REVISÃO
Incontinência
urinária e qualidade de vida: uma revisão sistemática
Urinary incontinence and quality of life: a systematic review
Paola Flores Irber*,
Marielly de Moraes, Ft., M.Sc.**, Letícia Fernandez
Frigo, Ft., M.Sc.***
*Acadêmica
do Curso de Fisioterapia do Centro Universitário Franciscano (UNIFRA), Santa
Maria RS, **Docente da Universidade Feevale, Novo Hamburgo/RS.,***Docente do
Curso de Fisioterapia (UNIFRA)
Recebido em 3 de junho de 2014; aceito em 18 de julho de 2014.
Endereço
pra correspondência:
Paola Flores Irber, Rua dos Andradas, 1633/ 304, 97010033 Santa Maria RS,
E-mail: paolairber@gmail.com, Marielly de Moraes: marielly@feevale.br, Marielly
de Moraes: leticia_frigo@yahoo.com.br
Resumo
Introdução: A incontinência
urinária (IU) é caracterizada pela incapacidade de controlar a micção. Este
problema vem comprometendo a qualidade de vida (QV) dos pacientes, interferindo
na sua saúde física e mental. Objetivo:
Identificar o que vem sendo referido nos artigos científicos sobre IU e QV. Material e métodos: Este estudo
qualifica uma revisão sistemática da literatura com análise descritiva. Foi
realizada uma busca de referências nas bases de dados Scielo, Lilacs, Science
Direct e outros, a partir dos termos Incontinência Urinária e Qualidade de
Vida. Resultados: Os 27 artigos se
apresentam em português, inglês, francês e espanhol e foram publicados de 2008
a 2013. Os periódicos tinham em sua maioria Qualis B3, B5 e A2. A IU prejudicou
a QV de mulheres soropositivas HTLV-I, mulheres de meia idade e idosas,
crianças com doença renal crônica, puérperas e pacientes com esclerose
múltipla. Em homens a IU pós-prostatectomia não teve impacto na QV. Discussão: As diferentes populações
tiveram sua QV afetada pela IU, sobretudo as mulheres de meia idade. O reforço
muscular do assoalho pélvico e os dispositivos intravaginais aumentaram a QV
das pacientes. Conclusão: As
populações com IU mais investigadas em relação à QV foram mulheres de
meia-idade. Ressalta-se assim a importância deste estudo nos trazer um panorama
da QV relacionada à IU e servir para ampliar a dimensão do olhar de
profissionais.
Palavras-chave: incontinência
urinária, qualidade de vida, tratamento.
Abstract
Introduction: Urinary incontinence (UI) is the inability to control urination. This
problem is affecting the quality of life (QOL) of women, interfering in their
physical and mental health. Objective:
To identify what is being referred in studies about the influence of UI on QOL.
Methods: This study was a systematic
review with descriptive analysis. We performed a search in databases Scielo, Lilacs, Science Direct and others, with the words
Urinary Incontinence and Quality of Life. Results:
The 27 articles are presented in Portuguese, English, French and Spanish and
were published from 2008 to 2013. The journals were mostly Qualis
B3, B5 and A2. The UI impaired QOL of HTLV-I seropositive women, women of
middle age and older, children with chronic kidney disease, postpartum patients
and with multiple sclerosis. UI in men after prostatectomy had no impact on
QOL. Discussion: The different
populations had their QOL affected by UI, especially middle-aged women.
Strengthening the pelvic floor muscle and intravaginal devices increased the
QOL of patients. Conclusion:
Populations investigated with more UI in relation to QOL were middle-aged
women. It is emphasized the importance of this study to bring us an overview of
QOL related to IU and to improve the knowledge of professionals.
Key-words: urinary
incontinence, quality of life, treatment.
A incontinência
urinária (IU) é a incapacidade de controlar a micção [1], podendo ser causada
por vários fatores. É uma condição generalizada vivida por cerca de um quarto
das mulheres [2], os problemas de bexiga atualmente são frequentes, e muitas
pessoas com IU consideram uma consequência natural da idade.
