REVISÃO

Avaliação da força muscular, da atividade muscular e das alterações metabólicas de amputados transtibiais

Assessment of muscle strength, muscle activity and metabolic changes of patients with transtibial amputation

 

Bruna da Silva Sousa*, Thanyze Alice Vicentini Zoccoli**, Camila Cadena de Almeida***, Leonardo Petrus da Silva Paz****, Vera Regina Fernandes da Silva Marães****

 

*Graduada em Fisioterapia da Universidade de Brasília/Faculdade de Ceilândia, **Programa de Pós-Graduação em Engenharia Biomédica – Universidade de Brasília/Faculdade do Gama, ***Mestre em Engenharia Biomédica – Universidade de Brasília, ****Professor Adjunto do Curso de Fisioterapia da Universidade de Brasília/Faculdade de Ceilândia

 

Recebido em 21 de julho de 2015; aceito em 15 de setembro de 2016.

Endereço para correspondência: Bruna da Silva Sousa, QR 402, conjunto 29, casa 12, Samambaia Norte, 72318-030 Samambaia DF, E-mail: sousabrunadasilva@gmail.com; Thanyze Alice Vicentini Zoccoli: thanyzezoccoli@hotmail.com; Camila Cadena de Almeida: cadenacamila@gmail.com, Leonardo Petrus da Silva Paz: leopetruspaz@gmail.com; Vera Regina Fernandes da Silva Marães: vrmaraes@gmail.com

 

Resumo

Objetivo: Reunir os achados na literatura sobre eletromiografia, força muscular e alterações metabólicas em amputados transtibiais. Métodos: Revisão da literatura, realizada no período de janeiro a março de 2014, com pesquisa nas bases de dados eletrônicas: Pubmed, Scielo, Lilacs, BVS, Dedalus e BCE; utilizando-se as palavras-chave: amputado transtibial, EMG, abaixo do joelho, amputados, força muscular, gasto energético e frequência cardíaca, além de seus correspondentes na língua inglesa. Resultados: Foram identificados 144 artigos. Após análise e avaliação, 33 artigos foram selecionados. A demanda metabólica apresenta-se maior durante a marcha de indivíduos amputados em comparação a não amputados. Para o estudo eletromiográfico nessa população são utilizados, principalmente, os músculos bíceps femoral e reto femoral. O torque foi a variável mais descrita por sua relação direta com a força muscular. Conclusão: Os sinais EMG estão fortemente relacionados ao modo como o amputado transtibial irá se locomover. A escolha correta da prótese pode reduzir a demanda metabólica.

Palavras-chave: amputação transtibial, eletromiografia, gasto energético, força muscular.

 

Abstract

Objective: To assemble findings in the literature regarding electromyography, muscle strength and metabolic alterations in patients with transtibial amputations. Methods: Literature review from January to March of 2014 in Pubmed, Scielo, Lilacs, BVS, Dedalus and BCE databases; the following key words were used: transtibial amputee, sEMG, below the knee, amputees, muscle strength, energy expenditure and its Portuguese equivalents. Results: 144 articles were identified. After subsequent analysis and evaluation, 33 were selected. Metabolic demand appears to be increased during amputees gait in comparison to non-amputees subjects. Concerning EMG studies, the main muscles used in this population are both biceps femoris and rectus femoris. Torque was the most described variable for its directly relation with muscle strength. Conclusion: EMG signals are strongly related to the transtibial amputee locomotion. The proper prosthesis selection may reduce metabolic demand.

Key-words: transtibial amputation, electromyography, muscle strength, energy expenditure.

 

Introdução

 

A amputação transtibial é caracterizada pela desarticulação do tornozelo e a preservação da articulação do joelho; é uma das amputações mais ocorrentes na atualidade e causa alterações físicas, psicológicas e fisiológicas nos amputados [1]. Podendo ser realizada no terço proximal, distal ou medial da perna, que serão definidos visando uma melhor funcionalidade da articulação do joelho. O coto torna-se diferente de acordo com os níveis de amputação, e os níveis mais distais e mediais apresentam vantagens quando comparados aos proximais devido a menor demanda energética durante a marcha, facilidade de colocação de prótese, e manutenção da articulação do joelho [2].

Ainda não existem dados oficiais a respeito da incidência das amputações de membros inferiores no Brasil, no entanto, ao analisar os dados da Finlândia, utilizados como referência para o Brasil, o cenário não é diferente dos EUA, sendo as doenças vasculares as mais prevalentes (72,90%), seguidas de infecções (6,50%), diabetes (4,80%), traumas (1,60%), e tumores (1,10%). Vale ressaltar que as causas são um dos fatores que influenciam na protetização e cicatrização do coto residual [3].

