Fisioter Bras. 2023;24(6):850-67
ARTIGO
ORIGINAL
Respostas
cardiovasculares agudas e modificações na modulação autonômica em uma sessão de
treinamento muscular inspiratório: um estudo piloto
Acute cardiovascular responses and changes in autonomic
modulation in an inspiratory muscle training session: a pilot study
Thaisa Sarmento dos Santos1,
Katia Martins de Moura Barbosa1, Marco Orsini2,3, Stéphanie Raposo Gomes1, Priscila Enomoto Velame4, Thiago de Mello Tavares5,
Cristiane
Sousa Nascimento Baez Garcia1,2, Luciana
Moisés Camilo1,2, Mauricio de Sant Anna Jr1,2
1Instituto Federal de Educação, Ciência e
Tecnologia do Rio de Janeiro (IFRJ), RJ, Brasil
2Universidade Federal do Rio de Janeiro,
RJ, Brasil
3Universidade Iguaçu (UNIG), Nova Iguaçu,
RJ, Brasil
4Escola Superior de Ciências da Santa
Casa de Misericórdia (EMESCAM), Vitória, ES, Brasil
5Universidade do Contestado, Mafra, SC,
Brasil
Correspondência: Mauricio de Sant’ Anna Jr,
mauricio.junior@ifrj.edu.br
Como citar
Santos TS, Barbosa
KMM, Orsini M, Gomes SR, Velame PE, Tavares TM, Garcia
CSNB, Camilo LM, Sant Anna Jr M. Respostas cardiovasculares agudas e
modificações na modulação autonômica em uma sessão de treinamento muscular
inspiratório: um estudo piloto. Fisioter Bras. 2023;24(6):850-67. doi: 10.33233/fb.v24i6.5569
Resumo
Introdução: O treinamento muscular inspiratório
(TMI) vem sendo utilizado em indivíduos sadios com a finalidade de promover
melhora no desempenho físico. Porém as respostas cardiovasculares oriundas do
TMI ainda não foram bem elucidadas. Objetivo: Descrever as respostas
cardiovasculares agudas e as modificações na modulação autonômica
cardiovascular (MAC) oriundas de uma sessão de treinamento muscular
inspiratório de intensidade moderada. Métodos: Estudo observacional e
transversal realizado com uma amostra de conveniência composta por indivíduos
adultos jovens. O protocolo foi desenhado com duração de 25 minutos, sendo 10
minutos de repouso (pré TMI), 5 minutos de TMI e um
período de recuperação de 10 minutos (pós TMI), com verificação de frequência
cardíaca (FC), pressão arterial sistólica (PAS), diastólica (PAD) e média
(PAD), duplo-produto (DP) e sensação subjetiva de esforço (Borg).
O TMI foi realizado utilizando através de dispositivo digital, com carga
equivalente a 50% da pressão inspiratória máxima (PImáx).
A avaliação da MAC foi realizada através de análise da variabilidade da
frequência cardíaca (VFC) nos domínios do tempo (DT) e da frequência (DF). Para
análise dos dados e comparação entre os períodos pré
TMI, TMI e pós TMI foi utilizada ANOVA de dupla entrada sendo adotado como
significância quando o P < 0,05. Resultados: Participaram do estudo
17 indivíduos com média de idade 26,40 ± 6,11 anos, 13 (77%) pertencem ao sexo
feminino. Durante a realização do TMI pode-se observar que os indivíduos
atingiram em média 46% da FC máxima. No que diz respeito às variáveis
hemodinâmicas foram observadas diferenças significativas quando comparados os períodos
pré TMI vs. TMI para FC, PAS, PAD, PAM, DP e Borg (p < 0,05), além de significância entre os períodos
TMI vs. pós TMI para as variáveis FC, PAS, PAM e DP (p < 0,05). Também foi
verificada significância entre os períodos pré TMI
vs. pós TMI apenas para a sensação subjetiva de esforço. Quanto a VFC, foram
observadas diferenças significativas entre pré TMI vs TMI no DT para os intervalos RR, e entre os períodos TMI
vs. pós TMI no DF para os componentes de baixa frequência e alta frequência (p
< 0,05). Conclusão: Uma sessão de TMI com 50% da PImáx
é capaz de promover importantes incrementos nas variáveis cardiovasculares com
elevação de pressão arterial e frequência cardíaca e sensação subjetiva de
esforço, além de redução da atividade parassimpática.