A IU pode ser
considerada uma das novas epidemias do século XXI agravada pelo contínuo
aumento da sobrevida, sendo mais frequente nas mulheres. Estudos
epidemiológicos descrevem uma prevalência média de IU de 27,6 % em mulheres, e
10,5% em homens. No Brasil, os estudos populacionais são escassos e utilizam
metodologias distintas, abrangendo em geral grupos específicos, como mulheres
durante a gravidez ou em períodos diferentes após o parto, idosos ou doentes
crônicos, e em pacientes com pós-operatório de prostatectomia total
retropúbica. Calcula-se que existam mais de 13 milhões de mulheres com
diferentes tipos e formas da doença [3,4].
A IU é classificada
em quatro tipos: a incontinência urinária de esforço (IUE), causada pela
deficiência esfincteriana ou pela hipermobilidade da uretra; a incontinência
urinária de urgência (IUU), secundária à instabilidade do músculo detrusor; a
incontinência urinária mista (IUM) associada à urgência e às situações de
aumento da pressão intra-abdominal, ou seja, uma combinação entre os dois tipos
descritos anteriormente; e a incontinência urinária por transbordamento (IUT),
comum em pacientes idosos e debilitados que não percebem o desejo miccional [5].
Vários fatores são
considerados de risco para o desenvolvimento da IU na mulher. Alguns dos
principais incluem: idade, obesidade, paridade, tipos de parto, tabagismo, peso
do recém-nascido, menopausa e cirurgias ginecológicas. Assim, a incontinência urinária
deve ser descrita em conjunto com fatores específicos e relevantes, tais como:
tipo, frequência, gravidade, fatores precipitantes, impacto social, efeitos na
higiene e qualidade de vida, medidas usadas para quantificar a perda e se a
mulher procurou ou não obter ajuda para aliviar os sintomas [6].
O tratamento da IU
pode ser cirúrgico ou conservador, visto que tratamentos cirúrgicos são de alto
custo e que podem ocasionar complicações devido aos seus procedimentos
invasivos, atualmente tem surgido um grande interesse por opções de tratamentos
mais conservadores. Sendo assim, o tratamento fisioterapêutico tem sido
recomendado como uma forma de abordagem inicial dependendo do tipo e da
severidade da IU. Um dos principais objetivos do tratamento fisioterapêutico é
o fortalecimento do assoalho pélvico, sendo realizado com recursos como a
cinesioterapia, dispositivos intravaginais, eletroestimulação, biofeedback,
entre outros [7].
Pacientes com IU
tendem ao isolamento social, apresentando receio de estar em público e ocorrer
alguma perda urinária, o que geralmente também os faz desistir da prática de
exercícios. Suas vidas acabam por depender da disponibilidade de banheiros, com
isso acabam tendo também dificuldades sexuais, alterações do sono e repouso. Unindo
todos esses fatores, as pacientes silenciosamente têm uma queda na autoestima,
tornando-se deprimidas, angustiadas e irritadas. Infelizmente só procuram o
serviço médico quando sua autoestima e sua qualidade de vida estão
demasiadamente ruins [8].
O conceito de
qualidade de vida (QV) está relacionado com a percepção do indivíduo sobre o
seu estado de saúde em grandes domínios ou dimensões de sua vida. São fatores
como, por exemplo, atividade física e autocuidado, fator psicológico, social,
álgico, do sono e aos sintomas específicos da IU. Dessa forma, a avaliação de
qualidade de vida é multidimensional e está diretamente associada ao contexto
cultural em que o indivíduo está inserido [8].
Tendo em vista a
magnitude do problema da IU, suas implicações psicológicas e
devastadoras somadas ao isolamento social que danifica a QV, provou-se
que as opções de tratamento para a IU não são capazes de proporcionar uma cura
em todos os pacientes. No entanto, um número significativo de mulheres que
podem se beneficiar do tratamento não estão cientes dos métodos de tratamento.
Por isso, considera-se pertinente identificar o que vem sendo referido nos
artigos científicos que relacionam IU e QV para que os profissionais da saúde
obtenham informações da real dimensão do problema e sua repercussão na
população. Desta forma, esta revisão tem por objetivo a busca de uma melhor
compreensão do assunto, visando uma assistência fisioterapêutica mais eficiente
e segura voltada para o diagnóstico, prevenção e tratamento da IU.
