Fisioter Bras. 2023;24:(5):741-50

doi: 10.33233/fb.v24i5.5559

REVISÃO

Os benefícios da arteterapia no tratamento de pessoas com doença de Alzheimer

The benefits of art therapy in the treatment of people with Alzheimer's disease

 

Jenifer Luana P. Rodrigues, Samara dos Santos Oliveira, Naiara Raissa da S. Pessoa, Maria Gabriela de S.M.do Nascimento, Beatriz de Menezes, Viviane dos Santos Augusto Doval

 

Universidade Cruzeiro do Sul, SP, Brasil

 

Recebido 1 de outubro de 2023; aceito 30 de novembro de 2023

Correspondência: Jenifer Luana Pessoa Rodrigues, jenirodrigues1999@gmail.com

 

Como citar

Rodrigues JLP, Oliveira SS, Pessoa NRS, Nascimento MGSM, Menezes B, Doval VSA. Os benefícios da arteterapia no tratamento de pessoas com doença de Alzheimer. Fisioter Bras. 2023;24(5):

741-50. doi: 10.33233/fb.v24i5.5559

 

 

Resumo

Introdução: O envelhecimento é um processo do desenvolvimento normal, envolvendo alterações neurobiológicas que pode alterar a fisiologia do organismo e tem um impacto na capacidade funcional, tornando o idoso suscetível às doenças crônicas. A doença de Alzheimer é caracterizada como uma doença neurodegenerativa frequentemente associada à idade, alterando o nível cognitivo e mais tarde o funcionamento do organismo e diversas habilidades. A Arteterapia surge como um processo terapêutico que busca auxiliar as pessoas a alcançarem os conteúdos de seu inconsciente e exportá-los, podendo assim ser uma ferramenta de intervenção não medicamentosa na doença de Alzheimer. Objetivo: O presente estudo teve como objetivo apresentar os benefícios da arteterapia como intervenção terapêutica relacionado ao tratamento de pacientes com Alzheimer, buscando sintetizar qual o melhor recurso, além do impacto da arteterapia na melhora cognitiva e funcional. Métodos: Realizou-se uma revisão de literatura integrativa com ensaios clínicos controlados, experimentais ou relatos de caso sobre a temática que tenham sidos publicados entre 2010 e 2023 nas bases de dados PUBMED e SciELO. Resultados: Foram selecionados 10 estudos relacionados ao uso da arteterapia no paciente com a DA que apontaram o seu benefício na preservação cognitiva residual e na melhora e potencialização da funcionalidade. Conclusão: A arte pode ser aplicada como intervenção no tratamento de pessoas com doença de Alzheimer de forma segura, tendo efeitos positivos na cognição e na funcionalidade, sendo a musicoterapia a terapêutica mais citada e utilizada.

Palavras-chave: arteterapia; Alzheimer; fisioterapia; musicoterapia.

 

Abstract

Introduction: Ageing is a normal development process involving neurobiological changes that can alter the body's physiology and impact functional capacity, making the elderly susceptible to chronic diseases. Alzheimer's disease is characterized as a neurodegenerative disease often associated with age, altering the cognitive level and later the functioning of the body and various abilities. Art therapy emerges as a therapeutic process that seeks to help people reach the contents of their unconscious and export them and can thus be a tool for non-drug intervention in Alzheimer's disease. Objective: The present study aimed to present the benefits of art therapy as a therapeutic intervention related to the treatment of patients with Alzheimer's, seeking to summarize the best resource, in addition to the impact of art therapy on cognitive and functional improvement. Methods: An integrative literature review was conducted using controlled clinical trials, experimental trials, or case reports published between 2010 and 2023 in the PUBMED and SciELO databases. Results: We found 11 studies related to the use of art therapy in patients with AD, which pointed to its benefits in preserving residual cognition and improving and enhancing functionality. Conclusion: Art can be safely applied as an intervention in the treatment of people with Alzheimer's disease, having positive effects on cognition and functionality, with music therapy being the most cited and used therapy.

Keywords: art therapy; Alzheimer; physiotherapy; music therapy.