Palavras-chave: fisioterapia cardiovascular; sistema
nervoso autônomo; exercício inspiratório.
Abstract
Introduction: Inspiratory
muscle training (IMT) has been used in healthy individuals to improve physical
performance. However, cardiovascular responses from IMT have not yet been well
elucidated. Objective: To describe the acute cardiovascular responses
and changes in autonomic modulation resulting from a moderate-intensity
inspiratory muscle training session. Methods: This is an observational
and cross-sectional study conducted with a convenience sample composed of young
adult individuals. The study consisted of a protocol lasting 25 minutes, with
ten minutes of rest (pre-IMT), 5 minutes of IMT and a ten-minute recovery
period (post-IMT), with verification of heart rate (HR), systolic (SBP),
diastolic (DBP) and mean (DBP) blood pressure, double product (SD) and
subjective sensation of exertion (Borg). The IMT was performed using a digital
device with a load of 50% of the maximal inspiratory pressure (MIP). The
assessment of cardiovascular autonomic modulation was performed by analyzing
the heart rate variability (HRV) in the time (DT) and frequency (DF) domains.
For data analysis and comparison between pre-IMT, IMT and post-IMT periods,
double-entry ANOVA was used for measurements and adopted as significance when P
< 0.05. Results: 17 individuals with a mean age of 26.40 ± 6.11 years
participated in the study, 13 (77%) were female. During the performance of the
IMT, it can be observed that the individuals reached on average 46% of the
maximum HR. Regarding the hemodynamic variables, significant differences were
observed when comparing the periods before IMT vs. IMR for HR, SBP, DBP, MBP,
SD and Borg (p < 0.05), and significance between the periods IMT vs. post
IMT for HR, SBP, MBP and SD variables (p < 0.05). Significance was also
verified between pre-IMT vs. post IMT only for the subjective sensation of
effort. Regarding HRV, significant differences were observed between pre-IMT
vs. IMT in the DT for RR intervals, and between the periods IMT vs. post IMT in
DF for the low frequency and high frequency components (p < 0.05). Conclusion:
An IMT session with 50% of MIP is able to promote important increases in
cardiovascular variables with increased blood pressure and heart rate and
subjective sensation of exertion, as well as reduced parasympathetic activity.
Keywords: physical therapy cardiovascular;
autonomic nervous system; inspiratory exercise.
Durante
a realização de exercícios físicos ocorrem respostas cardiorrespiratórias que
são responsáveis diretas pela manutenção da atividade física. Dentre as
diversas respostas, podemos destacar o aumento da frequência cardíaca (FC),
pressão arterial (PA), débito cardíaco (DC), consumo miocárdico de oxigênio,
mensurado através do duplo-produto (DP), dentre outras [1].
Porém
o aumento da ventilação também deve ser destacado, ocorrendo de forma concomitantemente
o aumento da frequência respiratória, do volume corrente e do trabalho dos
músculos ventilatórios [2,3].
Os
músculos ventilatórios apresentam como sua principal função o deslocamento e da
parede torácica, com a finalidade primária de produzir a ventilação alveolar
[4,5]. Apesar de representarem apenas 3% do peso corporal total, os músculos
ventilatórios apresentam grande capacidade de suportar altas demandas de
trabalho, com capacidade de ajustarem-se às necessidades ventilatórias em diferentes
condições fisiológicas e fisiopatológicas, sendo o principal músculo da
inspiração o diafragma [6,7]. Deve-se ressaltar que os músculos ventilatórios
podem sofrer alterações em virtude do treinamento específico, que acarreta em
aumento de sua força assim como sua resistência [8-12].
