Fisioter Bras. 2023;24:(5):589-604

doi: 10.33233/fb.v24i5.5455

ARTIGO ORIGINAL

Diagnóstico educativo em saúde de pessoas com doença pulmonar obstrutiva crônica em uso de oxigênio domiciliar

The educational health diagnosis of people with chronic obstructive pulmonary disease using home oxygen

 

Marlova Debastiani Esteves, Rogério Dias Renovato

 

1Universidade Estadual de Mato Grosso do Sul, Dourados, MS, Brasil

 

Recebido em: 21 de junho de 2023; Aceito em: 27 de setembro de 2023.

Correspondência: Marlova Debastiani Esteves, marlovadebastiani@hotmail.com

 

Como citar

Esteves MD, Renovato RD. Diagnóstico educativo em saúde de pessoas com doença pulmonar obstrutiva crônica em uso de oxigênio domiciliar. Fisioter Bras. 2023;2495):589-604. doi: 10.33233/fb.v24i5.5455

 

Resumo

Introdução: A doença pulmonar obstrutiva crônica é uma doença respiratória caracterizada por obstrução crônica do fluxo aéreo, associada a respostas inflamatórias anormais dos pulmões. Em casos avançados, a pessoa com a doença necessita de uso suplementar de oxigênio, limitando-a nas atividades de vida diária. Objetivo: Identificar diagnósticos educativos em saúde de pessoas com doença pulmonar obstrutiva crônica em uso de oxigênio domiciliar do Programa Melhor em Casa. Métodos: Este artigo descreve a primeira fase de uma pesquisa baseada em design realizada em Dourados-Mato Grosso do Sul, no período de novembro de 2022 a março de 2023. Participaram da pesquisa quatorze sujeitos, 9 mulheres e 5 homens, com uma média de idade de 73,4 anos. As entrevistas foram audiogravadas e transcritas, na sequência foi realizada a análise de conteúdo à luz do referencial de Maria Helena Salgado Bagnato. Resultados: Foram identificados dois diagnósticos educativos: proporcionar troca de saberes para melhor entendimento da doença e identificar condições para que os sujeitos enfrentem e se adaptem frente às limitações da doença. Conclusão: Assim, apoiados nesses diagnósticos, as ações educativas em saúde do fisioterapeuta consistirão em planejar alternativas para o entendimento e compreensão do processo de adoecimento, e prover meios de se adaptarem melhor frente às limitações da doença, tornando-os sujeitos ativos no seu processo de educação em saúde. 

Palavras-chave: educação em saúde; fisioterapia; doença pulmonar obstrutiva crônica; oxigênio. 

 

Abstract

Introduction: Chronic obstructive pulmonary disease is a respiratory disease characterized by chronic airflow obstruction associated with abnormal lung inflammatory responses. In advanced cases, the person with the disease needs supplemental oxygen, limiting their activities of daily living. Objective: To identify the educational health diagnosis of people with chronic obstructive pulmonary disease using home oxygen from the Better at Home Program. Methods: This article describes the first phase of a design-based research carried out in Dourados, Mato Grosso do Sul, from November 2022 to March 2023. Fourteen subjects participated in the research, 9 women and 5 men, with a mean age of 73.4 years. The interviews were audio-recorded and transcribed, followed by content analysis based on Maria Helena Salgado Bagnato's framework. Results: Two educational diagnoses were identified: providing an exchange of knowledge for a better understanding of the disease and identifying conditions for the subjects to face and adapt to the limitations of the disease. Conclusion: Thus, based on these diagnoses, the physiotherapist's health education actions will consist of planning alternatives for understanding and understanding the illness process, and providing ways to better adapt to the limitations of the disease, making them active subjects in their process of health education.

Keywords: health education; physical therapy; pulmonary disease, chronic obstructive; oxygen.

 

Introdução

 

A Doença Pulmonar Obstrutiva Crônica (DPOC) é uma doença respiratória que causa alterações da mecânica pulmonar, caracterizada por uma resposta inflamatória anormal que resulta em um quadro de episódios de dispneia, tosse produtiva com expectoração [1]. Com a progressão da gravidade da doença, as alterações fisiopatológicas tendem a se agravar e desencadear sintomas cada vez mais limitantes e levando à incapacidade funcional [2].

