Fisioter Bras. 2023;24(6):932-39

doi: 10.33233/fb.v24i6.5517

RELATO DE CASO

Fisioterapia no pneumoencéfalo: um relato de caso

Physical therapy in pneumocephalus: a case report

 

Higor Gregore Alencar Oliveira, Amanda Ferreira Alves, Janaina Abramovecht, Káren Andressa Mendes da Silva, Juliana Hering Genske

 

Universidade Estadual do Oeste do Paraná, Cascavel, PR, Brasil

 

Recebido em: 6 de agosto de 2023; Aceito em: 18 de novembro de 2023

Correspondência: Higor Gregore Alencar Oliveira, gregorehigorpro@gmail.com

 

Como citar

Oliveira HGA, Alves AF, Abramovecht J, Silva KAM, Genske JH. Fisioterapia no pneumoencéfalo: um relato de caso. Fisioter Bras. 2023;24(6):932-39. doi: 10.33233/fb.v24i6.5517

Resumo

O pneumoencéfalo consiste em um acúmulo de ar no interior da cavidade intracraniana, podendo ou não estar associado à ruptura da dura-máter. Este tem sido associado a causas traumáticas sendo responsável por até 90% dos casos e os principais sintomas podem ocorrer em consequência da hipertensão intracraniana. Objetivou-se com este relato avultar a importância da Fisioterapia no Pneumoencéfalo, descrever os resultados da intervenção e discutir métodos agregados, utilizados neste caso atípico. Trata-se de um relato de caso da abordagem fisioterapêutica no pneumoencéfalo, sucedido no Hospital Universitário do Oeste Do Paraná, catalogado por meio de análise do prontuário eletrônico, prontuário físico, exames laboratoriais e exames de imagens. Conclui-se, através da abordagem do pneumoencéfalo com oxigenoterapia em alto fluxo, que foi possível observar a reabsorção do gás intracraniano, além de manter e/ou restaurar a funcionalidade do paciente, tornando-o ativo, por meio da cinesioterapia, fisioterapia respiratória e mobilização precoce.

Palavras-chave: ar intracraniano; reabilitação; fisioterapia; lesões encefálicas traumáticas; serviço hospitalar de fisioterapia.

 

Abstract

Pneumocephalus consists of an accumulation of air inside the intracranial cavity, which may or may not be associated with rupture of the dura mater. This has been associated with traumatic causes, accounting for up to 90% of cases and the main symptoms can occur as a result of intracranial hypertension. The objective of this report was to highlight the importance of Physical therapy in Pneumocephalus, describe the results of the intervention and discuss aggregated methods used in this atypical case. This is a case report of the physiotherapeutic approach in pneumocephalus, carried out at the Hospital Universitário do Oeste do Paraná, cataloged through analysis of the electronic medical record, physical record, laboratory tests and imaging tests. We concluded that by approaching the pneumocephalus with oxygen therapy supporting high flow, it was possible to observe the reabsorption of intracranial gas, in addition to maintaining and/or restoring the patient's functionality, making him active, through kinesiotherapy, respiratory physical therapy and early mobilization.

Keywords: intracranial air; rehabilitation; Physical Therapy; traumatic brain injury; hospital physiotherapy service.

 

Introdução

 

Atualmente, no mundo, aproximadamente 1,35 milhões de pessoas têm suas vidas ceifadas em decorrência de sinistros de trânsitos e outras 50 milhões sofrem com lesões não fatais decorrentes das colisões [1]. O Brasil tem um dos maiores índices de acidentes de trânsito do mundo e mais da metade de todas as mortes no trânsito estão entre os pedestres, ciclistas e motociclistas, dentre estes os motociclistas sofrem ferimentos mais graves em relação aos outros usuários da via [2], a maioria dos casos fatais e não fatais são de homens jovens com até 25 anos, seja por questão de imprudência, cultural ou ambas [3].

De acordo com Ribeiro et al. [4], em 2011 foram atendidos 3.275 acidentes, dentre os quais, 2.231 (68,12%) envolvendo motociclistas e que envolveram um total de 4.285 pessoas vitimadas. Destes, foram classificados como vítimas no código 1 (ferimentos graves), 1.722 das quais utilizavam motocicleta no momento e geralmente sofrem um trauma crânio encefálico - TCE.

