REVISÃO
Realidade
virtual em pacientes pós-acidente vascular cerebral: revisão sistemática com metanálise
de ensaios clínicos randomizados
Virtual reality in patients after stroke: a systematic review and meta-analysis
of randomized controlled trials
Maira Canêz Tonetta, Ft.*,
Lisiane Fernandes da Rosa, Ft.*, Laís Rodrigues Gerzson, Ft.**, Graciele Sbruzzi***,
Carla Skilhan de Almeida, Ft.****
*Universidade
Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), Porto Alegre/RS, **Docente do
Curso de Fisioterapia da Universidade Regional Integrada do Alto
Uruguai e das Missões, Erechim/RS, ***Docente do Curso de
Fisioterapia da Universidade Federal
do Rio Grande do Sul, Porto Alegre/RS, ****Docente do Curso de
Fisioterapia da Universidade
Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre/RS
Recebido em 19 de novembro
de 2015; aceito em 20 de janeiro de 2017.
Endereço
para correspondência:
Carla Skilhan Almeida, Rua Felizardo 750, 90690-200 Porto Alegre RS, E-mail: carlaskilhan@gmail.com;
Maira Canêz Tonetta: mairactonetta@gmail.com; Laís Rodrigues Gerzson: gerzson.lais@yahoo.com.br;
Lisiane Fernandes da Rosa: lisifisio.ufrgs@gmail.com; Graciele Sbruzzi: graciele.sbruzzi@ufrgs.br
Resumo
A prática da realidade
virtual na reabilitação de pacientes pós-AVC permite a realização de tarefas orientadas
e funcionais, possibilitando fácil adaptação ao grau de função dos pacientes, favorecendo
na reabilitação. O objetivo do trabalho foi revisar sistematicamente os efeitos
da realidade virtual comparada à fisioterapia convencional ou grupo controle em
relação ao equilíbrio, função motora e marcha em pacientes com sequelas crônicas
de AVC. A busca incluiu as bases Medline, Pedro, Lilacs e Cochrane Central do início
das bases até junho de 2014. Dos 549 ensaios clínicos randomizados identificados,
24 foram incluídos. A intervenção com realidade virtual melhorou: o equilíbrio avaliado
com Escala de Equilíbrio de Berg (2,55 pontos; IC 95%: 0,79 a 4,30; I²: 93%); função
motora de mão avaliada com Box and Block Test
(BBT) (5,89 blocos; IC 95%: 4,32 a 7,46; I²: 0%); função motora de membro superior
avaliado com Escala de Fulg-Meyer (3,15 pontos; IC 95%: 2,02 a 4,28; I²: 33%); marcha
com teste de caminhada de 10 metros (2,37 cm/s; IC 95%: -8,25 a 13,00; I²: 94%).
A realidade virtual mostrou resultados positivos nos pacientes com sequelas de AVC,
sendo uma possibilidade relevante dentre os recursos já existentes.
Palavras-chave: acidente vascular cerebral,
retroalimentação sensorial, Fisioterapia, reabilitação.
Abstract
The practice of virtual reality in the rehabilitation post stroke patients
allows oriented and functional tasks, enabling easy adaptation to patients' level
of function, favoring rehabilitation. The aim of this study was to review systematically
the effects of virtual reality compared to conventional physical therapy or control
group regarding on balance, motor function and gait in patients with chronic sequelae
of stroke. The search included the Medline, Pedro, Lilacs and Cochrane Central databases
from the beginning of bases through June 2014. We identified 549 randomized clinical
trials, but included only 24. The intervention improved with virtual reality: the
balance assessed with the Berg Balance Scale (2.55 points; 95% CI: 0.79 to 4.30;
I²: 93%); hand motor function assessed with Box and Block Test (BBT) (5.89 blocks;
95% CI: 4.32 to 7.46; I²: 0%); of upper limb motor function assessed with Fulg-Meyer
Scale (3.15 points; 95% CI: 2.02 to 4.28; I²: 33%); march to walk 10 meters test
(2.37 cm / s; 95% CI: -8.25 to 13.00; I²: 94%). The virtual reality showed positive
results in patients with stroke sequelae, one possibility among relevant existing
resources.
Key-words: stroke, sensory
feedback, Physical therapy, rehabilitation.
