Fisioter Bras. 2023;24:(4):491-505

doi: 10.33233/fb.v24i4.5490

REVISÃO

Fisioterapia em crianças com mielomeningocele: um panorama atual

Physical therapy in children with myelomeningocele: a current overview

 

Marcela Dias de Lima1, Fernanda Maria Cercal Eduardo1, Leda Maria de Castro Coimbra Campos2

 

1Centro Universitário Internacional UNINTER, Curitiba, PR, Brasil

2Centro Universitário Internacional UNINTER – Belo Horizonte, MG, Brasil

 

Recebido em: 12 de junho de 2023; Aceito em: 24 de julho de 2023.

Correspondência: Leda Maria de Castro Coimbra Campos, ledafisio@yahoo.com.br

Como citar

Lima MD, Eduardo FMC. Campos LMCC. Fisioterapia em crianças com mielomeningocele: um panorama atual. Fisioter Bras. 2023;24(4):491-505. doi: 10.33233/fb.v24i4.5490

 

Resumo

Introdução: A mielomeningocele é o defeito do tubo neural mais comum no mundo, com exposição da medula espinhal. A criança com mielomeningocele apresenta disfunções neuromusculares, dentre outras alterações em diversos sistemas do corpo, necessitando assim de tratamento fisioterapêutico especializado. Objetivo: Discutir o estado da arte de intervenções fisioterapêuticas na criança com mielomeningocele. Métodos: Para esta revisão narrativa foram realizadas buscas nas bases de dados PubMed, Scielo, Lilacs e BVS, no período de 2013 a 2023. Sete trabalhos foram selecionados por obedecerem aos critérios de inclusão. Resultados: As intervenções fisioterapêuticas na criança com mielomeningocele vêm utilizando recursos inovadores como a vibração de corpo inteiro, fotobiomodulação e exergames. Por sua vez, recursos mais tradicionais como a facilitação neuromuscular proprioceptiva, treino de marcha, equoterapia e eletroterapia também continuam sendo em empregados. Conclusão: Os tratamentos fisioterapêuticos atualmente empregados minimizaram distúrbios cinético funcionais, miccionais, sociais e de autocuidado, além de terem propiciado melhora na qualidade de vida. Contudo ainda são necessários trabalhos com melhor nível de evidência, especialmente na área da neonatologia e pediatria. Espera-se que o aprofundamento na discussão neste campo do conhecimento sirva para embasar novos estudos e protocolos, assegurando uma assistência fisioterapêutica de excelência.

Palavras-chave: mielomeningocele; espinha bífida; crianças; fisioterapia.

 

Abstract

Introduction: Myelomeningocele is the most common neural tube defect in the world, with spinal cord exposure. Children with myelomeningocele present neuromuscular disorders, among other alterations in several body systems, requiring specialized physical therapy treatment. Objective: To discuss the state of the art of physiotherapeutic interventions in children with myelomeningocele. Methods: For this narrative review, searches were conducted in the Pubmed, Scielo, Lilacs and BVS databases, from 2013 to 2023. Seven works were selected because they met the inclusion criteria. Results: Physical therapy interventions in children with myelomeningocele use innovative resources such as whole-body vibration, photobiomodulation and exergames. In turn, more traditional resources such as proprioceptive neuromuscular facilitation, gait training, equine therapy and electrotherapy also continue to be employed. Conclusion: The physiotherapeutic treatments currently used minimize functional kinetic, voiding, social and self-care disorders, while improving quality of life. However, studies with a better evidence level are still needed, especially in neonatology and pediatrics. It is expected that the deepening of the discussion in this field of knowledge will support new studies and protocols, ensuring an excellent physiotherapeutic assistance.

Keywords: myelomeningocele; spina bifida; children; physiotherapy.

 

Introdução

 

A coluna vertebral tem valiosa função biomecânica por promover sustentação estrutural, possibilitar a mobilidade do tronco e proteger elementos neurais [1]. A coluna também tem função estabilizadora, atuando sinergicamente com o sistema neuromuscular, o que permite evitar lesões e quadros álgicos [1]. As malformações congênitas na coluna vertebral configuram-se anomalias que podem: afetar significativamente a mobilidade e independência física da criança; comprometer vários sistemas do organismo; e resultar em prejuízos no neurodesenvolvimento [2].

