Fisioter Bras. 2023;24(6):883-95

doi: 10.33233/fb.v24i6.5501

ARTIGO ORIGINAL

Avaliação da função sexual de mulheres em idade reprodutiva com dispareunia autorrelatada

Assessment of the sexual function of women of reproductive age with self-reported dyspareunia

 

Danielle Deponti Cuty, Isadora Brondani, Ellen Aguirre de Melo, Leticia Fernandez Frigo, Nadiesca Taisa Filippin

 

Universidade Franciscana, Santa Maria, RS, Brasil

 

Recebido em: 6 de julho de 2023; Aceito em: 17 de novembro de 2023.

Correspondência: Ellen Aguirre de Melo, ellen.melo2009@gmail.com

 

Como citar

Cuty DD, Brondani I, Melo EA, Frigo LF, Filippin NT. Avaliação da função sexual de mulheres em idade reprodutiva com dispareunia autorrelatada. Fisioter Bras. 2023;24(6):883-95. doi: 10.33233/fb.v24i6.5501

 

Resumo

Objetivo: Avaliar a função sexual de mulheres em idade reprodutiva com dispareunia autorrelatada. Métodos: Este é um estudo transversal com abordagem quantitativa, composto por 127 mulheres de 18 a 35 anos. Foram aplicados questionários sobre características sociodemográficas e clínicas e a escala FSFI, em formato online. Resultados: A maioria das mulheres (96,85%) apresentou risco de disfunção sexual, sendo 80,31% desde a primeira relação sexual. Os escores mais baixos foram no domínio de satisfação. Não houve correlação entre a função sexual avaliada pelo FSFI e as características clínicas e sociodemográficas da amostra, exceto para tratamento da dor, em que mulheres que já haviam realizado tratamento obtiveram escores mais baixos na FSFI. Conclusão: Houve elevada prevalência de disfunção sexual e os baixos escores no domínio de satisfação podem indicar que mulheres com dispareunia podem ter uma insatisfação com a sua sexualidade.

Palavras-chave: dispareunia; função sexual; saúde da mulher.

 

Abstract

Objective: To assess the sexual function of women of reproductive age with self-reported dyspareunia. Methods: This is a cross-sectional study with a quantitative approach, comprising 127 women aged 18 to 35 years. There were questionnaires on sociodemographic and clinical characteristics and the FSFI scale, in online format. Results: Most women (96.85%) were at risk of sexual dysfunction, being 80.31% since the first sexual intercourse. The lowest scores were without the satisfaction domain. There was no correlation between sexual function assessed by the FSFI and the clinical and sociodemographic characteristics of the sample, except for pain treatment, in which women who had already undergone treatment had lower scores on the FSFI. Conclusion: There is a high prevalence of sexual dysfunction and low scores without a domain of satisfaction may indicate that women with dyspareunia may be dissatisfied with their sexuality.

Keywords: dyspareunia; sexual function; women’s health.

 

Introdução

 

A sexualidade é um dos aspectos mais importantes que constituem a personalidade humana, está relacionada à forma como as pessoas se expressam e recebem afeto, fazendo-se presente desde o nascimento e sendo desenvolvida ao longo da vida [1]. Historicamente, o comportamento sexual das mulheres esteve relacionado a padrões morais, éticos e comportamentais voltados apenas à reprodução humana, e não necessariamente ao prazer [2].

Uma vida sexual satisfatória é parte integrante da saúde geral e é reconhecida pela Organização Mundial de Saúde (OMS) como um dos pilares para a qualidade de vida, enquanto as disfunções sexuais femininas são vistas como um problema de saúde pública, sendo recomendada a sua investigação [3,4]. A função sexual prejudicada causa altos níveis de sofrimento pessoal ou interpessoal, sentimentos como depressão e angústia estão intimamente ligados às disfunções, o que indica a importância do sexo para a saúde física e mental [5].

As disfunções sexuais femininas são alterações que tornam as relações sexuais insatisfatórias, englobando contextos multifatoriais que envolvem aspectos físicos, psicológicos e sociais, de caráter permanente ou transitório [6]. A American Foundation for Urologic Disease reconhece quatro tipos de disfunção sexual: diminuição da libido, redução da excitação, incapacidade de atingir o orgasmo e a dispareunia [7]. Qualquer alteração nas fases da resposta sexual pode acarretar o surgimento destes transtornos, sendo a diminuição do desejo e a dor os tipos mais comuns encontrados [8].

