Fisioter Bras. 2023;24(6):770-83

doi: 10.33233/fb.v24i6.5476

ARTIGO ORIGINAL

Ativação neuromuscular do reto abdominal nos exercícios hundred, plank e crunch: Comparação eletromiográfica de superfície

Neuromuscular activation of the rectus abdominis in hundred, plank and crunch exercises: A surface electromyographic comparison

 

André de Aguiar Santos Filho1, Tereza Cristina dos Reis Ferreira1, Marcio Clementino Souza Santos1, Paulo Eduardo Santos Ávila2, Tiago Costa Esteves3, Gabriella Melo de Andrade1, Altair Valinoto Klautau4, João Sérgio de Sousa Oliveira1

 

1Universidade do Estado do Pará (UEPA), Belém, PA, Brasil

2Universidade Federal do Pará (UFPA), Belém, PA, Brasil

3Faculdade Inspirar, Belém, PA, Brasil

4Universidade da Amazônia (UNAMA), Belém, PA, Brasil

 

Recebido em: 23 de maio de 2023; Aceito em: 10 de novembro de 2023.

Correspondência: João Sérgio de Sousa Oliveira, joaosergio@uepa.br

 
Como citar

Santos Filho AA, Ferreira TCR, Santos MCS, Ávila PES, Esteves T, Andrade GM, Klautau AV, Oliveira JSS. Ativação neuromuscular do reto abdominal nos exercícios hundred, plank e crunch: Comparação eletromiográfica de superfície. Fisioter Bras. 2023;24(6):770-83. doi:  10.33233/fb.v24i6.5476

 

Resumo

Introdução: O músculo reto abdominal possui entre suas funções estabilizar e fletir o tronco, existindo diversos exercícios estáticos e dinâmicos que podem condicioná-lo para o desempenho esportivo ou reabilitação. Objetivo: Comparar a ativação neuromuscular do reto abdominal entre os exercícios hundred, plank e crunch por eletromiografia de superfície. Métodos: Estudo transversal com discentes do gênero feminino de uma universidade pública, idade de 18 e 30 anos. Avaliadas durante a execução dos exercícios por eletromiografia de superfície, equipamento Miotool 400, software MiotecSuite, eletrodos unipolares de superfície posicionados bilateralmente nas porções superiores do músculo reto abdominal, considerando valores da raiz quadrada da média normalizados por pico dinâmico no exercício crunch e contração isométrica voluntária máxima no hundred e plank. Resultados: As participantes com idade em torno de 20 anos, durante a realização do exercício hundred, evidenciou diferença significante (p = 0,0146) entre a ativação dos ventres musculares do reto abdominal, revelando maior ativação no esquerdo em relação ao direito; o exercício plank foi o que revelou a maior discrepância entre os ventres musculares (p = 0,0001), expondo elevada ativação do ventre esquerdo em comparação ao direito; já o exercício crunch não evidenciou diferença significativa entre os ventres musculares (p = 0,1834), com menor ativação entre os exercícios. Conclusão: O exercício abdominal crunch se mostrou um exercício isotônico que recrutou menor número de unidades motoras, sugerindo maior efetividade ao se executar a tarefa de forma plena.

Palavras-chave: reto abdominal; exercício; eletromiograma.

 

Abstract

Introduction: The rectus abdominis muscle has among its functions to stabilize and flex the trunk. There are several static and dynamic exercises that can condition it for sports performance or rehabilitation. Objective: To compare the neuromuscular activation of the rectus abdominis between hundred, plank and crunch exercises by surface electromyography. Methods: Cross-sectional study with female students from a public university, 18 to 30 years old. Evaluated by surface electromyography, equipment Miotool 400, software MiotecSuite, unipolar surface electrodes positioned bilaterally in the upper portions of the rectus abdominis muscle, considering values of the square root of the mean normalized by dynamic peak in crunch exercise and maximum voluntary isometric contraction in hundred and plank. Results: We evaluated 34 female students, mean age of 20.47 years, where the exercise hundred evidenced significant difference (p = 0.0146) between the activation of the muscle belly of the rectus abdominis, revealing greater activation in the left in relation to the right; the exercise plank was the one that revealed the greatest discrepancy between the muscle bellies. The plank exercise revealed the greatest discrepancy between the muscle bellies (p = 0.0001), exposing a high activation of the left abdomen in comparison to the right; the crunch exercise showed no significant difference between the muscle bellies (p = 0.1834), with less activation between the exercises. Conclusion: The abdominal crunch exercise proved to be an isotonic exercise that recruited fewer motor units, suggesting greater effectiveness when performing the task fully.