Este estudo consistiu
de uma revisão sistemática da literatura. Tendo início com o processo de coleta
de dados realizando-se uma busca de referências a partir do seguinte termo:
“Incontinência Urinária, Qualidade de Vida” nas bases de dados Scielo, Google Acadêmico, Lilacs, Medline
e Science Direct. As referências
deveriam ter como descritores “Incontinência Urinária,
Qualidade de Vida”. A busca pelas referências foi realizada nos meses de março
a maio de 2013. Após a busca os documentos foram selecionados seguindo os
seguintes critérios de inclusão: artigos científicos publicados no período de
janeiro de 2008 até maio de 2013; artigos científicos publicados em língua
portuguesa; inglesa; francesa e espanhola. Foram excluídos deste estudo artigos
publicados anteriores ao período referido; artigos científicos de revisão
bibliográfica; artigos de validação de instrumento; resumos e resumos de
artigos científicos para eventos.
A análise dos
materiais estudados buscou apontar o perfil dos artigos científicos organizando
as principais temáticas abordadas em categorias no intuito de facilitar sua
apresentação e discussão.
Os dados foram
analisados qualitativamente, por meio de análise descritiva. Inicialmente foi
feita uma pré-análise, que consistiu na escolha dos documentos a serem
analisados. Neste momento foram analisados todos os resumos dos artigos
científicos encontrados nas bases de dados correspondentes aos descritores.
Após a pré-análise foi realizada a leitura flutuante do material. Foram
encontrados 14.898 artigos e ao final totalizaram-se 27 artigos obedecendo aos
critérios de inclusão para este estudo.
Na avaliação dos
artigos foram observados os seguintes aspectos: primeiro autor; periódico; ano;
Qualis; idioma/país/região; objetivo geral; metodologia - critérios de
inclusão/exclusão; coletas dos dados; análise dos dados; resultados e
conclusões.
O Qualis afere a
qualidade dos artigos e de outros tipos de produção, a partir da análise da
qualidade dos veículos de divulgação, ou seja, periódicos científicos. A
classificação de periódicos é realizada pelas áreas de avaliação e passa por
processo anual de atualização, a área empregada para esta revisão foi a
Medicina I. A área de medicina I é considerada altamente consolidada pela CAPES,
devido ao seu desempenho em sucessivas avaliações. Esta área inclui na sua
ficha de avaliação somente avaliação qualitativa, a produção intelectual nos
artigos também é avaliada como também o Qualis Periódicos, sendo este último o
único referencial de análise das publicações [9].Os
dados foram organizados a partir de um roteiro adaptado, proposto por Polit,
Beck e Hungler [10] que auxiliou na reunião e sistematização de
informações chave.
Na tabela I, são
apresentadas informações gerais sobre os 27 estudos incluídos neste estudo.
Destes, 14 são da língua portuguesa, 10 da inglesa, 2
da francesa e 1 da espanhola. Dos artigos encontrados, 41% foram publicados em
2008, 2009 e 2010 e 59% em 2011, 2012 e 2013. A maior parte desses manuscritos
foi publicada em periódicos classificados como Qualis Nacional “B3, B5 e A2”.
Dos 14 artigos publicados em periódicos nacionais, 57% são da região sudeste,
14% da região centro-oeste, 14% da região nordeste e 14% da região sul do
Brasil. Dos 13 artigos publicados em periódicos internacionais, 47% são dos
Estados Unidos, 15% tiveram seus estudos desenvolvidos nas regiões sul e
nordeste do Brasil; 15% são da França; 15% da Espanha e 8% da Turquia.
Tabela
I - Artigos incluídos na revisão. (ver pdf em anexo).
Na tabela II, são
apresentadas características dos manuscritos incluídos no estudo. Dos 27 artigos,77% incluíram mulheres de meia idade e idosas; 7%
crianças; 4% homens; 4% gestantes; 4% pacientes com esclerose múltipla e 4%
pacientes com HTLV-I. Boa parte desses estudos tinha como objetivo avaliar a IU
e seu impacto na QV de mulheres de meia idade e idosas; implicações na QV em
pacientes em treinamento muscular do assoalho pélvico com cinesioterapia e/ou
eletroestimulação; impacto na QV em pacientes pós-cirurgias ginecológicas e
pós-prostatectomia; e avaliação e decorrências da QV em pacientes com HTLV-I,
esclerose múltipla e crianças com doença renal crônica.