A Espinha Bífida (EB) ou disrafismo espinhal é uma malformação da coluna vertebral que resulta de um fechamento defeituoso do tubo neural em sua porção caudal, durante o período da embriogênese, por volta do vigésimo quarto dia de gestação [3]. A EB é classificada como: Espinha Bífida Oculta (EBO), Meningocele (MC) e Mielomeningocele (MMC) [4]. A EBO e a MC decorrem de malformações espinhais que ocorrem na fase de pós-neurulação e são cobertas por tecido cutâneo [5]. Já na MMC, os defeitos ocorrem na fase de neurulação primária. Há exposição da medula espinhal, que pode estar ou não envolta por um saco fino de tecido epitelial (em forma de cisto) contendo líquor e tecido neural [3,5].

O perfil epidemiológico das anomalias congênitas da coluna vertebral é heterogêneo, devido a sua natureza endêmica [6,7]. A incidência mundial de defeitos no tubo neural é de 1 a 10 para cada 1.000 nascidos vivos [8]. Nos Estados Unidos a prevalência de espinha bífida é de 3,63 para 10.000 nascidos vivos [9] e, no Brasil, estima-se 14 casos a cada 10.000 nascidos vivos [6]. Isso porque a etiologia da MMC é multifatorial e resulta de fatores ambientais, medicamentosos, nutricionais e genéticos, sendo o mais recorrente a baixa suplementação de ácido fólico durante os períodos pré-concepcional e pré-natal [10]. Por este motivo o ácido fólico é um elemento nutricional fundamental, utilizado como forma preventiva de defeitos do tubo neural [6].

A MMC é o tipo mais grave e comum dessas anomalias e seu diagnóstico é feito no pré-natal, por ultrassonografia, ou após o nascimento via exame físico, radiografia, tomografia computadorizada e ressonância magnética [6].O tratamento cirúrgico da MMC é feito por acesso intra ou extrauterino. A cirurgia extrauterina é a mais utilizada e a intrauterina a de maior risco para a mãe e o feto [3,11]. A cicatrização dos reparos cirúrgicos pode causar tração na medula espinhal, o que faz com que várias cirurgias para liberação do tecido cicatricial ainda sejam necessárias, em pelo menos um terço desses pacientes [7].

Além disso, os avanços tecnológicos em saúde vêm possibilitando a discussão sobre a utilização de terapia com células tronco para tratamento de lesões traumáticas na medula espinhal [12] e bem como na MMC [13,14]. De forma pioneira, o ensaio clínico Cellular Therapy for In Utero Repair of Myelomeningocele - (CuRe) Trial, em fase 1/2a, foi aprovado pelo Food and Drug Administration (FDA), nos Estados Unidos. Com 55 participantes e previsão de conclusão em 2024, esse ensaio clínico é o primeiro a utilizar células tronco para reparo fetal de MMC em humanos. Há promissora capacidade regenerativa do ambiente fetal com uso de células mesenquimais da placenta [15].

A MMC pode ocorrer em diferentes níveis da coluna vertebral, quanto mais alto o nível da lesão, maior o grau de disfunções neuromusculoesqueléticas [3]. Por conta das complicações associadas, as pessoas com MMC necessitam ser tratadas por uma equipe multiprofissional, composta de pediatras, neurologistas, neurocirurgiões, urologistas, terapeutas ocupacionais e fisioterapeutas [5,6,16].

A Fisioterapia tem um papel de destaque na promoção de saúde, prevenção de agravos e reabilitação das deficiências de estruturas e funções do corpo, visando a redução das limitações nas atividades de vida diária e na restrição à participação social das pessoas com disfunções na coluna vertebral [10,17]. Em relação à MMC, há pouca literatura científica disponível, especialmente em pacientes pediátricos, resumindo-se a relatos de casos e protocolos de condutas fisioterapêuticas. Além disso, não foi identificado até o momento um artigo que compile os achados sobre a atuação da fisioterapia na MMC. Assim o objetivo do presente trabalho é identificar e descrever as intervenções fisioterapêuticas utilizadas no tratamento da criança com MMC.