Keywords: rectus abdominis; exercise; electromyogram.

 

Introdução

 

O músculo reto abdominal (MRA), também denominado de reto do abdome, está recoberto por uma bainha fundida pelas aponeuroses dos músculos oblíquo externo, oblíquo interno e transverso do abdome que o mantém em sua posição [1], além de formar a linha alba, uma forte estrutura fibrosa na linha média [2]. O MRA é longo, aplainado, com direcionamento vertical de suas fibras musculares e recobre toda a face anterior da parede abdominal, sendo intercedido por faixas fibrotendíneas chamadas de interseções tendíneas, que interrompem transversalmente cada músculo e misturam-se inseparavelmente a camada anterior da bainha do reto, porém raramente possuem espessura total, não se estendendo a camada posterior da bainha [1,2].

O MRA possui ventres pareados, em forma de cinta, separados pela linha alba, ambos localizados nos flancos abdominais direito e esquerdo respectivamente, onde cada músculo possui duas origens tendíneas, uma porção medial localizada na superfície anterior da sínfise púbica e outra lateral na borda superior da crista púbica [3]. Suas inserções estão localizadas na quinta, sexta e sétima cartilagens costais, além do processo xifoide do esterno [2]. Em relação aos aspectos biomecânicos e cinesiológicos, o MRA é importante para manutenção da postura normal da pelve, contenção de estruturas abdominais, lordose lombar, postura corporal, estabilização do tórax, função expiratória, flexão da coluna vertebral aproximando o tórax a pelve anteriormente, entre outras funções [4].

Apesar do papel significativo do MRA como maior flexor do tronco comparado com outros músculos abdominais, existem controvérsias em relação aos tipos de exercícios que tentam realizar sua contração de forma diferenciada, sejam por meio de técnicas especializadas ou exercícios abdominais tanto isotônicos como isométricos [5].

O hundred é exercício abdominal isométrico típico utilizado no método Pilates associado ao padrão respiratório e a movimentação de membros superiores, caracterizado por extensões e flexões de ombros sequenciadas e ritmadas para toda inspiração e expiração [6], no qual esse padrão respiratório repete-se por dez vezes em uma contagem total de cem movimentações dos membros superiores com objetivos de estimular a circulação sanguínea, centro de forças, respiração e a resistência muscular [7]. O plank é um exercício isométrico utilizado para estabilizar o core e a coluna vertebral por meio do fortalecimento dos músculos do tronco, entre eles o MRA [8], podendo ser facilmente modificados usando várias posições para aumentar a exigência de força muscular e em níveis de dificuldade, como o frontal, cotovelo, lateral e reverso [9]. O crunch é um dos exercícios isotônicos mais comuns para recrutamento do MRA, podendo ter variações que exigem mais a porção superior e outras a porção inferior, além de ser simples e prático [5,10].

A avaliação da função do MRA durante o exercício realizado em diversas condições é muito importante tanto para prevenção de lesões como para o condicionamento de atividades esportivas e ocupacionais [11]. Dentre os recursos de análise biomecânica que podem ser utilizados na avaliação do MRA está a eletromiografia de superfície (EMGs), que pode providenciar informações claras sobre os variados padrões de ativação muscular, como resultado dos recrutamentos de suas unidades motoras [12].

A EMGs é uma técnica não invasiva utilizada para registrar graficamente o somatório de sinais elétricos dos músculos superficiais voluntários por meio de eletrodos não invasivos posicionados na superfície da pele, quantificando a atividade neuromuscular, tanto em repouso como em determinado padrão de movimento [13,14], que devem ser levados em consideração ao selecionar e prescrever exercícios [15], além disso vem sendo utilizada em diversos estudos que envolvem o MRA [4,16-19]. Nesse contexto o presente estudo apresentou como objetivo comparar a função neuromuscular do reto abdominal nos exercícios hundred, plank e crunch por meio de eletromiografia de superfície.