A reabilitação de amputados possui foco principalmente no reestabelecimento da independência e funcionalidade da marcha. Na amputação transtibial há perda dos flexores plantares, musculatura responsável pela geração de 80% da energia mecânica necessária para o ciclo de marcha. Esse fato ocasiona um recrutamento da musculatura remanescente para suprir a nova demanda funcional [4], ou seja, as forças necessárias de que o corpo precisa gerar a fim de se locomover à frente são geradas principalmente pelos músculos da coxa e do quadril (no caso do membro amputado). Na reabilitação é necessário um conhecimento das capacidades dos músculos remanescentes desta população, realizando uma estimação dos mecanismos compensatórios que são necessários para o suporte do corpo e propulsão à frente. A fim de promover uma melhora nos dispositivos auxiliares, como a prótese, fica clara a necessidade de se entender as forças que o corpo deve gerar para locomover-se adequadamente e buscar uma redução do esforço necessário para a marcha do amputado [5].

Nesse sentido, a utilização de instrumentos como a eletromiografia (EMG), que permite o estudo da função muscular por meio da captação do sinal elétrico que emana do músculo, tem mostrado sucesso para a avaliação da atividade muscular durante a marcha [6]. Para uma avaliação mais completa, é recomendada a realização da EMG no dinamômetro isocinético, um equipamento que permite o estudo da função dinâmica dos músculos através da avaliação quantitativa do arco de movimento, da força e de variáveis do desempenho muscular, sendo caracterizado pela velocidade angular constante e resistência dependente do esforço [7,8].

A demanda energética pode ser definida como a utilização de energia para realizar atividades ou exercer trabalho [9], esta apresenta diferenças de acordo com as condições físicas e ou posições cinéticas. A frequência cardíaca é definida como o número de batimentos cardíacos por unidade de tempo [10], sua variação acompanha o trabalho exercido pelo indivíduo e o seu estudo garante informações específicas a respeito das modulações das atividades parassimpática e simpática de regulação do sistema cardiovascular, em que a frequência cardíaca apresenta-se variável de acordo com as condições fisiológicas [11].

Apesar dos avanços a respeito da reabilitação de amputados e dos métodos de avaliação, esses assuntos continuam pouco explorados na literatura. Assim, entende-se a necessidade de realização de novos estudos que abordem essa população, para que as peculiaridades desses indivíduos sejam entendidas diante do processo de reabilitação.

Neste contexto, o presente estudo buscou reunir na literatura os achados sobre eletromiografia, força muscular e alterações metabólicas no processo de reabilitação em amputados transtibiais.

 

Métodologia

 

Este estudo se constitui em uma revisão da literatura a respeito da avaliação da atividade muscular por meio da eletromiografia, a força muscular e as alterações metabólicas em amputados transtibiais. Durante o período de janeiro a março de 2014, realizou-se a pesquisa nas bases de dados eletrônicas Pubmed, Scielo (Scientific Electronic Library Online), Lilacs (Literatura Latino-Americana e do Caribe em Ciências da Saúde), BVS (Biblioteca Virtual em Saúde), Dedalus (Bancos de Dados Bibliográficos da USP) e BCE (Banco de Dados Bibliográficos da UNB). Para a pesquisa bibliográfica foram utilizadas as seguintes palavras-chave: amputado transtibial, EMG, abaixo do joelho, amputados, força muscular, gasto energético e frequência cardíaca, além de seus correspondentes na língua inglesa.

Os critérios de seleção foram, além de leituras críticas do material encontrado, os trabalhos de maior relevância para o tema, estudos em humanos, de resultados mais objetivos e os mais citados. Os artigos identificados pela estratégia de busca foram avaliados, obedecendo rigorosamente aos critérios de inclusão: texto na íntegra, ano de realização (preferencialmente após 2000), população-alvo (amputados transtibiais), método utilizado e idioma (português, inglês e espanhol). Tais estratégias foram tomadas com o intuito de maximizar os resultados da pesquisa, uma vez que foi constatada escassez de literatura. Após leitura dos títulos, resumos e texto na íntegra, foram excluídos os estudos que não foram considerados relevantes à pesquisa ou que apresentaram poucas informações ou informações incompletas. Foram utilizados estudos publicados anteriormente a 2000 por serem considerados fundamentais a pesquisa.