A maioria dos
procedimentos metodológicos adotados foi estudo descritivo exploratório ou
somente descritivo; estudo transversal com abordagem descritiva; estudo de
intervenção prospectivo; estudo de inquérito domiciliar e transversal; estudo
clínico randomizado; e ensaio clínico prospectivo.
Os dados dos estudos
foram coletados a partir de questionários de anamnese; dados sociodemográficos;
socioeconômicos e urodinâmicos; questionários específicos utilizados para
avaliar a IU, prolapso e qualidade de vida; miniexame mental (MEEM), a escala
analógica visual (EAV); e avaliação da imagem corporal (BSQ- Body Shape
Questionnaire). Foram também utilizados testes como: teste de avaliação
funcional da força do assoalho pélvico (AFA); biofeedback; palpação digital e
perineômetro.
Tabela
II -
Descrição dos artigos de revisão
selecionados. (ver pdf em anexo).
Na tabela III, são
apresentadas as análises dos artigos, resultados e conclusões. A análise que
predominou sobre os artigos foi análise estatística e regressão linear
múltipla. Dos resultados encontrados, cinco artigos que abordam a avaliação da
QV em idosos destacam a média da idade com variância de 70-80 anos e a IUE como
a mais prevalente neste universo. Os estudos também mostram que os domínios do
questionário KHQ mais afetados em relação à QV dizem respeito à percepção da
saúde, sono/disposição e ao valor da noctúria. Os resultados encontrados nos
artigos que avaliam a QV antes e após a cinesioterapia e/ou eletroestimulação
destacam a média da idade variando entre 65-74 anos e IUE e IUM com maior
prevalência. Houve melhora significativa nos escores do KHQ após as
intervenções.
Boa parte desses
artigos, mais especificamente 16 deles, realizou estudo com mulheres de meia
idade, destacando uma média de idade com variância de 46-55 anos. Desses 16,
57% avaliaram a QV das mulheres incontinentes, e alguns correlacionaram ainda
fatores associados, dados sociodemográficos e autoimagem à IU. Os resultados
mostram que o tipo de IU mais frequente foi a IUM e a IUE em parte. Dos
questionários de IU e QV, os mais utilizados foram KHQ (King’s Health
Questionnaire) questionário que avalia o impacto da IU em diferentes domínios
de QV e os sintomas percebidos [43];ICIQ
(International Consultation on Incontinence Questionnaire) ou ICIQ-SF
(International Consultation on Incontinence Questionnaire - Short Form), que
busca medir o quanto a perda de urina interfere na vida diária [43]; IIQ
(Incontinence Impact Questionnaire), Escala Cervantes, MHU (Medida Handicap
Urinária), Contilife Questionnaire); PISQ (Prolapso / Incontinência
Urinária- Questionário Sexual ); UDI (Urogenital Distress Inventory);
I-QOL (Quality of Life Questionnaire Incontinence); WHOQOL-bref e OLD (World
Health Organization Quality of Life – Bref and Old); e SF-36 (Short From Health
Survey- Versão Brasileira do Questionário de Qualidade de Vida) apresentaram
escores significativos nos domínios de interação psicossocial, limitações
físicas e vida sexual entre outros. A autoimagem avaliada pelo BSQ (Body Shape
Questionnaire) teve uma melhora significativa em um estudo que realizou
exercícios físicos com o grupo de IU.
Cerca de 30% desses
estudos avaliaram e fortaleceram a musculatura do assoalho pélvico de mulheres
incontinentes para posteriormente ponderar a QV. A eletroestimulação e a
terapia com cones vaginais se revelaram eficientes no aumento da força da
musculatura do assoalho pélvico como também praticamente em todos os domínios
dos questionários de QV inclusive na vida sexual. Ainda, 12% desses estudos
realizaram técnicas minimamente invasivas em mulheres incontinentes com o
intuito de descobrir sua eficiência na QV, de fato destacaram excelentes
resultados na melhora da QV. Apenas 6%, ou seja, um estudo avaliou o impacto da
IU na QV de mulheres soropositivas para HTLV-I ginecológica/neurológica
em comparação com mulheres soronegativas. A QV foi
significativamente pior em mulheres incontinentes soropositivas.