 

Métodos

 

Foi realizado um estudo transversal seguindo as recomendações da iniciativa Strengthening the Reporting of Observational Studies in Epidemiology (STROBE) [20]. Respeitou as normas de pesquisa envolvendo seres humanos pelo cumprimento das resoluções n°466/12 e nº580/18 do Conselho Nacional de Saúde, sendo iniciado após submissão e aprovação do Comitê de Ética em Pesquisa do Centro de Ciências Biológicas e da Saúde, da Universidade do Estado do Pará (CEP/CCBS/UEPA), sob parecer nº5.322519. As participantes consentiram e assinaram o termo de consentimento livre e esclarecido, sendo garantido o sigilo e confidencialidade das informações.

As análises foram realizadas no laboratório de recursos terapêuticos do curso de fisioterapia do CCBS/UEPA, localizado na cidade de Belém/PA, no período de agosto a outubro de 2022. As participantes do estudo foram de discentes do curso de fisioterapia do CCBS/UEPA, devidamente matriculadas no curso, sendo a amostra selecionada por conveniência. Os critérios de inclusão foram de idade entre 18 e 30 anos, sem cirurgias abdominais, fora do período menstrual, eutróficas e sem problemas respiratórios descompensados. Foram excluídas aquelas que praticavam exercício físico regular e lesão osteomioarticular recente.

A avaliação por eletromiografia de superfície para aquisição de dados do sinal eletromiográfico foi conduzida com o equipamento Miotool 400 (Miotec® Equipamentos Biométricos S.A., Porto Alegre/RS, Brasil), com conversor analógico-digital de 04 canais. O processamento de dados foi realizado no software Miograph (Miotec®, MiotecSuite 1.0.1108), com resolução de 16 bits, instalado em um notebook Hewlett-Packard, processador intel®, CoreTM i7-7500U, armazenamento 1TB e memória 8GB. Os parâmetros do equipamento foram ajustados para um ganho final de 1000 vezes, com filtros gerando uma banda passante entre 10 e 500 Hz (passa-alta 10 Hz e passa-baixa 500 Hz), filtro Notch de 60 Hz para redução da amplitude gerada pela eletricidade da rede ambiente [21].

Foram utilizados eletrodos unipolares de superfície adesivos 10 mm (Ag/AgCl, KendalTM, Mansfield, MA, EUA), posicionados em pares com distância 20 mm entre os eletrodos. O posicionamento dos eletrodos seguiu as recomendações do programa de saúde e investigação biomédica da União Europeia para utilização de eletromiografia de superfície para avaliação não invasiva do músculo (SENIAM) [22]. Um par de eletrodos foi posicionado seguindo a localização do próprio software Miograph (figura 1A), colocado aproximadamente no ponto médio entre o umbigo e o processo xifoide do esterno, mas não na inserção do tendão, a 3 cm lateralmente a linha média do MRA no hemicorpo esquerdo e direito (figura 1B) [5], com eletrodo de referência fixado no processo estiloide do rádio. Antes do posicionamento dos eletrodos, a pele foi tricotomizada e limpa com algodão embebido em álcool 70% para redução da impedância.

Foi considerado inicialmente o desvio padrão da raiz quadrada da média (RMS) em valores brutos em microvolts (µV), em seguida os valores do sinal eletromiográfico foram normalizados de acordo com o tipo de exercício abdominal: pico dinâmico no crunch e contração isométrica voluntária máxima (CIVM) no plank e hundred. A coleta de dados tanto nas contrações musculares isotônicas como nas isométricas foram por uma janela de captação de 15s, sendo descartados os cincos primeiros e últimos segundos, por meio de variáveis quantitativas contínuas expressas em percentuais. Elevados percentuais foram associados com maiores recrutamentos de unidades motoras, porém com menor efetividade no desempenho biomecânico do MRA.

 


 

Fonte: Autoria própria

Figura 1 - 1A, Atlas anatômico para posicionamento do eletrodo de superfície do software miograph. 1B, posicionamento dos eletrodos de superfície unipolares bilateralmente no músculo reto abdominal. 1C, posicionamento inicial do hundred. 1D, Execução do hundred. 1E, Execução do exercício plank. 1F, Posicionamento inicial do crunch. 1G, Execução do crunch

 

O exercício hundred (figuras 1C e 1D) foi realizado em uma série com o participante em contração isométrica, decúbito dorsal, quadris e tronco semiflexionados em membros inferiores estendidos sem contato com o solo, deixando apenas a coluna lombar em contato com a superfície, braços estendidos ao longo do corpo fazendo movimentos ritmados de flexão e extensão do ombro com 5 movimentos dos braços em inspiração e 5 outros 5 movimentos em expiração [16].