O acidente vascular cerebral
(AVC) está entre as principais causas de óbito no mundo, sendo responsável por aproximadamente
5,5 milhões de mortes [1]. É uma importante causa de deficiências e incapacidades
resultando em sequelas variáveis para o indivíduo que podem ser sensitivas, motoras
e/ou cognitivas. Dentre as sequelas motoras que se apresentamnessa
lesão, a mais frequente é a hemiparesia [2-4]. Muitas
formas de recuperar
o movimento são usadas hoje em dia, como a prática da
realidade virtual (RV), por
exemplo. Esta prática da realidade virtual como
reabilitação para pacientes pós-AVC
está sendo bastante explorada na última década,
visto que o ambiente virtual pode
simular situações do mundo real [5] de modo que a terapia
possa ser facilmente adaptada
ao grau de função dos pacientes [6], favorecendo na
recuperação da negligência hemiparética
destes pacientes [7].
A realidade virtual permite
a interação do usuário com um mundo criado pelo computador no qual sua própria imagem
é responsável pelo desempenho das funções propostas [8]. Ela concede a realização
de tarefas orientadas e funcionais em um ambiente enriquecido, o que torna a prática
motivadora e aumenta o engajamento do paciente no gesto motor, auxiliando a sua
reabilitação [9].
Muitos estudos têm focado
na intervenção da RV para membros superiores em pacientes com AVE em diferentes
fases. Um estudo observou a função de membros superiores e função motora obtendo
resultados significativos e melhores no grupo intervenção quando avaliados com Medida
de Independência Funcional (MIF) e Fulg Meyer [10]; outro estudo avaliou função
de membros superiores obtendo aumentos significativos, após a intervenção para o
grupo intervenção [11]; outro ainda avaliou a função motora e atividades de vida
diária resultando em escores maiores nos movimentos propositais e escores nulos
nos movimentos não propositais para o grupo intervenção [12]. A realização desta
revisão sistemática mostrou-se necessária, pois novos ensaios clínicos randomizados
foram realizados recentemente com desfechos além de membro superior, ou seja, propondo
intervenções variadas com métodos avaliativos diferentes (melhora de equilíbrio
e deslocamento de peso corporal) [13,14], com grupos crônicos, grupo controle, que
vislumbrem melhoras no desempenho referente ao equilíbrio, função motora e marcha,
enriquecendo esta temática.
Assim, o objetivo neste
estudo foi revisar sistematicamente os efeitos da realidade virtual comparada à
fisioterapia convencional ou grupo controle sobre o equilíbrio, função motora e
marcha em pacientes com sequelas crônicas de AVC.
Critérios
de elegibilidade
Foram incluídos ensaios
clínicos randomizados (ECR) realizados com pacientes com sequelas crônicas de AVC
hemorrágico ou isquêmico (mais de seis meses do episódio), que utilizaram como intervenção
a realidade virtual comparada à fisioterapia convencional ou grupo controle, e foram
considerados como desfechos equilíbrio, marcha e função motora.
Estratégia
de busca
A busca foi realizada
nas bases de dados Medline (via PubMed), Cochrane Central,
Lilacs e PEDro, do início das bases até junho de 2014, além de busca manual em referências
de estudos já publicados sobre o assunto. A busca compreendeu os seguintes descritores
"Feedback, Sensory", "User-Computer Interface",
“Stroke” associados a seus termos sinônimos e uma lista de termos sensíveis para
a busca por ensaio clínico randomizado [15].
Extração
dos dados
A
extração dos dados foi
realizada por dois revisores de forma independente, utilizando um
formulário padronizado.
Foram extraídas informações com
relação às características
metodológicas dos estudos,
participantes, intervenções e desfechos. A
avaliação do equilíbrio foi realizada
através de Escala de Equilíbrio de Berg, teste Time Up and Go, posturografia, Tetrax Balance System, Falls Efficacy Scale-International (FES-I),
Physical Activity Enjoyment Scale (PACES),
Gold Balance System, Functional Reach Test e variáveis de equilíbrio
estático e dinâmico. O desfecho função motora foi avaliado através de Box and Block Test, Escala de Fulg-Meyer,
medida de independência funcional (MIF), Upper
Limb Motricity Index e Action Research
Arm Test. A avaliação da marcha foi realizada através do teste de caminhada
de 10 minutos, teste de caminhada, teste de obstáculos, teste caminhada de 6 minutos,
Walking Ability Questionnaire (WAQ), Activities-specific Balance Confidence
(ABC) Scale, Functional Ambulation Category (FAC) e Modified Motor Assessment Scale (MMAS; item de deambulação apenas).