O consumo energético dos portadores de DPOC exige muitas vezes a associação de oxigênio complementar, devido à fadiga muscular [3]. Seu uso geralmente está prescrito devido ao baixo limiar de saturação sanguínea de oxigênio e cronicidade da hipoxemia [4].

A adesão ao uso de oxigenoterapia domiciliar prolongada é complexa e multifatorial. Embora os sujeitos tenham uma percepção positiva do oxigênio no tratamento, costumam considerá-la negativa no que se refere ao seu uso no contexto social [5].

A atuação do fisioterapeuta no processo de reabilitação é de fundamental importância no controle das exacerbações da doença, sendo esta a principal causa de hospitalizações. Os benefícios gerados podem exceder as barreiras da prevenção e recuperação das funcionalidades, apresentando impacto direto na qualidade de vida [6].

No atendimento domiciliar, o fisioterapeuta pode atuar com a troca de saberes, sendo pertinente a ele: atuar na educação em saúde, contribuir com a sociedade, fornecer conhecimentos e possibilidades de compreensão acerca do adoecimento e do tratamento, proporcionando participação ativa dos sujeitos na própria recuperação [7]. Esta prática possibilita que os sujeitos vivenciem o processo saúde/doença, sendo, assim, quando os mesmos necessitam de cuidados referente aos agravos à sua saúde, uma coletânea de sentimentos emerge, como medos, frustrações e expectativas [8].

Esta pesquisa pauta-se no referencial teórico das Práticas Educativas em Saúde (PES). Tal escolha foi feita no intuito de tomar como objeto a realidade, promovendo mudanças nas relações entre sujeitos, bem como entre sujeitos e conhecimento, buscando resistir a uma perspectiva monolítica de saúde [9]. Ao propor este referencial teórico, buscou-se compreender como o profissional de saúde percebe determinadas variáveis, como o ser humano, a saúde e a educação, estando o mesmo disposto a se libertar dos modelos tradicionais na perspectiva técnica imposta pela sociedade [10].

Diferente do modelo biomédico, o qual muitas vezes não tem enfoque na autonomia do indivíduo, as PES consideram a singularidade do sujeito, respeitando suas sensações, emoções e sentimentos [11]. A educação em saúde deve estar vinculada ao exercício da cidadania, em que o educador em saúde atua por meio da mediação cultural [9].

No processo de planejamento de educação em saúde, tendo em vista a fase de Diagnóstico Educativo (DE), o educador em saúde deve identificar o conhecimento prévio do público-alvo, de modo a ter subsídios que embasem o planejamento das ações educativas a serem realizadas. De acordo com São Paulo [12] e Renovato, Bagnato [11], o DE é importante, pois possibilita a identificação no contexto de vida dos sujeitos, saberes, práticas, atitudes, opiniões relacionadas à saúde e seu estado de adoecimento. As vulnerabilidades dos sujeitos, reações, dificuldades, necessidades, experiências, intenções e significações podem ser compreendidas a partir dos DE identificados nesta pesquisa. A análise das narrativas dos sujeitos aponta oportunidades que levarão ao planejamento das ações educativas [13].

Para o sujeito com DPOC, este estudo é relevante, pois, deste modo, os DE oportunizam a inserção deles no processo educativo. E dessa forma contribui para a implementação de PES que atendam o contexto socioeconômico e cultural dos sujeitos.

   O objetivo deste estudo foi identificar diagnósticos educativos em saúde de pessoas com doença pulmonar obstrutiva crônica em uso de oxigênio domiciliar.

 

Métodos

 

Pesquisa do tipo Pesquisa Baseada em Design (PBD), envolvendo os procedimentos de investigação e de desenvolvimento de tecnologias educacionais aplicadas nos complexos contextos de ensino-aprendizagem [14]. Seu percurso adota o ciclo de design: (1) análise de problemas; (2) desenvolvimento de solução; (3) implementação; e (4) avaliação e reflexão (5) construção do produto final, conforme Seeto, Herrington [15] cujo objetivo busca superar a distância entre os resultados teóricos e a aplicação prática das pesquisas educacionais.

