ARTIGO ORIGINAL

Osteopatia craniana na função auditiva

Cranial osteopathy in hearing function

 

Francisco Fleury Uchoa Santos-Júnior, Ft., D.Sc.*, Manuela Albuquerque Sampaio**, Lais Cristina Almeida, Ft.***

 

*Doutor em Biotecnologia pela Universidade Estadual do Ceará, Formação em Osteopatia D.O., Docente do Centro Universitário Estácio do Ceará, Fortaleza/CE, **Fonoaudióloga, Especialista em Audiologia, Docente da Faculdade de Tecnologia Intensiva, *** Orientadora, Escola Brasileira de Osteopatia - EBOM

 

Recebido em 17 de agosto de 2015; aceito em 2 de dezembro de 2016.

Endereço de correspondência: Francisco Fleury Uchoa Santos-Júnior, Instituto Le Santé, Rua Jaime Pinheiro, 36, 60810-250 Fortaleza CE, E-mail: drfleuryjr@gmail.com; Manuela Albuquerque Sampaio: manuelaasampaio@hotmail.com; Lais Cristina Almeida: info@osteopatia.com.br

 

Resumo

Osteopatia é a ciência que trata o sistema músculo-ósteo-articular e sua relação com os outros órgãos e sistemas. Poucas são as pesquisa que falam da interação da osteopatia na função auditiva, sendo assim um desafio para a comunidade científica na elaboração de novos trabalhos. O objetivo de nosso estudo foi identificar a influência da osteopatia craniana na função auditiva de indivíduos hígidos. Participaram da pesquisa 17 voluntários que passaram por uma anamnese com o fonoaudiólogo para verificação dos critérios de inclusão e exclusão. Logo após foi realizado o exame de imitanciometria de forma bilateral, em seguida, foi aplicado um protocolo de osteopatia contendo as seguintes manobras: Sutherland contra o movimento, Sutherland a favor do movimento e Ear Pull aplicados na orelha direita e mantendo-se a esquerda como controle. Os dados foram analisados por meio do teste Anova two-way, com post hoc de Bonfferroni e p < 0,05. Foi obtido como resultado a sensibilização dos músculos tensor do tímpano e estapédio evidenciado através da imitanciometria devido a redução do reflexo acústico na frequência auditiva de 500Hz da orelha direita (a frequência média antes foi de 93,53 ± 1,70 e depois foi de 89,41 ± 1,81 (p = 0,0101). Houve uma sensibilização do reflexo com consequente repercussão na função auditiva, de modo que os avaliados foram capazes de disparar o reflexo com níveis sonoros mais baixos. O principal achado da influência da osteopatia na função auditiva a sensibilização dos músculos estapédio e tensor do tímpano. Essa alteração se deu apenas na primeira frequência (500 Hz), frequência principal da fala, no momento inicial da ativação sonora a nível de ouvido médio e sua interface com a cóclea, favorecendo a melhoria da audição.

Palavras-chave: manipulação osteopática, audiologia, testes auditivos.

 

Abstract

Osteopathy is the science which treats the musculoskeletal osteoarticular system and its relationship with other organs and systems. Few researches show interaction of osteopathy in hearing function, and thus is a challenge to the scientific community in developing new works about it. The aim of our study was to identify the influence of cranial osteopathy in hearing function in healthy individuals. Seventeen volunteers were interviewed with the audiologist to check the criteria for inclusion and exclusion. After that was performed bilaterally impedance and the protocol containing the following maneuvers of cranial osteopathy was applied: Sutherland in opposition to the free movement, Sutherland for free movement and ear Pull applied on the right ear and keeping the left as control. Data were analyzed using the Two-way Anova with post hoc Bonfferroni p < 0.05. As a result we obtained the sensitization of tensor tympani and stapedius muscles which was evidenced in the immittance testing due to a decrease of acoustic reflex in hearing frequency of 500 Hz right ear (the average frequency before was 93.53 ± 1.70 and then was 89.411 ± 1.81 (p = 0.0101). There was a reflex sensitization, with consequent impact on the hearing function, so that the evaluated were capable of firing the reflection with lower sound levels. We can say that we achieved success in our study aims with the primary finding of the influence of hearing function in osteopathy responsiveness of stapedius and tensor tympani. This change occurred only in the first frequency (500 Hz), the speak frequency, at the time of the initial sound activation level of middle ear and its interface with the cochlea, favoring the improvement of hearing.

