Fisioter Bras. 2023;24:(5):618-25

doi: 10.33233/fb.v24i5.5485

ARTIGO ORIGINAL

Efeitos da reabilitação pulmonar na capacidade funcional de pacientes com síndrome pós-covid-19

Effects of pulmonary rehabilitation on the functional capacity of patients with post-COVID-19 Syndrome

 

Guilherme Pinheiro Ferreira da Silva1, Paloma Borges de Araújo1, Raiana Barroso de Albuquerque Mendes1, Nara Patrícia Amaral Brito2, Eanes Delgado Barros Pereira3

 

1Universidade de Fortaleza (UNIFOR), Fortaleza, CE, Brasil

2Centro Universitário Católica Rainha do Sertão, Quixadá, CE, Brasil

3Universidade Federal do Ceará – UFC, Fortaleza, CE, Brasil 

 

Recebido 7 de junho de 2023; aceito 20 de setembro de 2023

Correspondência: Guilherme Pinheiro Ferreira da Silva, guilhermepinheiro87@hotmail.com

 

Como citar

Silva GPF, Araújo PB, Mendes RBA, Brito NPA, Pereira EDB. Efeitos da reabilitação pulmonar na capacidade funcional de pacientes com síndrome pós-covid-19. Fisioter Bras. 2023;2495):618-25. doi: 10.33233/fb.v24i5.5485

 

 

Resumo  

Introdução: Pacientes com síndrome pós-covid-19, que é definida como sinais e sintomas decorrentes da doença que permanecem mesmo após 12 semanas de infecção, muitas vezes apresentam redução da tolerância ao exercício e disfunção muscular periférica que culmina em perda da capacidade funcional. Atualmente, a reabilitação pulmonar (RP) é uma importante estratégia para o manejo desses pacientes, pois é uma intervenção que visa melhorar a capacidade física e funcional e a recuperação da função respiratória. Objetivo: Avaliar o efeito da RP em pacientes com síndrome pós-covid-19. Métodos: Foi realizada uma série de casos com 13 pacientes que participaram de um programa ambulatorial abrangente de RP de 8 semanas (2 sessões por semana, 60 minutos por dia) em centro especializado de reabilitação de fevereiro a março de 2022. O teste de sentar levantar da cadeira de 30 segundos (TSL30) e o time up and go (TUG) foram avaliados antes e após 8 semanas de RP. O protocolo de intervenção foi composto de treinamento físico aeróbio, treinamento de força muscular periférica e respiratória. Resultados: Após 8 semanas de RP houve melhora significativa na capacidade funcional, com aumento do número de repetições no TSL30 (p = 0,001) e na duração do teste TUG (p = 0,04). Conclusão: A RP melhora a capacidade funcional em pacientes com síndrome pós-covid-19.

Palavras-chave: reabilitação; COVID-19; fisioterapia.

 

Abstract

Introduction: Patients with post-covid-19 syndrome, which is defined as signs and symptoms arising from the disease that remain even after 12 weeks of infection, often present reduced exercise tolerance and peripheral muscle dysfunction which culminates in loss of functional capacity. Nowadays, pulmonary rehabilitation (PR) is an important strategy for the management of these patients, as it is an intervention that aims to improve physical and functional capacity and recovery of respiratory function. Objective: To evaluate the effect of PR in patients with post-covid-19 syndrome. Methods: We performed a case series study with 13 patients that participated in a 8-week (2 sessions per week, 60 minutes per day) outpatient comprehensive PR program in specialized rehabilitation center from march to july 2022. The 30 second chair stand test (30CST) and time up and go test (TUG) were evaluated before and after 8 weeks of PR. The intervention protocol was composed of aerobic physical training, peripheral and respiratory muscle strength training. Results: After 8 weeks of PR there was a significant improvement in functional capacity, with an increase of numbers of repetitions in 30CST (p = 0.001) and time duration of TUG test (p = 0.04). Conclusion: PR improves functional capacity in patients with post-covid-19 syndrome.

Keywords: rehabilitation; COVID-19; physiotherapy.

 

Introdução

 

Conhecido popularmente como coronavírus, o COVID-19 resultou em uma doença pandêmica que gera a síndrome respiratória aguda grave, também conhecida como SARS-CoV-2. De acordo com a sua proporção de infecção inicial, classifica-se essa enfermidade, de acordo com sua gravidade em três grupos, denominados em leve ou assintomático (80% dos casos), pacientes enfermos (14% dos casos), e os críticos (6% dos casos) [1].

