REVISÃO
Efeito
da manipulação vertebral sobre a modulação autonômica cardíaca
Effect of spinal manipulation on cardiac autonomic modulation
Alyssa Conte da
Silva, Ft. Esp*, Juliana Falcão Padilha, Ft. Esp.*, Jefferson Luiz Brum
Marques, D.Sc.**, Cláudia Mirian de Godoy Marques,
D.Sc.***
*Mestranda
do Programa de Pós-Graduação em Fisioterapia, Centro de Ciências da Saúde e do
Esporte (CEFID), Universidade do Estado de Santa Catarina (UDESC), **Professor
Associado, Instituto de Engenharia Biomédica (IEB-UFSC), Departamento de
Engenharia Elétrica e Eletrônica (EEL), Universidade Federal de Santa Catarina
(UFSC), ***Professora Adjunta, Departamento de Ciências da Saúde (DCS), Centro
de Ciências da Saúde e do Esporte (CEFID), Universidade do Estado de Santa
Catarina (UDESC)
Recebido em 20 de
janeiro de 2015; aceito em 25 de abril de 2016.
Endereço
para correspondência:
Cláudia Mirian de Godoy Marques, Universidade do Estado de Santa Catarina, Rua
Paschoal Simone 358, 88080-350 Florianópolis SC, E-mail:
claudia.marques@udesc.br, Alyssa Conte da Silva: alyssa.conte@hotmail.com,
Juliana Falcão Padilha: jufpadilha@gmail.com, Jefferson Luiz Brum Marques: jmarques@ieb.ufsc.br
Resumo
Introdução: Existem poucos
estudos que evidenciam a manipulação vertebral relacionada à modulação
autonômica cardíaca. Objetivo:
Revisar a literatura sobre os efeitos da manipulação vertebral sobre a
modulação autonômica cardíaca. Métodos:
Foi realizada uma busca bibliográfica nas bases de dados da saúde Medline,
Pubmed e Cinahl, no período correspondido entre setembro e novembro de 2014.
Foram utilizados os descritores em inglês Spinal Manipulation, Cardiac
Autonomic Modulation, Autonomic Nervous System, Heart Rate Variability, além de
associações entre eles. Resultados:
Foram encontrados 190 artigos, sendo excluídos 39 por serem repetidos, restando
151. Destes, 124 não se encaixaram nos critérios de inclusão e após leitura crítica
e análise dos materiais foram selecionados 7 artigos.
Grande parte dos estudos revelou que a manipulação da coluna, independente do
segmento, demonstra alterações autonômicas, tanto em nível simpático quanto
parassimpático. Conclusão: Existem
diferentes metodologias para avaliação da modulação autonômica cardíaca, sendo
a Variabilidade da Frequência cardíaca através do eletrocardiograma a mais
utilizada. A manipulação vertebral exerceu influência, na maioria dos artigos,
sobre a modulação autonômica cardíaca.
Palavras-chave: manipulação da
coluna, sistema nervoso autônomo, variabilidade da frequência cardíaca.
Abstract
Introduction: There are few studies showing that spinal manipulations are related to
cardiac autonomic modulation. Objective:
To review the literature about the effects of spinal manipulation on cardiac
autonomic modulation. Methods: A
literature search in the databases Medline, Pubmed
and Cinahl was performed in the period 2014 September
to November. It was used keywords such as descriptors in English language
"Spinal Manipulation", "Cardiac Autonomic Modulation",
"Autonomic Nervous System" and "Heart Rate Variability", as
well as associations among these. Results:
We found 190 articles, 39 were excluded as redundancy, remaining 151. From
these, 124 did not fit the inclusion criteria and after critical reading and
analysis of the materials were selected 7 items. Most studies indicated that
spinal manipulation demonstrates sympathetic and parasympathetic autonomic
alterations independently of spinal segments. Conclusion: There are different methodologies for assessment of
cardiac autonomic modulation, the variability of heart rate through the
electrocardiogram being the most used. The spinal manipulation exerted
influence in most articles on cardiac autonomic modulation.
Key-words: manipulation
spinal, autonomic nervous system, heart rate variability.
A investigação sobre
a manipulação da coluna tem sido extensivamente realizada em todo o mundo e a
sua eficácia em sintomas musculoesqueléticos tem sido bem documentada [1]. O
sistema nervoso autônomo (SNA) vem sendo abordado na construção de mecanismos
que explicam o efeito da disfunção vertebral [1] além de sua influência sobre a
função cardíaca.
Há estudos que evidenciam
a manipulação vertebral relacionada à modulação autonômica cardíaca [2,3],
monitorada, em grande parte, através da Variabilidade da Frequência Cardíaca
(VFC). Esta constitui uma importante ferramenta de avaliação não-invasivada
integridade da função neurocardíaca realizada
através do eletrocardiograma
(ECG), o que reflete a interação das eferências
simpática e parassimpática
sobre o nodo sinusal [4]. Além disso, a
manipulação vertebral pode influenciar
o SNA exercendo influência sobre aspectos dolorosos e na VFC.