A dispareunia se encontra como um dos tipos mais recorrentes de disfunção, cerca de dois terços das mulheres serão afetadas durante a vida [9]. É definida como a queixa de dor ou desconforto que persiste ou recorre antes, durante e após a relação sexual, com ou sem penetração [10,11]. O diagnóstico clínico varia entre os pacientes e requer uma avaliação cuidadosa e abrangente [12]. Uma vez que possui diversas etiologias, o tratamento da dispareunia depende inteiramente dos achados da avaliação e do exame físico [13]. Um estudo realizado no Brasil, com amostra de 1219 mulheres, relatou que 49% tinham ao menos um tipo de disfunção sexual, das quais 23% foi identificada como dispareunia [14].

Falar de sexo ainda é considerado um tabu, poucas mulheres têm a iniciativa de falar sobre suas dificuldades sexuais, e este assunto é pouco questionado até mesmo por ginecologistas, o que prejudica e distancia ainda mais a resolução do problema, fazendo com que a mulher enxergue cada vez mais a experiência sexual como algo negativo e distante do prazer [15].

Diante do exposto, fica evidente a importância de estudos sobre o tema, os quais poderão esclarecer alguns aspectos da função sexual feminina. A avaliação fisioterapêutica proporciona a elaboração de objetivos específicos para cada caso de disfunção sexual, de forma a personalizar o tratamento, constituindo também um meio de fomentar informações para aquelas mulheres cujo prazer se torna doloroso, encorajando-as a buscar ajuda e o tratamento correto. Portanto, o objetivo desta pesquisa foi avaliar a função sexual de mulheres em idade reprodutiva com dispareunia autorrelatada e correlacionar a função sexual com características sociodemográficas e clínicas.

 

Métodos

 

Trata-se de um estudo do tipo transversal, com abordagem quantitativa. A população deste estudo foi composta por mulheres em idade reprodutiva, de 18 a 35 anos, que possuíam dispareunia autorrelatada e eram moradoras do Estado do Rio Grande do Sul. Foram excluídas aquelas que apresentaram os seguintes critérios: histórico oncológico, gestantes, puérperas até o sexto mês, disfunções neurológicas, aplicação de botox na região íntima nos últimos 3 meses e cirurgia ginecológica.

Foram aplicados nesta pesquisa um questionário online elaborado pelas pesquisadoras para coleta de dados pessoais, sociodemográficos e clínicos, o qual incluiu 21 questões. E a utilização da Female Sexual Function Index (FSFI), que consiste em uma escala breve que avalia a função sexual em mulheres, contando com seis sub-escalas e uma soma de escores que mede o grau de desejo, excitação, lubrificação, orgasmo, satisfação e dor (dispareunia). Os escores são corrigidos e somados, originando um escore final, podendo variar de 2 a 36, escores mais altos indicam melhor grau de função sexual [16].

A coleta de dados iniciou após a aprovação do Comitê de Ética em Pesquisa com Seres Humanos Universidade Franciscana (UFN), sob parecer número 4.912.261 (CAAE:50170821.8.0000.5306). Foi realizada a divulgação da pesquisa através das redes sociais Instagram e Facebook, onde as mulheres interessadas em participar acessaram o link disponível nas redes sociais da acadêmica pesquisadora, para assim terem acesso a um formulário digital da plataforma Google. As que se encaixaram nos critérios de inclusão e aceitaram participar do estudo, tiveram acesso ao questionário, o qual conteve inicialmente o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TLCE), e após isso foram abordadas as questões relacionadas ao perfil sociodemográfico e clínico, e o instrumento de avaliação FSFI. A pesquisadora responsável assinou o Termo de Confidencialidade, garantindo o sigilo de informações. A coleta de dados foi realizada no período de agosto a outubro de 2021. Os dados foram gerados automaticamente pela plataforma para posterior análise. Os dados foram armazenamento adequadamente, conforme orientações do Ofício Circular nº 2/2021/CONEP/SECNS/MS.

No final desta pesquisa, as participantes receberão retorno, através de um e-mail contendo dicas e informações que poderão auxiliar as participantes na busca de tratamento.

Os dados foram analisados por meio de estatística descritiva, em que as variáveis categóricas foram apresentadas em forma percentual e as quantitativas em forma de média e desvio padrão. A normalidade das variáveis foi verificada através do teste de Kolmogorov-Smirnov. Para análise das variáveis quantitativas foram utilizados os testes t para dados independentes, ANOVA com post-hoc Tukey e o teste de correlação de Pearson. Foram considerados significativos resultados que apresentaram o valor-p < 0,05. O software utilizado para a análise estatística dos dados foi o IBM SPSS Versão 25.