Pneumoencéfalo, conhecido também como aerocele intracerebral, é a coleção de ar na cavidade intracraniana, em geral está situado no espaço subaracnóideo, habitualmente associado à fratura de crânio e ruptura da dura-máter [5]. Geralmente é benigno, assintomático e apresenta resolução espontânea. O primeiro caso de pneumoencéfalo foi relatado em 1741, por Lecat e, em 1866, foi descrito por Thomas. O termo pneumoencéfalo foi criado por Wolf em 1914 [5,6].

O pneumoencéfalo tem sido associado a causa traumática e não traumática. Alguns estudos relatam que a origem traumática é responsável por 74% a 90% dos casos e em casos de craniotomia supratentorial, sua ocorrência é de 100% dos casos [7]. Os principais sintomas que podem ocorrer em consequência da hipertensão intracraniana decorrente do pneumoencéfalo são: hemiparesia, vertigens, náusea, vômito, cefaleia frontal, que piora quando o paciente assume posição sentada ou ortostática, convulsão e rebaixamento do nível de consciência. A duração e a intensidade dos sintomas estão relacionadas com a quantidade de ar intracraniano [6].

Objetivou-se com este relato avultar a importância da fisioterapia no pneumoencéfalo, descrever os resultados da intervenção e discutir métodos agregados, utilizados neste caso atípico, além de expor para a comunidade científica e acadêmica os achados clínicos, tais como exames radiológicos, alterações funcionais e a condição de saúde que o paciente apresenta, visto que se faz necessário a contribuição deste achado sobre a atuação fisioterapêutica neste processo fisiopatológico.

 

Métodos

 

Trata-se de um relato de caso, de um paciente com diagnóstico médico de pneumoencéfalo, observacional, retrospectivo, de caráter descritivo [8], sucedido no Hospital Universitário do Oeste do Paraná (HUOP), catalogado por meio da análise dos prontuários físicos (encontrados na dependência do hospital) e eletrônicos (através do software de gestão TASY).

Será selecionado um caso especifico de um paciente com diagnóstico médico de pneumoencéfalo, alceando-se os achados radiológicos e condutas fisioterapêuticas durante diversas fases de hospitalização de forma descritiva.

 

Relato de caso

 

Paciente do sexo masculino, 63 anos, vítima de acidente de trânsito de impacto, fazia uso de motocicleta e colidiu contra um automóvel, resultando em trauma de crânio. Na ocasião, encontrava-se consciente e orientado e não procurou o serviço de pronto atendimento, pois o mesmo apresentava-se assintomático. Após um período de aproximadamente 7 dias o paciente procurou uma Unidade de Pronto Atendimento (UPA) e devido ao quadro de paresia com intensidade progressiva em dimidio direito, foi encaminhando ao HUOP, onde então foi diagnosticado com Trauma Crânio Encefálico (TCE) moderado, e encontrava-se consciente e orientado na ocasião.

Paciente apresentava-se em ar ambiente, sem sinais de esforço respiratório, com saturação periférica de oxigênio dentro da normalidade, com quadro motor de paresia em dimidio direito, com dificuldades de deambular. À avaliação neurológica, apresentava um score 15 de acordo com a Escala de Coma de Glasgow. O exame de imagem (Tomografia Computadorizada - TC) de crânio revelou diversas imagens hipodensas em região intracraniana compatível com pneumoencéfalo maciço (figura 1).

A equipe de neurocirurgia optou por iniciar tratamento conservador para pneumoencéfalo com oxigenoterapia em alto fluxo em 10 L/min através da máscara com reservatório, durante 72 horas interruptas. Além disso, foi realizada fisioterapia respiratória e motora, e as principais condutas instituídas foram padrões ventilatórios reexpansivos, exercícios metabólicos, sedestação beira-leito e ortostatismo com auxilio, evoluindo para deambulação sem auxilio no decorrer do tratamento, pois o mesmo apresentava déficit motor como foi supracitado. Durante o tratamento clínico e conservador e as condutas fisioterapêuticas, o paciente apresentava ausculta pulmonar sem ruídos adventícios, com saturação periférica dentro da normalidade, eupneico, calmo, colaborativo, Glasgow 15, com tosse eficaz e produtiva. Após o período de três dias, foi solicitada uma nova TC cerebral de reavaliação e demostrou sinais de reabsorção do pneumoencéfalo, como evidenciado na figura 2.