 

Introdução

 

            

O envelhecimento é um processo do desenvolvimento normal, envolvendo alterações neurobiológicas, no qual ocorre uma deterioração geneticamente programada, envelhecendo a célula e diminuindo a capacidade de se dividir/renovar/regenerar [1]. Esse processo afeta a fisiologia do organismo e tem um impacto na capacidade funcional, o tornando suscetível às doenças crônicas [2].

A doença de Alzheimer é caracterizada como uma doença neurológica degenerativa mais frequentemente associada à idade, progressiva, incapacitante e irreversível que deteriora progressivamente o nível cognitivo do indivíduo, e mais tarde o funcionamento do organismo [3].

O sintoma inicial da doença é a perda progressiva da memória recente, enquanto as lembranças remotas são preservadas até um certo estágio da doença. Com a evolução, outras alterações ocorrem na memória e na cognição, entre elas as deficiências de linguagem e nas funções visuo-espaciais. Essas alterações são frequentemente acompanhadas por distúrbios comportamentais, incluindo agressividade, hiperatividade, irritabilidade, alucinações e depressão. Além dessas alterações, podem ocorrer como parte da síndrome demencial a apatia, lentificação da marcha ou do discurso, dificuldade de concentração, perda de peso, insônia e a agitação [4].

Nesse contexto surge a Arteterapia como um processo terapêutico que busca, por meio de recursos expressivos, auxiliar as pessoas a alcançarem os conteúdos de seu inconsciente e exportá-los. As atividades artísticas podem ajudar a prevenir o isolamento das pessoas com dificuldades de comunicação. Em qualquer sessão, a arte proporciona momentos de interação. Estando as pessoas em contato com os materiais e técnicas adequadas (processo criativo) realiza-se um processo de recuperação, indispensável ao bem-estar do participante e ao seu crescimento pessoal [5].

Desta forma, o objetivo deste estudo foi apresentar os benefícios da arteterapia como intervenção terapêutica relacionado ao tratamento de pacientes com Alzheimer, buscando sintetizar qual o melhor recurso, além do impacto da arteterapia na melhora cognitiva e funcional.

 

Métodos

 

            O estudo consiste em uma revisão de literatura integrativa. Realizou-se uma busca ativa na literatura de 2010 a julho de 2023, nas bases de dados Scielo e Pubmed, com os termos de busca em português e inglês: Arteterapia; Doença de Alzheimer; Musicoterapia; Arttherapy; Alzheimer's disease; Music therapy; com os operadores booleanos.

 Para fazer parte dessa revisão os estudos deveriam estar disponíveis na íntegra para leitura e análise, e deveriam mencionar o uso da arteterapia e qual a técnica que usaram como coadjuvante no tratamento de pacientes com DA.

            A análise dos dados foi feita de forma descritiva.

 

Resultados

 

         Foram encontrados 16 artigos tendo como descritores Alzheimer, musicoterapia, arteterapia, arte, musictherapy, arttherapy e art. O número de artigos incluídos nesta revisão foram 10, e 6 excluídos por não serem ensaios clínicos controlados, estudos experimentais ou relatos, e por não abordarem a intervenção no indivíduo com Alzheimer, conforme demonstrado no fluxograma.

 

 

Figura 1 - Fluxograma da revisão integrativa

 

            Os principais achados sobre o uso da arteterapia na DA estão descritos na Tabela I.

 

Tabela I - Identificação dos estudos selecionados

 

 

Discussão

 

 

A arteterapia pode ser uma alternativa no tratamento de pessoas com doença de Alzheimer, de baixa e média complexidade, sendo a musicoterapia o seu tipo mais citado e prevalente na literatura.

Gómez-Gallego et al. [6] utilizaram em seu estudo a musicoterapia para avaliar o perfil de melhora clínica de pacientes com Alzheimer. Como instrumento de avaliação, criaram 3 listas de 12 músicas cada, as sessões foram realizadas duas vezes por semana durante três meses. Na amostra estudada, a musicoterapia melhorou algumas alterações cognitivas, psicológicas e comportamentais em pacientes com doença de Alzheimer.