 

Resultados

 

Foram incluídas na amostra 127 mulheres com dispareunia autorrelatada. A média de idade das mulheres foi de 23,48 (±4,35) anos. A Tabela I apresenta a caracterização da amostra.

 

Tabela I - Caracterização da amostra (n = 127)

 

Ensino médio: completo e incompleto – Ensino superior: completo ou incompleto.

Fonte: elaborado pelas pesquisadoras

 

Grande parte das participantes se declarou heterossexual, compondo 80,31% da amostra, 8,66% fazem parte do grupo LGBTQIA+ e 11,02% preferiram não declarar sua orientação sexual.

Em relação à dispareunia, 29,92% das mulheres relataram dor ao início da relação sexual, 29,92% durante e 8,66% responderam que percebem a dor após o ato. Já, 21,25% das participantes relataram sentir dor em mais de um momento e 10,23% não souberam identificar quando sua dor aparece. Em relação ao tempo que sentem dor, 49,60% das mulheres relataram sentir dor desde a primeira relação sexual.

Quanto aos sintomas que podem estar ligados à dor, 27,55% das participantes indicaram que possuem constipação intestinal e 6,29%, perda de urina, mas a maioria das mulheres, 58,26%, não relatou qualquer sintoma.

A Tabela II apresenta a média dos escores de cada um dos seis domínios e o escore total da escala Female Sexual Function Index (FSFI). Adotou-se como ponto de corte do escore total do FSFI a pontuação de 26,55, a fim de predizer as disfunções sexuais para este grupo [16]. Ou seja, pontuações menores do que o ponto de corte indicam disfunção. O escore total identificou que 96,85% das mulheres deste estudo apresentam disfunção sexual.

 

Tabela II - Escores médios dos domínios e escore médio total da escala Female Sexual Function Index (FSFI)

 

Fonte: elaborado pelas pesquisadoras

 

Tabela III - Correlações da FSFI com as variáveis

 

1Teste de correlação de Pearson; 2Teste t para dados independentes; 3ANOVA. Fonte: elaborado pelas pesquisadoras

 

Como demonstra a Tabela III, existe diferença estatisticamente significativa do FSFI apenas em relação ao tratamento para dor, onde mulheres que não realizaram tratamento para dor possuem resultados superiores no FSFI (p = 0,036).

 

Discussão

 

Este estudo se propôs a avaliar a função sexual de mulheres em idade reprodutiva com dispareunia autorrelatada e, assim, verificar a possível existência de correlações da função sexual com as características sociodemográficas e clínicas. Pesquisas revelam que as mulheres podem apresentar dificuldades como insatisfação sexual e dispareunia de maneira independente do contexto socioeconômico e cultural, por outro lado, a condição sexual também pode ser afetada por estes fatores [17].

Esta pesquisa foi composta por 127 mulheres jovens e foi divulgada por meio das redes sociais, o que pode ter levado a um direcionamento da amostra para mulheres com maior nível de escolaridade e mais acesso a informações. Observou-se que a maior parte da amostra foi composta por mulheres, heterossexuais, que estavam em relacionamento com companheiro fixo, com religiões distintas, sem doenças diagnosticadas, sem filhos e que praticavam algum tipo de esporte. Segundo o estudo de Rodrigues et al. [18], mulheres heterossexuais e com parceiro sexual de maior duração podem sofrer efeitos adversos na sexualidade, algumas possíveis explicações incluem a rotina, papeis de gênero e dificuldades de comunicação com o outro.

Em relação à intensidade de dor nas mulheres participantes, a maioria utilizou a classificação leve a moderada e no que diz respeito ao momento em que esta dor aparece, grande parte relata perceber desde o início e durante o curso da relação sexual, o que caracteriza a amostra majoritariamente com dispareunia primária e secundária [19]. A dispareunia primária é caracterizada quando ocorre dor desde o início da relação, e a secundária surge após um período de relação sexual sem dor [19]. Quanto ao tempo em que sentem essa dor, predominaram mulheres que possuem sintoma desde a primeira relação sexual, em que boa parte nunca havia realizado tratamento para este problema, o que corrobora o estudo de Berman et al. [20], o qual afirma que, embora o número de mulheres com dor sexual seja alto, grande parte delas acaba não buscando ajuda, seja por vergonha, frustração ou má execução de tratamentos anteriores.

Neste estudo, parte da amostra relatou sintomas de constipação intestinal, a relação entre dispareunia e constipação é descrita na literatura, pois a constipação geralmente está associada ao aumento do tônus da musculatura pélvica e dificuldade no relaxamento, o que pode causar dor durante a relação sexual, sendo também considerada uma disfunção dos músculos do assoalho pélvico [21].

