RELATO
DE CASO
A
funcionalidade da órtese TQJTP na esclerose múltipla
Functionality of THKLF orthosis in multiple sclerosis
Flávia Marques
Oliveira de Novais, Ft.*, Roberta Kênia Soares Andrade, Ft.*, Nara da Silva
Ferreira, Ft.*, Débora Lima Silveira, Ft.*, Elizabeth Portugal Pimenta Velloso,
Ft.,D.Sc.**, Viviane Santos Borges, Ft., M.Sc.**
*Graduadas
pela Universidade de Itaúna/MG, **Docente da Universidade de Itaúna/MG
Recebido em 26 de
março de 2015; aceito em 25 de novembro de 2016.
Endereço
de correspondência:
Viviane Santos Borges, Universidade de Itaúna, Rodovia Mg
431 km 45, s/n, Campus Verde 35680-142 Itaúna MG, E-mail: visb.edu@gmail.com,
Flávia Marques Oliveira de Novais: flaviamarques91@yahoo.com.br, Roberta Kênia
Soares Andrade: betinha992@hotmail.com, Nara da Silva Ferreira:
nara_sferreira@hotmail.com, Débora Lima Silveira: deboralimasilveira@gmail.com,
Elizabeth Portugal Pimenta Velloso: velloso.beth@gmail.com
Resumo
A esclerose múltipla
(EM) é uma doença desmielinizante que causa uma degeneração difusa no sistema
nervoso central, gerando limitações funcionais graves. O objetivo do estudo foi
avaliar a funcionalidade e a qualidade de vida (QV) de um adulto com EM, antes
e após o uso da órtese Tronco Quadril Joelho Tíbia e Pé (TQJTP), assim como
avaliar a satisfação da paciente com o seu uso. Trata-se de um estudo de caso,
realizado com um adulto jovem com diagnóstico de EM da forma
remitente-remissiva. Foram avaliadas as seguintes medidas de interesse: teste
cronometrado de subir e descer escadas (TCSDE); Timed up and go
(TUG); teste de caminhada de seis minutos (TC6M); escala de determinação
funcional da qualidade de vida em pacientes com esclerose múltipla (DEFU) e um
questionário de satisfação do uso da órtese TQJTP. De acordo com os resultados
observados, a órtese teve um efeito positivo na realização das atividades
funcionais que envolvem mobilidade funcional (TUG) e em atividades mais
desafiadoras como no TCSDE. O tempo de descida reduziu 40% com o uso da órtese.
Não foram observadas melhora na capacidade de exercício, avaliada pelo TC6M, e
na avaliação da qualidade de vida. A satisfação com o uso da órtese TQJTP foi
determinante nos critérios relacionados com a marcha, material, conforto e para
a realização de tarefas gerais. Conclui-se que a órtese TQJTP foi determinante
para diminuir as limitações impostas pelas tarefas do dia a dia, destacando a
satisfação da paciente com o seu uso.
Palavras-chave: esclerose múltipla,
qualidade de vida, marcha.
Abstract
Multiple sclerosis (MS) is a demyelinating disease that causes a diffuse
degeneration of the central nervous system, causing severe functional
limitations. The aim of this study was to evaluate the functionality and
quality of life (QOL) of an adult with MS, before and after Trunk Hip Knee Leg
and Foot (THKLF) Orthosis use, and to measure the satisfaction with the
orthosis use. This is a case study performed with a young adult diagnosed with
relapsing-remitting MS form. The outcome measures were assessed by: timed stair
test (TST); Timed up and go (TUG); the six-minute walk test (6MWT); Functional
Assessment of Multiple Sclerosis (FAMS) and a satisfaction questionnaire
related to the TQJTP orthosis use. According to the results, the orthosis had a
positive effect on the achievement of functional activities involving
functional mobility (TUG) and challenging activities like TST. The time of
climbing down the stairs reduced 40% with orthosis use. No improvement was
observed in exercise capacity, measured by the 6MWT, and in the quality of life
evaluation. The satisfaction with the TQJTP orthosis use was important in the
questions related to walk, material, comfort and to do
different tasks. We concluded that the TQJTP orthosis was crucial to reduce the
limitations imposed by the tasks of everyday life, highlighting patient
satisfaction with their use.
Key-words: multiple
sclerosis, quality of life, gait.