No estudo realizado por Da Rocha et al. [7] a amostra foi dividida em dois grupos. O grupo intervenção foi observado durante oito sessões de escuta musical, uma vez por semana, durante 2 meses, e o grupo controle com o mesmo procedimento, mas sem escuta musical. Todos os participantes foram avaliados pelo Questionário de Inventário Neuropsiquiátrico (NPI-Q) e pelo Exame Cognitivo de Addenbrooke. Foi encontrada redução significativa na média de redução da apatia e na média total da gravidade do NPI-Q no grupo intervenção, mas não foram encontradas diferenças significativas nos níveis médios das variáveis pré e pós-análise no grupo controle. Em concordância aos achados de Gómez-Gallego et al. [6] o estudo concluiu que no grupo intervenção a música de concerto teve efeito positivo e possibilidade de melhoria das condições comportamentais atuais.

Rubbi et al. [8] realizaram intervenção com musicoterapia através da apresentação de vídeos. Da Rocha et al. [7] propuseram sessões de audição música clássica, uma vez por semana, durante dois meses, ambos encontraram como resultado melhora na qualidade de vida, porém no estudo de Rubbi et al. [8] essa melhora foi verificada apenas em pacientes com comprometimento neuro cognitivo leve.

Svansdottir e Snaedal [9] em seus estudos analisaram o efeito da musicoterapia em pacientes com doença de Alzheimer moderado a grave, distribuídos aleatoriamente em um grupo de musicoterapia e um grupo controle. A pesquisa mostrou uma redução significativa nos distúrbios de atividade no grupo de musicoterapia, houve também redução significativa na soma dos escores de distúrbios de atividade, agressividade e ansiedade. Corroborando aos achados de Svansdottir & Snaedal e Guétin et al. [9,10] Concluíram que a musicoterapia tem efeitos satisfatórios para tratar ansiedade, depressão e agitação.

Hattori et al. [11] avaliaram a utilidade da arteterapia em comparação com o treinamento de cálculo em pacientes com doença de Alzheimer leve. A intervenção foi realizada uma vez por semana durante 12 semanas. O estudo sugeriu melhora na vitalidade e na qualidade de vida de pacientes com doença de Alzheimer leve após a arteterapia em comparação com o cálculo.

Alders & Levine-Madori [12] avaliaram o uso da arteterapia na melhora do desempenho cognitivo em uma amostra de 24 idosos membros de um centro comunitário, que participavam de um programa semanal estruturado de artes terapêuticas temáticas. Durante 12 semanas verificaram os resultados da arteterapia usando o Teste do Desenho do Relógio e o Questionário de Falhas Cognitivas. Os participantes que fizeram as sessões de arteterapia superaram aqueles que não compareceram nos testes de avaliação cognitiva. As descobertas sugerem que a combinação da produção artística auto-iniciada com a participação em sessões de arteterapia pode ser mais benéfica para melhorar a percepção da capacidade cognitiva de uma pessoa, o que pode afetar positivamente o desempenho cognitivo geral.

Dassa & Amir et al. [13], Santos da Silva et al. [14], Pongan et al. [15] realizaram estudos experimentais com intervenções em grupo para avaliar os efeitos da musicoterapia no aspecto cognitivo, motor e na qualidade de vida de pessoas com a doença de Alzheimer. Os três estudos verificaram que a arteterapia com música e outros recursos, apresentam melhoras no desempenho cognitivo, habilidades motoras, e âmbito psicossocial o que consequentemente inclui de forma geral a qualidade de vida.

 Embora os estudos tenham demonstrado melhoras significativas no indivíduo com doença de Alzheimer, notou-se a escassez de artigos sobre arteterapia na literatura, dessa forma se faz necessário a realização de novos estudos sobre o tema e sua eficácia na íntegra.

 

Conclusão

 

 O presente trabalho trouxe a importância do uso da arte, por meio da música, pintura e recursos visuais com pessoas com doença de Alzheimer, na melhora da interação e resgate de habilidades relacionadas a cognição.

 Conclui-se que a arte pode ser aplicada como intervenção no tratamento de pessoas com DA de forma segura, sendo a mais citada na literatura a musicoterapia, porém mais estudos são necessários para que se possa entender o real benefício da arteterapia nessa população.