Isso ocorre
porque, no momento da manipulação, há
estimulação de gânglios simpáticos, uma
vez que a cadeia simpática situa-se bilateralmente ao lado da
medula espinhal e
esses gânglios também têm ligação com
órgãos e vísceras específicas [5]. Com
isso, pode-se observar influência nos sistemas
parassimpático e simpático como
um todo.
A VFC é definida como
a quantidade de oscilações contínuas da frequência cardíaca média (intervalos
RR) e é principalmente controlada pela interação contínua do sistema nervoso
autônomo [6,7].
A regulação da função
cardiovascular é amplamente controlada pelo sistema nervoso autônomo. Como a
maioria dos sistemas biológicos com controle de realimentação negativa, o
controle autonômico da frequência cardíaca e da pressão sanguínea oscila em
frequências específicas. Esta oscilação pode ser visualizada por uma análise de
frequência do registro VFC. Estudos demonstram que alguns picos de frequência
obtidos através de uma análise do espectro de potência de um registro de
variabilidade estão relacionados a eventos fisiológicos [8].
Com base no exposto,
o objetivo do presente estudo foi revisar a literatura sobre os efeitos da
manipulação vertebral sobre a modulação autonômica cardíaca.
Realizou-se uma
revisão sistemática narrativa de artigos científicos sobre o tema escolhido. A
revisão de literatura consiste no levantamento de produções desenvolvidas ao
longo de um período de tempo, permitindo uma análise sobre determinado assunto,
chegando a conclusões próprias [9].
A busca bibliográfica
foi conduzida nas bases de dados da saúde Medline, Pubmed e Cinahl, no período
correspondido entre setembro e novembro de 2014. Para a busca dos artigos os
seguintes descritores em inglês foram utilizados: Spinal Manipulation, Cardiac Autonomic Modulation, Autonomic Nervous
System, Heart Rate Variability, além de associações entre eles utilizando o
indicador booleano AND.
Selecionaram-se somente materiais no idioma inglês por se tratar de uma língua
de maior abrangência mundial, com maior número de publicações.
Como critérios de
inclusão foram considerados artigos originais, estudos de caso científicos que
contemplassem o tema proposto, publicados em inglês, no período compreendido
entre 2000 e 2014 e que fossem disponibilizados na íntegra. Foram excluídos os
trabalhos que envolvessem a Modulação Autonômica Cardíaca associada a outros
assuntos e outras patologias, estudos experimentais com animais, estudos
realizados com crianças, pesquisas com enfoque farmacológico ação/efeito do
fármaco na modulação, artigos de revisão sistemática, monografias,
dissertações, teses e anais de eventos.
A base de maior
relevância para o trabalho foi a Medline, Pubmed, seguida da Cinahl. Foram
encontrados 190 trabalhos e destes foram excluídos 39 por serem repetidos. Dos
151 restantes, 124 não se encaixaram nos critérios de inclusão e após leitura
crítica e análise dos materiais foram selecionados ao final 7artigos.
Todos os estudos eram no idioma inglês. Os artigos encontrados em
relação à manipulação vertebral e
modulação autonômica cardíaca estão
apresentados no Quadro I.
Quadro
I - Modulação autonômica cardíaca e manipulação
vertebral (ver pdf em anexo).
De acordo com a análise
dos artigos selecionados, foi possível observar que grande parte das
manipulações vertebrais exerceu algum tipo de influência sobre o SNA, com
exceção de dois trabalhos [14,15] nos quais tais modificações não foram
constatadas.
A manipulação vertebral
é usada para descrever uma técnica que emprega um impulso dinâmico de pequena
amplitude e alta velocidade, conhecido como thrust
[16,17], procedimento este que proporciona alterações na excitabilidade reflexa
e no processamento sensitivo. Desse modo, isso pode justificar as alterações
advindas das manipulações vertebrais sobre o SNA encontradas na maior parte dos
estudos revisados, uma vez que a cadeia simpática localiza-se bilateralmente à
coluna vertebral [18].
Dentre as abordagens
da Fisioterapia, em especial da terapia manual, as técnicas são empregadas
manualmente sobre tecidos musculares, ósseos, conjuntivos e nervosos com
objetivo de favorecer reações fisiológicas que equilibram e normalizam esses
tecidos [19,20]. Nas técnicas específicas de manipulações vertebrais, essas
podem variar, desde o posicionamento do paciente ao posicionamento do
terapeuta. Foi possível observar que a maioria das manipulações cervicais
ocorreu em decúbito ventral com rotação cervical [11,13]. Geralmente, esta é
mais empregada na prática clínica, uma vez que a posição do paciente deitado e
relaxado favorece a palpação dos referenciais ósseos. A maior parte das
manipulações torácicas foi realizada com o paciente tanto em decúbito ventral,
quanto dorsal. Entre elas a mais utilizada foi a
denominada “apoio duplo” (em decúbito dorsal) [14,15] e na coluna lombar a lombar roll [3].