 

Análise dos dados

 

Os dados foram agrupados de acordo com os instrumentos e objetivos buscados, que auxiliam no processo de reabilitação:

1) Demanda metabólica – permite a avaliação do nível de comprometimento ou alteração do metabolismo do amputado, quando em uso de apoios de ambulação ou prótese durante repouso e marcha;

2) Eletromiografia – permite a avaliação da atividade elétrica muscular;

3) Força muscular – permite o estudo da função muscular.

 

Resultados

 

Foram selecionados 33 artigos. A figura 1 apresenta o processo de revisão dos dados.

A amputação transtibial causa alterações na demanda energética, correlacionadas à marcha e materiais de próteses, estas evidenciadas na literatura (Quadro I).

Foram encontrados 12 artigos a respeito da eletromiografia como forma de avaliação de amputados transtibiais (Quadro II). De acordo com os achados, para o estudo eletromiográfico de amputados transtibiais são utilizados, principalmente, os músculos: bíceps femoral, reto femoral, vasto lateral e gastrocnêmio; sendo o primeiro e o segundo os músculos mais estudados. O eletrodo mais utilizado foi o de superfície e a frequência de amostragem adotada pelos autores variou entre 500 e 1200 Hz. A maioria dos estudos foi realizada com homens amputados transtibiais unilaterais, que foram avaliados durante a marcha.

Sobre a avaliação da função muscular de amputados transtibiais, 10 artigos foram selecionados (Quadro III). O torque, relação entre a força realizada e a distância percorrida, foi a variável mais descrita dentro desta população por sua relação mais direta com a força muscular. A velocidade angular constante mais utilizada nos estudos encontrados foi a de 60°/s, variando entre contrações concêntricas, excêntricas e isométricas. Todos os estudos utilizaram o dinamômetro isocinético para avaliação de força dos extensores e dos flexores da coxa de amputados transtibiais.

 

Figura 1 - Processo de revisão da literatura.

 

 

 

Quadros I, II, III  – (ver PDF em anexo)

 

 

Discussão

 

A amputação transtibial gera consequências estruturais, fisiológicas e mecânicas que afetam o metabolismo, devido a uma necessidade de compensações (processos morfológicos e funcionais) para realização de atividades diárias. No quadro I (descrição de resultados), foram discutidas e analisadas nos artigos utilizados, em que a demanda energética apresenta-se maior em comparação a indivíduos não amputados, apresentando alternâncias de valores quando estudada em comparação as variáveis: marcha, nível de amputação, uso de apoios para locomoção, e material das próteses. Os estudos citados nessa tabela que realizaram pesquisa em indivíduos utilizaram técnicas de calorimetria indireta para verificação de taxa metabólica e estimativa de consumo de oxigênio, ergometria, testes de esforço de pedalagem, verificação de pressão arterial e exames laboratoriais.

A demanda energética em amputados transtibiais apresenta-se maior do que em indivíduos não amputados, devido a maior consumo energético e esforço exercido a fim de compensar a perda funcional e estrutural. O uso de determinados tipos de próteses pode reduzir em até 10% o nível de consumo de oxigênio, visto que amputados transtibiais consomem entre 10% a 30% de energia a mais que não amputados, quando analisados em marcha, pois as próteses são aplicadas como objetivo de compensar a perda funcional e permitir uma função adequada [12,13].

Alguns fatores biomecânicos podem influenciar positivamente ou negativamente na locomoção, o que afeta indiretamente o consumo energético. A prótese, se possível, deve ser escolhida a fim de reduzir o consumo energético e respiratório, visto que próteses hidráulicas consomem mais energia devido a maior força e esforço exercido e ao peso da prótese ser extremamente maior que o do membro não amputado. As próteses com microprocessador apresentam-se mais leves e facilitam a locomoção, o que resulta em uma diminuição da demanda energética e menor força exercida pelo membro residual [14].

Os amputados transtibiais, de forma geral, apresentam melhor adaptação e consumo energético do que amputados transfemorais [15]. Próteses mais leves, funcionais e sofisticadas asseguram um menor consumo energético independentemente do nível de amputação e braço de alavanca [12].

Segundo Pastre [1] e Nunes [16], a obtenção de equilíbrio muscular no membro residual deve ser a mesma para o membro não amputado, a fim de proporcionar um maior desenvolvimento da marcha, melhorando a locomoção e impedindo o consumo energético de forma inadequada. Apenas com o uso da prótese há aumento inadequado no padrão energético do amputado e, quando comparado ao uso de muletas, o padrão pode ser aumentado em até duas vezes [17].