Key-words: osteopathic manipulation, audiology, hearing tests.

 

Introdução

 

Desde o princípio da humanidade o homem parece ter tido consciência de que a orelha faz parte do processo da audição. No entanto, somente no século XVII, ocorreram os primeiros questionamentos de que além da orelha, as cavidades internas do osso craniano tinham ligação com o processo auditivo (orelha interna). A audição é parte importante da comunicação entre os seres humanos, visto que, qualquer falha representa um problema social importante, por isso o estudo da audição atingiu no meio científico um sofisticado processo de aprendizado e de codificação [1].

O ouvido é dividido em três partes: ouvido externo, ouvido médio e ouvido interno. O ouvido externo constitui-se pelo pavilhão auricular que rodeia o orifício auditivo externo e pelo meato acústico externo que vai até a membrana timpânica. O pavilhão localiza-se atrás da articulação temporomandibular e região parotídea e defronte a apófise mastoide do osso temporal [2].

Esse pavilhão tem a pele inserida em uma placa de cartilagem e localiza-se anterior a abertura do meato acústico externo, atuando como um receptor de som além de servir como mecanismo de proteção evitando a entrada de corpos estranhos. O meato acústico externo é dividido em duas porções; a porção externa localiza-se sobre um esqueleto cartilaginoso que continua dentro do pavilhão e outra interna no qual o esqueleto é ósseo e localiza-se sobre uma porção do osso temporal. Na extremidade interna do meato auditivo encontra-se a camada mais externa da membrana timpânica [3].

Para a compreensão da fisiologia auditiva, é importante compreender a função da cóclea, um órgão sensorial nobre que possui analisadores de frequência sonora. Ela faz com que cada frequência característica promova um padrão de deslocamento chamado onda viajante que vai estimular determinada região. As células estimuladas são capazes de promover a transdução desse estímulo em sinal elétrico, que serão propagados pelas fibras que partem da cóclea [4].

Entre as células ciliadas e as células de sustentação saem ramificações nervosas que se juntam no interior da columela (parte central da cóclea) formando o gânglio espiral que percorre ao redor do eixo central da cóclea. Desse gânglio saem fibras nervosas que se agrupam no centro da base da cóclea formando o nervo coclear, já o VIII par de nervo craniano é formado pelo nervo vestibular e pelo nervo coclear que se constituem no órgão da corti, esse nervo penetra no meato acústico externo atravessando a porção mais interna do osso temporal [2].

O reflexo acústico corresponde à menor intensidade de um estímulo sonoro capaz de desencadear a contração do músculo do estapédio e a consequente mudança da impedância (resistência à vibração sonora) da orelha média, levando à proteção das estruturas da orelha interna [5]. Essa contração muscular, através de estímulos acústicos de intensidade elevada, tem sido considerada como uma importante ferramenta diagnóstica na avaliação clínica da audição, fornecendo dados referentes ao funcionamento da orelha média e das vias auditivas ao nível do sistema nervoso central [6].

A imitanciometria é um teste que tem como objetivo a verificação das condições da orelha média e é realizado por um fonoaudiólogo habilitado. Esse teste é realizado em duas etapas integradas e sequenciais: a timpanometria e a pesquisa do reflexo estapediano. A timpanometria corresponde à medida da pressão na orelha média, obtida através da admitância, que é a facilitação à transmissão de sinais acústicos ou impedância do sistema tímpano ossicular, caracterizando as curvas timpanométricas. O reflexo estapediano tem a função de proteger a cóclea de sons intensos e quando a via do reflexo for eliciada, o músculo estapédio de ambas as orelhas contrair-se-á, enrijecendo a cadeia ossicular, levando a uma mudança na imitância. Esta via é composta pela cóclea, o VIII nervo craniano, o núcleo coclear ventral, o complexo olivar superior, o núcleo motor do nervo facial e o ramo motor do nervo facial [7].