As manifestações da doença deram início no ano de 2019, e já no começo de 2020 mais de 185 países foram atingidos pelo vírus, que levou a um total de 3 milhões de pessoas infectadas. Segundo o Ministério da Saúde, no Brasil foram confirmados mais de 64 milhões de casos até o mês de agosto de 2022, com mais de 683 mil óbitos. Já no estado do Ceará, mais de 1 milhão habitantes foram infectados e notificados até o mês de agosto de 2022, pelo COVID-19, tendo um número de óbitos acima de 27 mil [1,2].

Com o aumento de casos da doença, se fez necessário entender as questões que cercam o COVID-19. Dentre essas questões, a mais importante é entender suas manifestações, sintomatologia e suas semelhanças com outras epidemias pelo coronavírus. Segundo a literatura científica, os efeitos a longo prazo causado pelo COVID-19, afeta diversos sistemas. Os relatórios que surgiram no início das infecções, sugerem efeitos residuais por SARS-CoV-2 que na fase inicial são, febre, perda de olfato e paladar, desconforto gastrointestinal, dores de cabeça e dispnéia. Já os pacientes mais críticos podem evoluir com necessidade de hospitalização, e muitas vezes precisar de um suporte de ventilação mecânica [1,2,3].

Grande parte das pessoas infectadas pelo vírus e que necessitam de hospitalização tem sua capacidade funcional comprometida, prejudicando as tarefas do dia a dia e do trabalho, que estão diretamente ligadas a qualidade de vida. Além da grande atenção dada ao risco de mortalidade, é de suma importância ser colocada em prática estratégias para a melhora física desses pacientes, utilizando-se da reabilitação pulmonar [4].

A reabilitação pulmonar (RP) tem sido bastante reconhecida e utilizada no tratamento de pacientes com doenças pulmonares crônicas, pois se baseia em uma intervenção com avaliações completas e personalizadas de cada paciente, visando o progresso na parte física e funcional, e como consequência a melhora nos aspectos psicológicos e na qualidade de vida. No pós COVID-19 com a persistência dos sintomas já citados e consequentemente o prognóstico insatisfatório desses pacientes é proposto a RP após a alta, tendo em vista que é viável e útil para obter um melhor desfecho no quadro clínico de cada paciente [4,5].

É recomendado, de forma geral, adaptar exercícios físicos as necessidades e limitações de cada paciente, individualizando cada um, levando em consideração todos os sintomas apresentados durante o treinamento. Em todas as fases da RP os pacientes precisam estar cientes mediante as orientações do profissional a respeito dos aspectos físicos e psicoemocionais, porém até o presente momento, poucos estudos foram realizados nessa temática [4].

O objetivo do estudo foi avaliar os efeitos da RP na capacidade funcional de pacientes com síndrome pós COVID-19.

 

Métodos

 

Foi realizado um estudo do tipo série de casos, entre os meses de fevereiro a março de 2022, com pacientes assistidos no Centro de Reabilitação Funcional (CRF) do município de Horizonte, Ceará. O CRF é considerado um equipamento de saúde de referência na referida cidade e realiza atendimentos gratuitos pelo Sistema Único de Saúde (SUS).

Este estudo respeitou os preceitos éticos da Resolução 466/12 do Conselho Nacional de Saúde que rege as pesquisas em seres humanos sendo aprovado pelo Comitê de Ética e Pesquisas em Seres Humanos da Universidade de Fortaleza com o número do Parecer: 5.388.767.

Participaram do estudo pacientes com síndrome pós COVID-19 que apresentavam sintomas que limitavam suas atividades do cotidiano, como fadiga e dispnéia, idade superior a 18 anos, estáveis clinicamente e com o tempo de alta hospitalar superior a 15 dias.

As pesquisadoras coletaram os dados de todos os participantes que realizaram um programa de RP na referida instituição a partir da análise das variáveis pessoais (sexo, idade) e clínicos (dados referentes a necessidade e dias de internação hospitalar, percentual de lesão pulmonar na tomografia computadorizada (TC) de tórax, necessidade de suporte ventilatório mecânico invasivo).

A capacidade funcional foi avaliada antes e após 8 semanas do protocolo de reabilitação a partir dos registros de dois testes: testes de sentar levantar (TSL) de 30 segundos e o Time up and go (TUG).

O TSL de 30 segundos consiste em posicionar os pacientes sentados em uma cadeira com altura do assento de 43 cm e estabilizada contra parede, para evitar que se mova durante o teste, com as costas eretas, pés afastados à largura dos ombros e totalmente apoiados no solo e ligeiramente avançado em relação ao outro, os braços cruzados junto ao peito. Foi solicitado um sinal de partida e o participante eleva-se à extensão máxima e regressa à posição inicial de sentado durante o período de 30 segundos, sendo realizado apenas uma vez [6].