Discordâncias foram resolvidas por consenso.
Avaliação
do risco de viés
A
avaliação da qualidade
dos estudos foi realizada de forma independente por dois revisores
(M.C.T. e L.F.R.),
através da avaliação das seguintes
características: geração da sequência de
randomização,
alocação sigilosa, cegamento dos avaliadores dos
desfechos, descrição das perdas
e exclusões e análise por intenção de
tratar. Estudos sem uma descrição clara dessas
características foram considerados como não claros ou
não informados. Discordâncias
entre os revisores foram resolvidas por consenso entre eles.
Análise
dos dados
Os cálculos das metanálises
foram realizados utilizando modelo de efeito randômico. Para todos os desfechos,
o cálculo do tamanho do efeito foi realizado através da diferença entre as médias
e do desvio padrão da diferença entre as médias. Para os estudos que não reportavam
o desvio padrão da diferença entre as médias, o mesmo foi imputado utilizando o
valor p intragrupo do grupo experimental e do grupo controle, e para os estudos
que não relatavam o valor p, o desvio padrão da diferença entre as médias foi calculado
a partir da média aritmética dos desvios padrões dos outros estudos que avaliaram
o mesmo desfecho. Intervalo de confiança de 95% (IC95%) e o valor de p ≤ 0,05
foram considerados estatisticamente significativos. A heterogeneidade
estatística dos efeitos do tratamento entre os estudos foi avaliada usando o teste
Q de Cochran e o teste da inconsistência
I2, em que valores acima de 25% e 50% foram considerados como indicativo
de heterogeneidade moderada e alta, respectivamente [16]. Todas as análises foram
realizadas utilizando o programa Review Manager
versão 5.3 (Colaboração Cochrane).
Descrição
dos estudos
A estratégia de busca
identificou 549 artigos, dos quais 520 foram considerados relevantes e retomados
para análise detalhada. Vinte e quatro estudos preencheram os critérios de elegibilidade
e foram incluídos na revisão sistemática totalizando 569 participantes. A figura
1 mostra o fluxograma dos estudos incluídos e a Tabela I apresenta as principais
características destes estudos.
Figura 1 - Fluxograma dos estudos incluídos na revisão.
Tabela I - Características dos estudos incluídos. (ver PDF em anexo)
As intervenções com realidade
virtual realizadas foram Wii Fit Balance Board, esteira
com realidade virtual, jogos de realidade virtual, jogos sob plataforma de equilíbrio,
esteira com obstáculos virtuais e tarefas em cenário virtual. Nas intervenções do
grupo controle foram encontradas fisioterapia convencional,
terapia ocupacional, fonoaudiologia, esteira, tarefas funcionais, prancha de equilíbrio,
caminhada com obstáculos reais, FES, tarefas de membros superiores e sem intervenção.
O tempo de intervenção variou de 30 minutos a 120 minutos para ambos os grupos,
numa frequência de duas até cinco vezes por semana num período de duas semanas até
três meses.
Risco de
viés
Dos
24 estudos incluídos,
apenas um não relatou a geração da sequência
de randomização (baixo risco de viés),
54,6% relataram alocação sigilosa (moderado risco de
viés), 75,6% tinham cegamento
dos avaliadores dos desfechos e descreveram perdas e exclusões
(baixo risco de viés), e 50,4% realizaram análise por intenção de tratar, representando
moderado risco de viés para esse desfecho (Tabela II).
Tabela II - Avaliação do risco de viés dos estudos.
Efeitos
das intervenções
Equilíbrio
Quatro artigos [10,17-19]
avaliaram equilíbrio com a Escala de Equilíbrio de Berg (n = 90) e houve uma melhora
significativa nessa variável quando comparado aos grupos intervenção e grupo controle
(2,55 pontos; IC 95%: 0,79 a 4,30; I²: 93%) (Figura 2).