As alterações no reflexo acústico podem indicar mudanças em alguma das estruturas citadas, além de falhas nas habilidades envolvidas no processo auditivo como localização, atenção seletiva, reconhecimento de fala e ruído e seletividade da fala e de suas frequências [8]. Apesar dos avanços na literatura específica, a fisiopatologia da função auditiva ainda não foi completamente elucidada, o que a torna um desafio para a comunidade científica. No entanto, mesmo com essas dificuldades, é relevante que possamos compreender melhor a cascata de eventos da geração, detecção e percepção desse sistema [9].

Com base nestas informações, a osteopatia surge como uma possível técnica, realizada pelo Fisioterapeuta no Brasil, capaz de agir no crânio e no tecido conjuntivo. Osteopatia é a ciência que trata o sistema músculo-ósteo-articular e sua relação com os outros órgãos e sistemas. Surgiu nos Estados Unidos, tendo como criador o médico Andrew Taylor Still. A osteopatia tem como objetivo diagnosticar a origem da disfunção e, a partir daí, estimular o organismo a recuperar seu equilíbrio e função. Utiliza-se de técnicas manuais que atuam sobre músculos, ossos, nervos e fáscia, intervindo nas restrições de mobilidade ou “disfunções somáticas” [10].

Já a osteopatia craniana foi criada por W. G. Sutherland (D.O.) e C. Weaver (D.O.) em 1930. Eles evidenciaram uma conexão entre os ossos do crânio através de membranas, e os movimentos entre eles são coordenados por essas membranas. Os autores então descreveram as membranas recíprocas de tensão que são a foice do cérebro e tenda do cerebelo, conectadas com o sacro através da duramater via canal medular espinal [11]. Sutherland fez a avaliação da resposta da aplicação de forças restritivas e compressivas sobre o crânio e fundamentou o mecanismo respiratório primário, que o mesmo denominou de movimento respiratório primário. Este mecanismo contém cinco elementos, que são os componentes essenciais do impulso rítmico craniano (IRC) palpável clinicamente. Os cinco elementos são: motilidade inerente do cérebro e da medula espinal, líquido cefalorraquidiano flutuante, motilidade das membranas intracranianas e espinais, mobilidade dos ossos do crânio e movimento sacral involuntário entre os ilíacos [12].

Desta forma o presente estudo visa à interação da osteopatia com o sistema auditivo por meio da aplicação de três técnicas de osteopatia craniana. Como as técnicas interferem diretamente sobre o osso temporal e sobre o tecido fascial ligado a orelha, é possível que estas possam influenciar a função auditiva, trazendo ganhos para a Fisioterapia brasileira e para os pacientes com disfunção auditiva. Logo o objetivo de nosso estudo foi identificar a influência da osteopatia craniana na função auditiva de indivíduos hígidos.

 

Material e métodos

 

Trata-se de um estudo intervencionista e longitudinal com abordagem quantitativa dos dados obtidos. Este estudo foi realizado em uma instituição de ensino superior, na cidade de Fortaleza/CE, no período de agosto a outubro de 2012. A população do estudo é composta de indivíduos de ambos os sexos, faixa etária de 18 a 35 anos, atendidos no setor de audiometria da Clínica Escola da Faculdade. A amostra foi composta por 17 pacientes.

      Este estudo respeitou todas as normas do Conselho Nacional de Saúde através da resolução 196/96. Todos os avaliados foram esclarecidos a respeito dos objetivos e das condições do estudo e assinaram o termo de consentimento livre e esclarecido, como elemento necessário a participação do mesmo no estudo. Para isto os avaliados necessitavam ter boas condições da orelha externa, média e interna, ausência de patologia de orelha externa e média, ambos avaliados por uma fonoaudióloga, por meio de uma meatoscopia.

 

Descrição dos procedimentos

 

Foi usado para a realização do exame de imitanciometria o aparelho Imitanciometro Interacustics AT 235, Calibração 11/01/2011. Os avaliados foram submetidos ao exame de imitanciometria para a verificação do reflexo acústico. Primeiro foi feita a meatoscopia do ouvido para verificar se havia obstrução ceruminosa no ouvido externo e, logo após, o mesmo foi posicionado sentado e orientado a não falar, engolir ou abrir a boca. Como se trata de um exame objetivo, ele apresenta maior fidedignidade quanto a seus dados em relação a outros exames auditivos, como a audiometria.