O teste TUG solicitou que o indivíduo se desloque da postura sentada para de pé e deambular um percurso com distância de três metros, retornando a posição sentada na cadeira, sendo mensurado o tempo em segundos pelo pesquisador. A cadeira utilizada tinha uma altura de aproximadamente 46 cm de altura e braços de 65 cm de altura e foram realizadas um total de três aferições em cada participante com intervalo de 1 min entre as medidas, sendo considerado o melhor desempenho como medida final [7].

O programa de RP realizado na instituição seguiu as recomendações estabelecidas e pelas diretrizes internacionais da European Respiratory Society e American Thoracic Society [5] para realização de RP com pacientes com sequelas de COVID-19 tendo uma frequência de 2 vezes por semana, duração diária de 60 minutos, por um período de 8 semanas, e foi composto de exercícios de alongamento, aquecimento, fortalecimento de musculatura periférica de membros superiores e inferiores e exercícios aeróbicos em esteira ou bicicleta.

Todos os dados dos participantes foram inseridos em um banco de dados e a análise dos dados realizada por meio do programa Statistical Package for the Social Sciences 20.0 (SPSS Inc. Chicago, IL). O Teste de Shapiro Wilk avaliou a distribuição dos dados e estes foram apresentados em frequência absoluta ou relativa, ou ambas, por meio da utilização de média e desvio padrão para os dados paramétricos e mediana/intervalo interquartílico para os dados não paramétricos. As variações (delta) do desfecho primário da capacidade funcional será os testes TSL e TUG entre o pré e pós protocolo, e foram apresentadas por meio da utilização de média e intervalo de confiança 95%. O teste de Wilcoxon foi usado para a comparação dos desfechos primários nos dois momentos estudados. Foi considerado como estatisticamente significativo valor de p < 0,05.

 

Resultados

 

Participaram do estudo 13 pacientes, idade média de 46,1 ± 13,9 anos, com predomínio do sexo feminino (46,1%). O percentual de lesão pulmonar na TC de tórax foi de 48,5 ± 19,4% e 6 pacientes fizeram uso de suporte ventilatório mecânico invasivo (46,1%).

No que se refere aos dados de necessidade de internação hospitalar, 46,1% dos participantes necessitaram de internação e o tempo médio de permanência foi de 15,.6 ± 5,5 dias.

As figuras 1 e 2 apontam que após 8 semanas de RP houve melhora significativa na capacidade funcional, com aumento do número de repetições no TSL passando de 8,4 ± 1,6 para 13 ± 3 repetições; delta pós-pré (IC95%) = 4,6 ± 1,1 (2 a 7,1) e na duração do TUG passando de 12,1 ± 3,3 para 8,8 ± 2,2 segundos; delta pós-pré (IC95%) = -3.3 ± 1,5 (-0,08 a -6,7).

 

 

Figura 1 - Comparação do número de repetições no teste de sentar levantar de 30 segundos (TSL) antes e após a reabilitação pulmonar

 

 

Figura 2 - Comparação do tempo de duração do teste time up and go (TUG) antes e após a reabilitação pulmonar

 

Discussão

 

Esse estudo avaliou por meio de intervenção o efeito da RP na capacidade funcional, seus ganhos e desfechos, na qual atualmente se trata de uma estratégia que visa melhorar a capacidade física e funcional e recuperar a função respiratória. No mesmo, foi realizada a comparação dos indivíduos no pré e pós RP através dos testes de sentar e levantar em 1 minuto (TSL) e time up and go (TUG).

Potencialmente, o estudo traz benefícios, pois buscou mostrar os resultados positivos e a RP através dos testes e exercícios já mencionados, favorecendo pacientes com síndrome pós COVID-19. Levando em consideração os estudos recentes, que citam que pacientes adultos com doenças pulmonares crônicas, sofrem com diversas limitações físicas, emocionais e sociais, e que acabam necessitando de uma avaliação e intervenção por meio da reabilitação pulmonar de forma organizada e interdisciplinar, além dos estudos que também apontam que a RP tem favorecido a parte física e funcional em pacientes no pós covid. O atual estudo pode contribuir na busca por novos resultados sobre a eficácia e melhor conduta para esse perfil clínico de pacientes [4,10].

Como esperado, devido as muitas evidências de melhora da capacidade funcional após a RP, todos os pacientes apresentaram melhoras significativas no TSL, com o aumento no número de repetições, e na duração do TUG após o protocolo de treinamento da RP quando comparados com os resultados dos mesmos testes antes da reabilitação, sendo verificado que tiveram grande avanço na capacidade funcional de todos.