O exercício plank (figura 1E) cotovelos foi realizado em contração isométrica por 5 segundos, em duas séries, com um intervalo de repouso de 3 minutos entre as séries. O participante ficou posicionado em decúbito ventral, ombros e cotovelos em ângulo de 90º, o corpo apoiado somente sobre os antebraços e dedos dos pés em contato com a superfície, mantendo quadris alinhados com os ombros, coluna vertebral e cabeça em posição neutra, tórax rígido e pernas estendidas durante todo o exercício [9]. Foi mantida uma distância entre o hálux do pé direito e esquerdo, por meio de seus alinhamentos com seus respectivos quadris, prevenido a indução de forças de abdução do quadril [17].

O exercício crunch (figuras 1F e 1G) foi desempenhado por meio de uma série, com 8 a 10 repetições, com o participante permanecendo em decúbito dorsal, coluna vertebral fletida em cerca de 30º de amplitude articular de movimento, cotovelos fletidos e mãos apoiadas na lateral cabeça, quadris e joelhos flexionados a 45º e 90º respectivamente, com os pés fixos na superfície, minimizando o movimento lombar e reduzindo a ação do músculo psoas [18,19], sendo apenas as escápulas levantadas do solo durante a contração muscular [23].

Os dados coletados foram digitados e tabulados em banco de dados no software Microsoft Excel® 2010. Para a análise estatística foi utilizado o software BioEstat 5.3, e o teste D’Agostino Pearson para avaliar a normalidade das amostras que se revelaram não paramétricas, teste de Wilcoxon para as amostras pareadas, e teste de Kruskal-Wallis com comparações múltiplas de Dunn para amostras independentes, onde os resultados com p ≤ 0,05 foram considerados significativos.

 

Resultados

 

A amostra foi constituída por 34 participantes do gênero feminino e com idade média de 20,47 anos. O Gráfico 1 ilustra comparações de ativações do reto abdominal entre os ventres musculares direito e esquerdo nos exercícios e entre os hundred, plank e crunch. O exercício hundred evidenciou diferença significante (p = 0,0146) entre a ativação dos ventres do MRA, revelando maior ativação no ventre esquerdo em relação ao direito; já o exercício plank foi o que revelou a maior discrepância entre os ventres musculares (p = 0,0001), expondo uma maior ativação do ventre esquerdo em comparação com o direito; já o exercício crunch não evidenciou diferença significativa entre os ventres musculares (p = 0,1834). Os resultados sugerem evidências de que os exercícios isométricos para o MRA, o hundred apresentou maior recrutamento de unidades motoras em relação ao plank. Já entre os três exercícios, o isotônico crunch foi o que demonstrou menor recrutamento de unidades motoras com maior efetividade neuromuscular.

O Gráfico 2 exibe as comparações dos ventres direitos do MRA entre os três exercícios, as quais revelaram diferenças de ativações neuromusculares entre eles. As comparações múltiplas mostraram que em todas houve significância estatística (p < 0,05), seja na relação do crunch com o plank, do crunch com o hundred e entre o plank e o hundred. Observou-se uma maior ativação do ventre do MRA direito durante o exercício hundred tanto em atividades isométricas (plank e hundred) como em atividades isotônicas (crunch). E o exercício que menos recrutou unidades motoras no ventre direito foi o exercício isotônico crunch.

 

 

Gráfico 1 - Ativação neuromuscular por eletromiografia de superfície em raiz quadrada média entre os ventres musculares direito e esquerdo do reto abdominal nos exercícios crunch, plank e hundred

 

 

Gráfico 2 - Ativação neuromuscular por eletromiografia de superfície em raiz quadrada média do ventre muscular direito do reto abdominal nos exercícios crunch, plank e hundred

 

No Gráfico 3 foram demostradas as comparações das ativações neuromusculares dos ventres do MRA esquerdo entre os três exercícios abdominais. Assim como nos ventres do MRA direito, os ventres esquerdos mostraram em suas comparações múltiplas que em todas houve significância estatística (p < 0,05). O exercício Hundred novamente apresentou ativação de mais unidades motoras, agora nos ventres esquerdos entre o exercício isométrico plank e o isotônico crunch. O exercício crunch evidenciou menor ativação neuromuscular.