 

Métodos

 

Trata-se de uma revisão narrativa, que reúne e analisa os trabalhos atualmente disponíveis na literatura sobre a atuação da fisioterapia na criança com MMC. Os artigos foram buscados nas bases de dados: Cochrane Library, Pubmed, Physiotherapy Evidence Database (PEDro), Scientific Electronic Library Online (Scielo), Literatura Latino-Americana do Caribe em Ciências da Saúde (LILACS) e Biblioteca Virtual em Saúde (BVS).

Os descritores para a elaboração das estratégias de busca foram selecionados no Descritores em Ciências da Saúde (DeCs), com os termos na língua portuguesa e inglesa. Utilizou-se como estratégia de busca a estrutura PICO, sem referência ao termo Comparador específico: População – “crianças com mielomeningocele” ou “espinha bífida” ou “doenças da medula espinhal” e “anomalia congênita”; Intervenção – “fisioterapia” ou “reabilitação neurológica”; Outcomes – “qualidade de vida”, “atividade de vida diária”, “estado funcional”.

Os critérios de inclusão foram: artigos originais, com descrição dos protocolos utilizados para tratamento fisioterapêutico da mielomeningocele, publicados nos últimos 10 anos. Foram excluídos os artigos que não disponibilizaram o texto completo e que não estavam disponíveis nas bases de dados supracitadas, revisões, resumos, dissertações e teses. Assim, sete trabalhos atenderam aos critérios de inclusão e foram utilizados para realizar as discussões propostas. Devido ao número restrito de trabalhos e a diversidade de metodologias empregadas nos estudos, não foi realizada revisão sistemática com metanálise.

 

Resultados

 

Os trabalhos sobre a atuação da fisioterapia na criança com MMC incluídos nesta revisão foram obtidos nas bases de dados SciELO (1), BVS (1) e Pubmed (5). Dos 7 artigos, 3 têm origem internacional (2 do Irã e 1 da Polônia) e 4 foram realizados no Brasil. Os protocolos de tratamento utilizados nos artigos incluídos neste trabalho estão descritos na tabela I.

 

Tabela IDescrição dos protocolos de tratamento encontrados

 

Após análise dos artigos, foram atribuídos os seguintes efeitos benéficos da fisioterapia na criança com MMC: melhora nas funções miccionais com a estimulação elétrica; progresso da função motora refletindo em maior independência funcional, tanto com a fisioterapia tradicional quanto com a fisioterapia baseada na estimulação reflexa via PNF, bem como com a equoterapia; uso de órteses para marcha, que favorecem a amplitude de movimento (ADM) da articulação do quadril e diminuem movimentos compensatórios; aumento do equilíbrio de tronco e de atividades funcionais em cadeira de rodas com exergames; maior eficiência no fluxo sanguíneo e melhora na ADM e redução das contraturas musculares em membros inferiores pelo treinamento de vibração de corpo inteiro. A figura 1 sumariza os principais achados dos artigos analisados.

 

 

Figura 1Resumo gráfico da atuação da fisioterapia em crianças com mielomeningocele

 

Discussão

 

Dependendo do nível da MMC na coluna vertebral há manifestação de diferentes graus de disfunções neuromusculoesqueléticas. Tais disfunções afetam a sensibilidade, o equilíbrio, a força e até mesmo a cognição [23]. Além disso, podem ocorrer outras complicações como: a síndrome de Arnold-Chiari II (uma herniação do rombencéfalo causando interrupção do fluxo liquórico); hidrocefalia (por excesso de produção, falha na absorção ou acúmulo anormal do líquor nos ventrículos cerebrais e/ou no espaço subaracnóideo); disfunções miccionais decorrentes da bexiga neurogênica; bem como más formações sistêmicas, que comprometem o trato gastrointestinal, pulmonar e cardiovascular [5,10].

