ARTIGO ORIGINAL
Disfunção sexual em jovens universitárias: prevalência e
fatores associados
Sexual dysfunction in young graduation students: prevalence and risk
factors
Gustavo Fernando
Sutter Latorre, M.Sc.*, Priscila Aparecida Bilck**, Andreia Pelegrini***, Joana
Moreira dos Santos****, Fabiana Flores Sperandio*****
*Universidade do Estado de Santa Catarina,
Florianópolis/SC, **Graduanda do curso de fisioterapia da Universidade do
Estado de Santa Catarina, Florianópolis/SC, ***Docente de graduação e
pós-graduação do curso de Educação Física da Universidade do Estado de Santa
Catarina, Florianópolis/SC, ****Docente de graduação da Faculdade Anhanguera,
São José/SC, *****Docente de graduação e pós-graduação do curso de Fisioterapia
e Mestrado em Fisioterapia da Universidade do Estado de Santa Catarina,
Florianópolis/SC - Trabalho realizado no Grupo de Estudos em Saúde da Mulher do
Centro de Ciências da Saúde e do Desporto da Universidade do Estado de Santa
Catarina (UDESC), Florianópolis/SC
Recebido em 30 de
junho de 2014; aceito em 18 de novembro de 2015.
Endereço para correspondência: Gustavo Fernando
Sutter Latorre, Rua Olinda Rosa da Conceição, 664, 88058-336, Florianópolis SC,
E-mail: gustavo@perineo.net, priscilabilck@gmail.com, andreia.pelegrini@udesc.br,
joana@perineo.net, fabiana.sperandio@udesc.br
Resumo
Objetivo: Estudar a prevalência de disfunção sexual e
fatores de risco associado em universitárias jovens do sul brasileiro. Métodos: A função sexual de estudantes
de fisioterapia de três cidades foi avaliada por meio do Female Sexual Function
Index (FSFI). A associação entre a disfunção sexual (DS) em cada domínio e
variáveis sociodemográficas foi verificada pelo teste qui-quadrado ou Exato de
Fisher. Regressões logísticas binárias, bruta e ajustada, examinaram as
associações. Resultados: Foram
incluídas 244 estudantes, média etária 23 ± 6 anos, heterossexual (93,9%),
solteira (68,9%), nuligesta (79,5%), usuária de anticoncepcional hormonal
(75%), vivendo com mais três a cinco pessoas (64,6%), renda conjunta de R$
3.600,00 a R$ 5.500,00 (26,4%), sendo 13,1 mães e 10% gestantes. Média etária
dos parceiros 25,9 ± 6 anos, a maioria (58,2%) com nível superior de
escolaridade, média etária do relacionamento atual 3,9 ± 3 anos. A prevalência
total de DS foi de 25%, mas 90% das não afetadas apresentaram ao menos um
domínio do FSFI afetado. Para as 244 voluntárias os domínios mais afetados
foram lubrificação (61,7%), dor (58,8%), desejo (57,6%), orgasmo (54,3%),
excitação (50,6%) e satisfação (31,7%). União estável, idade do parceiro (p =
0,01) e da mulher (p = 0,00) estiveram associadas à DS. A DS da excitação e
lubrificação esteve associada à renda (p = 0,01). DS do orgasmo foi associada à
união estável (p = 0,01), idade da mulher (p = 0,03) e do parceiro (p = 0,01) e
do relacionamento (p = 0,04) e o uso de anticoncepcionais hormonais (p = 0,04).
A DS da satisfação foi associada à união estável (p = 0,00), idade da mulher (p
= 0,03), relacionamentos recentes (p = 0,00) e a gestação (p = 0,00). Dor
sexual foi associada ao maior número de pessoas vivendo na mesma casa (p =
0,00). Conclusão: A DS feminina é
prevalente em jovens universitárias no sul do país, sendo o problema associado
ao estado civil, idades mais jovens da mulher e do parceiro, relacionamentos
recentes, falta de privacidade, anticoncepcionais hormonais, gestação.