A esclerose múltipla
(EM) é uma doença desmielinizante que causa uma degeneração difusa no sistema
nervoso central (SNC) gerando déficits neurológicos graves [1]. Em geral, se
manifesta no início da vida adulta sendo predominante no sexo feminino, em uma
proporção de cinco para um [1,2]. Existe uma forte evidência para a
suscetibilidade genética à EM, cerca de 15% dos
indivíduos com a doença têm um familiar acometido, sugerindo de acordo com as
evidências, que os desencadeadores ambientais sejam cada vez menos convincentes
[2]. Infelizmente no Brasil não existem dados estatísticos nacionais sobre a
prevalência da doença, apenas informações epidemiológicas regionais. Um exemplo
é a prevalência da doença na região sudeste, entre 12 e 18 casos para cada
100.000 habitantes [3-5].
A EM apresenta um
curso progressivo de sintomas neurológicos e déficits comportamentais motores,
contudo, ainda não se sabe ao certo a sua etiologia [1,2]. O padrão dos
sintomas é complexo, variável e imprevisível. A evolução da EM afeta o controle
motor, altera o tônus e as funções cognitivas [6,7], o
que impõe dificuldades de locomoção e afeta a qualidade de vida dos indivíduos
com tal diagnóstico [8,9].
Algumas alterações
apresentadas no curso da doença, como: fadiga, fraqueza muscular de membros
inferiores e desequilíbrio podem limitar de forma incapacitante a mobilidade
das pessoas com EM [6,8,10,11]. O que tanto nos atenta
a focar no desempenho motor é que independente da gravidade e do tipo da
doença, ocorre uma diminuição da área de secção transversa de fibras musculares
do tipo I, II e IIa; fraqueza dos extensores do
joelho, aumento da porcentagem de gordura no membro inferior e diminuição da
massa magra [11]. Por estar tão comprometida na EM e ser alvo reabilitador, a
força muscular destes indivíduos precisa ser mensurada e acompanhada ao longo
do tempo [8,11,12].
Baseados nestes
aspectos, alguns testes funcionais de fácil aplicabilidade estão sendo
amplamente utilizados para investigar o efeito da fraqueza muscular e das
alterações de equilíbrio na marcha das pessoas com EM [6-8,10,12,13].
A aplicação destes testes evidenciou resultados funcionais alarmantes, como o
aumento do tempo gasto para realizar diversas habilidades funcionais, bem como
aumento da fadiga [8,11], o medo de cair e as quedas [7,12].
Para minimizar a
sensação de incapacidade em realizar tais tarefas, órteses são prescritas,
diminuindo a dificuldade imposta pela fraqueza muscular e proporcionando
melhora das habilidades funcionais, gerando assim maior independência para
realizar as atividades básicas como caminhar, levantar de uma cadeira e subir
degraus [14,15]. Como um coadjuvante ao tratamento, o uso de órteses é indicado
para minimizar as limitações impostas pela doença [12,14,15].
As órteses fornecem ao indivíduo com EM maior funcionalidade e independência
nas suas atividades de vida diária, permitindo a melhora da qualidade do
movimento, prevenção de eventos indesejáveis e correção de deformidades
[14-16]. O uso deste dispositivo auxilia os principais movimentos limitados na
EM durante a marcha, como flexão do quadril, flexão do joelho e dorsiflexão
[15,16]. Além disto, a relação entre a efetividade da órtese é inversamente
proporcional ao seu custo [15], o que de forma oportuna possibilita ao
indivíduo com EM melhorar sua mobilidade funcional, interferindo de maneira
positiva na sua participação social [17] e na qualidade de vida [12].
Levando em
consideração as alterações funcionais apresentadas pelo indivíduo com diagnóstico
de EM, o presente estudo teve como objetivo avaliar a funcionalidade e a
qualidade de vida (QV) de um adulto com diagnóstico de EM, antes e após o uso
da órtese Tronco Quadril Joelho Tíbia e Pé (TQJTP), e investigar a satisfação
com o seu uso.
Trata-se de um estudo
de caso. As avaliações foram realizadas em uma Clínica de Reabilitação na
cidade de Belo Horizonte/MG. Uma cliente em tratamento nessa clínica, com
diagnóstico de EM, foi convidada para participar do estudo após assinar o Termo
de Consentimento Livre e Esclarecido. Este estudo foi aprovado pelo Comitê de
Ética da Universidade de Itaúna Parecer nº 864841.