Independente de amputação, o consumo máximo de oxigênio, o limiar anaeróbico, a ventilação pulmonar e a frequência cardíaca apresentam relação direta com a demanda energética. Em indivíduos amputados, quando em atividade, ocorre um aumento da frequência cardíaca de aproximadamente 30% a mais do que em não amputados, visto que ao exercerem uma maior atividade e força para realizar o movimento com uso de suportes ou prótese, o aumento da ventilação pulmonar para captação de O2 aumenta consideravelmente a frequência cardíaca destes indivíduos, principalmente se a causa da amputação for traumática ou cardiovascular [18].

Existem fatores intrínsecos importantes em relação à amputação e que acabam influenciando na demanda energética e frequência cardíaca, como a velocidade e continuidade de deambulação (devido ao deslocamento do centro de massa) e aumento do potencial de energia exercido por esses indivíduos que acabam por elevar o consumo energético para suprir as demandas ao iniciar a adaptação corporal dos mesmos [19].

Em estudos de casos e de amostras significativas, amputados transtibiais apresentam um aumento da pressão arterial e frequência cardíaca nas posições ortostática e supino, apresentando a primeira maior alteração em comparação à segunda, visto que o volume de oxigênio obtido é consideravelmente maior. Os amputados transtibiais traumáticos apresentam alterações cardiovasculares e metabólicas que influenciam na pressão arterial negativamente quando em marcha, repouso e atividades aeróbicas que não utilizem membros inferiores [20].

Em relação à força muscular, Moirenfeld et al. [21] ressaltam que a dinamometria isocinética é um método de avaliação efetivo e confiável no exame do paciente amputado transtibial para estabelecer as diferenças das forças musculares, permitindo a avaliação objetiva e direta dos componentes de desempenho muscular. No dinamômetro isocinético a resistência é ajustada para o esforço do sujeito pelo mecanismo de medição do dispositivo, ou seja, quando fatores limitantes, como dor ou desconforto, são subitamente introduzidos, a resistência é imediatamente ajustada para o esforço do paciente, o que minimiza o risco de lesões.

Isakov et al. [22] realizaram um estudo com 18 amputados transtibiais, comparando um grupo de amputados recentes com outro de amputados que realizam estudos isocinéticos há mais de 7 anos. Nesse estudo, o isocinético foi utilizado nas formas concêntricas, excêntricas e isométricas da musculatura de extensores e flexores do joelho. Nos achados houve diminuição no pico de torque e na média máxima de torque em ambos os grupos, porém os amputados mais antigos não apresentaram diferenças significativas, inferindo-se que a maior perda de força vem nos primeiros anos da amputação. Em um estudo realizado por Klingenstierna et al. [23], o isocinético foi utilizado em um protocolo de treinamento de 8 a 10 semanas, com 8 pacientes amputados em decorrência de doença vascular. A análise do músculo vasto lateral foi utilizada como parâmetro e demonstrou o aumento da área de secção transversa no membro amputado, principalmente nas fibras do tipo II após o treinamento (contração rápida). O pico de torque aumentou em todos os ângulos na extensão e 180º na flexão, em ambos os membros.

A amputação traumática transtibial acarreta mudanças musculares, principalmente no déficit muscular, que apresentam diminuição no período pós-protético, principalmente quando em altas velocidades e durante o pico de torque. Observa-se, porém, que homens apresentam maior força e déficit muscular que as mulheres, independentemente do período de amputação [24]. Em relação à força e resistência muscular, os grupamentos quadríceps e isquiotibiais apresentaram maior pico de torque e menor índice de fadiga nos membros não amputados, demonstrando a maior força e resistência muscular desse membro [21].

A variável mais analisada em artigos sobre avaliações isocinéticas foi o pico de torque que, segundo Nolan [25], apresenta-se na maioria das vezes semelhante entre amputados transtibiais ativos e não amputados (ativos), variando entre 8 e 14%, caracterizando que os que realizam atividades estimulam os grupamentos musculares a manterem-se equivalentes ao membro não amputado. Os amputados sedentários apresentam perda funcional com relação ao pico de torque, devido a maior assimetria em comparação aos amputados ativos. Os amputados transtibiais ativos apresentam melhor equilíbrio e propriocepção, o que influencia positivamente no consumo energético. No entanto, não se pode afirmar se a perda funcional ocorre devido às atividades realizadas ou por atrofia residual [26].