Palavras-chave: disfunção sexual feminina, prevalência,
fatores de risco, universitárias.
Abstract
Purpose: To study the prevalence of sexual dysfunction and associated risk
factors in young graduation students in southern Brazil. Methods: The sexual function of physical therapy students from
three different cities was evaluated by the Female Sexual Function Index
(FSFI). Association between sexual dysfunction (SD) in each domain and
sociodemographic data was tested by chi-square test or Fisher’s exact. Binary
logistic regressions examined the associations. Results: 244 students were included, mean age 23 ± 6 years old,
heterosexual (93.9%), single (68.9%), nuligesta (79.5%), users of hormonal
contraceptives (75%), living with three to five people (64.6%), income between
R$ 3,600.00 to R$ 5,500.00 (26.4%), 13.1% mothers and 10% pregnant. Mean age of
partner 25.9 ± 6 years old, mainly (58.2%) with higher level of education.
Average age of the current relationship was 3.9 ± 3 years. Total prevalence of
SD was 25%, but 90% of unaffected women showed at least one domain of FSFI
affected. For 244 volunteers the most affected domains were lubrication
(61.7%), pain (58.8%), desire (57.6%), orgasm (54.3%), arousal (50.6%) and
satisfaction (31.7%). Stable union, partner's age (p = 0.01) and women (p =
0.00) were associated with DS. The arousal and lubrication SD were associated
with income (p = 0.01). Orgasm SD was associated with stable union (p = 0.01),
woman's (p = 0.03) and partner’s (p = 0.01) age, recent relationship (p =
0.04), use of hormonal contraceptives (p = 0.04). Satisfaction SD was
associated with stable union (p = 0.00), woman’s age (p = 0.03), recent
relationship (p = 0.00) and pregnancy (p = 0.00). Sexual pain was associated
with high number of people living in the same household (p = 0.00). Conclusion: SD is prevalent in female
graduation students in southern Brazil, and the problem is associated with
marital status, young age of woman and partner, recent relationships, lack of
privacy, hormonal contraceptives and pregnancy.
Key-words: female sexual dysfunction, prevalence, risk factors, graduation
students.
As
disfunções sexuais (DS), definidas como a incapacidade de participar do ato
sexual como desejado [1], são consideradas um problema de saúde pública [2].
Caracterizada por disfunções nas fases de desejo, excitação e orgasmo, ou pela
presença de dor relacionada à relação sexual [3], a DS é também frequente em
amostras jovens [4,5].
Considerada
problema prevalente por acometer 40-45% das mulheres em todo o mundo, a
disfunção no domínio desejo tem sido descrita como a mais frequente, além de
relacionada ao aumento da idade. Já as disfunções da excitação e da
lubrificação acometem de 8-15% das mulheres, podendo alcançar de 21-28%
dependendo da população em questão. A disfunção no domínio orgasmo pode chegar
a 25%, mas até 80% das mulheres podem reportar algum grau de problema neste
domínio [6,7]. A prevalência de dor sexual feminina orbita os 20-45% [6,8],
podendo ultrapassar os 67,8% [9] dependendo das características da população.
No Brasil a prevalência de DS feminina oscila de 38,1% [10], dependendo do
domínio estudado, até 63% [11], em função das propriedades sociodemográficas da
população.
O
interesse científico no tema, alavancado pelo interesse popular, vem crescendo
nos últimos tempos [3], contudo ainda não há consenso a respeito da
epidemiologia da DS. Enquanto alguns autores descrevem o problema como
prevalente nas faixas etárias mais jovens [2,12], outros apresentam frequência
maior nos estratos superiores [13,15], havendo assim a necessidade de novos
estudos epidemiológicos [6].
Considerando
a necessidade do conhecimento das prevalências de DS em populações de contextos
sociais particulares, como grupos socioeconômicos, profissionais ou etários
específicos, o presente estudo descreveu a prevalência de disfunção sexual
feminina em universitárias do sul brasileiro, no estado de Santa Catarina.