Na avaliação, é colocada a sonda da imitanciometria no ouvido do indivíduo, e acionado o aparelho, o procedimento é feito de forma bilateral. O exame consiste na introdução de uma sonda no conduto auditivo externo, livre de cerume. O resultado indica se a condução do som está normal ou alterada na orelha média, assim como a complacência da membrana timpânica. A imitanciometria avalia a condução sonora na orelha média através da mensuração e análise do deslocamento do sistema timpanossicular em resposta a variação e pressão do som emitido. Sendo avaliado neste estudo os reflexos de 500 Hz, 1000 Hz, 2000 Hz e 4000 Hz.

Após ser realizado o exame inicial de imitanciometria, o avaliado foi submetido a um protocolo de técnicas de osteopatia craniana e logo após a aplicação do protocolo foi realizada uma nova imitanciometria (avaliação final) para mensurar possíveis mudanças no volume do conduto auditivo, análise da complacência da membrana timpânica e dos referidos reflexos. O fonoaudiólogo não tinha conhecimento acerca de qual orelha havia sido escolhida para ser tratada, tornando o avaliado “cego”, especialmente porque o mesmo não acompanhava a intervenção.

O protocolo de osteopatia craniana consta dos seguintes procedimentos aplicados na orelha direita, mantendo a esquerda como controle interno [11]:

 

Sutherland a favor do movimento

 

O avaliado é posicionado em decúbito dorsal. O terapeuta coloca a mão de apoio na face lateral do avaliado e a mão de intervenção com o terceiro dedo no início do meato acústico externo direito, mas sem adentrar a cavidade; o polegar e indicador na região anterior do osso temporal; e o 4º e 5º dedo na região posterior do osso temporal. Identificar a rotação em que é realizada mais facilmente, se rotação anterior ou posterior e manter esta rotação por 1 minuto. A orelha esquerda recebeu apenas o toque da mão, mas não o movimento.

 

Sutherland contra o movimento

 

O avaliado é posicionado em decúbito dorsal. O terapeuta coloca a mão de apoio na face lateral do avaliado e a mão de intervenção com o terceiro dedo no início do meato acústico externo direito, mas sem adentrar a cavidade; o polegar e indicador na região anterior do osso temporal; e o 4º e 5º dedo na região posterior do osso temporal. Identificar a rotação em que é realizada mais dificilmente, se rotação anterior ou posterior, e manter esta rotação por 1 minuto. A orelha esquerda recebeu apenas o toque da mão, mas não o movimento.

 

Ear Pull (adaptada)

 

O avaliado é posicionado em decúbito dorsal. O terapeuta coloca as mãos direita e esquerda segurando, respectivamente, as orelhas direita e esquerda do avaliado e realiza tração lateral suave com uso da região tênar e dedo indicador por 1 minuto apenas na orelha direita, e na orelha esquerda foi mantido só o toque da mão.

Os dados levantados no estudo foram analisados estatisticamente através do software Graphpad Prism 5.0 for windows, por meio do teste ANOVA two-way com post-hoc de Bonfferroni e nível de significância fixado em p < 0,05, comparando o lado direito (tratado) com o lado esquerdo (controle) antes e após a aplicação das técnicas. Os dados são expressos na forma de tabelas com média ± erro padrão da média.

 

Resultados

 

Tabela I - Timpanometria antes e após a aplicação das técnicas de Osteopatia Craniana na orelha direita e mantendo a orelha esquerda como controle.

 

D = Direita; E = Esquerda; NS = Não Significante estatisticamente; ANOVA two-way com post hoc de Bonferroni; p < 0,05.

 

A timpanometria é o exame feito durante a fase inicial da imitanciometria que analisa volume do conduto auditivo, complacência da membrana timpânica, pressão e gradiente. Seus resultados não apresentaram mudança de uma orelha em relação à outra, ou antes em relação a depois da aplicação das técnicas de osteopatia craniana (Tabela I).