Ao analisar a variável pico de torque associada à força muscular e densidade mineral óssea, observa-se que amputados com grande perda óssea (de etiologia incerta), resulta em pico de torque reduzido, padrões de marcha alterados, diminuição da carga de peso, desuso e atrofia, que influenciam tanto na isocinética muscular quanto na demanda energética [27].

Ao trabalhar o membro amputado de forma semelhante ao membro não amputado, pode-se melhorar a funcionalidade geral do indivíduo, de forma que exercícios de resistência muscular melhoram os picos de torque, índices de fadiga, força, equilíbrio muscular, movimento de marcha (principalmente nas posições de flexão/extensão, adução/abdução de quadril e joelho), influenciando assim positivamente na demanda energética. Além disso, é de suma importância trabalhar com o paciente no leito o posicionamento do coto, a fim de evitar predisposições de colágeno em regiões estáticas, melhorando o deslizamento e a efetividade motora [1].

Segundo Huang et al. [28], projetos recentes de próteses para membro inferior oferecem menor demanda energética aos pacientes durante a marcha e melhor estabilidade. Porém, a maioria dos protótipos desenvolvidos utiliza o controle mecânico, o que torna a prótese pesada e não permite a realização do movimento de forma suave. Nesse sentido, os autores afirmam que a eletromiografia de superfície (EMG) é uma das principais fontes de controle neurais para próteses de membros superiores, órteses motorizadas experimentais e robôs de reabilitação. No entanto, quando se trata de próteses para membro inferior, os estudos sobre o controle neural são escassos. Seyedali et al. [29] afirmam a necessidade do desenvolvimento de próteses para membro inferior com controle neural e ressaltam que a EMG pode ser utilizada para auxiliar no controle de próteses para amputados de membros inferiores. O controle da atividade mioelétrica oferece vantagens potenciais, como a captação da intenção do movimento e a correta ativação dos músculos responsáveis pela ação. Huang & Ferris [30] afirmam que, por ainda ser pouco explorados, um dos inconvenientes inerentes a esses dispositivos é que o controle com base na detecção intrínseca não é muito efetivo em tarefas motoras variáveis, com obstáculos e superfícies instáveis.

Estudos que investigam a atividade mioelétrica de amputados transtibiais por meio da EMG têm se centrado sobre os músculos intactos do quadril e joelho, ou seja, nos músculos que não foram afetados pela amputação [31]. Isakov et al. [32] investigaram a atividade eletromiográfica de amputados transtibiais durante a marcha e demonstraram que durante a primeira metade da marcha a atividade EMG dos isquiotibiais na perna amputada é três vezes maior do que a atividade do quadríceps. Ao compararem com a perna sadia, também houve uma atividade maior por parte dos isquiotibiais, porém menos de o dobro da do quadríceps. Winter & Sienko [33] explicam a diferença de ativação muscular com a hipótese de que o sistema nervoso do amputado reconhece sua nova assimetria e compensa a perda da função motora.

Isakov et al. [34] afirmam que a utilização de prótese em amputados transtibiais requer maior atividade do bíceps femoral durante o período de manutenção da postura para melhorar o suporte da articulação do joelho da perna amputada. Powers et al. [35] também revelaram que indivíduos com amputações transtibial exibiram aumentos significativos na atividade EMG do quadríceps e isquiotibiais durante a fase de apoio da marcha. Os autores explicam este maior recrutamento muscular como um indicativo de maior demanda mecânica. A co-contração substancial sobre o joelho parece ser um mecanismo para estabilizá-lo e controlar a flexão durante a resposta à carga.

Segundo Centomo et al. [36] e Centomo et al. [37], a falta de co-contração pode predispor à instabilidade do joelho, resultando em tensão adicional sobre às estruturas internas do joelho. O estudo realizado com crianças com amputação transtibial revelou que elas executam tarefas com cinemática semelhantes a crianças não amputadas, porém elas usaram diferentes agonistas do joelho e a coordenação muscular antagonista para atingir os mesmos resultados que crianças não amputadas [37]. Centomo et al. [36] realizaram um estudo com crianças amputadas transtibiais e analisaram sua co-contração do joelho comparando com crianças sem deficiência durante a marcha. Os autores afirmam que crianças com amputação transtibial possuem padrões musculares modificados em seu membro amputado e produzem menor co-contração quando comparadas a crianças sem deficiência. Ambos os estudos sugerem que as crianças com uma amputação transtibial têm seus padrões musculares alterados para realizar a locomoção.