Este artigo descreve a primeira fase da pesquisa realizada em Dourados/MS, no período de novembro de 2022 a março de 2023, que incluiu sujeitos com necessidade de acompanhamento multiprofissional domiciliar do Programa Melhor em Casa. Inicialmente, para elegibilidade no Programa Melhor em Casa, os sujeitos deveriam atender aos critérios de inclusão do Programa, que compreendia: possuir diagnóstico clínico de DPOC e estar em uso regular de oxigênio domiciliar. No período da realização da pesquisa 14 sujeitos estavam regularmente inscritos no programa e todos atenderam aos critérios de inclusão, não ocorrendo exclusão na participação do estudo.

Esta pesquisa foi submetida à apreciação ética realizada pelo Comitê Ética com Seres Humanos (CESH) da Universidade Estadual do Mato Grosso do Sul (UEMS), tendo seu início somente após a autorização do CESH da UEMS, com aprovação sob o número: 5.803.480 e CAAE: 64647122.0.0000.8030. Foi garantido aos participantes sigilo e anonimato das informações oferecidas através do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido e cumpridas todas as exigências éticas estabelecidas pela Resolução do Conselho Nacional de Saúde nº 510/2016.

Através dos critérios mencionados, a coleta de dados foi realizada a partir de entrevistas semiestruturadas. A abordagem dos sujeitos foi realizada no domicílio de cada participante. As entrevistas foram audiogravadas, utilizando-se um smartphone, mediante as respectivas autorizações. A duração total das entrevistas foi de 129’62’’ (cento e vinte e nove minutos com sessenta e dois segundos), tendo como tempo médio 9’25” (nove minutos e vinte e cinco segundos), sendo o tempo mínimo registrado de uma entrevista de 3’51” (três minutos e cinquenta e um segundos), e o tempo máximo de uma entrevista em 14’33” (quatorze minutos e trinta e três segundos). Todas as entrevistas foram transcritas com o uso da ferramenta de digitação por voz do aplicativo Transkriptor Pro®.

As questões consideradas importantes nesse processo foram registradas em diário de campo, bem como expressões não captadas em áudio. Os dados foram organizados a partir da Análise de Conteúdo (AC) de Laurence Bardin [16], também pautados nos estudos sobre PES da Professora Doutora Maria Helena Salgado Bagnato [9].

A organização da AC compreende diferentes fases e se organizam em torno de três pólos cronológicos: a pré-análise, a exploração do material e o tratamento dos resultados [16]. Tratar o material é codificá-lo, o que corresponde a transformação para se atingir uma representação do conteúdo analisado, realizando um recorte através da escolha das unidades, classificação e agregação por categorias. Subsidiado por este referencial foi constituído um corpus definido como: “um conjunto dos documentos tidos em conta para serem submetidos aos procedimentos analíticos” [16].

A constituição do corpus emergiu após a leitura flutuante do material, que consistiu no estabelecimento de contato entre os relatos analisados, deixando-se invadir por impressões e orientações [16]. Foi então executado o processo de codificação, de forma manual, das UR (Unidades de Registros), através de recortes dos textos transcritos e relacionados aos objetivos da pesquisa. Como resultados, emergiram quatro unidades de registro como temas. As categorias, subcategorias e suas análises serviram de base para subsidiar o DE, que embasará o planejamento das práticas educativas em saúde.

As atitudes foram extraídas dos relatos a partir de repetidas leituras, com intuito de explorar todo o material e captar o sentido amplo dos registros. Foram, a partir de então, selecionados relatos representativos para estabelecimento de indicadores e categorias. Para a interpretação, foi organizado uma tabela de significações, denominada “análises por unidades de registros, categorias e subcategorias”, composta por quatro categorias: reação e descoberta, isolamento social, enfrentamento e adaptações, significados e sentidos.

Após a codificação por unidades de registros, categorias, subcategorias e unidades de contexto, a atenção foi direcionada para o objetivo da fase 1 da pesquisa, cuja finalidade foi identificar os DE extraídos dos relatos mais representativos do conteúdo das mensagens.