Descrição
do caso
Neste estudo de caso
foi investigado um adulto do sexo feminino, com 40 anos de idade, diagnosticada
com EM (forma remitente-recorrente) em 2004. Desde o diagnóstico a paciente
está em reabilitação fisioterapêutica. Foi submetida a um transplante de
células-tronco hematopoiéticas na cidade de Curitiba em abril de 2011. Até o
cumprimento das avaliações não fazia uso de nenhum medicamento. Pois segundo
informações da voluntária, após o sucesso do transplante, o uso de medicamentos
era necessário somente na ocorrência de crises agudas, sendo indicado uso de
corticoides. Também foi suspenso o uso da vitamina D pela falta de comprovação
científica.
Características
da Órtese TQJTP
A órtese foi
prescrita baseada nas medidas específicas da voluntária. Construída com
material altamente resistente e flexível, o dispositivo é composto por uma
cinta larga presa por velcro, estendendo-se da primeira vértebra lombar (L1)
até as espinhas ilíacas póstero-superiores (favorecendo a extensão do tronco),
conectando-se ao joelho, tornozelo e pé por meio de um tubo de borracha que se
prende em um cinto de poliéster (Figura 1). A órtese é ajustável,
proporcionando conforto e estabilidade, respeitando as características
biomecânicas da marcha da participante. A órtese TQJTP, variável independente
do estudo, foi projetada de forma minuciosa para potencializar a ação dos
músculos flexores do quadril, flexores do joelho e dorsiflexores no lado
acometido (esquerdo).
Figura
1 – Órtese Tronco, Quadril, Joelho e Pé (TQJTP).
Instrumentos
Para a realização e
controle dos testes, os seguintes instrumentos foram utilizados: esfigmomanômetro
(Diasyst®, São José dos Campos/SP) e o estetoscópio (Littmann Classic 2, St. Paul, MN, USA) para aferição da pressão arterial (PA)
no repouso e após a conclusão dos testes físicos. Também foram utilizados
oxímetro de pulso (NONIN®onyx 9500, MN, USA) para
mensuração da saturação de oxigênio (SpO2) e da frequência cardíaca (FC),
aferido antes, durante e após os testes. Um cronômetro digital (Casio HS-30W) foi utilizado para medir a duração de cada um dos
testes físicos. A Escala de Borg, estabelecida por Borg em 1970, para avaliar o
nível de percepção de esforço antes, durante e após os testes, variando de 0 (nenhuma dispneia e cansaço) a 10 (dispneia e cansaço
severos) [18]. A Escala Visual Analógica (EVA) foi utilizada para indicação de
nível de dor antes, durante e após os testes, numerada de 0 a 10, e 0 significa ausência total de dor e 10 o nível de dor máxima
[19].
Para a avaliação das
habilidades funcionais foram aplicados os testes Timed Up and Go (TUG), o teste
cronometrado de subir e descer escadas (TCSDE) e o teste de caminhada de 6
minutos (TC6M). Todos estes testes seguiram rigorosamente as medidas de
aplicação estabelecidas e consolidadas pela literatura [6,13,15,17,20-22].
Além dos testes físicos foram aplicados dois questionários: um para avaliar a
QV e outro para quantificar a satisfação com o uso da órtese TQJTP.
Medidas
de interesse
Para a avaliação da
qualidade de vida (QV), foi utilizado a Escala de Determinação Funcional da
Qualidade de Vida em pacientes com Esclerose Múltipla (DEFU) [23]. Traduzida e
validada para a população brasileira em 2004 [9], essa escala é específica para
quantificar o estado de saúde dos pacientes diagnosticados com EM. A DEFU é
composta por seis subitens válidos para análise: mobilidade (7
itens), sintomas (7 itens), estado emocional (7 itens), satisfação pessoal (7
itens), pensamento e fadiga (9 itens) e situação social e familiar (7 itens). O
formato das respostas permite escores de 0 a 4 para cada item, no formato tipo
Likert, e considerado o escore reverso para as questões construídas de forma
negativa. Desta forma, os escores maiores refletem melhor qualidade de vida. As
cinco subescalas com 7 itens permitem escores de 0 a
28 e a subescala com 9 itens (pensamento e fadiga) tem seus escores variando de
0 a 36.