Foi
realizado estudo descritivo transversal, com amostra conveniente, no período
compreendido entre outubro de 2012 e maio de 2013, em cursos de fisioterapia da
Grande Florianópolis, região que compreende, além da capital, os municípios de
São José, Palhoça e Biguaçú. A pesquisa foi aprovada pelo Comitê de Ética em
Pesquisa Científica da Universidade do Estado de Santa Catarina (Parecer nº
204/2011).
Após
convite realizado no intervalo das aulas, as voluntárias assinaram o Termo de
Consentimento Livre e Esclarecido, e responderam a um questionário composto
pelas questões do Female Sexual Function Index (FSFI) previamente validado para
o Brasil [16] além de questões de cunho sociodemográfico. Para a predição de
disfunção sexual foi utilizado o valor de corte de 26,55 para o escore total do
FSFI, além dos escores de corte específicos para cada um dos seis domínios do
instrumento [13].
O
cálculo amostral para um nível de confiança de 95%, considerando um erro
amostral de 5%, foi estimado para uma população de 650 acadêmicas de acordo com
dados fornecidos pelas universidades arroladas e, considerando uma prevalência
máxima de DS de 49% [15], revelou a necessidade de uma amostra de 242 mulheres
[17]. Foram incluídas acadêmicas de fisioterapia sexualmente ativas e maiores
de 18 anos. Foram excluídas aquelas que não responderam três ou mais questões
por domínio.
A
partir do questionário sociodemográfico foram controladas as variáveis: idade,
orientação sexual, estado civil, idade do parceiro, escolaridade do parceiro,
idade conjugal, número de filhos, gestações, estado gestacional, partos
vaginais, partos cesáreos, número de pessoas com que vive sob o mesmo teto,
renda mensal conjunta, uso de anticoncepcionais, reposição hormonal,
antidepressivo, esteroides anabolizantes e drogas ilícitas.
O
cálculo dos escores do FSFI a partir de algoritmo específico [18] foi realizado
com o auxílio do SPSS v.20, licenciado para Universidade do Estado de Santa
Catarina (UDESC). O teste de Kolmogorov-Smirnov revelou que as variáveis não
apresentaram distribuição normal.
Os
dados foram tratados por estatística descritiva (média, desvio padrão e
distribuição de frequência) e inferencial. As associações entre a DS e as
demais variáveis foram verificadas por meio do teste qui-quadrado ou Exato de
Fisher.
Regressões
logísticas binárias, bruta e ajustada, foram empregadas para examinar as
associações entre os desfechos com as variáveis exploratórias, estimando-se as
razões de chance e os intervalos de confiança. Todas as variáveis investigadas
foram introduzidas ao mesmo tempo no modelo de regressão multivariável,
independentemente do valor de significância p alcançado da análise bruta.
Das
estudantes convidadas responderam aos questionários um total de 273 mulheres.
Destas, 29 foram excluídas do estudo por se caracterizarem como sexualmente
inativas nas últimas quatro semanas ou por não responderem a mais de três
questões por domínio. A média etária foi 23 ± 4,5 anos, sendo a maioria
heterossexual (93,9%), solteira (68,9%), nuligesta (79,5%), usuária de
anticoncepcional hormonal (75%), vivendo com mais três a cinco pessoas (64,6%)
e com renda conjunta compreendida entre R$ 3.600,00 a R$ 5.500,00 (26,4%). A
média etária dos parceiros foi 25,9 ± 6 anos e a maioria (58,2%) apresentou
nível superior de escolaridade. O tempo médio de convivência com o atual
parceiro foi 3,9 ± 3 anos. Dentre as 32 (13,1%) voluntárias com ao menos um
filho 19 (7,8%) realizaram parto cesáreo contra 10 (4,1%) de partos vaginais.