Durante
vários anos, questionou-se os efeitos oriundos do treinamento sobre a
musculatura ventilatória, principalmente no que tange se seus efeitos seriam
similares aos alcançados nos demais músculos esqueléticos. Porém, o estudo
pioneiro proposto por Leith & Bradley [13] em
1976 que descreveu o efeito de cinco semanas de treinamento muscular
inspiratório (TMI) durante 30 a 45 minutos em grupo de indivíduos saudáveis,
divididos em três grupos (treinamento de resistência, treinamento de força e
grupo controle), evidenciou um aumento de 55% na força dos músculos
inspiratórios no grupo que treinou força e um aumento de 14% no grupo que
treinou resistência, não sendo verificado nenhum tipo de modificação no grupo
controle, dando assim início a uma série de estudos subsequentes com
metodologias cada vez mais elaboradas, porém com resultados controversos.
O
TMI tem como objetivo o aumento da força e resistência dos músculos
inspiratórios, sendo uma de suas primeiras indicações à existência de doenças
que acarretassem em redução da força e resistência dos músculos ventilatórios.
Seus efeitos encontram-se bem documentados em condições como doença pulmonar
obstrutiva crônica, asma e insuficiência cardíaca [14-17]. Tais efeitos parecem
estar diretamente relacionados à carga, intensidade, frequência e duração do
exercício [18].
Diversos
mecanismos são sugeridos para elucidar os resultados satisfatórios alcançados,
com destaque para repercussões do TMI sobre o fluxo sanguíneo, metaborreflexo, consumo máximo de oxigênio, controle
autonômico cardiovascular, dentre outros [19]. O TMI vem sendo utilizado em
indivíduos sadios, com a finalidade de promover melhora no desempenho, tais
como aumento do tempo de exercício18,20.
O
processo de ventilação gera modificação na pressão intratorácica e que
desencadeiam alterações cíclicas no retorno venoso, volume de ejeção, mudanças
na pressão arterial e na FC. Por meio de informações que partem dos baroceptores, quimioceptores,
receptores atriais, receptores ventriculares, modificações do sistema
respiratório, sistema vasomotor, sistema renina-angiotensina-aldosterona e
sistema termorregulador, o sistema nervoso autônomo (SNA) age através da
ativação simpática e parassimpática, ajustando a pressão de perfusão mediante
variações no DC e na Resistência Vascular Periférica (RVP), desempenhando o
controle da Pressão Arterial [19].
Embora
os benefícios do TMI sejam bem estabelecidos no que diz respeito às questões
funcionais e possuir evidências relevantes sobre sua contribuição para
pacientes com disfunção cardiopulmonares, além de indivíduos sadios, a
literatura ainda apresenta uma escassez de evidências sobre as respostas
cardiovasculares agudas e modificações na variabilidade da frequência cardíaca
(VFC) decorrentes do TMI [19].
Tendo
em vista que o TMI impõe uma carga de trabalho à musculatura inspiratória e que
esse aumento de trabalho pode desencadear respostas cardiovasculares agudas
podendo resultar em aumento da PA, FC e consumo miocárdico de oxigênio.
Sustentamos a hipótese de que tais alterações em indivíduos saudáveis podem ser
desencadeadas pela modulação do sistema nervoso autônomo, em especial pela
retirada vagal e/ou ativação simpática.
O
objetivo do presente estudo foi descrever as respostas cardiovasculares agudas
e as modificações na modulação autonômica oriundas de uma sessão de TMI de
intensidade moderada.
Desenho
do estudo
O
presente estudo obedeceu a um desenho observacional e transversal, realizado
utilizando uma amostra de conveniência composta por indivíduos adultos jovens,
sem história de doenças prévias e que concordassem com os termos da pesquisa.
Aspectos
éticos
O
presente estudo foi submetido e aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa do
Instituto Federal do Rio de Janeiro (CEP – IFRJ) sob o número CAAE:
11777619.4.0000.5268. Todos os participantes foram voluntários e assinaram o
Termo de Consentimento Livre e Esclarecido concordando com os termos da
pesquisa, conforme a Resolução 466/12 do Conselho Nacional de Saúde do Brasil.
Foi mantida em sigilo absoluto a identidade dos participantes, com divulgação
apenas dos resultados, estando os mesmos disponibilizados ao término das
avaliações.
Critérios
de inclusão, exclusão e interrupção
Foram
incluídos no estudo indivíduos com idade ≥ 18 anos e ≤ 45 anos.