A transcrição das entrevistas foi baseada nas partes relevantes da pesquisa, já que desta etapa depende o planejamento das atividades que serão realizadas nos encontros educativos. O corpus estabelecido foi aprofundado com o objetivo de estabelecer as unidades de registro e unidades de contexto. A técnica utilizada para a exploração foi a impressão da transcrição dos áudios, sendo desmembradas cada uma das mensagens (preservando-se o sujeito relator); buscando congruências e diferenças entre elas, sendo este um trabalho minucioso e importante que permitiu perceber as minúcias trazidas nas falas dos sujeitos [17].

 

Resultados

 

Participaram da pesquisa todos os sujeitos inscritos no Programa Melhor em Casa com DPOC que estavam em uso regular de oxigênio domiciliar durante a pesquisa, totalizando quatorze participantes. A caracterização da amostra foi composta por 9 mulheres e 5 homens, com média de idade de 73,4 anos. A amostra apresentou amplitude de 26 anos, com variância de 54,96 e desvio padrão de 7,41 anos.

Para a interpretação, foi organizado um quadro de significações que foi denominado “Análises por UR, categorias e subcategorias”, extraído das falas dos sujeitos participantes da pesquisa, o qual foi composto por quatro categorias: reação e descoberta, isolamento social, enfrentamento e adaptações, significados e sentidos.

 

Quadro 1Análises por unidades de registro, categorias e subcategorias

 

Fonte: 1º. Autora, 2023

 

A UR1 “Reação e descoberta” foi constituída por uma categoria e três subcategorias, organizadas com o objetivo de analisar a maneira como os sujeitos expressam fragilidade em relatar a história do diagnóstico.

A categoria “Maneira como os sujeitos expressam fragilidade em relatar a história do diagnóstico”, abordou a reação dos sujeitos ao receberam o comunicado do diagnóstico da doença considerando que o adoecimento é compreendido ao longo do tempo, baseado nas suas experiências.

 

Quadro 2Unidade de Registro 1 (categorias, subcategorias e unidades de contexto)

 

Fonte: 1º. Autora, 2023.

 

A subcategoria “Reação ao receber o diagnóstico da doença” foi composta por narrativas que expressaram tristeza, choque e dores emocionais “...fica triste né filha, é triste, você tem uma doença que tem tomar oxigênio pro resto da vida” (P9).

A subcategoria “Dificuldades em entender a doença” trouxe nas falas dos sujeitos a incompreensão quanto ao diagnóstico, percurso e fases da doença.

Já a subcategoria “Impactos psicológicos da descoberta” demonstrou alguns relatos de choque, perda abrupta da expectativa dos prazeres da vida. Ficou evidenciado que mesmo que os sujeitos não tenham compreensão exata da doença, os mesmos tiveram, no momento do diagnóstico, a certeza de que teriam limitações funcionais para o longo da vida.

A UR2 “Isolamento social” foi constituída por uma categoria e três subcategorias, organizadas de modo a analisar a maneira como a doença impacta no convívio social dos sujeitos.

 

Quadro 3Unidade de Registro 2 (categorias, subcategorias e unidades de contexto)

 

Fonte:1º. Autora, 2023

 

A categoria “Maneira como a doença impacta no convívio social dos sujeitos”, buscou entender como a doença afeta as relações sociais e familiares dos sujeitos.

A subcategoria “Impedimento para as relações sociais, culturais e familiares” foi amparada por narrativas que reforçam as limitações impostas na vida social dos sujeitos “...hoje em dia eu não vou em festa de aniversário assim de família eu não vou em nenhuma não, aniversário só vou no meu que é aqui em casa aqui, que vem todo mundo” (P9).

A subcategoria “Reclusão diante das limitações funcionais” identificou nas falas dos sujeitos os relatos de momentos de retidão diante das limitações físicas “não tem como sair não, hoje em dia não vou não vou na esquina, as vezes minhas vizinha passa aqui na frente e fala pra mim vamos ali vizinha, vamos?...não, não tem condição de ir na rua não tem, hoje em dia não vou, hoje um dia quem quer me falar comigo, quer conversar, vem aqui dentro de casa conversar comigo hoje aqui dentro, não vou pra canto nenhum”(P1).