Em conjunto, as alterações descritas afetam a independência funcional e a participação social do indivíduo. No entanto, a despeito de tratamentos cirúrgicos, medicamentosos ou de terapia celular, os ganhos funcionais que impactam na qualidade de vida do paciente com MMC são possibilitados pela fisioterapia [24]. A miríade de disfunções encontradas em pessoas com MMC justifica a diversidade de protocolos de tratamento fisioterapêuticos encontrados na literatura nos últimos 10 anos. Esse achado difere do encontrado por Capelini et al. [11], cuja revisão sobre atuação fisioterapêutica na mielomeningocele encontrou predominantemente intervenções baseadas em deambulação por meio de protocolos na esteira. Nesta revisão, os trabalhos foram então dispostos e discutidos em seções, de acordo com a similaridade de recursos terapêuticos.

 

Eletroterapia para disfunções miccionais

 

As disfunções miccionais geram grande impacto nas atividades de vida diária, redução da participação social e significativo agravo à saúde [5]. Neste sentido, Kajbafzadeh et al. [18] relataram em seu estudo a eficácia da estimulação elétrica funcional (FES) em crianças com incontinência urinária neuropática refratária secundária a MMC. Foram acompanhadas 30 crianças entre 3 e 13 anos, com incontinência urinária moderada a grave, que faziam uso de cateterismo intermitente e absorventes constantemente. Antes dos atendimentos iniciarem, todos registraram a frequência de micção durante o sono e quantidade de trocas de absorventes em um diário miccional. Também, foram submetidos a estudos urodinâmicos que avaliavam: a capacidade vesical média, a pressão máxima média do detrusor e a pressão média do ponto de vazamento do detrusor. Alocados em dois grupos, 15 crianças participaram do tratamento com FES (40 Hz de frequência, 250 µs de duração, 2 s de hold and rest time, com amplitude ajustável de 20 a 65 mA e eletrodos na pele acima da sínfise púbica sob a uretra), com o objetivo de estimular as fibras musculares estriadas e esfíncter uretral no assoalho pélvico. Outras 15 crianças fizeram o tratamento simulado, com os mesmos aparelhos e disposição dos eletrodos, porém sem a estimulação da corrente elétrica. Ambos os grupos fizeram 15 sessões, 3 vezes por semana, por 15 minutos. Os grupos foram acompanhados e submetidos a avalições urodinâmicas imediatamente ao término e por 6 meses após as sessões da FES. O grupo tratado com FES apresentou melhoras diárias da continência miccional, concluindo que esse tipo de tratamento não invasivo é seguro e favorece a reabilitação urinária em crianças com MMC.

Corroborando os achados de Kajbafzadeh et al. [18], uma revisão sistemática de literatura de Kosmaliski e Furlanetto [3] aborda os recursos fisioterapêuticos nas disfunções decorrentes da bexiga neurogênica. O critério de seleção dos autores eram estudos realizados entre os anos 2009 e 2019, que haviam melhorado os sintomas miccionais e parâmetros urodinâmicos. Encontraram trabalhos que comparam: uso de Estimulação Elétrica Nervosa Transcutânea (TENS) juntamente com medicamentos anticolinérgicos versus apenas o uso dos medicamentos; uso de FES e medicamentos sem grupo controle, com foco apenas na incontinência urinária; tratamento multidisciplinar focando nas sequelas da Espinha Bífida versus tratamento ambulatorial padrão, cujo foco era, além da incontinência urinária, a melhora na qualidade de vida; avaliação do uso de FES na melhora dos resultados do estudo urodinâmico. Nestes estudos participaram, em sua maioria, crianças e adolescentes, porém com amostragem limitada e sem consenso sobre os parâmetros usados e qual a terapia mais adequada ao final da discussão. Ainda assim os autores concluíram que houve resultados benéficos da fisioterapia na incontinência urinária pelas injúrias congênitas espinhais e, consequentemente, na qualidade de vida dos pacientes.

 

Equoterapia

 

Outra técnica muito utilizada na fisioterapia para disfunções neurológicas é a Equoterapia. Gomes et al. [19] realizaram um estudo de caso para verificar o efeito da equoterapia no ganho de força muscular e funcionalidade de uma paciente de 9 anos, do sexo feminino, com MMC e hidrocefalia. Foram realizadas 31 sessões semanais com duração de 30 minutos de equoterapia. A força muscular e a funcionalidade foram acompanhadas pelas escalas de força do Medical Research Council e Medida de Independência Funcional (MIF) no início e aos 3, 6 e 10 meses de tratamento. Nas sessões eram utilizados bola, bambolê, bastão, móbile, argolas, circuitos e comandos diversos ao cavalo para possibilitar a execução de rotações de tronco e mudanças de decúbito da paciente no cavalo. Os resultados foram a melhora da força muscular, equilíbrio, coordenação, interação social e independência funcional. Contudo, a limitação da amostra e tipo do estudo sugere novas pesquisas.