 

Conflito de interesses

Os autores negam conflitos de interesses

 

Fontes de financiamento

Não houve fonte financiadora

 

Contribuições dos autores

Concepção e desenho do estudo: Rodrigues PLJ, Oliveira SS, Pessoa SRN, Nascimento MSGM, Menezes B, Doval AS; Coleta de dados: Rodrigues PLJ,

Oliveira SS, Pessoa SRN, Nascimento MSGM, Menezes B; Análise e interpretação dos dados: Rodrigues PLJ, Oliveira SS, Pessoa SRN, Nascimento MSGM, Menezes B; Elaboração e revisão crítica do manuscrito: Rodrigues PLJ, Oliveira SS, Pessoa SRN, Nascimento MSGM, Menezes B, Doval ASV; Aprovação da versão final do manuscrito: Doval ASV.

 

Referências

 

  1. Santos FH dos, Andrade VM, Bueno OFA. Envelhecimento: um processo multifatorial. Psicol Estud. 2009 14(1):3–10. doi: 10.1590/s1413-73722009000100002 [Crossref]
  2. Teixeira INDO, Guariento ME. Biologia do envelhecimento: teorias, mecanismos e perspectivas. Ciênc Saude Coletiva 201;15(6):2845–57. doi: 10.1590/S1413-81232010000600022 [Crossref]
  3. Fernandes J, Andrade M. Revisão sobre a doença de Alzheimer: Diagnóstico, evolução e cuidados. Psicologia, Saúde & Doença. 2017;18(1):131-40. doi: 10.15309/17psd180111 [Crossref]
  4. Sereniki A, Vital MABF. A doença de Alzheimer: aspectos fisiopatológicos e farmacológicos. Rev Psiquiatr Rio Gd Sul. 2008;30 (suppl1). doi: 10.1590/S0101-81082008000200002 [Crossref]
  5. Reis AC dos. Arteterapia: a arte como instrumento no trabalho do Psicólogo. Psicol Ciênc Prof. 2014 34(1):142–57. doi: 10.1590/S1414-98932014000100011 [Crossref]
  6. Gómez Gallego M, Gómez García J.Musicoterapia em la enfermedad de Alzheimer: efectos cognitivos, psicológicos y conductuales. Neurologia. 2017;32(5):300-8. doi: 10.3390/ijerph18158067 [Crossref]
  7. Rocha LA da, Siqueira BF, Grella CE, Gratão ACM. Efeitos da música de concerto sobre a cognição, parâmetros fisiológicos e psicológicos em idosos com demência: estudo quase experimental. Dement Neuropsychol. 2022;16(2):194–201. doi: 10.1590/1980-5764-DN-2021-0088 [Crossref]
  8. Rubbi I, Magnani D, Naldoni G, Di Lorenzo R, Cremonini V, Capucci P, et al. Efficacy of video-music therapy on quality of life improvement in a group of patients with Alzheimer’s disease: a pre-post study. Acta Biomed. 2016;87(4-S). Disponível em: https://pubmed.ncbi.nlm.nih.gov/27874842/
  9. Svansdottir HB, Snaedal J. Music therapy in moderate and severe dementia of Alzheimer’s type: a case–control study. Int Psycho Geriatr. 18(4):613–21. doi: 10.1017/S1041610206003206 [Crossref]
  10. Guétin S, Portet F, Picot MC, Pommié C, Messaoudi M, Djabelkir L, et al. Effect of music therapy on anxiety and depression in patients with Alzheimer’s type dementia: randomized, controlled study. Dement Geriatr Cognit Desord. 2009;28(1):36–46. doi: 10.1159/000229024 [Crossref]
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  12. Alders A, Levine-Madori L. The effect of art therapy on cognitive performance of Hispanic/Latino older adults. Arttherapy. 2010;27(3):127–35. doi: 10.1080/07421656.2010.10129661 [Crossref]
  13. Dassa A, Amir D. The role of singing familiar songs in encouraging conversation among people with middle to late stage Alzheimer’s disease. J Music Therapy. 2014 51(2):131–53. doi: 10.1093/jmt/thu007 [Crossref]
  14. Santos da Silva F, Orlando Caetano LA, Bolela Silveira CA, Rodrigues Alves Junqueira C. A intervenção grupal e o uso da arte como ferramentas produtivas para pessoas com Alzheimer. Vínculo. 2019;16(2):88–109. doi: 10.32467/issn.19982-1492v16n2p88-109 [Crossref]
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