Já a subcategoria “Necessidade de ajuda de terceiros” apresentou cenários em que muitos dos sujeitos necessitam do auxílio de amigos e familiares para realização de atividades de vida diária “isso aí a pé não tem condição de ir no mercado ali minha filha tem que levar de carro” (P4).

A UR3 “Enfrentamento e adaptações” foi constituída por uma categoria e três subcategorias, buscou analisar as maneiras como os sujeitos se adaptam a estas atividades limitadas pela doença.

 

Quadro 4Unidade de Registro 3 (categorias, subcategorias e unidades de contexto)

 

Fonte:1º. Autora, 2023.

 

Esta categoria “Maneiras como os sujeitos se adaptam às atividades de vida diária com a doença”, foi composta no intuito de compreender como os sujeitos se adaptam diariamente às condições da doença de acordo com as limitações.

A subcategoria “Dificuldade em realizar atividades do dia a dia” possibilitou perceber, de forma unânime, as falas sobre as dificuldades encontradas no dia a dia para a realização de tarefas simples de atividade de vida diária.

A subcategoria “Readaptações frente às limitações da doença” reuniu falas referentes às adaptações que os sujeitos realizam no dia a dia, com o objetivo de se manterem funcionais e menos dependentes de terceiros “banho pra tomar é só sentada, por causa da falta de ar não dá” (P14).

Complementando a UR3, a subcategoria “Influência da doença na vida pessoal” foi constituída de relatos de alguns sujeitos cujos cuidados pessoais também foram afetados à medida que os sintomas progrediram.

Por fim, a UR4 “Significados e sentidos”, constituída por uma categoria e suas três subcategorias, reuniu os relatos de como os sujeitos compreendem a doença e buscam informações sobre a mesma.

 

Quadro 5Unidade de Registro 4 (categorias, subcategorias e unidades de contexto)

 

Fonte: 1º. Autora, 2023

 

A categoria “Maneira como os sujeitos compreendem a doença e buscam informações”, buscou entender como os sujeitos participantes compreendem o processo de adoecimento, a doença e de que forma eles buscam por informações.

   A subcategoria “Saber prático” apresentou nos relatos as maneiras encontradas pelos sujeitos para lidar com as pioras dos sintomas de acordo com suas vivências “... se fizer a inalação logo depois que come não cansa tanto” (P12).

A subcategoria “Busca por informação sobre a doença” procurou entender de que forma estes sujeitos buscam por informações relacionadas à sua condição atual e conhecimento da doença.

Ao fim, a subcategoria “Ações educativas” visou compreender estes sujeitos, na intenção de proporcionar troca de saberes através das ações educativas.

Para a construção do DE foi utilizada a técnica de elaboração e análise de unidades de significados proposta por Moreira et al. [10], estruturando em unidades de contexto que reflitam as opiniões, valores, expectativas e sentimentos dos sujeitos naquele momento.

A análise das UR foi extraída das falas dos sujeitos, e buscou compreender os saberes, atitudes e ações em relação ao estado de saúde para, em seguida, apresentar os diagnósticos educativos identificados.

A análise das reações expressa a tristeza dos indivíduos em relação ao processo de adoecimento e a busca por informações quanto a possibilidades de melhora do quadro. Já com relação ao enfrentamento, surgiram relatos de exclusão social diante das adversidades e as adaptações necessárias para que os sujeitos se ajustem às atividades do dia a dia, respeitando as limitações individuais.

A partir desse resultado, foram identificados dois diagnósticos educativos:

1. Proporcionar troca de saberes para melhor entendimento da doença.

2. Identificar condições para que os sujeitos enfrentem e se adaptem frente às limitações da doença.

De posse do DE para o diagnóstico 1, o intuito será praticar a troca de saberes através das ações educativas de modo a prover alternativas para o entendimento e compreensão do processo de adoecimento.

Para o diagnóstico 2, o foco será a identificação junto aos sujeitos de alternativas no dia a dia, para melhor se adaptarem frente às limitações da doença, tornando-os sujeitos ativos no seu processo de educação em saúde.