A revisão bibliográfica realizada por Soares et al. [4] mostrou que a estratégia desenvolvida pelo amputado unilateral transtibial durante a marcha é influenciada pela velocidade de movimento, lateralidade e pé protético. Nesse sentido, Fey et al. [38] identificaram as mudanças na atividade muscular por meio da eletromiografia em amputados transtibiais em resposta ao aumento da velocidade de caminhada em estado estacionário. Os autores afirmam que a maioria dos padrões EMG dos amputados foram quase sempre semelhantes entre as pernas e aumentaram de acordo com a velocidade. No entanto, as diferenças foram observadas na perna residual nos músculos bíceps femoral e reto femoral, que mostraram aumento da atividade desde o início em relação à perna intacta. Estas compensações são consistentes com a necessidade de adaptação da fase de propulsão na ausência dos flexores plantares. Em concordância, Viton et al. [39] analisaram as estratégias de controle de equilíbrio e movimento em amputados transtibiais e concluíram que a reduzida capacidade para estabilizar o membro relaciona-se com a limitação de mobilidade da articulação do tornozelo no lado da prótese e com a falta de músculos ativos.

Conforme citado anteriormente, Huang et al. [28] afirmam que a eletromiografia de superfície (EMG) é uma das principais fontes de controle neurais para próteses. Segundo Peeraer et al. [40], o uso de microcomputadores como controle inteligente para próteses abre uma variedade de possíveis estratégias de controle para articulações artificiais, porém ressaltam que ainda é preciso desenvolver estudos sobre como driblar a necessidade de alto nível de amplificação do sinal mioelétrico, visto que alguns músculos são incorporados em considerável camada de gordura. Além disso, os autores destacam o abaulamento dos músculos durante a amputação, que frequentemente resulta em deslocamentos musculares que influenciam no sinal da EMG. Ainda, é imprescindível o posicionamento correto dos eletrodos sobre os músculos do coto.

Dentro do processo de reabilitação e protetização, surge a necessidade de um olhar mais amplo e menos focado somente no membro que sofreu a amputação. É importante ressaltar que dentre todos os estudos, nenhum obteve amostra suficiente para que os dados fossem extrapolados para a população de amputados transtibiais, sendo recomendável a realização de novos estudos com amostras maiores.

 

Conclusão

 

Nesta revisão sistemática de literatura, pode-se destacar que os parâmetros da avaliação isocinética demonstram que sujeitos com amputação transtibial possuem um déficit de força muscular tanto do membro amputado em relação ao membro não amputado quanto do membro não-amputado em relação a população normal. O presente estudo mostrou que uma maior ênfase durante a reabilitação de grupos musculares principais, como os extensores de joelho, pode resultar em uma melhor habilidade de deambulação de indivíduos com amputação transtibial. Os padrões de atividade muscular analisados por meio da eletromiografia (EMG) estão fortemente relacionados com o modo em que o amputado transtibial irá se locomover, tornando o método uma das principais fontes de controle neurais para próteses. A escolha de próteses de fácil adaptação, mais leves e sofisticadas que facilitem a locomoção é de extrema importância, pois podem reduzir o consumo energético que influenciará na diminuição da frequência cardíaca, ventilação respiratória, consumo e captação de oxigênio e pressão arterial.

Sugere-se a realização e publicação de novos estudos sobre as alterações metabólicas, atividade muscular e força muscular em amputados transtibiais, buscando ampliar as evidências científicas sobre os assuntos para que o desenvolvimento de próteses baseadas no controle neural e a prática clínica sejam fundamentadas corretamente.

     

Referências

 