Cinco delas estavam no primeiro trimestre gestacional e outras cinco no
segundo.
O
escore total médio do FSFI entre as acadêmicas foi 28,59 ± 4, sendo a
prevalência geral de DS 25%. Para as 61 voluntárias cujos escores totais
estiveram abaixo de 26,55, o grau de afecção para cada domínio foi de 96,7%
(orgasmo), 93,3% (excitação), 90% (lubrificação), 88,3% (dor), 83,3% (desejo) e
73,3% (satisfação).
Contudo,
mesmo as 183 mulheres que obtiveram escores totais acima do valor preditivo de
DS apresentaram ao menos um domínio específico negativamente afetado. A maioria
delas (90,1%) apresentou ao menos um domínio com escore preditivo de disfunção
específica, sendo lubrificação o mais afetado (52,5%), seguido pelos domínios
dor (49,2%), desejo (49,2%), orgasmo (40,4%), excitação (36,6%) e satisfação
(18%). Apenas 18 voluntárias (6,6%) apresentaram todos os domínios dentro dos
valores de normalidade.
Para
o conjunto total das voluntárias, tanto aquelas cujos escores totais foram ou
não compatíveis com o diagnóstico de DS, o domínio mais afetado foi o de
lubrificação (61,7%), seguido pelos domínios dor (58,8%), desejo (57,6%),
orgasmo (54,3%), excitação (50,6%) e satisfação (31,7%).
Fatores de risco associados à disfunção sexual
A
análise bruta dos escores preditivos de disfunção sexual com as variáveis
sociodemográficas revelou a associação da DS com a idade da mulher, do parceiro
e do relacionamento. No entanto após o ajuste com as demais variáveis apenas as
idades da mulher e do parceiro mantiveram a associação, e o regime de união
estável alcançou significância. Deste modo, mulheres mais jovens apresentaram
quase o dobro de chances de estarem afetadas quando comparadas aquelas com 21
anos ou mais (p = 0,00). Parceiros do estrato 21 a 25 anos incrementaram em
cerca de um terço (p = 0,01) as chances de disfunção em suas parceiras.
Relacionamentos com menos de um ano refletiram num aumento de 1,7 vezes na
chance de DS (p = 0,01), enquanto o regime de união estável foi relacionado ao
aumento em 7,3 vezes nas chances de afecção quando comparado ao estado de
divorciada (p = 0,01).
As
demais variáveis sociodemográficas não alcançaram suficiente significância
estatística para a inferência de associação à disfunção sexual, todavia houve
uma tendência quanto à relação do problema ao uso de medicamento antidepressivo
(p = 0,19).
Disfunção do desejo sexual
Na
análise bruta foi verificada associação entre a disfunção do desejo sexual com
o estado gestacional. Quando esta análise foi ajustada por todas as variáveis
independentes o estar grávida deixou de se associar ao desfecho. Houve ainda
uma tendência de a orientação homossexual se revelar protetora sobre este
domínio (p = 0,07), ao contrário do uso de antidepressivos (p = 0,13) e drogas
ilícitas (p = 0,08) que tenderam ao risco de DS, todas, no entanto, sem
alcançar significância estatística.
Disfunção da excitação sexual
Foi
observado na análise bruta que as variáveis estado civil, estado gestacional e
renda estiveram associadas à disfunção da excitação sexual. Quando a análise
foi ajustada por todas as variáveis, apenas a variável renda permaneceu
associada, revelando que as mulheres com renda entre R$ 2.100 a R$ 3.500
apresentaram 80% mais chance desta disfunção quando comparadas aquelas com
renda inferior, de R$ 1.300 a R$ 2.000. Houve ainda uma tendência de associação
entre a DS da excitação e o uso de drogas ilícitas (p = 0,08) e a idades mais
jovens (p = 0,07).