Os estudos ainda
trazem pesquisas com crianças, com idades de 5 até 12
anos. Um estudo avaliou a IU em crianças com os questionários DVSS (Cross-cultural
adaptation of the dysfunctional voiding score symptom) e PIN-Q (Patient
Information Need Questionnaire), a IU teve efeito na QV das crianças, bem
como o impacto severo que os sintomas do trato urinário e a IU podem ter sobre
a criança. Outro estudo avaliou o impacto da IU em crianças com doença renal
crônica e revela que a QV também foi afetada.
Um estudo avaliou a
IU e a QV no pós-parto, a média de idade das puérperas foi de 25 anos. As
mulheres com IUM obtiveram pontuações médias significativamente mais elevadas
no ICIQ-SF e na maior parte dos domínios do KHQ, exceto nos domínios impacto da
incontinência, relações pessoais e sono e disposição.
Outro estudo foi realizado com homens de faixa
etária 60-73 anos e buscou avaliar a IU e a recuperação urinária após
prostatectomia radical e verificar seu impacto na QV. Esse estudo não encontrou
resultados significativos com relação à QV. Além desse, outro estudo objetivou
verificar o comportamento da IU na esclerose múltipla (EM) e o seu impacto na
QV em pacientes do sexo feminino e masculino, a média da faixa etária dos
pacientes foi de 44 anos. A IU incidiu em 59% da população estudada e a QV
sofreu impacto conforme a pontuação da escala EAV.
Tabela
III
- Principais análises dos dados,
resultados e conclusões. (ver pdf em
anexo).
Podemos observar na
tabela I a variedade de artigos que envolvem a QV relacionada à IU, alguns
ainda avaliaram a atuação da fisioterapia na IU e também implicações na QV das
incontinentes, isso nos remete a refletir o quanto os estudos sobre a IU
evoluíram e inovaram, uma vez que suas publicações mais remotas apenas
continham o tratamento cirúrgico em si, e de QV pouco se apresentava. No
Brasil, as publicações envolvendo a atuação da fisioterapia na IU relacionada à
QV vêm aumentando à medida que a fisioterapia na saúde da mulher ganha seu
espaço.
Os artigos publicados
contidos nesta revisão sistemática estão classificados em sua maioria na Qualis
B3, B5 e A2. O Qualis afere a qualidade dos artigos e de outros tipos de
produção a partir da análise da qualidade dos veículos de divulgação, ou seja,
periódicos científicos. Esses veículos são enquadrados em estratos indicativos
da qualidade -A1, o mais elevado; A2; B1; B2; B3; B4; B5; e C – com peso zero
[38]. É possível perceber que alguns dos periódicos estudados estão situados na
classificação A2, revelando uma qualidade elevada. Porém, algumas limitações do
estudo devem ser consideradas, primeiro pela dificuldade de encontrar artigos
validados com classificação máxima, artigos qualitativos que apresentem a
opinião das usuárias e artigos com ano de publicação posterior ao ano de 2012.
Este estudo de
revisão aponta que a região sudeste vem contribuindo significativamente com
novos estudos na área, sendo responsável por 57% das publicações em periódicos
nacionais, disputando o segundo e terceiro lugar há um empate entre as regiões
centro-oeste, nordeste e sul do Brasil com 14%. Já em periódicos internacionais
encontra-se em primeiro lugar os Estados Unidos da América responsável por 47%
das publicações; disputando o segundo lugar, as regiões sul e nordeste do
Brasil, França e Espanha, com 15%; e em terceiro lugar a Turquia com 8%.
Pode-se ainda destacar que dessas regiões 59% dos estudos foram publicados de
2011 até 2013.
Como é possível ver
na tabela II, boa parte dos estudos se detém em avaliar a prevalência da IU,
suas características, fatores associados e suas decorrências na QV das mulheres
incontinentes. No Brasil, a prevalência de queixa por IU se dá após os 41anos
sendo que cerca de 30% a 50% das mulheres não relatam a IU durante uma consulta
médica. Em algumas pesquisas verificou-se que mulheres mais velhas tendem a
aceitar a IU como normal [39-41]. A prevalência de IU nesses estudos foi em mulheres
a partir de 46 anos, esse dado condiz com os dados trazidos pelos autores
acima.