Em relação ao escore total da escala FSFI, embora a avaliação clínica seja fundamental para o fechamento de um diagnóstico, apenas quatro mulheres da amostra não tiveram a hipótese de disfunção sexual, sendo que, de forma predominante, as mulheres manifestaram ao menos algum sinal ou sintoma que possa caracterizar uma disfunção sexual, o que vai ao encontro de Latorre et al. [22], o qual afirma que a prevalência de disfunções sexuais pode chegar em 90% em algumas populações, incluindo as mais jovens e em idade reprodutiva.

Segundo a Classificação Internacional de Doenças (CID-10), a disfunção sexual pode ser definida como as várias formas em que um indivíduo não é capaz de participar da relação sexual como gostaria, o motivo desta insatisfação pode ser a falta de interesse pela prática, falta de prazer, falhas das respostas fisiológicas que compõem o ato sexual, ou ainda a incapacidade de controlar ou experimentar o orgasmo [23].

O ato sexual é formado por um ciclo de motivações e estímulos envolvendo o processo de respostas fisiológicas, conhecido como ciclo de resposta sexual [24]. Este ciclo é formado por quatro fases (desejo, excitação, orgasmo e resolução), sendo que a fase de desejo/excitação acontece por estímulos externos táteis, olfativos, gustativos ou visuais [13]. Se o estímulo permanece adequado acontece o auge da excitação, em que o corpo sofre alterações como aumento da pressão arterial, frequência cardíaca, respiratória e aumento do fluxo sanguíneo para a região genital, o que também possibilita o orgasmo, e ao fim a fase de resolução [13,25].

A disfunção pode ser observada quando for manifestada alguma alteração destas fases, podendo a mulher apresentar dor, desconforto ou diminuição do desejo, tornando a experiência sexual prejudicada [24,26].

O Manual Diagnóstico e Estatístico de Distúrbios Mentais (DSM-5) [27] aponta que a disfunção sexual feminina inclui três esferas: o transtorno de interesse/excitação sexual, distúrbio orgástico e dor gênito-pélvica/distúrbio de penetração [13].

O transtorno de interesse/excitação é marcado em algumas mulheres pela falta de interesse/desejo na atividade sexual, ausência de pensamentos eróticos, relutância em iniciar a atividade sexual ou a responder pelos convites sexuais do parceiro [28]. Já em algumas pode ser expresso pela incapacidade de ficar sexualmente excitada ou de responder estímulos sexuais com desejo [28].

De acordo com os dados observados no presente estudo, nos domínios de Desejo, Excitação e Lubrificação da FSFI, a maior parte das participantes os classificaram como moderados a baixos, o que se relaciona ao estudo encontrado na literatura, que aponta o desejo sexual hipoativo como a forma mais comum de disfunção sexual feminina, e se apresenta pela diminuição ou ausência de interesse fazendo com que o ato sexual não tenha motivação para começar, ou pela ausência de sinais de excitação no âmbito físico, como a presença de lubrificação vaginal [29].

Com relação ao domínio de satisfação da FSFI, observou-se os escores mais baixos entre as subescalas avaliativas, o que pode demonstrar uma possível insatisfação destas mulheres sobre sua sexualidade, isso traz resultados que corroboram estudos anteriores, mostrando que a excitação e o desejo são marcadores de satisfação sexual [6,30].

Sobre o distúrbio orgástico, considera-se que ocorra quando a mulher não consegue atingir o orgasmo ou quando percebe a diminuição da intensidade do mesmo [29]. Algumas mulheres deste estudo relataram não ter tido orgasmos nas relações das últimas 4 semanas. Estudos apontam que a anorgasmia pode ocorrer mesmo quando a mulher manifesta interesse pela atividade sexual e a falta dele não significa necessariamente que a relação não tenha sido prazerosa, pelo contrário, a mulher pode se sentir totalmente satisfeita com a relação mesmo sem a presença do orgasmo [6,30].

Já a dor gênito-pélvica/distúrbio de penetração pode ser definida pela dificuldade que persiste ou recorre durante a tentativa de penetração vaginal, caracterizada pela dor vulvovaginal ou pélvica durante a relação, e também pela presença de angústia que aparece de maneira antecipada à experiência, causando uma tensão e aumento da rigidez dos músculos do assoalho pélvico, o que dificulta a penetração [31]. No presente estudo, as mulheres foram questionadas sobre o grau de desconforto/dor durante a relação sexual, no domínio da dor da FSFI, e os resultados demonstram que a maioria sente grande desconforto durante a penetração vaginal, o que pode indicar, de acordo com Troncon, Pandochi e Lara [31], um sofrimento clinicamente significativo.