Figura 2 - Equilíbrio avaliado com a Escala de Berg:
Devido à alta heterogeneidade
encontrada, foi realizada uma análise de sensibilidade retirando um dos estudos
[19], pois o mesmo diferiu em relação aos outros quanto à intensidade, tendo o grupo
intervenção realizado 70 minutos de treinamento e o controle apenas terapia convencional durante 40 minutos, ambos quatro vezes por semana
por quatro semanas. Nos outros três estudos os grupos intervenção e controle realizaram
120 e 110 minutos respectivamente de tratamento cinco vezes por semana por seis
semanas. Com a retirada desse artigo, não houve alteração no resultado global (1,61
pontos; IC 95%: 1,00 a 2,21), mas houve redução importante na heterogeneidade (I2:
20%).
Quatro artigos [13,17,18,20] avaliaram o equilíbrio com o teste Time Up and Go
(n = 94) e não foi encontrada diferença significativa entre os grupos (-1,01 segundos;
IC 95%: -1,34 a -0,68; I²: 41%) (Figura 3).
Figura 3 - Equilíbrio avaliado com o teste Time Up and Go.
Devido à heterogeneidade
encontrada, foi realizada uma análise de sensibilidade retirando um dos estudos
[20], pois este estudo diferiu dos outros em relação à intensidade dos treinos,
já que foram realizados duas vezes por semana durante seis semanas. Já nos três
estudos restantes foram realizados tanto para grupo intervenção quanto controle
120 e 110 minutos respectivamente, tratamento cinco vezes por semana por seis semanas.
Com essa análise, foi observada uma melhora significativa no tempo de realização
do teste (-1,15 segundo; IC 95%: -1,46 a -0,83) e houve diminuição importante da
heterogeneidade (I²: 15%).
Outras formas
de avaliação do equilíbrio
Um estudo [14] avaliou
equilíbrio estático usando posturografia, teste Time Up and Go, Tetrax Balance System, Falls Efficacy
Scale-International (FES-I) e Physical
Activity Enjoyment Scale (PACES). O grupo experimental apresentou melhora significativa
no índice de estabilidade em relação ao grupo controle em: 1) cabeça reta com os
olhos abertos em superfície de espuma; 2) os olhos fechados em superfície sólida
com a cabeça girada em 30° para a esquerda; e 3) em posições de cabeça para cima
(interação tempo-grupo p = 0,02, 0,04 e 0,03 respectivamente). Ambos os grupos apresentaram
melhora no teste Timed Up and Go, em testes de chegar a frente e medo de cair. O grupo
experimental gostava de treinamento mais do que o grupo controle (p = 0,03). O estudo
não foi incluído na metanálise, pois expõe os resultados entre grupos intervenção
e controle, não apresentando valores pré e pós-intervenção do grupo controle e do
grupo intervenção.
Em outro estudo [21],
os autores avaliaram o equilíbrio através dos testes Gold Balance System e Functional
Reach Test e após a intervenção, o grupo experimental apresentou melhora significativa
na capacidade de equilíbrio estático sentado e na capacidade de equilíbrio dinâmica.
Em outro estudo [22],
os autores avaliaram através de diversas variáveis para equilíbrio estático e dinâmico
e mostrou que nem esteira tradicional nem treino em esteira com RV teve qualquer
efeito sobre a habilidade do equilíbrio na postura estática, mas o treino em esteira
com RV melhorou habilidade de equilíbrio na direção médio-lateral mais do que o
treinamento tradicional. O treinamento na esteira com RV também melhorou a habilidade
do equilíbrio durante as transferências de sentado para em pé e o envolvimento de
membro parético em nível de caminhada mais do que treinamento tradicional.
Função motora
Três estudos [11,23,24] avaliaram função motora com o Box and Block Test (BBT)
(n = 74) e mostraram uma melhora significativa na função motora de mão quando comparado
com os grupos controles (5,89 blocos; IC 95%: 4,32 a 7,46; I²: 0%) (Figura 4).
Figura 4 - Função motora avaliada com Box and Block Test.