 

Treino de marcha

 

Arazpour et al. [20] avaliaram o treino de marcha ortopédica com uso de órtese de marcha recíproca isocêntrica (IRGO) em crianças com MMC. O estudo testou a órtese buscando analisar seus efeitos sobre a cinemática e parâmetros como a velocidade da caminhada, cadência e comprimento do passo. Participaram do estudo 5 crianças de 7 a 12 anos com diferentes níveis de lesão neurológica (T12, L2 e L3), com diferentes deformidades nos pés e tornozelos e sem capacidade de deambular sem órtese. As crianças receberam órteses sob medida e, por 8 semanas, participaram de um treino de marcha, de 2 horas, 5 dias por semana, além de alongamento passivo, fortalecimento e treino com a órtese. Essas informações foram processadas pelo sistema de captura de movimento digital Vicon. Os autores relatam resultados positivos como melhora de amplitude de movimento do quadril, da velocidade de caminhada e do comprimento do passo, além de diminuição de movimentos compensatórios. Porém sugerem mais estudos para investigar efeitos posturais, carga do braço, gasto energético, até mesmo para melhorar o design da órtese, visando uma caminhada mais eficiente.

 

Facilitação neuromuscular proprioceptiva

 

Em um estudo que comparou os efeitos da fisioterapia convencional com a Facilitação Neuromuscular Proprioceptiva (PNF), Aizawa et al. [21] investigaram a habilidade motora e independência funcional em crianças com MMC. Foram selecionadas para o tratamento 12 crianças, divididas em dois grupos separadas pelo nível da lesão da patologia. Um grupo realizou a fisioterapia convencional (FC) e o outro fez a fisioterapia com estimulação reflexa via PNF (FR), ambos por 10 sessões semanais de 45 minutos, pelo mesmo fisioterapeuta. No grupo FC, as sessões compreendiam exercícios para fortalecimento muscular, controle postural e posicionamentos corretos com uso de aparelhos ortopédicos, com foco na mobilidade e independência da criança. As sessões do grupo tratado com estimulação reflexa (FR) visaram auxiliar na iniciação de alterações posturais e manutenção de diferentes posturas, seguindo os fundamentos da técnica de PNF. A ambos os grupos foi recomendado a realização dos exercícios em casa diariamente, por 15 a 20 minutos. Para avaliação foram usadas a Medida de Função Motora Grossa (GMFM) e o Inventário de Avaliação Pediátrica de Incapacidade (PEDI) - para medir o estado funcional da criança - feitas por um avaliador às cegas, antes a após os tratamentos. Os resultados foram ganho na função motora, que levou a melhoria no autocuidado e na mobilidade funcional em ambos os grupos, independente dos protocolos implementados. Contudo os autores ressaltam que houve limitações no estudo, tanto pela falta de escalas de avaliação específicas para MMC, como pelo tamanho e heterogeneidade amostral.

 

Exergames

 

No sentido de incrementar a reabilitação de pessoas com disfunções neurológicas, os jogos eletrônicos podem ser grandes aliados. Estudos vem demonstrando que por serem envolventes e motivadores, tais jogos, também chamados de exergames, melhoram a capacidade física e força muscular, além de proporcionar efeitos psicossociais benéficos nos praticantes [25]. Assim, Paula et al. [2] realizaram um estudo quantitativo com 4 pacientes paraplégicos cadeirantes com lesão medular ou MMC, para avaliar os efeitos dos exergames no controle do equilíbrio de tronco, com uma sessão de 20 minutos por 4 semanas. Utilizou-se como protocolo de reabilitação o Nintendo Wii, exergame de fácil interação, com controle sem fio e sensores, além de atrativos auditivos, visuais e táteis, possibilitando os movimentos de tronco e membros superiores. Os pacientes utilizaram os jogos de canoagem e esgrima, executando todos os movimentos sentados nas cadeiras de rodas. Foram também submetidos à fisioterapia tradicional uma vez por semana com alongamentos e exercícios passivos. Os resultados obtidos foram obtidos pelo Teste de Alcance Funcional Adaptado (que avaliou o controle de tronco sentado), Teste de propulsão em cadeiras de rodas (para analisar a mobilidade) e o Tempo de transferência entre a cadeira e a cama. Os resultados mostraram a melhora no controle do tronco e nas atividades funcionais em cadeira de rodas, destacando os exergames como recurso viável, inovador e efetivo [2].