Foram excluídos do estudo sujeitos que apresentarem índice de massa corporal
(IMC) ≥ 35 kg/m2, tabagistas ou ex-tabagistas,
histórias pregressas de alterações cardiovasculares, respiratórias e/ou
neurológicas, além de quadro viral e/ou infeccioso agudo, pressão arterial
sistólica ≥ 150 mmHg e/ou pressão arterial diastólica ≥ 100 mmHg no
período de repouso que antecedesse a realização do protocolo.
Foram
considerados critérios de interrupção do protocolo: vertigem, parestesia
intensa em região orbicular dos lábios, cefaléia,
dispneia, solicitação do indivíduo.
Verificação
da pressão inspiratória máxima
A
avaliação da pressão inspiratória máxima (PImáx)
foi realizada partindo-se do volume residual (VR) sendo a manobra mantida por
período de três segundos em manovacuômetro digital (Powerbreath KH2®). Para realização do teste, o indivíduo
permaneceu sentado, com o tronco ereto e os pés paralelos.
Durante
o teste, os sujeitos foram orientados a gerar a pressão com a musculatura
respiratória. Realizou-se o mínimo de três aferições aceitáveis (sem vazamento
e com manutenção do esforço por pelo menos dois segundos) e máximo de cinco.
Definiu-se como critério de aceitação e reprodutibilidade as manobras com
valores que não diferiram entre si por mais de 10% do valor mais elevado,
aproveitando-se a melhor, sendo instituído intervalo de um minuto e trinta
segundos entre cada verificação [21,22].
A
determinação da PImáx prevista foi
realizada através da equação descrita por Neder et al. [21]: homens PImáx = 155,3 – 0,80 x idade (EPE = 17,3) e
mulheres PImáx = 110,4 – 0,49 x idade (EPE
= 9,1).
Verificação da frequência cardíaca e da
pressão arterial
A
verificação da FC foi realizada online com a utilização de frequencímetro
(Polar® modelo S–810, Finlândia, 2001) por período de vinte e cinco minutos de
realização do protocolo (pré treinamento, sessão de
treinamento e pós treinamento), conforme apresentado na figura 1.
A
verificação da PA foi realizada, antes do início do protocolo, através de
medida indireta pelo método auscultatório (aparelho Premium aneróide),
sendo realizada no máximo duas aferições no membro superior direito, estando o
mesmo apoiado em uma mesa, a uma altura confortável, livre de roupas de mangas
e relaxado. O manguito cobriu 2/3 do braço, sendo que a borda inferior do
manguito ficou dois dedos acima da interlinha
articular do cotovelo, sem que o estetoscópio tocasse o manguito.
Sessão
de treinamento muscular inspiratórios
Após
a aferição da PImáx foi definida como
carga de treinamento 50% do valor mensurado para realização do TMI. A sessão de
TMI foi realizada com utilização do Powerbreath KH2®,
e duração de no mínimo cinco minutos, com verificação da FC online durante todo
o período, verificação da PA e sensação subjetiva de esforço a cada cinco
minutos. A FR foi livre, ou seja, cada indivíduo durante a realização do TMI
encontrou sua melhor FR para realização.
A
escala de sensação subjetiva de esforço descrita por Borg
(CR 10) foi utilizada para que os voluntários informassem a sensação de esforço
que estavam sendo submetidos ao longo do protocolo. O Borg
foi verificado juntamente com a PA (antes, durante e depois do treinamento).
Figura
1 - Representação do
desenho do estudo.
Avaliação
da modulação autonômica
A
avaliação da modulação autonômica cardiovascular foi realizada através da
análise da VFC tanto no domínio do tempo como no domínio da frequência.
Todos
os sujeitos foram orientados a não ingerirem chá, café, bebidas coladas e/ou
achocolatadas por período mínimo de duas horas, anterior ao início da
avaliação, além de não realizarem exercício físico por período de vinte e
quatro horas antes do teste. Antes da realização dos registros, os indivíduos
permaneceram em repouso por um período de dez minutos. Os registros foram
realizados com os sujeitos sentados, por período de vinte e cinco minutos, dez
minutos pré-treinamento, cinco minutos durante o
treinamento e dez minutos após a sessão de treinamento.