Disfunção da lubrificação
Para
o domínio lubrificação, a análise bruta revelou que a renda mensal e
relacionamento estiveram associados à disfunção. No entanto, após o ajuste com
as demais variáveis, apenas a renda mensal manteve a significância, mostrando
que as mulheres do estrato econômico de R$ 3.600 a R$ 5.500 apresentaram 1,4
vezes maior chance de disfunção (p = 0,01) quando comparadas as pares do
estrato de menor prevalência do problema, de renda entre R$ 2.100 a R$ 3.500.
Mulheres
submetidas ao parto cesáreo e ao uso de anticoncepcionais hormonais orais,
injetáveis, intradérmicos ou vaginais, quando comparado ao uso de preservativo
e DIU, tenderam à associação (p = 0,08).
Disfunção do orgasmo
Já
a análise bruta do domínio orgasmo revelou associação desta DS específica com
as idades da mulher, do parceiro e do relacionamento, o uso de
anticoncepcionais hormonais, o número de pessoas vivendo na mesma casa, o
estado gestacional e a reposição hormonal. Contudo apenas a idade da mulher, do
parceiro, do relacionamento e o uso de anticoncepcionais hormonais mantiveram a
associação após o ajuste com as demais variáveis, enquanto o regime de união
estável alcançou significância (p = 0,01).
Assim,
a união estável foi associada ao aumento de 2,7 vezes nas chances do problema
quando comparado às divorciadas. Mulheres contidas no estrato etário entre 26 e
30 anos apresentaram quase o dobro de chances de apresentar DS do orgasmo (p =
0,03) quando comparadas às pares do estrato de referência, 31 anos ou mais,
cuja prevalência do problema foi de 35%. Parceiros mais jovens, de 18 a 20
anos, incrementaram em 1,3 vezes as chances de DS orgástica em suas parceiras
quando comparados a parceiros com 21 anos ou mais (p = 0,01). Mulheres com
menos de um ano de relacionamento apresentaram 1,1 mais chances de afecção (p =
0,04) quando comparadas àquelas em relacionamentos mais antigos. O uso de
anticoncepcionais hormonais aumentou em mais de 1,5 vezes o risco de afecção (p
= 0,04). Tenderam à associação mulheres que sofreram partos cesáreos (p = 0,09)
e a utilização de drogas ilícitas (p = 0,08).
Disfunção da satisfação
Para
este domínio apresentaram associação tanto na análise bruta quanto na ajustada
o estado de união estável (p = 0,00), representando aumento de 6,5 vezes na
chance maior de disfunção quando comparado ao estado de divorciada, no qual a
frequência do problema foi a menor (10,5%). Mulheres casadas apresentaram uma
prevalência de 26,7% de DS da satisfação, contra 77,8% daquelas sob o regime de
união estável. Novamente os(as) parceiros(as) mais jovens, de 18 a 20 anos,
aumentaram em 1,8 vezes (p = 0,03) o risco de DS em suas parceiras. Da mesma
forma, relacionamentos mais recentes, com menos de um ano, foram associados (p
= 0,00) ao incremento de 1,7 vezes no risco de disfunção da satisfação. O
estado gestacional também esteve fortemente associado à insatisfação sexual (p
= 0,00). Gestantes apresentaram um risco mais de três vezes maior de afecção.
Houve tendência na associação do uso de anticoncepcionais hormonais com a disfunção
(p = 0,15).
Disfunção sexual dolorosa
A
análise bruta do domínio relacionado à dor sexual revelou a associação do
problema com o número de pessoas vivendo sob o mesmo teto e o uso de
anticoncepcionais hormonais, porém apenas a primeira variável manteve a
significância após o ajuste. Assim, mulheres convivendo com duas ou mais
pessoas apresentaram 1,5 vezes mais chance de apresentar o problema (p = 0,00)
quando comparadas aquelas que viviam sozinhas ou com o parceiro.