Alguns dos
procedimentos metodológicos adotados foram: estudo descritivo exploratório ou
somente descritivo, estudo transversal com abordagem descritiva, estudo de intervenção
prospectivo, estudo de inquérito domiciliar e transversal, estudo clínico
randomizado e ensaio clínico prospectivo. As metodologias mais utilizadas foram
ensaio clínico prospectivo, estudo de intervenção prospectivo e estudo
transversal com abordagem descritiva. Vale ressaltar que os estudos
transversais são usados em saúde pública para avaliar e planejar programas de
controle de doenças; já o ensaio clínico, objetiva testar a eficácia de uma
intervenção terapêutica ou preventiva sobre uma determinada doença [42]. A
coleta de dados em grande parte desses estudos utilizou questionários
específicos para avaliar a QV nas populações, o KHQ (King’s Health Questionnaire) e ICIQ- SF (International Consultation on Incontinence Questionnnaire - Short Form)
foram os mais empregados.
Na tabela III,
pode-se perceber que a análise que predominou sobre os artigos foi a análise estatística e regressão linear múltipla. Os
principais testes utilizados na análise estatística foram teste T Student,
teste de Wilcoxon e teste Qui-Quadrado. Cinco artigos abordando a avaliação da
QV em idosos destacam que a IUE foi encontrada com maior prevalência. Os
principais domínios do questionário KHQ mais afetados foram os da percepção da
saúde, sono/disposição e o valor da noctúria. Um dos estudos revela que a
maioria das pacientes foi acometida por IUM, baseado nas queixas clínicas [18],
assim como revela outro estudo que, ao correlacionar a queixa clínica com os
achados urodinâmicos de 114 mulheres portadoras de IU, constatou que 52,6%, de
acordo com a queixa clínica, eram portadoras de IUM [44].
Houve melhora
significativa nos escores do KHQ, principalmente nas limitações da vida diária,
sono, disposição, medidas de gravidade e sintomas nos resultados encontrados
dos artigos que avaliam a QV antes e após a cinesioterapia e/ou
eletroestimulação, além da terapia com cones vaginais que também se revelou
eficiente no aumento da força da musculatura do assoalho pélvico e
principalmente na vida sexual. Como já descrito em pesquisas, o desconhecimento
sobre como funciona a musculatura do assoalho pélvico pode ser um fator
precipitante para IU, pois o desconhecimento da função muscular pode levar a
uma hipotrofia e fraqueza [45]. Cabe lembrar que a maioria da população idosa
exibe esse desconhecimento, dessa forma uma boa avaliação juntamente com uma
adequada reabilitação perineal intervirá no grau de satisfação e na modificação
da QV da mulher podendo fazê-las excluírem a hipótese de procedimento
cirúrgico.
A IUM e a IUE foram
as mais prevalentes em mulheres de meia idade e os resultados encontrados no
KHQ possuíam escores significativos nos domínios de interação psicossocial,
vida sexual, depressão, estresse, isolamento, sono/energia e constrangimento
além de que o impacto da IU, as limitações físicas e de vida diária também se
destacam com um alto escore. A semelhança entre dois estudos se deu, também, no
que se refere à prevalência do tipo de IU, no estudo
realizado nas portadoras de IUE os escores do KHQ foram estatisticamente
significativos na percepção geral de saúde, limitações das atividades diárias,
limitações físicas, limitações sociais e relações pessoais, demonstrando o
maior impacto negativo dessa forma de IU na QV [25].
Um estudo abordou o
impacto da incontinência urinária na QV em mulheres soropositivas de HTLV-I
ginecológico/neurológica em comparação com mulheres soronegativas. A QV foi significativamente pior em mulheres incontinentes
soropositivas nos seguintes parâmetros: a percepção geral de saúde, impacto da
incontinência, limitações das atividades da vida diária, nas relações sociais,
sono e disposição. Isto foi atribuído devido à presença de mais infecções
urinárias confirmadas por urocultura no grupo das mulheres soropositivas. Assim
como em outro estudo, que foram avaliadas 324 pacientes para descrever
anormalidades urodinâmicas em pacientes HTLV-I-infectados que apresentavam
sintomas urinários. Foi verificado nesse estudo que esses resultados têm
relação com o comprometimento da QV [27].