 

 

Gráfico 3 - Ativação neuromuscular por eletromiografia de superfície em raiz quadrada média do ventre muscular esquerdo do reto abdominal nos exercícios crunch, plank e hundred

 

Discussão

 

Os resultados encontrados evidenciaram que o exercício isotônico crunch se mostrou com mais efetividade para o recrutamento dos ventres direito e esquerdo do músculo reto abdominal por ter menor ativação neuromuscular, ou seja, menor recrutamento de unidades motoras durante a realização desse movimento. Além desse aspecto, ainda foi observado que os exercícios isométricos recrutaram mais o ventre muscular esquerdo quando comparado ao ventre direito do MRA.

O exercício tradicional crunch é um dos exercícios mais utilizados para fortalecimentos dos músculos abdominais com o participante em decúbito dorsal, flexões de quadril a 45º e joelhos a 90º [24], podendo apresentar diferenças na execução em relação ao posicionamento dos braços que atuará como carga, podendo estar atrás da cabeça ou cruzados sobre o peitoral ou ao longo do tronco ou colocados sobre as coxas [25]. Estudos realizados por EMGs evidenciaram que o crunch proporciona ativação principalmente dos músculos reto abdominal e oblíquos externos, já os oblíquos internos atuaram como sinergistas, e transverso do abdome com pouca ativação neuromuscular [18,26].

No presente estudo, evidências sugerem que a maior efetividade do crunch em realizar a flexão de tronco com menor ativação de unidades motoras pode estar relacionada com a posição de flexão do quadril, exigindo a atuação dos músculos flexores, em particular o psoas, o que resultaria em menor recrutamento do MRA, principalmente de sua porção inferior [18]. Um estudo utilizando EMGs para analisar a ativação do MRA em exercícios isotônico e isométricos verificaram que contrações da musculatura abdominal com o quadril em flexão, inibem as ações dos músculos ileopsoas, retofemoral e sartório, reduzindo com isso a lordose da coluna lombar e melhor ação dos músculos abdominais [11].

Entretanto, autores ressaltam aspectos importantes que devem ser considerados ao se prescrever o crunch para fortalecimento do MRA, um que é importante para melhorar a estabilização do core no plano sagital, sendo esta apenas uma parte da estabilidade necessária em atividades diárias, o que limita a efetividade do exercício crunch na estabilidade do core em múltiplos planos [27,28], além disso, é necessária a seleção de uma variedade de exercícios abdominais para desafiar suficientemente a musculatura do abdômen e atender diferentes objetivos de treinamento [10]. O outro aspecto na prescrição do crunch está relacionado a flexão e extensão da coluna vertebral durante esse exercício isotônico, causando uma pressão local relativamente alta nas vértebras e nos discos intervertebrais [29].

Em relação aos exercícios isométricos hundred e plank, ambos realizaram maior ativação das unidades motoras do ventre muscular esquerdo quando comparado ao ventre muscular direito do MRA. Vale ressaltar que a simetria de ativação das unidades motoras entre os ventres dos músculos abdominais é importante para fornecer uma adequada estabilidade a coluna vertebral e para prevenir desequilíbrio biomecânicos secundários [30]. Evidências demonstraram que indivíduos que praticam esportes assimétricos podem apresentar diferenças no tamanho e recrutamento das fibras do ventre do MRA do hemicorpo esquerdo e direito [31,32], outro estudo já expõe a assimetria da musculatura abdominal em decorrência de alterações de alinhamento da coluna vertebral, como observada na escoliose idiopática em indivíduos adolescentes [30].

Esportes como o críquete e o remo que exigem movimentos rotacionais do tronco, envolvem o lado dominante e não dominante do corpo em padrões cinemáticos e cinéticos específicos [33], o que geraria uma carga mecânica repetitiva típica por um período prolongado de tempo, resultando em adaptações crônicas como o aumento assimétrico do volume muscular da parede abdominal lateral, dentre eles o do MRA [34]. O que expõem os atletas há um maior número de lesões do MRA por essas assimetrias do lado dominante em relação ao não dominante, assim como maior na porção inferior comparada a superior [35]. Tais diferenças de desempenho dos ventres direito e esquerdo do MRA estão associadas a um maior risco de lesão por esforço [36], por gerar desequilíbrios entre a força dos músculos abdominais e dos extensores do tronco [35], porém com raros casos de distensões graves e formação de hematomas [37]. Além dos aspectos esportivos, a assimetria muscular abdominal pode estar relacionada a dor ou lesão do tronco, principalmente a região da coluna lombar [38]. Em atividades esportivas e nos processos de reabilitação, as prescrições de exercícios com assimetria abdominal podem ser utilizadas para seletivamente ativar um lado dos músculos globais do abdômen [33].