Por ser considerado
um teste funcional mais desafiador [21], e por avaliar a força e a potência da
musculatura dos membros inferiores, principalmente dos flexores do quadril,
extensores do joelho e dorsiflexores e flexores plantares da articulação do
tornozelo, principais grupos musculares acometidos na EM [11,13], foi aplicado
o TCSDE. Este teste pode ser considerado uma forma indireta para avaliar
dificuldade em desempenhar tarefas como inclinar, ajoelhar e agachar, principalmente
em indivíduos que apresentam múltiplas limitações [21,24]. Além disto, esta
avaliação envolve grande amplitude de movimento, recrutando diferentes grupos
musculares para subir e descer degraus [11,21]. Para a realização deste teste
foi solicitado à voluntária subir seis degraus [21], virar-se e descer,
voltando para o início, caso necessário foi permitido utilizar o corrimão
[13,25]. Um comando verbal foi dado durante todo o teste para motivar a
voluntária [21,25].
Para avaliar a
mobilidade funcional foi aplicado o teste Timed
Up and Go (TUG) [26], por ser amplamente utilizado
nas disfunções neurológicas. Além disso, este teste possui alta
reprodutibilidade e validade em indivíduos com EM, como observado em estudos
prévios [6,15,22,27]. Esta importante avaliação,
consiste em registrar o tempo de se levantar de uma cadeira de braço, caminhar
três metros (ou 10 passos), virar-se, caminhar de volta e sentar-se, na
velocidade habitual [6,26].
Para avaliar a
capacidade de exercício, resistência e a distância percorrida, foi aplicado o
TC6M [13], realizado em um corredor com comprimento de 30 metros. Este teste
apresenta alta confiabilidade (ICC 0,95-0,99) e reprodutibilidade em detectar
mudanças funcionais nos indivíduos com EM [13,20]. No início do teste, foram
aferidos os dados vitais (PA, FC, frequência respiratória-FR e SatO2). Além disso, foi solicitado a voluntária quantificar
o nível de percepção de esforço através da escala de Borg [13]. Para a
realização do TC6M, a participante foi instruída a caminhar o mais rápido e
seguro possível por seis minutos [8,10,13]. Por
questões de segurança, durante todo o percurso um avaliador acompanhou a
voluntária, caminhando atrás e ao lado [13].
Para quantificar a satisfação da voluntária com o uso da órtese foi construído um questionário específico para este estudo, composto por oito questões sobre: aspectos gerais, colocar e retirar a órtese, aparência, conforto, material, equilíbrio, marcha e AVD (Figura-2). Os escores variam de 0 (muito insatisfeita) a 5 (muito satisfeita).
Como determinado pela
literatura científica [22,25], foi permitido que a voluntária utilizasse o
dispositivo de auxílio à marcha (bengala canadense) durante a realização dos
testes funcionais (TCSDE, TUG e TC6M). Por motivo de cansaço físico, apenas uma
medida de cada teste físico foi considerada [22].
Procedimentos
Um encontro prévio
foi agendado para uma explicação detalhada sobre os testes e foi pedido que no
dia das avaliações a voluntária usasse roupas e calçados confortáveis e
habituais.
As avaliações
funcionais foram realizadas em duas fases, sempre no mesmo horário (manhã).
Para evitar a fadiga muscular da paciente, as duas fases do estudo foram
intervaladas em sete dias. Para a realização dos testes foi necessário dois
dias de avaliação para completar cada fase. Na primeira fase, os testes foram realizados
sem a órtese e na segunda fase, os testes foram realizados com o uso da órtese
TQJTP. Entre as avaliações foi dado um intervalo de dez minutos para descanso
[13,28].
No primeiro dia da
primeira fase, a participante respondeu a DEFU e informou alguns dados sobre a
sua condição de saúde. Posteriormente, foram aferidos os dados vitais e coleta
de informações como a escala de Borg e do questionário EVA. A partir daí foram
iniciados os testes de subir e descer degraus e em seguida o TUG. Por questão
de fadiga muscular, o TC6M foi realizado no dia seguinte [20].
Na segunda fase da
coleta, realizou-se a sequência dos mesmos testes e procedimentos realizados na
primeira fase, no entanto com o uso da órtese TQJTP. A DEFU foi preenchida no
segundo dia da segunda fase, após o término do TC6M. E o questionário de
satisfação com o uso da órtese foi respondido em um encontro posterior, pois
foi permitido que a voluntária levasse o dispositivo para ser utilizado em
casa.