 

Treinamento de vibração de corpo inteiro

 

Com uma metodologia também inovadora, Domagalska-Szopa et al. [4] conduziram um estudo clínico randomizado controlado para determinar a eficácia do treinamento de vibração de corpo inteiro (WBV) no fluxo sanguíneo e na ADM de membros inferiores de crianças com MMC. Foram incluídas no estudo 30 crianças com MMC de 7 a 16 anos, divididas em dois grupos de 15 indivíduos. No grupo experimental houve o treinamento WBV por meia hora, 5 dias por semana, por 3 semanas, que ocorreu em uma plataforma do tipo rotatória com um vibrador de alta frequência / baixa amplitude, que a princípio, sugere melhorar a densidade mineral óssea e função motora. Já no grupo controle houve o tratamento por fisioterapia convencional, com duração de 1 hora, 5 vezes por semana, por 3 semanas, que englobaram exercícios de fortalecimento isolados e fortalecimento funcional, alongamentos ativo e passivo das articulações, exercícios para correção postural, e de marcha com dispositivos auxiliares. Os achados foram que o treinamento WBV melhorou as propriedades vasculares em todas as artérias testadas, o que não ocorreu com o grupo da fisioterapia convencional. Porém ambos os tratamentos melhoraram a ADM nas articulações dos membros inferiores, além da melhora das contraturas musculares.

 

Fotobiomodulação

 

Explorando os recursos que podem auxiliar na reabilitação de condições neurológicas, Silva et al. [22] publicaram um protocolo de estudo clínico cego randomizado que propõe avaliar os efeitos da fotobiomodulação (FBM) combinada com fisioterapia no desempenho funcional de crianças com MMC. Participarão do estudo 30 crianças com MMC lombossacral baixa, com idade entre 5 e 8 anos capazes de sentar e levantar. A FBM será aplicada 2x/semana, por 3 minutos e 20 segundos, num total de 24 sessões, com foco em quatro pontos em sequência abaixo do nível da lesão. O treinamento funcional será composto por exercícios associados a atividades lúdicas, terá duração de 45 a 60 minutos em 2 sessões, por 12 semanas e contemplarão o fortalecimento muscular de membros inferiores e tronco. Os participantes serão divididos em dois grupos: o grupo experimental receberá FBM com luz LED mais exercícios e o grupo placebo receberá a simulação da FBM mais os exercícios. A atividade muscular será avaliada por eletromiografia e a tarefa sentar-levantar será realizada como uma medida de funcionamento. O PEDI será utilizado para avaliar a independência funcional, o Child Health Questionnaire (CHQ-PF-50) será utilizado para avaliar qualidade de vida e o Participation and Environment Measure - Children and Youth (PEM-CY) avaliará as mudanças na participação social. Os resultados desse trabalho visam contribuir para melhoria funcional e na qualidade de vida de crianças com MMC, propondo um recurso inovador como forma de tratamento.

 

Conclusão

 

Conclui-se que o tratamento fisioterapêutico em crianças com MMC possibilita melhora ou estabelecimento da funcionalidade afetada por essa anomalia. Os trabalhos analisados propuseram que as intervenções impactaram diretamente a autonomia e qualidade de vida desses pacientes. Assim, a presente revisão de literatura contempla o objetivo proposto de indicar a dimensão da literatura atualmente disponível sobre as intervenções fisioterapêuticas para crianças com MMC. Nesta perspectiva é notório que ainda há várias lacunas a serem preenchidas para tornar as intervenções fisioterapêuticas na MMC baseadas em evidência. A escassez de literatura e a heterogeneidade nos protocolos para tratamento das diversas disfunções associadas à MMC são barreiras consideráveis a serem vencidas. Espera-se que este trabalho norteie futuros estudos, com o rigor metodológico necessário, que possibilitarão revisão sistemática e desenvolvimento de diretrizes clínicas confiáveis sobre o tema.