  1. Pastre CM, Salioni JF, Oliveira BAF, Micheletto M, Júnior JN. Fisioterapia e amputação transtibial. Arq Ciênc Saúde 2005;12(2):120-4.
  2. Schoppen T, Boonstra A, Groothoff JW, Vries J, Goëken LN, Eisma WH. Physical, mental, and social predictors of functional outcome in unilateral lower-limb amputees. Arch Phys Med Rehabil 2003;84:803-11.
  3. Fernandes AC, Ramos AC, Casalis MEP. AACD Medicina e reabilitação: princípios e prática. São Paulo: Artes Médicas; 2007. p.231-44.
  4. Soares ASOC, Yamaguti EW, Mochizuki L, Amadio AC, Serrão JC. Biomechanical parameters of gait among transtibial amputees: a review. Sao Paulo Med J 2009;127(5):302-9.
  5. Voinescu M, Soares DP, Jorge RMN, Davidescu A, Machado LJ. Estimation of the forces generated by the tight muscles for transtibial amputee gait. J Biomech 2012;(45):972-7.
  6. Oliveira DCS, Rezende PAMSL, Silva MR, Lizardo FB, Sousa GC, Santos LA et al. Análise eletromiográfica de músculos do membro inferior em exercícios proprioceptivos realizados com olhos abertos e fechados. Rev Bras Med Esporte 2012;18(4):261-6.
  7. Marães VRFS, Cruz BOAM, Moreira JA, Sampaio TF, Almeida CC, Garcia PA. Avaliação do quadril de amputados transfemorais durante a contração isométrica em dinamômetro isocinético. Rev Bras Med Esporte 2014;20(5):336-9.
  8. Vieira L, Bottaro M, Celes R, Viegas CAA, Silva CAM. Avaliação muscular isocinética do quadríceps em indivíduos com doença pulmonar obstrutiva crônica. Rev Port Pneumol 2010; 16(5):717-36.
  9. World Health Organization WHO. Energy and Protein Requirements. WHO Technical Report Series. Geneva: WHO;1985. p.724.
  10. Carazzato JG. Medicina esportiva: noções básicas para o ortopedista. Rev Bras Ortop 1993;28 (10):697-706.
  11. Marães VRFS. Identification of anaerobic threshold using heart rate response during dynamic exercise. Braz J Med Biol Res 2005;38:731-5.
  12. Bona R, Aldabe D, Ribeiro J. Avaliação do gasto energético em pacientes amputados de membro inferior protetizados. Arquivos Sanny de Pesquisa em Saude 2008;1:98-108.
  13. Novak V. Analise da distribuição da pressão plantar e do equilíbrio em indivíduos com amputações unilaterais por meio de parâmetros baropodométricos e estabilométricos [Dissertação]. São José dos Campos: Universidade do Vale do Paraíba; 2010.
  14. Bona R, Peyré-Tartaruga LA. Mecânica e energética da locomoção de amputados: Uma revisão. Pensar a Prática 2011;14(1).
  15. Cóssio ACR. O tratamento fisioterapêutico do paciente com amputação transtibial traumática [Dissertação]. São José dos Campos: Universidade Veiga de Almeida; 2007.
  16. Nunes PC. Tratamento fisioterapêutico na fase pré-protetização em pacientes com amputação transtibial unilateral. Fisioter Bras 2009;10(4)294-9.
  17. Longato MW, Castro PR, Keller KC, Ribas DIR. Efeito do isostretching no equilíbrio de indivíduos amputados: um estudo de caso. Fisioter Mov 2011;24(4):689-96. 
  18. Netto FC, Gonzales JS. Desporto adaptado a portadores de deficiência: atletismo. Porto Alegre: UFRGS; 1996.
  19. O' Sullivan SB. Fisioterapia: avaliação e tratamento. 5a ed. São Paulo: Manole; 2010.
  20. Veshiri M. Consumo de oxigênio de amputados traumáticos transtibiais no repouso e exercícios. Revista de Medicina: Curitiba; 2013.
  21. Moirenfeld I, Ayalon M, Ben-Sira D, Isakov E. Isokinetic strength and endurance of the knee extensors and flexors in transtibial amputees. Prosthet Orthot Int 2000;24:221.
  22. Isakov E, Burger H, Gregoric M, Marincek C. Isokinetic and isometric strength of the thigh muscles in below-knee amputees. Clin Biomechs 1996;11(4):233-5.
  23. Klingenstierna U, Renstrom P, Grimby G, Morelli B. Isokinetic strength training in below-knee amputees. Scand Rehabil Med 1990;22:39-43.
  24. Augusto C. Avaliação isocinética em amputações transtibiais: análise da força muscular dos flexores e extensores dos joelhos. Rev Movimento & Saúde 2013;6:5(26).
  25. Nolan L. Lower limb strength in sports-active transtibial amputees. Prosthet Orthot Int 2009;33(3):230-41.
  26. Yazicioglu K, Taskaynatan MA, Guzelkucuk U, Tugcu I. Effect of playing football (soccer) on balance, strength, and quality of life in unilateral below-knee amputees. Am J Phys Med Rehabil 2007;86:800-5.