O
registro da FC foi realizado através de frequencímetro (Polar Precision Performance® – modelo S – 810 / Oulu – Kempele – Finlândia) [24]. A fixação da faixa elástica foi
realizada após assepsia da região, além de umidificação (com utilização de
água) para melhor captação do sinal. Para a realização da análise espectral da
VFC, as séries temporais dos intervalos R-R foram submetidas à Transformada
Rápida de Fourier através do software Kubios HRV 2.0
(Kupio – Savonia do Norte –
Finlândia)23
A
potência espectral foi calculada por integração da função da densidade
espectral de potência para as bandas de alta frequência (HF: 0,15 – 0,40 Hz) e
baixa frequência (LF: 0,04 – 0,15 Hz), além do cálculo do balanço autonômico
(LF/HF) [23].
A
análise da VFC no domínio do tempo foi determinada a partir dos registros R-R.
Foram considerados os intervalos R-R normais sucessivos, abandonando flutuações
súbitas superiores a 25% do intervalo precedente, em uma tentativa de abolir
fenômenos de extra-sístoles, obtivemos os resultados referentes às variáveis:
média de todos os intervalos RR normais (RR), desvio-padrão de todos os
intervalos RR normais (SDNN) e a raiz quadrada das diferenças sucessivas entre
intervalos RR normais adjacentes ao quadrado (rMSSD).
Análise
estatística
O
tamanho apropriado da amostra foi calculado ajustando-se o poder do teste
estatístico para 0,8 e o erro alfa para 0,05 sendo encontrado um “n” de 30 sujeitos.
Os dados obtidos foram tabulados e organizados em planilha de cálculos. Para
análise dos resultados e confecção dos gráficos foram utilizados os programas SigmaStat 3.1 (JandelScientific,
San Rafael, CA, USA) e SigmaPlot 9.01 (JandelScientific, San Rafael, CA, USA), respectivamente.
Para
caracterização da distribuição dos dados foram aplicados os testes de Kolmogorov-Smirnov com correção de Lilliefors.
As variáveis foram expressas como média ± desvio padrão. Para comparação entre
os valores previstos e obtidos para a PImáx,
foi utilizado o teste t pareado e para comparação entre os períodos pré treinamento, sessão de TMI e pós treinamento
utilizou-se ANOVA de uma entrada (one-way). Para
todas as situações foi adotado como significância quando o P < 0,05.
Foram
recrutados 21 indivíduos, sendo 4 excluídos, e permanecendo 17 sujeitos no
estudo, conforme apresentado na figura 2.
Figura
2 - Distribuição da
amostra e seus motivos de exclusão. IMC – índice de massa corporal
Dos
sujeitos que permaneceram no estudo, 13 (77%) pertencem ao sexo feminino. As
características demográficas dos componentes da amostra encontram-se descritas
na tabela I.
Tabela
I - Características
demográficas dos componentes da amostra
IMC
= índice de massa corporal; PAS = pressão arterial sistólica; PAD = pressão
arterial diastólica; FC = frequência cardíaca
Os
participantes do estudo apresentavam além de valores de variáveis hemodinâmicas
em repouso dentro da normalizada, variáveis referentes à VFC dentro dos
parâmetros que são considerados normais para a população brasileira, conforme
apresentado na tabela II.
Tabela
II - Variabilidade
da frequência cardíaca no domínio do tempo e da frequência dos componentes da
amostra em repouso
iRR = intervalo de
batimentos normais de RR; SDNN = desvio padrão de todos os intervalos RR
normais gravados em um intervalo de tempo; rMSSD = é
a raiz quadrada da média do quadrado das diferenças entre intervalos RR normais
adjacentes, em um intervalo de tempo; HF
= do inglês high frequency; LF = do inglês low frequency
A
PImáx obtida pelos sujeitos foi de 84,6 ±
29,0, cabendo ressaltar que houve diferença significativa quando comparada com PImáx prevista como pode ser observado na figura
3. A realização da sessão de TMI com carga equivalente a 50% foi na média 44,2
cmH2O.
