoritariamente de mulheres jovens (média de 31,9 anos). Considerando a idade como fator de risco para desenvolvimento de disfunções do assoalho pélvico e do trato urinário inferior, nosso trabalho apresenta como ponto forte redução do viés de idade, já que é provável que em uma amostra mais velha, houvesse resultado mais expressivo.

Nosso trabalho se trata de um estudo inicial e realizado durante o período crítico de isolamento da COVID, portanto reflete um panorama diferente do atual e ainda apresenta uma série de limitações. Dentre elas, existe um viés de informações no que tange a coleta de dados, uma vez que a presença de sintomas é baseada exclusivamente no relato subjetivo das participantes, sendo suscetível a falhas na compreensão dos sintomas, respostas que não condizem com a realidade ou dificuldade de recordar a presença de sintomas em determinados momentos avaliados.

Outra limitação foi a pequena mostra populacional e o desenho metodológico adotado, por se tratar de uma pesquisa mais ampla que analisava diversos sintomas incialmente, por uma questão de padronização não foram adotadas ferramentas avaliativas específicas que poderiam auxiliar a melhor caracterizar a população. Ainda, nosso trabalho não realizou coleta de informações referentes a gravidade do COVID, caracterização da presença de tosse, e particularidades da internação hospitalar, impossibilitando a realização de correlações valiosas.

É recomendado estudos futuros com amostras maiores que façam uso de questionários validados como ICIQ-SF e OAB-8, e correlacionem a gravidade da COVID e a presença de tosse aos sintomas do assoalho pélvico, assim como levem em consideração o período de infecção e durabilidade dos sintomas avaliados.

Nosso estudo buscou identificar o impacto de uma doença consideravelmente recente que mobilizou a comunidade de pesquisa em todo mundo. No entanto, se tratando de uma condição aguda com recuperação parcialmente rápida, os sintomas que aumentaram após a COVID-19 podem ou não se manter por tempo prolongado. Cada vez mais vemos avanço da imunização e redução dos novos casos de COVID-19, nosso trabalho então fornece subsídio para mais estudos que podem vir a ocorrer dependendo do prognóstico de saúde mundial e duração de sintomatologias, no futuro.

 

Conclusão

 

Com relação a frequência dos sintomas, os que apresentaram significância em aumento foram: Noctúria durante o período de infecção pela COVID; Sensação de urgência e esvaziamento incompleto no período de infecção pela COVID e após COVID.

As participantes que apresentavam sintomas previamente a infecção pela COVID relataram piora nos sintomas de perdas urinárias aos esforços e na sensação de urgência miccional no período de infecção pela COVID e após COVID.

Existe uma aparente tendência da COVID-19 em aumentar a frequência de disfunções relacionadas ao assoalho pélvico. A incontinência urinária associada a urgência, a sensação de urgência miccional e a noctúria são os principais sintomas urinários que apresentaram maior frequência após a COVID, conforme apontado em nosso estudo. Não foi possível determinar se a COVID promove piora de sintomas já existentes. Tornam-se relevantes mais estudos com amostras maiores para melhor estabelecer a relação entre COVID e sintomas do assoalho pélvico.

 

Referências

 

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