 

 

Figura 1 - Corte axial de tomografia computadorizada apresentando evidências de pneumoencéfalo em região temporoparietal

 

 

Figura 2 - Corte axial de tomografia computadorizada apresentado evidencias de regressão do quadro de pneumoencéfalo em região temporoparietal

 

Discussão

 

As causas de pneumoencéfalo são diversas, porém a intensidade e duração dos sintomas dependem da distribuição intracraniana e do volume de ar, pois quando pequeno, costuma ser assintomático ou apresentar sinais e sintomas inespecíficos, sendo as vezes diagnosticado após a realização de exame de imagens de rotina [9], como no caso do presente estudo. A cavidade intracraniana apresenta-se como um sistema fechado devido à sua estrutura rígida composta por tecidos cerebral, liquido cefalorraquidiano e sistema vascular [9,10].

O tratamento depende da etiologia, quadro neurológico (extensão, volume e progressão da coleção de ar). Desde que o volume de ar intracraniano seja de uma extensão pequena, o tratamento pode ser de maneira conservadora, ou seja, sem procedimentos invasivos, o que inclui, evitar manobras de valsava, analgesia e oxigenioterapia, sendo este último optado para a resolução do quadro patológico em que o paciente se encontrava naquele momento [6].

Para drenagem do pneumoencéfalo, foi seguida a recomendação de Pereira et al. [6], foi administrado oxigênio (O2) em concentração de 100% junto ao uso de máscara não reinalante, repouso no leito, elevação da cabeceira a 30º. Porém, sabe-se que o imobilismo somado a outros fatores pode ter efeitos deletérios sobre a funcionalidade, desse modo, optou-se, juntamente com a equipe de neurocirurgia, iniciar precocemente a fisioterapia, respeitando a necessidade de permanência do uso de O2, durante a abordagem da fisioterapia e evitando técnicas que favorecessem manobras de valsava.

O nitrogênio constitui 79% do ar atmosférico e os outros 21% são de O2, sendo o primeiro um gás pouco solúvel e, por esta razão, quando presente nos tecidos, persiste por longos períodos, exercendo um efeito compressivo da bolha de gás sobre o sistema nervoso, com consequente lesão. A oxigenoterapia em alto fluxo tem um efeito terapêutico e resulta no aumento marcado da pressão parcial de O2 em todos os tecidos corporais de acordo com o gradiente de difusão fisiológico, atuando de duas maneiras no pneumoencéfalo, por um lado, a pressão elevada diminui imediatamente o volume de bolha de gás, e por outro lado, a inalação de O2 a 100% acelera significativamente a eliminação do nitrogênio e, consequentemente desaparecimento da bolha de gás [10]. O pneumoencéfalo deste relato de caso obteve um desfecho favorável, ou seja, resolução completa da presença de ar na cavidade intracraniana, corroborando o estudo de Castedo et al. [11], que se apresenta também como relato de caso de um pneumoencéfalo com resolução com oxigenoterapia seguindo a recomendação de Pereira et al. [6].

O imobilismo somado a outros fatores como sepse, hiperglicemia, internação prolongada, uso de corticosteróides e bloqueadores muscular podem ocasionar efeitos adversos como contratura articular, atrofia/hipotrofia muscular, síndrome do descondicionamento que gera uma diminuição significativa da capacidade funcional e déficit cognitivo [12].

Sobre a síndrome do imobilismo, sabemos que a prevenção é a principal forma de tratamento da imobilidade, principalmente em âmbito hospitalar, visando a reabilitação para retornar precocemente as atividades de vida diária, principalmente em pacientes que apresentam sequelas do trauma, objetivando-se melhora do condicionamento cardiovascular, prevenção de hipotrofia musculares e proporcionando capacidade funcional. Em uma revisão sistemática com mais de 3000 pacientes, Holstein & Castro [13] evidenciam que pacientes abordados precocemente através da cinesioterapia, fisioterapia respiratória e mobilização precoce tendem a ter menor índice de mortalidade e restauram suas limitações funcionais mais cedo. Um estudo de Dall et al. [14] comprova que a mobilização precoce pode aumentar a capacidade de caminhar e reduzir o tempo de internação, reduzindo assim os riscos de infecção hospitalar e consequentemente os custos com cada paciente.