 

Discussão

 

A aplicação da pesquisa se restringiu aos sujeitos inscritos no Programa Melhor em Casa da cidade de Dourados/MS e que atenderam aos critérios de inclusão, ou seja, se referem a uma realidade local e a uma amostra finita, que pode ser evidenciado como uma limitação do estudo. Recomenda-se a realização de outras investigações em outros cenários, para que os dados possam ser confrontados com outros resultados, e assim, se possível, encontrar possibilidades de generalização dos achados obtidos localmente.

O percurso de entrevistas e análise de conteúdo do material confeccionado permitiu a identificação dos DE, sendo que as UR descritas ao longo da pesquisa corroboram pesquisas anteriores realizadas com públicos similares, apresentando indícios de achados convergentes [19,20,22,24].

A UR1 buscou entender a reação dos sujeitos ao receber o diagnóstico da doença bem como suas dificuldades em entendê-la. Os relatos encontrados concordam com o estudo de Baiardini et al. [18], pois, segundo os mesmos, o estudo da consciência da DPOC dos pacientes é pouco investigada, logo, através do desenvolvimento de um questionário de conscientização sobre a doença, identificaram que os sujeitos apresentaram, em média, uma má aceitação da doença, assim como nesta pesquisa.

A proposta da UR2 foi entender a maneira como a doença impacta no convívio social dos sujeitos, abordando o impedimento para as relações sociais e a reclusão diante das limitações funcionais impostas pela doença. Como relatado por Almeida e Scheider [19], o isolamento social dos sujeitos com DPOC pode ser alterado por diversos fatores, comprometendo a saúde física e psicológica bem como seu nível de autonomia em relação a vivencia diária. Os autores apontaram que este público apresentou altos índices de depressão e ansiedade, logo, quanto maior o nível de gravidade da doença, maior o agravante a qualidade de vida.

Em virtude da crescente necessidade em se identificar os principais fatores que acometem e danificam o bem-estar do paciente, Lottermann et al. [2] apresentaram os questionários avaliativos que proporcionaram o entendimento dos resultados em relação à percepção da qualidade de vida. Deste modo, considera-se de grande proveito a avaliação de forma mais aprofundada sobre a relação do sujeito com a doença e a execução de suas atividades de vida diária.

Ainda no que se refere à UR2, a subcategoria “Necessidade de ajuda de terceiros” foi composta por falas que reforçaram o isolamento social. Assim como nos 48 sujeitos avaliados por Alves et al. [20], a prevalência de sintomas depressivos foram os mais comuns. A relação entre estes sintomas e a piora da funcionalidade diária foi comprovada e explicada por meio de duas hipóteses: a primeira delas é de que os pacientes com piores padrões respiratórios desenvolvem sintomas depressivos pela própria limitação física imposta pela doença pulmonar (porque esta pode gerar no sujeito a sensação de incapacidade e/ou inutilidade), achados congruentes aos dos sujeitos desta pesquisa; enquanto que segunda hipótese considera o sujeito já portador de fatores depressivos prévios, sugerindo que esta condição esteja relacionada a maior prevalência dos sintomas depressivos.

Assim como os achados da UR3 que identificaram que o modo cujos sujeitos portadores da doença se adaptam às atividades de vida diária, também pode estar relacionada à piora progressiva da função pulmonar traduzida por dispneia e percepção de cansaço ao realizar qualquer forma de esforço físico. Deste modo, o progressivo descondicionamento físico associado à inatividade dá início a um círculo vicioso em que a piora da dispneia se associa a esforços físicos cada vez menores, bem como grave comprometimento da qualidade de vida [21].

Buscando compreender os significados e sentidos sobre como os sujeitos compreendem a doença e buscam informações, a UR4 apresentou a subcategoria “saber prático”, revestida por falas que apresentaram maneiras encontradas pelos sujeitos para a adaptação na vida diária. Com relação às mudanças conscientes, Morais et al. [22] sugerem investir na educação em saúde como atividade para elevar o nível de conhecimento da própria enfermidade, auxiliando no controle e autocuidado dos sujeitos com DPOC.