Quando os dados sociodemográficos e clínicos foram correlacionados com o escore total da FSFI, não foram encontradas correlações significativas com as variáveis idade, orientação sexual, ter ou não filhos, frequência de atividade sexual e classificação da dor.

Apenas com a variável de realização de tratamento para dor foi encontrada uma correlação estatisticamente significativa (p=0,036), o que demonstrou que mulheres que nunca tinham realizado tratamento para dor obtiveram os melhores escores na FSFI. Isso pode se dar pela hipótese de que mulheres com maior intensidade de dor acabam buscando mais o tratamento, seja por conta da gravidade de seus sintomas ou de possível incômodo durante as relações.

Em relação a não serem encontradas diferenças estatisticamente significativas entre mulheres com e sem filhos sobre os escores de FSFI, acredita-se que talvez se deva ao fato de que a maioria da amostra não possuía filhos. No estudo de Winck et al. [32] também não foram encontradas associações sobre a função sexual e a presença ou não de filhos.

No estudo de Lorenzi e Saciloto [33] foi relatado que a dispareunia pode ser um dos motivos para a diminuição da frequência sexual de mulheres. No presente estudo, apesar de não haver correlação significativa, os achados também demonstram que mulheres com dispareunia podem ter uma frequência sexual diminuída, tendo em vista que a amostra foi composta por mulheres em idade reprodutiva, cuja maioria não possuía filhos, e esta redução pode estar associada a uma experiência sexual negativa, fazendo com que a mulher crie uma correlação entre o sexo e a dor, podendo gerar medo ou ansiedade, o que traz dificuldades para a vivência da sexualidade de maneira satisfatória [30].

Conforme o estudo de Aquino [24], o ato sexual é composto de diversas motivações para além da penetração, e isso pode explicar a inexistência de correlação entre a classificação de dor e os escores da FSFI, em que apesar da maioria das participantes possuírem escores que caracteriza uma disfunção sexual, a classificação da dor não interferiu nesse escore, ou seja, a disfunção sexual foi indicada através dos outros domínios avaliados.

Neste estudo foram observadas limitações, como a dificuldade que as mulheres ainda possuem em falar sobre sua sexualidade. Outra possível limitação encontrada foi a realização da pesquisa através de um questionário, em que as respostas dependiam da livre interpretação das participantes, e também ao fato da amostra ter sido composta apenas por mulheres moradoras do estado do Rio Grande do Sul, o que impediu um número maior de participantes, pois restringiu o estudo a apenas uma região do Brasil. Se faz necessário a realização de estudos com maior abrangência populacional para ampliação da discussão sobre esse tema.

 

Conclusão

 

Este estudo se propôs a avaliar a função sexual de mulheres em idade reprodutiva que autorreferiram dispareunia. Os resultados mostraram que a função sexual está intimamente relacionada ao ciclo de resposta sexual e está sujeita a falhas deste ciclo, o que pode levar à disfunção sexual. Embora a avaliação clínica seja fundamental para o fechamento de um diagnóstico, a escala FSFI pode determinar que a maioria da amostra apresenta sinais ou sintomas que podem caracterizar uma disfunção sexual. O domínio de satisfação do FSFI teve a pontuação mais baixa entre as subescalas, o que pode indicar que mulheres com dispareunia podem ter uma insatisfação com a sua sexualidade. Em relação à função sexual e características sociodemográficas e clínicas, houve correlação apenas para o tratamento de dor, em que mulheres que já haviam realizado tratamento obtiveram escores mais baixos na FSFI.

 

Vinculação acadêmica

Universidade Franciscana, Santa Maria, RS

 

Conflito de interesses

Os autores declaram que não houve conflito de interesse.

 

Fontes de financiamento

Não houve financiamento.

 

Contribuição dos autores

Concepção e desenho da pesquisa: Filippin NT, Frigo LF; Obtenção de dados: Cuty DD, Brondani I, Melo EA; Análise e interpretação dos dados: Cuty DD, Brondani I, Melo EA; Análise estatística: Filippin NT, Frigo LF, Cuty DD, Brondani I, Melo EA; Redação do manuscrito: Filippin NT, Frigo LF, Cuty DD, Brondani I, Melo EA; Revisão crítica do manuscrito quanto ao conteúdo intelectual importante: Filippin NT, Frigo LF.

 

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