*significância
estatística P < 0,05
Figura
3 - Comparação entre
valores obtidos e previsto para a pressão inspiratória máxima (PImáx). Valores apresentados em média ±
desvio-padrão (N = 17)
Durante
a realização do TMI pode-se observar que ocorreram alterações nas variáveis
cardiovasculares e na sensação subjetiva de esforço, como pode ser verificado
na figura 4. Os indivíduos atingiram em média 46% da FC máxima prevista através
da fórmula 220 – Idade, equivalente a 89 bpm.
Também
foram observadas alterações em índices da VFC tanto no domínio do tempo como no
domínio da frequência como apresentado na figura 5.
FC
= frequência cardíaca; PAS = pressão arterial sistólica; PAD = pressão arterial
diastólica; PAM = pressão arterial média; DP = duplo-produto. * P < 0,05 Pré TMI vs TMI; # P < 0,05 TMI
vs Pós TMI; ** P < 0,05 Pré
TMI vs Pós TMI
Figura
4 - Análise da
variabilidade da frequência cardíaca durante realização de treinamento muscular
inspiratório (TMI) com 50% da pressão inspiratória máxima
iRR = intervalo de batimentos normais de RR; SDNN
= desvio padrão de todos os intervalos RR normais gravados em um intervalo de
tempo; rMSSD = raiz quadrada da média do quadrado das
diferenças entre intervalos RR normais adjacentes, em um intervalo de
tempo; HF = do inglês high frequency; LF = do inglês lowfrequency.
* P < 0,05 Pré TMI vs
TMI; # P < 0,05 TMI vs Pós TMI
Figura
5 - Respostas cardiovasculares
agudas e sensação subjetiva de esforço durante realização de treinamento
muscular inspiratório (TMI) com de 50% da pressão inspiratória máxima
A
literatura científica é bastante elucidativa no que diz respeito ao
conhecimento dos benefícios do treinamento aplicado à musculatura inspiratória,
mesmo utilizando diferentes cargas, intensidades, tempo de treinamento, além de
diferentes populações [10,15,16,20]. O que acrescenta caráter inovador a este
trabalho é o fato de verificar os efeitos cardiovasculares agudos do TMI e sua
repercussão sobre a VFC em indivíduos saudáveis em apenas uma sessão, trazendo
a perspectiva de demonstrar que existe segurança quanto à realização da
técnica, tendo em vista o comportamento da hemodinâmica.
Com
relação às características demográficas, a amostra deste estudo foi composta
por indivíduos jovens com média de idade dos 26 anos, além de serem saudáveis.
No estudo de Plentz et al. [19], que
apresentava objetivos similares aos nossos, foram recrutados dezenove
indivíduos na faixa etária de idade de 18 a 35 anos, apresentando média de 25
anos, porém, os autores utilizaram como um dos critérios de exclusão o
sedentarismo. Em nosso estudo não utilizamos o nível de atividade física como
critério para incluir ou excluir sujeitos, tal fato pode ter influenciado os
resultados, porém trata-se de um estudo piloto onde essas análises preliminares
necessitam ser discutidas para ajustes, em especial metodológicos.
Quanto
aos resultados encontrados na comparação entre a PImáx
prevista e obtida, nossos achados são similares aos de Plentz
et al. [19], que também verificaram diferença em sua amostra entre
valores previstos e obtidos (116 cmH2O vs
101,2 cmH2O respectivamente). Tal fato poderia suscitar a discussão
sobre as equações utilizadas para mensuração dos valores previstos, porém esse
não foi o desfecho de ambos os estudos, cabendo ressaltar que a PImáx prevista não foi utilizada para ajuste de
carga, servido apenas para verificar se os sujeitos apresentavam força muscular
respiratória preservada.
Sobre
a análise das variáveis hemodinâmicas verificamos em nossos achados que, houve
aumento da FC, PAS, PAD, PAM e DP quando comparados os períodos pré TMI para o TMI com carga de 50% da PImáx.
Torna-se difícil a comparação com outros estudos, uma vez que pouco se discutiu
na literatura os efeitos cardiovasculares agudos oriundos do TMI. Porém nossos
resultados são similares aos efeitos cardiovasculares agudos do exercício, seja
para o treinamento aeróbico ou resistido [1].