O
presente estudo revelou uma prevalência geral de 25% de disfunção sexual em
universitárias de fisioterapia. Praticamente todas as afetadas apresentaram
disfunção nos domínios orgasmo e excitação, e a grande maioria esteve afetada
também nos domínios lubrificação, dor, desejo e satisfação. No entanto mais de
90% das mulheres que obtiveram escores totais preditivos de boa função sexual
apresentaram ao menos um domínio específico cujo escore esteve abaixo do
funcional. Apenas 6,6% das estudantes apresentaram escores dentro dos padrões
de normalidade para todos os domínios. No geral os domínios mais afetados para
todas as mulheres foram, respectivamente, lubrificação, dor, desejo, orgasmo,
excitação e satisfação.
A
maioria das estudantes (98%) esteve compreendida na faixa etária de 18 a 35
anos. A disfunção sexual feminina é problema prevalente nas mais diversas
populações, inclusive nas mais jovens. Na Alemanha, Wallwiener et al. [12] descreveram, a partir do
FSFI, uma prevalência de 32,4% de DS entre estudantes de medicina em que a
faixa etária de 18 a 35 anos abarcou 99% da amostra. Considerando a forte
colonização europeia característica do sul brasileiro e o contexto social
semelhante das estudantes de fisioterapia e medicina, nota-se que, quanto à
prevalência neste tipo de população, os resultados de ambos os estudos se
corroboram.
A
DS esteve associada fortemente ao fator idade, sendo as mulheres mais jovens,
entre 18 a 20 anos, sujeitas ao dobro de chances da afecção (p = 0,00008).
Houve tendência à associação desta faixa etária com a disfunção do desejo.
Estas observações divergem das definições do painel de experts de 2010 [6],
onde a conclusão foi de que o risco de DS aumenta com a idade, mas aqueles
padrões foram calculados para mulheres de todas as faixas etárias, inclusive no
climatério. Por outro lado nossas observações concordam com efetuadas por
Laumann et al. [2], que estudando
mulheres com idades compreendidas entre 18 e 59 anos apontaram uma prevalência
maior de DS nas mais jovens.
Observamos
ainda que a disfunção orgástica esteve fortemente associada às mulheres do
estrato etário de 26 a 30 anos. Estas apresentaram o dobro de chances de
afecção quando comparadas a mulheres com 31 anos ou mais (p = 0,03). Sendo
assim a distribuição das prevalências de disfunção sexual através dos estratos
etários de mulheres não climatéricas ainda não está clara, e a elucidação desta
questão poderá potencializar a eficiência de estratégias preventivas
específicas para cada grupo etário.
Relacionamentos
mais recentes, com menos de um ano de duração, estiveram fortemente
relacionados a quase o dobro de chances de DS em geral (p = 0,01), bem como
para o domínio satisfação (p = 0,000). Houve uma tendência à associação de
relacionamentos mais recentes com a disfunção no domínio lubrificação. Estas
observações sugerem que variáveis relacionadas ao aumento da intimidade do
casal poderiam, de fato, desempenhar um papel importante na proteção contra a
DS.
A
idade dos parceiros também esteve associada à disfunção. Parceiros com idades
compreendidas na faixa de 18 a 20 anos aumentaram em 1,3 vezes as chances de
disfunção orgástica em suas parceiras. No entanto quando se estudou a disfunção
sexual como um todo, predita pelo escore total do FSFI, foram os parceiros com
idades compreendidas entre 21 a 25 anos que aumentaram em um terço o risco de
DS. Não encontramos explicação para este fenômeno, mas os achados também
indicam falta de clareza na distribuição da DS feminina através dos estratos
etários dos parceiros, para a qual maior estudo se faz mister.