 

Conflitos de interesse

Não há conflito de interesse.

 

Fontes de financiamento

Não foi recebido financiamento externo.

 

Contribuição dos autores

Concepção e desenho da pesquisa: Lima MD, Eduardo FMC, Coimbra-Campos LMC; Coleta de dados: Lima MD, Coimbra-Campos LMC; Análise e interpretação dos dados: Lima MD, Eduardo FMC, Coimbra-Campos LMC; Redação do manuscrito: Lima MD, Eduardo FMC, Coimbra-Campos LMC; Revisão crítica do manuscrito quanto ao conteúdo intelectual importante: Coimbra-Campos LMC.

 

Referências

 

  1. Galbusera F, Bassani T. The spine: a strong, stable, and flexible structure with biomimetics potential. Biomimetics (Basel). 2019;4(3). doi: 10.3390/biomimetics4030060 [Crossref]
  2. Paula SD, Griebeler KC, Bez MR, Rocha CFKd. Effects of exergames on trunk balance control in paraplegic patients. Fisioter Mov. 2020;33. doi: 10.1590/1980-5918.033.AO36 [Crossref]
  3. Kosmaliski DMC, Furlanetto MP. Recursos fisioterapêuticos nas disfunções miccionais em injúrias espinhais congênitas. Fisioter Bras. 2020;21(3):12. doi: 10.33233/fb.v21i3.4040 [Crossref]
  4. Domagalska-Szopa M, Szopa A, Siwiec A, Kwiecien-Czerwieniec I, Schreiber L, Dabek J. Effects of whole-body vibration training on lower limb blood flow in children with myelomeningocele-a randomized trial. J Clin Med. 2021;10(18). doi: 10.3390/jcm10184273 [Crossref]
  5. Bizzi JWJ, Machado A. Mielomeningocele: conceitos básicos e avanços recentes. JBNC. 2018;23(2):14. doi: 10.22290/jbnc.v23i2.1161 [Crossref]
  6. Brasil. Saúde Brasil 2020/2021: anomalias congênitas prioritárias para a vigilância ao nascimento. Ministério da Saúde Secretaria de Vigilância em Saúde Departamento de Análise em Saúde e Vigilância de Doenças Não Transmissíveis. Brasília: Ministério da Sa2021:414.
  7. Iskandar BJ, Finnell RH. Spina Bifida. N Engl J Med. 2022;387(5):444-50. doi: 10.1056/NEJMra2116032 [Crossref]
  8. Au KS, Ashley-Koch A, Northrup H. Epidemiologic and genetic aspects of spina bifida and other neural tube defects. Dev Disabil Res Rev. 2010;16(1):6-15. doi: 10.1002/ddrr.93 [Crossref]
  9. Mai CT, Isenburg JL, Canfield MA, Meyer RE, Correa A, Alverson CJ, et al. National population-based estimates for major birth defects, 2010-2014. Birth Defects Res. 2019;111(18):1420-35. doi: 10.1002/bdr2.1589 [Crossref]
  10. Ferreira FR, Bexiga FP, Martins VVdM, Favero FM, Sartor CD, Artilheiro MC, et al. Independência funcional de crianças de um a quatro anos com mielomeningocele. Fisioter Pesqui. 2018;25(2):6. doi: 10.1590/1809-2950/17006325022018 [Crossref]
  11. Capelini CM, Oliveira P, Monteiro CBM, Masseti T, Silva TD, Garbellini D, et al. Intervenção fisioterápica em pessoas com mielomeningocele. Fisioter Bras. 2014;15(4):6. doi: 10.33233/fb.v15i4.358 [Crossref]
  12. Picoli CC, Coimbra-Campos LMC, Guerra DAP, Silva WN, Prazeres P, Costa AC, et al. Pericytes act as key players in spinal cord injury. Am J Pathol. 2019;189(7):1327-37. doi: 10.1016/j.ajpath.2019.03.008 [Crossref]
  13. Hassan AS, Du YL, Lee SY, Wang A, Farmer DL. Spina bifida: a review of the genetics, pathophysiology and emerging cellular therapies. J Dev Biol. 2022;10(2). doi: 10.3390/jdb10020022 [Crossref]