Na análise dos reflexos acústicos específicos de 500 Hz observou-se uma redução de 4,4% dos valores apresentados após a aplicação das técnicas de osteopatia craniana (p = 0,0101) na orelha direita. A mesma redução não foi observada na orelha controle, fato que reforça a resposta após a aplicação da técnica. As demais frequências não apresentaram diferenças estatísticas, nem entre as orelhas de modo isolado e nem após a aplicação das técnicas (Tabela II).

 

Tabela IIImitanciometria e análise dos reflexos acústicos antes e após a aplicação das técnicas de Osteopatia Craniana na orelha direita e mantendo a orelha esquerda como controle.

 

D = Direita; E = Esquerda; NS = Não Significante estatisticamente; Anova two-way com post hoc de Bonferroni; p < 0,05.

 

Discussão

 

Portanto, o protocolo de osteopatia craniana influenciou, possivelmente, o estado contrátil basal do músculo estapédio (tônus), o que fez com que fosse necessário uma pressão acústica menor para efetuar o disparo do reflexo de 500 Hz, aumentando a sensibilidade auditiva dos avaliados.

O fato de se ter evidenciado no estudo uma redução no reflexo de 500 Hz mostra que as técnicas aplicadas foram capazes de agir na função auditiva de modo positivo, fazendo com que os músculos estapédio e tensor do tímpano fossem acionados a um menor estímulo acústico, de modo que o exame identificou uma melhoria no estado funcional da orelha direita (tratada), mas o mesmo fato não ocorreu na orelha esquerda (controle), o que reforça o achado clínico de nosso estudo.

Na análise do reflexo do estapédio, verifica-se qual a intensidade mínima capaz de ativa-lo em cada frequência. Em indivíduos normais, estes limiares estão entre 70 e 100dB acima do limiar auditivo [13]. Como nosso estudo foi realizado com indivíduos saudáveis quanto às questões auditivas, não foi evidenciada variação que atingisse quadro patológico após a aplicação das técnicas.

A comunicação é a base para a interação social dos indivíduos, e a fala é sua principal forma. Considerando que a percepção da fala pode ser afetada pelo comprometimento das células sensoriais da orelha interna, se as frequências da fala (500 Hz, 1000 Hz e 2000 Hz) estiverem afetadas, o reconhecimento dela pode estar comprometido [14]. Nosso estudo aponta uma melhoria no estado funcional da frequência de 500 Hz, o que pode sugerir uma melhoria na captação dos sons da voz humana. Além disso, por se tratar da primeira frequência analisada no próprio exame, pode-se considerar que é a frequência mais importante dentre as quatro, já que é a que corresponde ao disparo inicial do reflexo acústico frente ao sinal sonoro.

Em relação à análise dos reflexos do músculo estapédio no exame de imitanciometria nas frequências de 500 Hz, 1 KHz, 2 KHz, 4 KHz antes e após a aplicação das técnicas, a pesquisa de Lines et al. [15] com objetivo de identificar as principais alterações audiológicas em indivíduos portadores de distrofia miotônica de Steinert, obteve como resultado uma de alteração em 30% das frequências de 500 Hz e 1 kHz, sendo 10% ausentes e 20% limiares elevados, porém nos indivíduos da pesquisa havia possibilidade de ocorrência de fenômeno miotônico no músculo estapediano, que acarretaria aumento do tempo de relaxamento muscular, proporcionando níveis de reflexo elevados. Este fato é exatamente o oposto do nosso achado, que se trata de uma sensibilização das estruturas musculares correlatas, com facilitação do disparo do reflexo de 500Hz, ou seja, uma melhor captação sensorial do som.

A frequência de 1000 Hz apresenta uma tendência semelhante à de 500 Hz, mas não se pode afirmar que esta frequência tem a mesma resposta, já que os dados não apresentaram diferença estatística, possivelmente em função do número de avaliados neste estudo. Martins [16], em seu estudo, que se relacionava com a aplicação de técnicas manuais na coluna cervical (pompage, inibição e terapia de liberação posicional), demonstrou o oposto de nosso achado clínico, um aumento pós-técnica dos valores da frequência de 500 Hz gerando uma hiposensibilização, possivelmente devido a um relaxamento dos músculos tensor do tímpano e estapédio, mas não obteve mudanças nas demais.