O
estado gestacional esteve fortemente relacionado a disfunções do desejo e
satisfação sexual (p = 0,000). Quanto ao domínio satisfação, o risco de
disfunção para as gestantes foi mais que o triplo. Todas as dez gestantes da
amostra estiveram afetadas no domínio desejo, apresentando risco dobrado de
disfunção do desejo, dados corroborados pelas observações de Leite et al. [19], que descrevem este como o
domínio mais afetado em gestantes do primeiro semestre, quando avaliadas pelo
FSFI. Fenômeno idêntico e de mesma magnitude foi descrito por Erol et al. [20], em seu estudo quase todas
as gestantes (92,2%) apresentaram redução na libido. Os autores demonstraram
que este déficit não foi associado aos hormônios andrógenos, responsáveis pelo
desejo, sendo necessárias outras hipóteses para explicar o fenômeno. É possível
que a explicação resida no quesito comportamental ou emocional, o que abre
espaço para prevenção e terapia nestes sentidos.
O
regime civil de união estável esteve associado ao domínio satisfação, mais do
que sextuplicando o risco da disfunção (p = 0,000). O mesmo regime foi
associado a mais que o dobro de chances de DS no domínio excitação (p = 0,01),
quase o triplo de chances para a disfunção orgástica (p = 0,01) e mais de sete
vezes para a DS como um todo (p = 0,01). O conjunto destas observações leva à
inferência de que, especificamente, este estado civil seja preditivo de DS
feminina em vários domínios.
Vários
fatores podem estar relacionados a esta situação. É possível que, para a
mulher, o significado do estado civil transcenda a esfera social, adquirindo
valor pessoal e emocional importante. Por exemplo, uma situação de união
estável poderia não se apresentar suficiente para um indivíduo, ao ponto de o
desagrado gerado alcançar magnitude suficiente para interferir negativamente na
vida e na função sexual do casal. Burri et
al. [21] concluíram um estudo em gêmeas idênticas, a respeito das
influências do meio sobre a função sexual, mostrando que fatores interpessoais
podem, de fato, impactar a vida da mulher e produzindo efeitos deletérios
tardios sobre a função sexual.
O
uso de anticoncepcionais hormonais, administrador por via oral, injetável,
transdérmica ou intravaginal esteve associado ao aumento em 1,5 vezes nas chances
de disfunção orgástica quando comparadas ao uso de preservativo ou DIU (p =
0,04). Houve uma tendência de associação destas drogas com as disfunções nos
domínios lubrificação, satisfação e dor. Apesar de ser o método contraceptivo
preferido pelas mulheres, o uso de anticoncepcionais hormonais está associado à
disfunção sexual [22]. Ainda, o método é mais comumente empregado por casais em
parceria fixa, as preliminares sexuais tendem a ser negligenciadas, originando
disfunção sexual [23]. Novos estudos do impacto dos anticoncepcionais hormonais
sobre a função sexual feminina considerem a inclusão da satisfação e/ou sucesso
das preliminares sexuais como uma variável de controle.
O
número de pessoas vivendo sobre o mesmo teto foi relacionado
à disfunção sexual
dolorosa (p = 0,000). Mulheres vivendo com três ou mais pessoas
apresentaram
1,5 mais chances de afecção quando comparadas aquelas que
viviam sozinhas ou em
casal. Houve tendência à associação
também com a disfunção orgástica. Leeman
& Rogers [24] atentam ao fato de que boa parte da DS no
pós-parto é
relacionada não apenas a traumas e lacerações, mas
também à necessidade de
recuperação da intimidade do casal. Esta mesma ideia de
falta de privacidade
poderia também explicar o resultado observado de que o maior
número de pessoas
na mesma casa está associado à DS.
Houve
tendência na associação do uso de medicamentos
antidepressivos e a DS como um
todo, predita pelo escore total do FSFI, bem como com a
disfunção no domínio
desejo. O uso da droga é descrito como preditivo de DS,
especialmente do desejo
e excitação, inclusive em mulheres jovens [25]. Outra
tendência observada foi
com relação à associação do uso de
drogas ilícitas e as disfunções nos
domínios
desejo e excitação. A ação conhecida de
algumas destas drogas é a inibição da
atividade parassimpática, justamente a atividade precursora da
resposta sexual
nos estágios iniciais do ato sexual, as fases de desejo,
excitação e platô
[26,27].