Com relação à busca por informações sobre a doença, componente da UR4, a utilização das mídias como televisão, celular e internet foram as mais recorrentes encontradas, assim como no estudo de Cardoso [23], no qual a TV e rádio foram as mídias que os participantes mais declararam receber informações sobre a DPOC, seguido da internet. Já as campanhas e cartilhas foram declaradas por uma parcela pequena da amostra, reforçando que há uma tendência de aumento do consumo de informações de saúde on-line, onde a multimídia tem crescido como um meio de comunicação, oportunizando o uso das tecnologias de informação e comunicação de forma aplicada à educação do paciente.

Assim como a construção da tecnologia de educação em saúde figura como uma proposta que possibilita o empoderamento dos indivíduos na promoção da saúde, é possível apresentar, por meio da multimídia, informações de forma clara, sendo estas fundamentais para manutenção da qualidade de vida e funcionalidade. Vale ressaltar que uma estratégia educativa não tem o intuito de substituir a atividade profissional, mas proporcionar um recurso que auxilie no cuidado, contribuindo positivamente para o processo saúde doença [24].

Contudo, Morais et al. [22] concluíram que o uso de uma cartilha de orientação e cuidado ao paciente com DPOC mostrou-se efetiva na melhora do conhecimento, podendo contribuir para o resultado do tratamento. Foi caracterizado o uso desta forma de comunicação como tecnologia emancipatória, permitindo ao sujeito aprender e acionar seu potencial para o autocuidado.

Ao fim da AC a subcategoria “Ações educativas” procurou entender de que forma estes sujeitos buscam por informações quanto à sua condição atual e conhecimento da doença. Para Cardoso [23], a maioria dos sujeitos recebeu informações pelos médicos e em seguida pelos fisioterapeutas, assim como os achados encontrados na UR4. Com relação a educação em saúde para este público, em ambos os estudos o investimento em ações educativas tem como atividade principal elevar o nível de conhecimento da própria enfermidade [22,24].

Alves et al. [25] lembram que é essencial que a prática de exercícios físicos faça parte destas ações educativas para pacientes com DPOC, pois o aumento dos níveis de atividade é crucial para gestão da doença, podendo resultar em melhora do prognóstico a longo prazo. Em contrapartida, a inatividade física está associada à exacerbação do quadro. O uso de material ilustrativo pode auxiliar no processo educativo, resultando no aumento do seu conhecimento em todas as seções abordadas, além de uma melhora na autopercepção em relação a sua doença.

 

Conclusão

 

Os diagnósticos educativos em saúde identificados em pessoas com DPOC em uso de oxigênio domiciliar do Programa Melhor em Casa foram: proporcionar troca de saberes para melhor entendimento da doença e identificar condições para que os sujeitos enfrentem e se adaptem frente às limitações da doença.

Uma vez identificados os DE, as ações educativas serão nele embasadas e buscarão, através de encontros educativos, levar em consideração o contexto de vida destes sujeitos, seus saberes, práticas, atitudes e opiniões, com ações em relação ao estado de adoecimento destes.

Ressalta-se ainda que as ações educativas previstas não buscam mudanças de comportamento, cabendo ao educador em saúde implementá-las de modo a possibilitar que os sujeitos redescubram possibilidades de enfretamento da DPOC. Frente a isso, é preciso que os profissionais de saúde atuem como educadores em saúde, realizando o DE para garantir ao público-alvo ações planejadas de acordo com a expectativa da sua população.

 

Vinculação acadêmica

Este artigo representa parte da Dissertação de Mestrado do Programa de Pós-Graduação Stricto sensu Ensino em Saúde - Mestrado Profissional (PPGES) de Marlova Debastiani Esteves, orientada pelo Prof. Dr. Rogério Dias Renovato da Universidade Estadual do Mato Grosso do Sul, Dourados, MS.

 

Conflito de interesses

Não há conflito de interesses.

 

Financiamento

Financiamento próprio.

 

Contribuições dos autores

Concepção e desenho da pesquisa: Debastiani MD, Renovato RD; Obtenção de dados: Debastiani MD; Análise e interpretação dos dados: Debastiani MD; Redação do manuscrito: Debastiani MD, Renovato RD; Revisão crítica do manuscrito quanto ao conteúdo intelectual importante: Renovato RD.

 

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