  14. Kunpalin Y, Subramaniam S, Perin S, Gerli MFM, Bosteels J, Ourselin S, et al. Preclinical stem cell therapy in fetuses with myelomeningocele: A systematic review and meta-analysis. Prenat Diagn. 2021;41(3):283-300. doi: 10.1002/pd.5887 [Crossref]
  15. ClinicalTrials.gov. Cellular Therapy for In Utero Repair of Myelomeningocele - The CuRe Trial (CuRe), Identifier: NCT04652908. 2021.
  16. Shobeiri P, Presedo A, Karimi A, Momtazmanesh S, Vosoughi F, Nabian MH. Orthopedic management of myelomeningocele with a multidisciplinary approach: a systematic review of the literature. J Orthop Surg Res. 2021;16(1):494. doi: 10.1186/s13018-021-02643-8 [Crossref]
  17. Artioli DP, Bertolini GRF. Método McKenzie na fisioterapia (diagnóstico e terapia mecânica): aplicação de raciocínio clínico lógico e revisão sistemática. Revista Pesquisa em Fisioterapia. 2018;8(3):9. doi: 10.17267/2238-2704rpf.v8i3.1965 [Crossref]
  18. Kajbafzadeh AM, Sharifi-Rad L, Ladi Seyedian SS, Masoumi A. Functional electrical stimulation for management of urinary incontinence in children with myelomeningocele: a randomized trial. Pediatr Surg Int. 2014;30(6):663-8. doi: 10.1007/s00383-014-3503-0 [Crossref]
  19. Gomes TT, Hassunuma RM, Silva LM. Equoterapia como recurso terapêutico na mielomeningocele: um estudo de caso. Revista Neurociências. 2014;22(3):458-63. doi: 10.34024/rnc.2014.v22.8086 [Crossref]
  20. Arazpour M, Soleimani F, Sajedi F, Vameghi R, Bani MA, Gharib M, et al. Effect of orthotic gait training with isocentric reciprocating gait orthosis on walking in children with myelomeningocele. Top Spinal Cord Inj Rehabil. 2017;23(2):147-54. doi: 10.1310/sci2302-147 [Crossref]
  21. Aizawa CY, Morales MP, Lundberg C, Moura MC, Pinto FC, Voos MC, et al. Conventional physical therapy and physical therapy based on reflex stimulation showed similar results in children with myelomeningocele. Arq Neuropsiquiatr. 2017;75(3):160-6. doi: 10.1590/0004-282X20170009 [Crossref]
  22. Silva T, Queiroz JR, Turcio KHL, Tobelem DDC, Araújo TR, Coutinho KSL, et al. Effect of photobiomodulation combined with physical therapy on functional performance in children with myelomeningocele: A protocol randomized clinical blind study. PLoS One. 2021;16(10):e0253963. doi: 10.1371/journal.pone.0253963 [Crossref]
  23. Lamônica DAC, Maximino LP, Silva GK, Yacubian-Fernandes A, Crenitte PAP. Habilidades psicolinguísticas e escolares em crianças com mielomeningocele. J Soc Bras Fonoaudiol. 2011;23. doi: 10.1590/S2179-64912011000400007 [Crossref]
  24. Dagenais LM, Lahay ER, Stueck KA, White E, Williams L, Harris SR. Effects of electrical stimulation, exercise training and motor skills training on strength of children with meningomyelocele: a systematic review. Phys Occup Ther Pediatr. 2009;29(4):445-63. doi: 10.3109/01942630903246018 [Crossref]
  25. Mat Rosly M, Mat Rosly H, Davis Oam GM, Husain R, Hasnan N. Exergaming for individuals with neurological disability: a systematic review. Disabil Rehabil. 2017;39(8):727-35. doi: 10.3109/09638288.2016.1161086 [Crossref]