O estudo apresentou algumas limitações que devem ser consideradas, iniciando pelo pequeno tamanho amostral, inclusão apenas do gênero feminino. Além disso, devido a restrições tecnológicas da EMGs como o crosstalk dos músculos abdominais superficiais vizinhos, assim como pela ausência de eletromiogramas de outros músculos abdominais, pois foram examinados apenas os padrões de ativação do músculo reto abdominal e somente em sua porção superior bilateralmente. Um ponto relevante que precisa ser observado foi a comparação de dois exercícios isométricos com um exercício isotônico por meio da EMGs, o que implica em normalização de sinais brutos do sinal eletromiográfico de formas distintas, visto que um foi por pico dinâmico e os outros por CIVM.

 

Conclusão

 

Considerando esta população avaliada na comparação da função neuromuscular do reto abdominal nos exercícios hundred, plank e crunch por meio de eletromiografia de superfície, foi possível evidenciar que o abdominal crunch se mostrou um exercício isotônico que recrutou menor número de unidades motoras, sugerindo maior efetividade ao se executar a tarefa de forma plena. Enquanto que os exercícios isométricos hundred e plank recrutaram mais unidades motoras do reto abdominal, podendo servir como progressão de treinamento para este músculo abdominal. Outros estudos devem esclarecer a aplicabilidade dos achados a outras populações.

 

Conflitos de interesse

Os autores declaram não haver conflitos de interesse de qualquer natureza.

 

Fontes de financiamento

Financiamento próprio.

 

Contribuição dos autores

Concepção e desenho da pesquisa: Oliveira JSS, Ferreira TCR, Santos Filho AA; Coleta de dados: Santos Filho AA, Ferreira TCR, Andrade GM, Klautau AV; Análise e interpretação dos dados: Oliveira JSS, Santos MCS, Esteves TC, Ávila PES; Análise estatística: Santos MCS, Esteves TC, Ávila PES; Redação do manuscrito: Santos Filho AA, Oliveira JSS, Klautau AV, Andrade GM, Esteves TC; Revisão crítica do manuscrito quanto ao conteúdo intelectual importante: Oliveira JSS, Ferreira TCR, Ávila PES, Klautau AV.

 

Referências

 