Outro artigo trouxe o
questionamento quanto ao som (estalido) advindo da manipulação e sua relação
com o efeito terapêutico [15]. Nem todas as manipulações produzem som e não há
consenso sobre tal fato. De acordo com este estudo, esses sons audíveis durante
a manipulação vertebral, têm sido associados a um processo de cavitação no
interior das facetas articulares. A cavitação é a formação ou a liberação de um
gás a partir do líquido sinovial dentro da articulação, causada por separação
das superfícies articulares, resultando na redução da pressão intracapsular
[15]. No entanto, neste trabalho a relação entre o estalido e seu efeito terapêutico
não mostrou ter relação.
No que diz respeito
ao efeito das manipulações vertebrais em segmentos à distância, as fibras
ganglionares que partem da coluna vertebral possuem ligações com demais órgãos
e vísceras específicas, podendo repercutir o estímulo mecânico em outros
segmentos [21]. Isso foi realizado em alguns estudos [10,13-15] onde se
escolhia o segmento vertebral a ser manipulado e se tal manipulação refletia
sobre algum aspecto em outro segmento, seja quanto a mobilidade, seja quanto à
queixa dolorosa. Assim, em algumas pesquisas [3,14,15]
da presente revisão, a queixa em relação à
dor foi analisada a fim de detectar
alteração dolorosa após a
manipulação vertebral. Nos estudos os quais se
propuseram esta verificação, manipulou-se um segmento
vertebral indolor ao
invés do segmento doloroso, não observando
alteração no comportamento da dor
[14,15]. No entanto, manipulando-se a região vertebral dolorosa,
essa se
mostrou diferente. A possível explicação para tal
observação é embasada no princípio
que na manipulação vertebral ocorrem consequências
fisiológicas por meio de
efeitos sobre a informação sensorial para o sistema
nervoso central, por meio
de aferências do fuso muscular e Órgão
Neurotendíneos, bem como alterações de
mecanismos reflexos de modulação da dor por vias
ascendentes e descendentes,
podendo assim, modificar o padrão doloroso [22].
No momento da
manipulação vertebral ocorre o estiramento da cápsula articular, estimulando os
receptores de Pacini o que estimula também o Órgão Neurotendíneos. Esses
estímulos causam um reflexo aferente em direção à medula espinhal que em
resposta inibem os motoneurônios gama (responsáveis pela dor) [5]. Dessa forma,
o músculo que está em espasmo relaxa, anulando o ciclo dor - espasmo - dor.
Quanto à forma de coletar informações sobre a modulação autonômica, observou-se que a maioria dos estudos revisados utilizou o eletrocardiograma para a análise da VFC através do Domínio do Tempo e no Domínio da Frequência [3,10-13] somente dois artigos [14,15] utilizaram como recurso um sistema totalmente automatizado de pupilometria.
Entende-se
que no Domínio do Tempo empregam-se índices extraídos diretamente das variações
temporais dos intervalos RR do eletrocardiograma em milissegundos. O sinal de
variabilidade (intervalos RR) é detectado através de um processo de
diferenciação e devidamente selecionado pelo valor da média dos intervalos RR e
2 vezes o valor do desvio padrão. Já no Domínio da
Frequência define e separa, por análise espectral, as diferentes intensidades
de sinais a diferentes frequências, observadas nas variações do sinal
eletrocardiográfico [23], decompondo a VFC em componentes oscilatórios
fundamentais. Os mais utilizados nessa revisão foram HF (Alta Frequência), LF
(Baixa Frequência) e HF/LF (razão de Alta Frequência e Baixa Frequência).
Esses parâmetros
mostraram ser importantes, pois HF indica manifestação do SNA parassimpático
enquanto LF indica manifestação predominante do SNA simpático [23]. Através
desses componentes oscilatórios, foi possível identificar nos trabalhos a
predominância de um sistema autônomo sobre o outro conforme o tipo de
manipulação e/ou a região a ser manipulada.
Através da revisão
realizada pôde-se observar que existem diferentes metodologias para avaliação
da modulação autonômica cardíaca, sendo a Variabilidade da Frequência Cardíaca
a mais utilizada. Com exceção de dois artigos dos estudos revisados, as
pesquisas relataram que a manipulação vertebral exerceu influência sobre a
modulação autonômica cardíaca, independente do tipo de manipulação efetuada.
Assim pode-se observar que alterações em nível de sistema nervoso autônomo,
sejam elas simpáticas ou parassimpáticas, podem ser desencadeadas através das
manipulações vertebrais. Portanto, observou-se a importância desse método não-invasivo para a avaliação da função autonômica na
manipulação vertebral.