Um estudo avaliou a
IU em crianças com os questionários DVSS (Cross-cultural
adaptation of the dysfunctional voiding score symptom) e PIN-Q (Patient Information Need Questionnaire),
a IU teve efeito sobre a autoestima e QV das crianças, bem como o impacto
severo que os sintomas do trato urinário e incontinência urinária podem ter
sobre a criança, a dinâmica familiar também acabou sendo afetada. Outro estudo
avaliou o impacto da IU em crianças com DRC (doença renal crônica), e revela
que a QV foi afetada principalmente na funcionalidade física e escolar dessas
crianças. Pesquisas anteriores demonstraram que os adolescentes com DRC têm a
QV prejudicada e os efeitos adversos mais pronunciados nesses pacientes, tais
como função renal, anemia e baixa estatura estão associadas com pior QV nas crianças
[32].
Um dos artigos
avaliou a IU e a QV no pós-parto. As mulheres com IUM obtiveram pontuações
médias significativamente mais elevadas no ICIQ-SF e na maior parte dos
domínios do KHQ, exceto nos domínios impacto da incontinência, relações
pessoais e sono e disposição. A QV de puérperas continentes e incontinentes
diferiu nos domínios aspectos físicos, dor, estado geral de saúde, vitalidade,
aspectos sociais e saúde mental do SF-36. Um estudo anterior também revelou
pior QV em mulheres com IUM. Isso indica que a IUM é responsável por maior
impacto na QV e revela a importância de se implementar
um tratamento específico para esse tipo de IU [47].
Dos artigos
analisados, um estudo realizado com homens de faixa etária entre 60-73 anos
buscou avaliar a IU e a recuperação urinária pós-prostatectomia radical e
verificar seu impacto na QV. Esse estudo não encontrou resultados
significativos com relação à QV uma vez que não utilizaram um questionário
específico da QV. O que também ocorreu em outro estudo realizado com vários
grupos de pacientes que examinaram a QV após o tratamento do câncer de próstata
e não foram encontrados resultados significativos em relação à QV [28].
Outro estudo dessa
revisão verificou o comportamento da IU na EM (esclerose múltipla) e o seu
impacto na QV em pacientes do sexo feminino e masculino. A IU incidiu em 59% da
população estudada, 72% dos pacientes eram do sexo feminino e 28% do sexo
masculino, a QV sofreu impacto conforme a pontuação da escala EAV. Podemos
comparar com um estudo que comenta que entre 75% e 90% dos pacientes com EM
poderão apresentar estes sintomas urinários no período da doença, o que sugere
que a presença da IU está diretamente ligada à evolução da doença de base
[48-49]. Pesquisas recentes também referem que a disfunção do trato urinário na
EM progride claramente, juntamente com a doença. Sintomas urinários ocorrem com
maior frequência em casos com mais de quatro anos de diagnóstico da EM e, além
disso, a urgência miccional parece ser o sintoma urinário mais comum
apresentado pelos pacientes [50].
Esta revisão nos
permitiu identificar que as populações com IU que mais foram investigadas em
relação à QV foi composta de mulheres de meia-idade, possivelmente pelo fato de
estarem próximas da menopausa, quando os sintomas da IU podem surgir mais
facilmente e também por manterem de certa forma uma atividade diária maior em
suas vidas, diferente do que acontece na vida de mulheres idosas. Isso nos
mostra a escassez de estudos que abordam outras populações que sofrem de IU e
que também poderiam se beneficiar. Além disso, foi possível verificar quais os
tipos de abordagens metodológicas e os instrumentos mais frequentemente
utilizados, a dimensão de contextos e fatores que se relacionam à QV e que são
afetados pela IU; e quais as principais formas de tratamento possíveis de serem
utilizadas para minimizar os agravos provocados pela IU no que se refere à
diminuição da QV das pessoas acometidas. Este estudo se traduz como importante
por apresentar um panorama da QV relacionada à IU e servir para ampliar a
dimensão do olhar de profissionais que de alguma forma lidam com a IU, seja na
prevenção como no tratamento dos agravos e consequências.