Na
tentativa de estabelecer um paralelo entre o exercício resistido e o TMI,
considera-se como fatores fundamentais para sua execução a carga imposta, uma
vez que as respostas hemodinâmicas serão determinadas pelo tipo de contração
exercida (dinâmica ou isométrica). Sendo assim, em exercícios com cargas
consideradas leves observa-se aumento da FC, PAS, volume sistólico e DC. Quando
são utilizadas cargas mais elevadas, observa-se também aumento da PAD25. Em
nosso estudo, o TMI foi executado com 50% da PImáx,
caracterizando-se uma carga moderada porém com efeitos fisiológicos semelhantes
aos exercícios com cargas mais elevadas.
Cabe
ressaltar que 50% da PImáx aproxima-se
muito mais de uma carga elevada para realização do TMI e que como efeito
crônico em alguns estudos já alcançaram resultados expressivos como redução da
sensação subjetiva de esforço em exercícios de alta intensidade26. Em outros
estudos os resultados dos efeitos do treinamento não foram verificados, sendo
os desfechos VO2pico e concentração de lactato [21]. Em nenhum
desses estudos foram descritas as respostas cardiovasculares agudas.
Partindo
do pressuposto que a carga é uma das variáveis de interesse, porém, não a
única, vale destacar o tempo de exercício. Em nosso estudo o tempo de TMI foi
fixado em 5 minutos. Muitos estudos que objetivaram investigar efeitos crônicos
do TMI em indivíduos sadios utilizaram tempo superior ao nosso, como por
exemplo, Sonetti et al. [20] que utilizaram 30
minutos, e Williams et al. [27] que utilizaram 25 minutos. Nosso tempo
foi estipulado em cinco minutos, por considerarmos ser suficiente para a
demonstração dos efeitos cardiovasculares agudos, tendo em vista a carga
utilizada.
Outra
variável importante a ser mencionada é o número de repetições. No estudo de Plentz et al. [19], o tempo total do TMI foi de
quinze minutos, realizado com trinta incursões respiratórias, além de 30
segundos de recuperação em cada ciclo. Em nosso estudo não determinamos o
número de incursões respiratórias, tal fato pode ter influenciado as respostas
cardiovasculares, em especial na modulação autonômica.
Outro
aspecto analisado foi a sensação subjetiva de esforço, avaliada através da escala
descrita por Borg. Nossos resultados demonstram um aumento do pré TMI para o TMI, porém no período de recuperação (pós
TMI) a sensação subjetiva de esforço manteve-se elevada. Não localizamos nenhum
estudo na literatura que tenha descrito efeitos agudos do TMI na sensação
subjetiva de esforço. Tradicionalmente a percepção de esforço corresponde à
intensidade de exercício e guarda íntima relação com a FC, em especial em
indivíduos sadios [28]. Porém, em exercícios de carga constante, a sensação
subjetiva de esforço pode se elevar, mesmo sem aumento de intensidade [29].
Acreditamos que a sensação subjetiva de esforço possa não ter retornado aos
valores basais após a realização do TMI, em razão do desencadeamento do metaborreflexo inspiratório que discutiremos mais adiante.
Analisando
o resultado obtido em nosso estudo quanto a VFC no domínio do tempo, foi
observada uma redução no intervalo RR durante a realização do TMI, e tal fato
se justifica pelo aumento da FC durante a utilização da carga imposta à musculatura
inspiratória. Esses resultados são semelhantes aos obtidos por Plentz et al. [19], no qual indivíduos saudáveis
sedentários realizaram TMI com carga de 60% da PImáx
e foi observada uma redução significativa no intervalo RR quando comparados os
períodos basal (890 ms) e TMI (827 ms). O mesmo sendo observado para o rMSSD
basal (56 ms) em relação ao TMI (51 ms).
Um
dos resultados que chama atenção no estudo foi à elevação do componente
simpático representado pelo LF e a queda do componente parassimpático
representado pelo HF ambos registrados através da VFC no domínio da frequência,
no período pós TMI. Algumas hipóteses podem ser aventadas para justificar tal
fato. A primeira delas diz respeito à sobrecarga imposta aos músculos
inspiratórios durante o TMI, que podem estar associadas no momento da
interrupção do esforço a alterações no retorno venoso e principalmente por
alteração na FR e também no volume corrente, o que pode ter gerado modificações
na arritmia sinusal respiratória, desencadeado as alterações observadas na
modulação autonômica cardiovascular.