 

Conclusão

 

Através da abordagem do pneumoencéfalo com suporte de O2 em alto fluxo, foi possível observar a reabsorção do gás intracraniano, assim, como corroborado na literatura, além de manter e/ou restaurar a funcionalidade do paciente, tornando-o ativo, através da cinesioterapia, fisioterapia respiratória e mobilização precoce.

 

Conflito de interesses

Os autores negam conflitos de interesses.

 

Fontes de financiamento

Não houve fonte financiadora.

 

Contribuições dos autores

Concepção e desenho da pesquisa: Oliveira HG, Alves AF, Silva KA, Abramovechr J, Genske JH; Obtenção de dados: Oliveira HG, Alves AF, Silva KA, Abramovechr J, Genske JH; Análise e interpretação dos dados: Oliveira HG, Alves AF, Silva KA, Abramovechr J, Genske JH; Análise estatística: Oliveira HG, Alves AF, Silva KA, Abramovechr J, Genske JH; Redação do manuscrito: Oliveira HG, Genske JH; Revisão crítica do manuscrito quanto ao conteúdo intelectual importante: Genske JH.

 

Referências

 

  1. OMS. Organização Mundial da Saúde. Relatório de status global sobre segurança no trânsito 2015. Brasília: Organização Mundial da Saúde; 2015.
  2. World Health Organization. Global status report on road safety 2013: supporting a decade of action: summary. World Health Organization; 2013.
  3. Botelho LJ, Gonzaga HN. Mortalidade por acidentes motociclísticos: Estudo comparativo entre Santa Catarina e Brasil. Boletim do Curso de Medicina da UFSC. 2017;3(8). doi: 10.32963/bcmufsc.v3i8.2427
  4. Ribeiro VP, Daniel JA, Blasius L. Acidentes de trânsito envolvendo motociclistas em Cascavel. Revista Brasileira de Segurança Pública. 2014;8(1). doi: 10.31060/rbsp.2014.v8.n1.364
  5. Aguilar-Shea AL, Mañas-Gallardo N, Romero-Pisonero E. Post-traumatic pneumocephalus. J Int Emerg Med. 2019;(2):129-30.
  6. Pereira CU, Dezena RA., Meguins LC, Santos TMP. Pneumoencéfalo: Revisão da Literatura. Jornal Brasileiro de Neurocirurgia. 2015;26(1):47-56.
  7. Onur OO, Demir H, Guneysel Ö. Asymptomatic pneumocephalus after head trauma: case report. BMJ Case Rep. 2009:2009:bcr10.2008.1028. doi: 10.1136/bcr.10.2008.1028
  8. Vieira S, Hossne WS. Metodologia científica para a área da saúde. Rio de Janeiro: Campus; 2012. p.19.
  9. Castro RCM, Oliveira MMM, Santos DM, Silva CJ, Furtado LM, Batista JD. Pneumoencéfalo difuso após fratura de maxila: relato de caso. Revista Odontológica do Brasil Central. 2021;30(89):171-9. doi: 10.36065/robrac.v30i89.1332
  10. Tyagi A, Ramanujam M, Sethi AK, Mohta M. Clinical utility of epidural volume extension following reduced intrathecal doses: a randomized controlled trial. Braz J Anesthesiol. 2021;71(1). doi: 10.1016/j.bjane.2020.12.005
  11. Castedo J, Ferreira AP, Camacho O. Hyperbaric oxygen therapy in the treatment of pneumocephalus associated with epidural block: case report. Braz J Anesthesiol. 2021;71(3):295-98. doi: 10.1016/j.bjane.2021.02.058
  12. Rosa RG, Dietrich C, Valle ELTD, Souza D, Tagliari L, Mattioni M, Teixeira C. O Teste de Caminhada de 6 Minutos prevê a melhora física em longo prazo de sobreviventes à unidade de terapia intensiva: um estudo de coorte prospectiva. Rev Bras Ter Intensiva. 2021:33(03). doi: 10.5935/0103-507X.20210056
  13. Castro AAM, Holstein JM. Benefícios e métodos da mobilização precoce em UTI: uma revisão sistemática. Life Style. 2019;6(2):7-22. doi: 10.19141/2237-3756.lifestyle.v6.n2.p7-22
  14. Fontela PC, Forgiarini JLA, Friedman G. Atitudes clínicas e barreiras percebidas para a mobilização precoce de pacientes graves em unidades de terapia intensiva adulto. Rev Bras Ter Intensiva. 2018;30(2):187-94. doi: 10.5935/0103-507X.20180037