As diretrizes de RP, European Respiratory Society e American Thoracic Society apontam melhoras clínicas e funcionais significantes em pacientes com doença pulmonar crônica, o que evidência a robustez dessa intervenção. Em paralelo, o presente estudo apresentou desfechos bastante parecidos quando comparados com o estudo acima, pois evidenciou significativa melhora na capacidade funcional, quando correlacionados antes e após o protocolo de RP [8].

Os principais achados da RP mostram que todos os pacientes que realizaram o protocolo passam por um processo de mudança comportamental relacionado à saúde e estilo de vida, afetando diretamente sua qualidade de vida, no qual são avaliados por meio de testes antes e após a RP, comprovando sua eficácia. Em comparação, o estudo realizado utiliza-se dos testes TSL e TUG para avaliar e afirmar os benefícios da RP na capacidade funcional dos pacientes [9].

Os resultados dessa pesquisa evidência que pacientes com síndrome pós COVID-19, e como conseqüência a diminuição da capacidade funcional, apresentam melhora nos sinais de desconfortos apresentados durante o quadro clínico, quando comparados ao inicio do protocolo e a indivíduos que não realizaram nenhum protocolo de RP.

Este estudo apresenta como limitações o número reduzido da amostra e a não utilização de um grupo controle. Dessa forma, sugerimos em estudos futuros pesquisas com um maior número de participantes e a presença de grupo de controle, para fins de comparação dos dados.

 

Conclusão

 

A RP melhora a capacidade funcional em pacientes com síndrome pós COVID-19.

 

Conflitos de interesse

Declaramos que não há conflitos de interesse.

 

Fontes de financiamento

Não houve financiamento, todas as despesas foram arcadas pelos autores.

 

Contribuição dos autores

Concepção e desenho da pesquisa: Silva GPF, Araújo PB, Mendes RB, Pereira EDB; Coleta de dados: Silva GPF, Araújo PB, Mendes RB, Brito, NPA; Análise e interpretação dos dados: Silva GPF, Pereira EDB; Redação do manuscrito: Silva GPF, Araújo PB, Mendes RB; Revisão crítica do manuscrito quanto ao conteúdo intelectual importante: Silva GPF, Araújo PB, Mendes RB, Brito NPA, Pereira EDB

 

Referências

 

  1. Conselho Nacional de Secretários de Saúde. Painel Connas COVID-19 [Internet]. Brasília: CONASS, 2022 Ago 26 [citado 2022 ago 26]. Disponível em: https://www.conass.org.br/painelconasscovid19
  2. Disser NP, Micheli AJ, Schonk MM, Konnaris MA, Piacentini AN, Edon DL, et al. Musculoskeletal Consequences of COVID-19. J Bone Joint Surg Am. 2020:102(14):1197-204. doi: 10.2106%2FJBJS.20.00847 [Crossref]
  3. Nalbadian A, Sehgal K, Gupta A, Madhavan MV, McGroder C, Stevens JS, Cook JR, et al. Post-acute COVID-19 syndrome. Nat Med. 2021;27(4):601-05. doi: 10.1038/s41591-021-01283-z [Crossref]
  4. Santana AV, Fontana AD, Pitta F. Reabilitação pulmonar pós-COVID-19. J Bras Pneumol. 2021;47(1):14-16. doi: 10.36416/1806-3756/e20210034 [Crossref]
  5. Silva PFS, Quintino LF, Franco J, Faria CDCM. Measurement properties and feasibility of clinical tests to assess sit-to-stand/stand-to-sit tasks in subjects with neurological disease: a systematic review. Braz J Phys Ther. 2014;18(2):99-110. doi: 10.1590/s1413-35552012005000155 [Crossref]
  6. Shumway-Cook A, Brauer S, Woollacott M. Predicting the probability for Falls in Community-Dwelling Older Adults Using the Timed Up & Go Test. Phys Ther [Internet]. 2000 [acesso em 2022 out 21];80(9):896-903. Disponível em: https://pubmed.ncbi.nlm.nih.gov/10960937
  7. Spruit MA, Holland AE, Singh SJ, Tonia T, Wilson KC, Troosters T. COVID-19: interim guidance on rehabilitation in the hospital and post-hospital phase from a European Respiratory Society- and American Thoracic Society-coordinated international task force. Eur Respir J. 2020;56(6):1-13. doi: 10.1183/13993003.02197-2020 [Crossref]
  8. Spruit MA, Singh SJ, Garvey C, ZuWallack R, Nici L, Rochester C, et al. An Official American Thoracic Society/European Respiratory Society Statement: Key Concepts and Advances in Pulmonary Rehabilitation. Am J Respir Crit Care Med 2013;118(8):e13-e64. doi: 10.1164/rccm.201309-1634ST [Crossref]
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