Apesar
de a orientação homossexual ter se apresentado protetora quanto a disfunções no
domínio desejo (p = 0,03), a variável orientação sexual não mostrou associações
com a DS em geral nem para os demais domínios.
Apenas
6,6% das 273 voluntárias apresentaram todos os domínios dentro dos padrões de
higidez, de acordo com os escores de corte propostos. Dentre aquelas cujos
escores totais foram superiores a 26,55, metade apresentou problemas
significativos quanto à lubrificação e ao desejo, pouco menos da metade quanto
ao orgasmo, um terço quanto à excitação e um quinto quanto à satisfação. O
total de 90% das voluntárias hígidas apresentou algum domínio com DS, valor
superior aos 49% descrito por Abdo et al.
[15] ao estudarem jovens brasileiras em geral.
Há
diferentes explicações para a observação de que a maioria das mulheres obteve
ao menos um domínio afetado. A supervalorização das respostas para um
determinado domínio é uma delas. No entanto o FSFI é capaz de modular exageros
na medida em que um domínio com baixo escore, isoladamente, é incapaz de
enquadrar a respondente como afetada, se para os outros domínios os escores
forem máximos. Como resultado é possível observar domínios afetados em mulheres
com escores máximos normais.
Todavia
os escores de corte para disfunção em cada domínio do FSFI, desenvolvidos em
2005 [13], tiveram sua sensibilidade calibrada por diagnósticos clínicos de DS.
É possível que a clínica não seja sensível a especificidade de cada domínio e,
neste caso, a disfunção específica de apenas um domínio poderia ser encoberta.
O resultado seria que mulheres potencialmente tratáveis seriam excluídas do
foco de atenção e, neste caso, faz-se necessário o estudo de mulheres hígidas
pelos padrões do escore total do FSFI mas que apresentem domínios afetados.
O
presente estudo forneceu informações específicas a respeito da função sexual de
um grupo de contexto social restrito. Enquanto Abdo et al. [15] descreveram uma prevalência de 49% de disfunção sexual
em algum domínio de brasileiras jovens de diversos contextos sociais, Morais
& Carvalho [11] descreveram 64% de prevalência de disfunção do desejo em
professoras do ensino fundamental e médio, de 19 a 60 anos, sendo 43%
compreendidas na faixa de 30 a 39 anos. No contexto social específico abordado,
a prevalência de DS foi superior. Ainda, a ocorrência mais frequente de
disfunção em apenas um domínio, como observado, sugere a associação entre o
contexto social e graus de disfunção sexual subestimados pelo valor de corte de
26,55 para o escore total do FSFI.
Como
limitações principais o presente estudo apresentou a escassez de parâmetros de
prevalência de DS para o sul brasileiro, a falta de controle da variável
satisfação com as preliminares sexuais. As correlações entre a disfunção sexual
feminina em idades mais tenras, dentro de um contexto social particular,
aliadas às evidências de afecção de domínios específicos da grande maioria das
jovens, apontam a necessidade de atenção a esta faixa etária, e do fomento de
estratégias de prevenção específicas para este público.
A
prevalência de disfunção sexual feminina em acadêmicas de fisioterapia de
universidades da região metropolitana da capital catarinense foi de 25%, sendo
os domínios mais afetados orgasmo, excitação e lubrificação, com prevalência
superior a 88% cada. Apenas 6,6 das mulheres apresentaram todos os domínios
dentro dos padrões de normalidade, e 90% das consideradas hígidas apresentaram
ao menos um domínio com escores de disfunção específica. Houve correlação entre
DS e idades mais jovens para as mulheres e os parceiros, além de associação da
DS específica dos vários domínios com o tempo de conjugalidade, o estado
gestacional, o estado civil, o uso de drogas ilícitas e ao número de pessoas
vivendo na mesma casa. Estes achados sugerem a criação de abordagens
preventivas específicas voltadas ao público de contextos sociais particulares.