Análise
dos dados
Para a análise dos
dados do presente estudo foram utilizadas tabelas para apresentar os resultados
dos testes de forma descritiva, com e sem o uso da órtese e um gráfico de
barras para descrever os resultados do questionário de satisfação com o uso da
órtese.
Os resultados dos
testes funcionais, TCSDE, TUG e TC6M, estão apresentados na Tabela I. No teste
de subir e descer degraus com o uso da órtese foi observada uma redução de 25%
do tempo em segundos para completá-lo. Na primeira fase, ou seja, sem o uso da
órtese a voluntária gastou praticamente o mesmo tempo para subir e descer a
escada (subir 48s e descer 47s). Na segunda fase, com o uso da órtese, o tempo
de subida registrado foi de 42s e 29s para descida. No TUG o tempo gasto para
realizar o teste reduziu 7%. Não foi observado melhora da capacidade de
exercício, mensurada pelo TC6M.
Tabela
I – Resultados dos testes funcionais com e sem o
uso da órtese TQJTP e a diferença pontuada.
TCSDE = Teste
Cronometrado de Subir e Descer Escadas; TUG = Timed Up and Go
Test; TC6M = Teste de Caminhada de Seis Minutos; (s) segundos e (m) metros.
A Tabela II apresenta
os resultados dos escores isolados e totais dos seis subitens da DEFU.
Tabela
II -
Escores parciais e totais da Escala de
Determinação Funcional da Qualidade de Vida (DEFU) avaliados com e sem o uso da
órtese respectivamente.
A Figura 3 apresenta
os escores pontuados no questionário de satisfação com o uso da órtese TQJTP.
De acordo com as respostas da voluntária, verificou-se que nas questões
relacionadas com a marcha, material utilizado para confecção, conforto e para a
realização de tarefas gerais, a satisfação relacionada com o uso da órtese foi
considerável (escore 4). Nas demais, o escore foi
classificado como intermediário (escore 3).
Figura
3 - Escore de satisfação com o uso da órtese
(5-muito satisfeita, 4- satisfeita, 3-pouco satisfeita, 2- insatisfeita, 1-
muito insatisfeita).
De acordo com os
resultados observados a órtese teve um efeito positivo na realização das
atividades funcionais que envolvem mobilidade funcional (TUG) e em atividades
mais desafiadoras como no TCSDE. No entanto, ao verificar a capacidade de
exercício observada no TC6M, a distância percorrida no tempo pré-estabelecido
foi um pouco inferior com o uso da órtese TQJTP (39 metros com o uso da órtese
e 42 metros sem). Quanto à qualidade de vida, o uso da órtese não mostrou
alteração de acordo com as respostas oriundas da DEFU. A satisfação com o uso
da órtese TQJTP nos critérios relacionados com a marcha, material utilizado
para confecção, conforto e para a realização de tarefas gerais atingiu um
escore 4, mostrando que a satisfação relacionada com o
uso da órtese foi relevante para a paciente realizar tais tarefas e com
conforto.
As disfunções
relacionadas com a marcha são reportadas como um dos aspectos mais
incapacitantes da EM, por isto tão investigadas [8,10,12,13,27,29,30].
Dentre as disfunções mais citadas na literatura relacionadas com a marcha, a
alteração da velocidade, o aumento do gasto energético e alterações do
equilíbrio se destacam [12,13,29]. O pé equino, uma
alteração motora frequentemente diagnosticada na EM,
definido como a incapacidade de realizar dorsiflexão do pé durante a fase de
balanço da marcha, contribui para uma deambulação ainda mais limitada
[12,16,29]. Esta condição refere-se à fraqueza da musculatura dos
dorsiflexores, do aumento do tônus da musculatura plantar (espástico) e do distúrbio no
controle neural, resultando na co-contração da musculatura agonista e
antagonista [29]. Um dos fundamentos biomecânicos proporcionados pela órtese
TQJTP, foi justamente favorecer o movimento de dorsiflexão, o que melhorou a
qualidade da marcha e atenuou as limitações funcionais causadas pelo pé equino.