Ao refletirmos sobre os demais dados deste estudo, não foi encontrada diferença estatisticamente significante no exame de timpanometria/imitanciometria em relação a possíveis variações de complacência da membrana timpânica e possíveis mudanças no volume do conduto auditivo antes e após a aplicação do protocolo. Logo as técnicas não foram capazes de influenciar a cavidade auditiva (meato acústico). Uma possibilidade em relação a este fato pode ser a questão do tempo de aplicação da conduta terapêutica, apenas 1 minuto para cada técnica, que pode não ser suficiente para influenciar nas dimensões do pavilhão auditivo.

A pesquisa de Sales [17] analisou, através dos métodos de vídeo-fibro-ostoscopia e imitanciometria, o volume do ouvido médio em relação à movimentação da membrana timpânica, durante a realização da manobra de vasalva, em indivíduos com audição normal, porém variando em relação ao volume da caixa timpânica para verificar se as imagens das membranas (muito grande ou muito pequena) são referentes às orelhas que o volume não está dentro do padrão da normalidade. A referida autora obteve como resultado que o volume do ouvido médio não está relacionado com o movimento da membrana timpânica, pois foi percebido após a aplicação da manobra de vasalva diferentes movimentações mesmo entre orelhas que apresentavam após o exame de imitanciometria volumes parecidos ou iguais. Este fato mostra relativa independência entre as orelhas (externa, média e interna).

Ainda no estudo de Sales [17], foi possível relacionar músculos e nervos com a tuba auditiva possibilitando uma intervenção terapêutica em casos de disfunções ósseas, ligamentares e musculares que afetem o ouvido externo, médio e interno. A orelha média é composta por uma cavidade a qual contem ar, os três ossículos (Martelo, Bigorna e Estribo), além do músculo tensor do tímpano e músculo estapédio. Os músculos ao se contraírem puxam a membrana timpânica para trás, diminuindo a amplitude de seus movimentos e, com isso, reduzindo a vibração aplicada nos ossículos no momento da passagem do estímulo sonoro mecânico [1]. Neste contexto abre-se uma lacuna a ser respondida acerca dos envoltórios destes tecidos suprarrelacionados, as fáscias. Seriam elas parte integrante diretamente relacionadas aos nossos achados? A proximidade da inserção da tenda do cerebelo pode fazer parte desta resposta?

O trabalho de Vieira [18] explica que o corpo e suas cadeias musculares devem ser entendidos como uma entidade funcional constituída de um grupo indissociável e que não existem contrações de partes musculares isoladamente, mas uma sequência de movimentos que se expande pelo corpo recorrendo-se assim ao corpo inteiro ao tratar uma região específica. Este fato condiz com os conceitos de tratamento fascial e da osteopatia como um todo que segue a Lei da Unidade do Corpo.

Sendo assim, no estudo em questão, as técnicas osteopáticas possivelmente atuaram em fáscias do crânio, especialmente o perimísio, dos músculos diretamente relacionados ao meato acústico. Um tecido com arranjo irregular das fibras de colágeno que envelopa os fascículos musculares [19]. Com isso influenciaram diretamente as cadeias musculares e estruturas próximas como, por exemplo, as estruturas ósseas e musculares que compõem a orelha externa, média e interna. Uma das possibilidades dessa influência é por meio da transmissão de força miofascial [19,20], relacionada com a capacidade de um músculo em transmitir força por regiões além dos tendões (ex. fáscia profunda e epimisial), até a uma possível construção de cadeias lesionais na formulação de diagnósticos e condutas terapêuticas [20]

 

Conclusão

 

Portanto, o principal achado da influência da osteopatia na função auditiva foi a sensibilização dos músculos estapédio e tensor do tímpano, evidenciada pela redução nos valores necessários para disparo do reflexo. Essa alteração se deu apenas na primeira frequência (500 Hz), ou seja, no momento inicial da ativação sonora a nível de ouvido médio e sua interface com a cóclea, favorecendo a melhoria da audição dos avaliados. Abre-se, portanto, um novo campo de investigação por meio de uma atuação integradas em profissões distintas para o favorecimento do paciente.

 

Referências

 

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