  1. Meenakshi S, Manjunath KY. The tendinous intersections of rectus abdominis muscle. Journal of Mahatma Gandhi Institute of Medical Sciences. 2008;13(1):34-39.
  2. Connell D, Ali K, Javid M, Bell P, Batt M, Kemp S. Sonography and MRI of rectus abdominis muscle strain in elite tennis players. AJR Am J Roentgenol. 2006;187(6): 1457-61. doi: 10.2214/AJR.04.1929
  3. Balius R, Pedret C, Pacheco L, Gutierrez JA, Vives J, Escoda J. Rectus abdominis muscle injuries in elite handball players: management and rehabilitation. Open Access J Sports Med. 2011;1(2):69-73. doi: 10.2147/OAJSM.S17504
  4. Raiola G, Domenico FD, D’Isanto T, Altavila G, D’Elia F. Biomechanics Core. Acta Medica Mediterranea. 2020;36:3079. doi: 10.19193/0393-6384_2020_5_474
  5. Silva GB, Morgan MM, Carvalho WRG, Silva E, Freitas WZ, Silva FF, et al. Electromyographic activity of rectus abdominis muscles during dynamic Pilates abdominal exercises. J Body Mov Ther. 2015;19(4):629-35. doi: 10.1016/j.jbmt.2014.11.010
  6. Moon JH, Park SJ, Shin YA. The effects of the use of Pilates equipment during Pilates hundred, swimming exercise on the muscle activation of abdominal muscles, lumbar erector spinae, gluteus of lumbar disc disease patients. Exerc Sci. 2019; 28(1):41-48. doi: 10.15857/ksep.2019.28.1.41
  7. Pacheco BR, Rocha DS, Bertoncello D. A importância do treinamento pré-Pilates para a realização do exercício Hundred em praticantes de Pilates. Motricidade. 2022;18(1):11-19. doi: 10.6063/motricidade.20569
  8. Koo DK, Nam SM, Kwon JW. Immediate effects of the reverse plank exercise on muscle thickness and postural angle in individuals with the forward shoulder posture. J Funct Morphol Kinesiol. 2022;7(4):82. doi: 10.3390/jfmk7040082
  9. Snarr RL, Esco MR. Electromyographical comparison of plank variations performed with and without instability devices. J Strength Cond Res. 2014;28(11):3298–305. doi:10.1519/JSC.0000000000000521
  10. Ifeyinwa NV, Nneka IC, Theophilus IK, Solomon UC, Ugonne US, Petronilla OC, et al. Analysis of the effects of double straight leg raise and abdominal crunch exercises on core stability. IJCMSDR. 2021;04(4):36-44.
  11. Mandroukas A, Michailidis Y, Kyranoudis AE, Christoulas K, Metaxas T. Surface electromyographic activity of the rectus abdominis and external oblique during isometric and dynamic exercises. J Funct Morphol Kinesiol. 2022;7(3):67. doi: 10.3390/jfmk 7030067
  12. Vigotsky AD, Halperin I, Lehman GJ, Trajano GS, Vieira TM. Interpreting signal amplitudes in surface electromyography studies in sport and rehabilitation sciences. Front Physiol. 2018;4(8):985. doi: 10.3389/fphys.2017.00985
  13. De Luca C. The use of surface electromyography in biomechanics. J Appl Biomech. 1997;13:135-63. doi: 10.1123/jab.13.2.135
  14. Farina D, Merletti R, Enoka R. The extraction of neural strategies from the surface EMG: un update. J Appl Physiol. 2014;117:1215-30. doi: 10.1152/japplphysiol. 00162.2014
  15. Guerrero-Mendez CD, Moreno BS, Ramirez-Ruiz V, Duarte-Gonzalez ME, Ruiz-Olaya AF, Jaramillo-Isaza S. Comparison of the muscular electrical activity and hip–knee joint amplitude during bent-knee sit-up movement and abdominal exercises using a five-minute shaper device: a case study on an unconditioned subject. Journal of Physical Education and Sport. 2021;21(6):3577-85. doi: 10.7752/jpes.2021.06483
  16. Souza EF, Cantergi D, Mendonça A, Kennedy C, Loss JF. Análise eletromiográfica dos músculos reto femoral e reto abdominal durante a execução dos exercícios hundred e teaser do método Pilates. Rev Bras Med Esporte. 2012;18(2):105-108. doi: 10.1590/S1517-86922012000200008
  17. Kim SY, Kang MH, Kim ER, Jung IG, Seo EY, Oh JS. Comparison of EMG activity on abdominal muscles during plank exercise with unilateral and bilateral additional isometric hip adduction. J Electromyogr Kinesiol. 2016;30:9–14. doi: 10.1016/j.jelekin.2016.05.003
  18. Sternlicht E, Rugg SG, Bernstein MD, Armstrong SD. Electromyographical analysis and comparison of selected abdominal training devices with a traditional crunch. J Strength Cond Res. 2005;19(1):157-62. doi: 10.1519/R-14864.1
  19. Sternlicht E, Rugg SG, Fujii LL, Tomomitsu KF, Seki MM. Electromyographic comparison of a stability ball crunch with a traditional crunch. J Strength Cond Res. 2007;21(12):506-9. doi: 10.1519/R-20436.1