Consistente com o
presente estudo, na investigação de McLoughlin et al. [16], também não foi observada diferença na distância
percorrida verificada pelo TC6M, em uma amostra de indivíduos com EM que
fizeram testes sem e com o uso de uma órtese AFO (Ankle Foot Orthosis). Por outro lado, Sutliff et al. [15] verificaram, além do aumento da distância percorrida
(24%), melhora da resistência e da velocidade da marcha ao avaliar a eficácia
do uso de uma órtese para auxiliar a flexão do quadril em pacientes com
esclerose múltipla. No estudo de Downing et al. [12], no
qual 53% dos voluntários apresentavam a forma remitente-recorrente de EM, foi
observado diminuição do tempo para completar o teste de caminhada cronometrada
de 25 pés (Timed 25 Foot Walk - T25FW),
com o uso de uma órtese para membro inferior. Segundo os autores, a diminuição
foi significativa, apontando uma redução de 33,1% no tempo para completar o
teste (de 16,6 para 11,1 segundos). Uma provável justificativa para estes
achados positivos é que os estudos que a melhora da distância percorrida foi
evidente foram estudos do tipo experimental, e os indivíduos utilizaram a
órtese em casa. Este fato aponta que é preciso utilizar a órtese por um tempo
mais longo, em um ambiente familiar para aprender o movimento com o
dispositivo. No entanto, uma melhora imediata com o uso da órtese foi vista no
estudo supracitado de Downing et al. [12], uma
diferença de 18,3% no T25FW, comparando as médias de avaliação do estado basal
com e sem o uso da órtese.
De acordo com a
literatura [31], a diminuição da velocidade da marcha, consequentemente da
distância percorrida, tem sido relacionada com a diminuição da força dos
isquiotibiais e quadríceps em pessoas com EM. O baixo desempenho ao realizar o
TC6M está associado com a diminuição da potência da musculatura dos membros
inferiores [8,13]. Existe uma forte correlação negativa no desempenho do TC6M
com o TCSDE [13]. Embora esta associação não tenha sido verificada no presente
estudo, foi observada de forma qualitativa no TC6M uma melhora na qualidade da
cadência [28] com o uso da órtese TQJTP, principalmente no lado afetado. Houve
maior sincronia no comprimento e na largura do passo, além de uma evidente redução
da elevação do quadril esquerdo. De acordo com Sutliff et al.[15], o uso da órtese melhora a eficiência da marcha, o que
pode explicar a melhora dos achados apresentados pelo presente estudo.
Além da melhora da
mobilidade e da eficiência da marcha [15,16], o uso frequente da órtese em
pessoas com EM proporciona uma melhora considerável na percepção da QV [12]. A
diferença mínima estimada pela literatura em detectar mudanças positivas na QV
é de 22 pontos [32]. No presente estudo, a pontuação apresentada pela DEFU se
manteve com o uso da órtese, o que não demonstrou melhora na percepção da QV.
No entanto, de acordo com a literatura [12], quanto mais tempo o indivíduo usa
a órtese em suas tarefas diárias, mais ele percebe mudanças positivas na QV, minimizando
as limitações impostas pela doença [12,16]. Além disso, de acordo com Downing et al. [12], esta diferença pode chegar
até 52,9%, o que pode justificar a não alteração da percepção da QV com o uso
da órtese TQJTP no presente estudo, pois a voluntária utilizou a órtese apenas
na segunda fase das avaliações.
Mesmo não havendo
aumento da distância percorrida no TC6M, a participante classificou como
satisfeita (escore 4), o uso da órtese TQJTP durante a
marcha, de acordo com o questionário de satisfação. Esta classificação positiva
pode ser explicada, pois a órtese favorece os movimentos de forma auxiliar
durante a fase de balanço da marcha, aprimorando o movimento de dorsiflexão,
minimizando estratégias compensatórias, e assim reduzindo a fadiga da
musculatura do joelho durante longas distâncias [12,16]. Assim como um melhor
controle da flexão plantar durante a fase de golpe de calcanhar, o que reduz a
demanda dos extensores do joelho para controlar a flexão do joelho durante esta
fase da marcha [16].
No estudo de Sutliff et al. [15], o nível de satisfação com o
uso de órtese foi considerável, apresentando um escore de 39,9 pontos em 45. O
único escore que ficou abaixo de satisfeito (escore 4)
foi com relação à aparência da órtese.