  27. Ismail S. Amputation muscle strength and bone mineral density in mine victims with transtibial. Prosthet Orthot Int 2009;33(4):299-306.
  28. Huang H, Kuiken TA, Lipschutz RD. A Strategy for Identifying Locomotion Modes Using Surface Electromyography. IEEE Trans Biomed Eng 2009;56(1):65-73.
  29. Seyedali M, Czerniecki JM, Morgenroth DC, Hahn ME. Co-contraction patterns of trans-tibial amputee ankle and knee musculature during gait. J Neuroeng Rehabil 2012;9:29.
  30. Huang S, Ferris DP. Muscle activation patterns during walking from transtibial amputees recorded within the residual limb-prosthetic interface. J Neuroeng Rehabil 2012;9:55.
  31. Thorn BS, Current T, Kuhse B. Preliminary investigation of residual limb plantarflexion and dorsiflexion muscle activity during treadmill walking for trans-tibial amputees. Prosthet Orthot Int 2012;36:435.
  32. Isakov E, Keren O, Benjuya N. Trans-tibial amputee gait: Time-distance parameters and EMG activity. Prosthet Orthot Int 2000;24:216.
  33. Winter D, Sienko SE. Biomechanics of bellow-knee amputee gait. J Biomech 1988;21(5):361-7.
  34. Isakov E, Burger H, Krajnik J, Gregoric M, Marincek C. Knee muscle activity during ambulation of trans-tibial amputees. J Rehab Med 2001;33:196-9.
  35. Powers CM, Rao S, Perry J. Knee kinetics in trans-tibial amputee gait. Gait and Posture 1998;8:1-7.
  36. Centomo H, Amarantini D, Martin L, Prince F. Muscle adaptation patterns of children with a trans-tibial amputation during walking. Clin Biomech 2007;22:457-63.
  37. Centomo H, Amarantini D, Martin L, Prince F. Differences in the coordination of agonist and antagonist muscle groups in below-knee amputee and able-bodied children during dynamic exercise. J Electromyogr Kinesiol 2008;18:487-94.
  38. Fey NP, Silverman AK, Neptune RR. The influence of increasing steady-state walking speed on muscle activity in below-knee amputees. J Electromyogr Kinesiol 2010;20:155-61.
  39. Viton JM, Mouchnino L, Mille ML, Cincera M, Delarque A, Pedotti A et al. Equilibrium and movement control strategies in trans-tibial amputees. Prosthet Orthot Int 2000;24:108.
  40. Peeraer T, Aeyels B, Perre V. Development of EMG-based mode and intent recognition algorithms for a computer-controlled above-knee prosthesis. J Biomed Eng 1990;12(3):178-82.
  41. Serpa C. Avaliação da força muscular ventilatória de indivíduos com amputação transtibial. [TCC]. Paraná: Universidade Francisco Assis Gurgacz; 2004.
  42. Gaspar AP, Ingham SJN, Chamlian TR. Gasto energético em paciente amputado transtibial com prótese e muletas. Acta Fisiátr 2011;10(1):32-4.
  43. Pedrinelli A. Estudo comparativo da força dos músculos flexores e extensores do joelho pela avaliação isocinética entre pacientes com amputação transtibial e indivíduos normais. Acta Ortop. Bras 1999;7(1):1-13.
  44. Pedrinelli A, Saito M, Coelho RF, Fontes RBV, Guaniero R. Comparative study of the strength of the flexor and extensor muscles of the knee through isokinetic evaluation in normal subjects and patients subjected to transtibial amputation. Prosthet Orthot Int [online] 2002;26:195-205.
  45. Yazicioglu K, Tugcu, I, Safaz I, Yilmaz B, Göktepe AS, Taskaynatan MA. Muscle strength and bone mineral density in mine victims with transtibial amputation. Prosthet Orthot Int [online] 2009;33(4):299-306.
  46. Visser JMA et al. Is hip muscle strength the key to walking as a bilateral amputee, whatever the level of the amputations? Prosthet Orthot Int 2011;35:451.
  47. Aytar A, Pekyavas NO, Ergun N, Karatas M. Is there a relationship between core stability, balance and strength in amputee soccer players? A pilot study. Prosthet Orthot Int 2012;36(3):332-8.
  48. Chamlian TR, Melo ACO. Avaliação functional em pacientes amputados de membros inferiors. Acta Fisiatr 2008;15(1):49-58
  49. Debastiani J. Avaliação do equilíbrio e funcionalidade em indivíduos com amputação de membro inferior protetizados e reabilitados. [TCC]. Cascavel: Centro de Ciências Biológicas e da Saúde da Universidade Estadual do Oeste do Paraná; 2005.