  20. von Elm E, Altman DG, Egger M, Pocock SJ, Gøtzsche PC, Vandenbroucke JP. The strengthening the reporting of observational studies in epidemiology (STROBE) statement: Guidelines for reporting observational studies. PLoS Med. 2007;4(10):e296. 10.1371/journal.pmed.0040296
  21. Merletti R, Aventaggiato M, Botter A, Holobar A, Marateb H, Vieira TMM. Advances in surface EMG: Recent progress in detection and processing techniques. Crit Rev Biomed Eng. 2010;38(4):305–45. doi: 10.1615/critrevbiomedeng.v38.i4.10
  22. Hermens HJ, Frericks B, Disselhorst-Klug C, Rau G. Development of recommendations for SEMG sensors and sensor placement procedures. J Electromyogr Kinesiol. 2000;10:361–74. doi: 10.1016/s1050-6411(00)00027-4
  23. Ikele C, Ikele I, Ojukwu C, Ngwoke E, Katchy U, Okemuo A. Comparative analysis of the effects of abdominal crunch exercise and dead bug exercise on core stability of young adults. Nigerian Journal of Medicine. 2020;29(4):680-87. doi: 10.4103/ NJM.NJM_85_20
  24. Schoenfeld BJ, Kolber MJ. Crunches are/are no a safe effective exercises. Strength and Conditioning Journal. 2016;38(6):61-64. doi: 10.1519/SSC.0000000000000263
  25. Dolenec A, Svetina M, Strojnik V. Electromyographic comparison of an abdominal rise on a ball with a traditional crunch. Sensors 2022;22:1979. doi: 10.3390/s22051979
  26. Avedisian L, Kowalsky DS, Albro RC, Goldner D, Gill RC. Abdominal strengthening using the abvice machine as measured by surface electromyographic activation levels. J. Strength Cond. Res. 2005;(19):709–12. doi: 10.1519/15244.1
  27. Ng JKF, Parnianpour M, Richardson CA, Kippers V. Functional roles of abdominal and back muscles during isometric axial rotation of the trunk. J Orthop Res. 2001; 19:463–71. doi: 10.1016/S0736-0266(00)90027-5
  28. Kavcic N, Grenier S, McGill SM. Determining the stabilizing role of individual torso muscles during rehabilitation exercises. Spine. 2004;29:1254–65. doi: 10.1097/00007632-200406010-00016
  29. Axler CT, McGill SM. Low back loads over abdominal exercises: searching for the safest abdominal challenge. Med Sci Sport Exerc. 1997;29:804–10. doi: 10.1097/00005768-199706000-00011
  30. Yoon Y, Lee SY. Effects of 3D postural correction and abdominal muscle contraction on the symmetry of the transverse abdominis and spinal alignment in patients with idiopathic scoliosis. Int J Environ Res Public Health. 2023;20:5016. doi: 10.3390/Ijerph 20065016
  31. Escamilla RF, Lewis C, Bell D, Bramblet G, Daffron J, et al. Core muscle activation during swiss ball and traditional abdominal exercises. J Orthop Sports Phys Ther. 2010;40(5):265-76. doi: 10.2519/jospt. 2010.3073
  32. Kawama R, Ike A, Soma A, Hojo T, Wakahara T. Side-to-side difference in electromyographic activity of abdominal muscles during asymmetric exercises. J Sports Sci Med. 2022;1;21(4):493-503. doi: 10.52082/jssm.2022.493
  33. Mitchell UH, Johnson AW, Owen PJ, Rantalainen T, Belavy D. Transversus abdominis and multifidus asymmetry in runners measured by MRI: a cross-sectional study. BMJ Open Sport & Exercise Medicine. 2019;5:e000556. doi: 10.1136/bmjsem-2019-000556
  34. Izumoto Y, Kurihara T, Suga T, Isaka T. Bilateral differences in the trunk muscle volume of skilled golfers. PLoS ONE. 2019;14(4): e0214752. doi: 10.1371/journal.pone.0214752
  35. Sanchis-Moysi J, Idoate F, Dorado C, Alayón S, Calbet JAL. Large asymmetric hypertrophy of rectus abdominis muscle in professional tennis players. Plos One. 2010;5:e15858. doi: 10.1371/journal.pone.0015858
  36. Balius R, Pedret C, Galilea P, Idoate F, Ruiz-Cotorro A. Ultrasound assessment of asymmetric hypertrophy of the rectus abdominis muscle and prevalence of associated injury in professional tennis players. Skeletal Radiology. 2012;41:1575-581. doi: 10.1007/ s00256-012-1429-y
  37. Natsls K, Lyrtzls C, Papathanaslou E, Anastasopoulos N. Rectus abdominis overuse injury in a tennis athlete treated with traumeel. Am J Case Rep. 2012;13:3-6. doi: 10.12659/ AJCR.882235
  38. Gray J, Aginsky KD, Derman W, Vaughan CL, Hodges PW. Symmetry, not asymmetry, of abdominal muscle morphology is associated with low back pain in cricket fast bowlers. J Sci Med Sport. 2016;19:222–26. doi: 10.1016/j.jsams. 2015.04.009