Apesar de simples e
rápido de ser executado, o TUG é um teste que vai muito além de sua
simplicidade, em virtude da variedade de habilidades executadas em apenas três
metros [6,10,22,26].
O TUG combina quatro fases do
movimento de sentar e levantar (flexão-impulso,
transferência, extensão e
estabilização); três momentos da marcha
(início, aceleração e
desaceleração); a
preparação para girar, o giro e o retorno para sentar
[6]. Indivíduos com
diagnóstico de EM da forma remitente-remissiva, completam o TUG
em um tempo bem
superior quando comparados com indivíduos sem a doença
[6]. No entanto, esta
forma de EM preserva cerca de 20% as habilidades motoras quando
comparado com a
progressiva [30]. No presente estudo, com o uso da órtese TQJTP
houve uma
redução de 25% do tempo para executar o teste, o que
indica que o uso da órtese
TQJTP foi eficiente para potencializar os movimentos peculiares do TUG.
Mesmo
com esta redução no tempo para completar o teste usando a
órtese, a voluntária
ainda apresenta riscos de quedas com o dispositivo como descrito por
Shumway-Cook et al. [33].
O TUG e o TCSDE se
correlacionam [21], confirmando o observado no presente estudo. Assim como o
TUG, o desempenho do TCSDE apresenta demandas motoras sistêmicas de
considerável amplitude de movimento para executá-lo, sendo considerado um teste
funcional relevante para avaliar a potência e a força muscular [24]. Além de
ser um importante identificador funcional de habilidades que envolvem a
participação social [13], o TCSDE envolve uma tarefa usual muito requisitada
pelo ambiente [21]. Os grupos musculares que mais garantem a estabilidade
durante a execução do TCSDE são: os dorsiflexores e flexores plantares do
tornozelo, os extensores do joelho e os flexores do quadril [13,24]. Justamente
grupos musculares mais acometidos na EM [13]. No presente estudo, o tempo gasto
pela voluntária para subir e descer escadas foi inferior quando comparada com
estudos prévios [21,25], no entanto, a quantidade de degraus observada nestes
estudos foi maior, inviabilizando uma comparação mais precisa. Com o uso da
órtese TQJTP, o tempo gasto para a descida (29s) foi inferior quando comparado
com o tempo de subida (42s). Em contrapartida aos dados da literatura [21,25],
que mostram que o tempo para descer é superior em condições patológicas ou em
idade superior a 50 anos [21]. Este dado indica que a órtese TQJTP foi mais
eficiente na descida.
Limitações
do estudo
É um estudo de caso,
com apenas uma voluntária, sendo assim, generalizar a efetividade de uma variável
independente (órtese TQJTP) para uma amostra específica seria uma conclusão
ilusória. No entanto, foi dado o primeiro passo para que um estudo experimental
controlado seja realizado. Um treinamento prévio com o uso da órtese TQJTP
deveria ter sido realizado, ou mesmo o seu uso em domicílio, para uma melhor
familiarização. Principalmente para a aplicação da escala DEFU e para responder
o questionário de satisfação com o uso da órtese. No entanto, o objetivo era
identificar mudanças no desempenho funcional com e sem o uso da órtese TQJTP. O
TC6M não apontou melhora no aumento da distância percorrida com o uso da órtese
TQJTP, mas foi ostensivo para apontar melhoras na sincronia das passadas.
Baseado nestas mudanças, para um bom entendimento, o estudo dos parâmetros
têmporo espaciais da marcha [27,28] deveria ter sido realizado para confirmar
as mudanças qualitativas visualizadas. Outra questão, foi
a quantidade de medidas realizadas [13,25], apenas uma medida sem o uso da
órtese TQJTP e outra medida com o dispositivo. No entanto, uma única medida foi
suportada pelo estudo de Nilsagard et al. [22],
considerada como suficiente para avaliar indivíduos com EM.
O uso da órtese TQJTP
foi efetivo para atenuar as limitações impostas por tarefas que demandam
mobilidade e habilidades envolvendo força e grande amplitude de movimento, como
subir e descer escadas. A satisfação da paciente com o uso da órtese TQJTP nos
critérios relacionados com a marcha e para a realização de tarefas gerais foi
um importante aliado, associando as vantagens funcionais ao conforto. No
entanto, por apresentar um único caso, este estudo limita sua validade externa,
o que indica a necessidade de novos estudos com uma amostra e controle
expressivos.