Em
função da grande interação entre a respiração e o sistema cardiovascular, onde
os movimentos inspiratórios e expiratórios estão associados ao aumento e
diminuição da FC sendo esses efeitos descritos por Clynes
em 1960 como o processo da respiração acompanhado de resposta denominada
bifásica da FC30, sendo este fenômeno denominado Arritmia Sinusal Respiratória
(ASR) [31].
Isso
significa que, tanto no processo de inspiração quanto no de expiração, em um
primeiro momento encontraremos elevação da FC, seguida de uma redução da mesma,
diferindo as duas fases do ciclo respiratório apenas quanto ao tempo de
aparecimento dos maiores e menores valores de FC. Uma das justificativas
fisiológicas para as alterações da FC oriundas do processo de inspiração e
expiração, seriam as alterações cíclicas da pressão intra-torácica
que ocorrem durante a ventilação pulmonar, o que provoca flutuação do retorno
venoso para o lado direito do coração, atuando diretamente sobre o nódulo
sinusal ao modificar o grau de estiramento da parede do átrio direito [32].
Acreditamos
que em nosso estudo, após a liberação da carga imposta pelo TMI, os sujeitos
possam ter aumentado, mesmo que discretamente a FR assim com o volume corrente.
A
segunda hipótese, porém, não menos importante diz respeito ao reflexo mediado
pelo acúmulo de metabólitos na musculatura inspiratória, também denominado metaborreflexo inspiratório10,33. Estudos experimentais de
indução do metaborreflexo inspiratório através de
esforço inspiratório, que os autores denominaram como intenso (60% da PImáx) e sustentado ficou evidenciado que a
fadiga muscular inspiratória aumenta a atividade nervosa simpática muscular
[33] e reduz o fluxo sanguíneo do membro inferior em repouso [34,35], em
virtude da vasoconstrição adrenérgica. Hill [36] descreve que essa resposta
pode ser desencadeada em função da estimulação metabólica de pequenas fibras
aferentes dos tipos III e IV advindas da musculatura respiratória, em especial
o diafragma.
Neste
estudo não avaliamos a atividade barorreflexa, embora esteja bem estabelecida
que a sensibilidade barorreflexa quanto à quimiorreflexa
estejam envolvidas na modulação simpática. Poderíamos supor então, que além da
redução da atividade simpática durante o TMI, também haveria algum efeito
positivo na sensibilidade barorreflexa e quimiorreflexa.
Até
o presente momento nossos resultados são preliminares e não nos permitem
discutir mais profundamente, além das inferências aqui realizadas, porém algumas
limitações foram identificadas e merecem ser destacadas, apesar de
considerarmos que utilizamos o rigor metodológico necessário para a realização
da coleta dos dados, são elas: 1) O pequeno número de sujeitos, porém trata-se
de um estudo piloto; 2) utilização de uma amostra com diferentes níveis de
atividade física dos participantes; 3) ausência de controle da FR; 4) a não
avaliação da atividade metaborreflexa sob influência
do sistema nervoso simpático.
Por
tratar-se de um estudo que nosso grupo de pesquisa encara como promissor e que
deva ter continuidade, os delineamentos futuros são: 1) aumentar o número de
sujeitos; 2) utilizar os resultados preliminares para realização de adequado
cálculo amostral para sequência do estudo; 3) calcular o tamanho do efeito do
TMI sobre as respostas cardiovasculares, através dos cálculos do “d” de Cohen
e/ou eta quadrado (η²);
4) equacionar dentro das possibilidades as limitações evidenciadas através
deste piloto.
Concluímos
que uma sessão de TMI com 50% da PImáx é
capaz de promover importantes incrementos nas variáveis cardiovasculares com
elevação de pressão arterial e frequência cardíaca e sensação subjetiva de
esforço, além de redução da atividade parassimpática. Sugerimos que novos
estudos sejam realizados para que as questões levantadas nesse estudo piloto
possam ser esclarecidas.