A Escala de Fulg-Meyer
foi utilizada para avaliação de função motora de membro superior em sete artigos
[11,23-28], resultando um n = 232 e foi observada uma melhora significativa na função
motora quando comparado o grupo intervenção com o grupo controle (3,15 pontos; IC
95%: 2,02 a 4,28; I²: 33%). Devido à heterogeneidade moderada encontrada, foi realizada
uma análise de sensibilidade retirando um estudo [25], pois este realizou apenas
terapia com realidade virtual no grupo intervenção no período de três vezes por
semana, quando comparado aos outros estudos ou eram numa intensidade maior ou tinha
outra terapia associada a realidade virtual. Com a retirada
desse artigo, não houve alteração no resultado global da metanálise e houve ausência
de heterogeneidade (3,71 pontos; IC: 95%: 2,68 a 4,74; I²: 0%) (Figura 5).
Figura 5 - Função motora avaliada com a Escala de Fulg-Meyer.
Três estudos [26,28,29] avaliaram função motora global com a medida de independência
funcional (MIF) (n= 108) e foi observado que não houve diferença significativa entre
grupo intervenção e controle (2,56 pontos; IC 95%: -1,33 a 6,46; I²: 0%) (Figura
6).
Figura 6 - Função motora avaliada com a Medida de Independência
Funcional.
Outras formas
de avaliação da função motora
Um estudo [30] avaliou
a função motora de membros superiores através do Upper Limb Motricity Index obtendo um pequeno aumento nos escores
(7-8 pontos) em ambos os grupos, porém não significativo e através do Action Research Arm Test obtendo também um
pequeno aumento (4 pontos) a favor do grupo controle, porém
não significativo.
Outro estudo [31] utilizou
um questionário no final do tratamento para medir o grau de satisfação de cada paciente
e Escala de Fulg-Meyer. Pacientes tratados em Tele-RV apresentaram valores médios
iguais ou maiores do que os pacientes do grupo RV em todos os 12 itens investigados,
com exceção de um. Em relação ao desempenho do motor, o grupo Tele-RV melhorou significativamente
(P = 0,05), enquanto que o grupo RV não mostrou nenhuma mudança significativa. Pacientes
designados para o grupo Tele-RV eram capazes de se envolver na terapia em casa e
o sistema de videoconferência garantiu uma boa relação entre o paciente e o fisioterapeuta
cuja proximidade física não era necessária. No desempenho motor, o grupo Tele-RV
melhorou significativamente com pontuação de 51,2 para 56,6 (Z ¼ -2.0, P = 0,05),
enquanto que o grupo RV mostrou uma melhoria da média do escore de 49,4 para 56,0,
mas não foi significativo (Z ¼ 21,8, P = 0,05). O estudo não foi incluído na metanálise,
pois não são expostos os valores para cada grupo.
Noutro estudo [32] os
participantes do grupo de videogame realizaram uma média de 271 movimentos intencionais
e 37970 atividades contadas em comparação com 48 movimentos propositais e 14872
atividades contadas no grupo tradicional (z = -3.0, P = 0,001 e z = -1.9, P = 0,05,
respectivamente). Os participantes do grupo tradicional realizaram uma média de
26 movimentos não propositais em comparação com zero movimento proposital no grupo
de videogame (z = -4,2, P = 0,000). Forte correlação significativa foi encontrada
entre a habilidade motora do membro superior com deficiência motora e a repetição
dos participantes em ambos os grupos (r = 0,86, P < 0,01). Os participantes foram
avaliados através de Fulg Meyer, MIF, MMSE (mini mental
state examination). O estudo não foi incluído nas metanalíses, pois os valores são
expostos em mediana e interquartil, não sendo possível comparar com os outros estudos.
Marcha
A marcha foi avaliada
por 3 estudos [19,20,33] através do teste de caminhada
de 10 metros, totalizando um n = 68 e foi observado que não houve diferença significativa
entre os grupos intervenção e controle (2,37 cm/s; IC 95%: -8,25 a 13,00; I²: 94%).
Devido à heterogeneidade encontrada, foi realizada uma análise de sensibilidade
retirando um dos estudos [19], pois este teve como critério de inclusão a capacidade
de o paciente caminhar sozinho e sem auxílio por no mínimo 30 metros dentro de casa,
enquanto outro estudo [33] selecionou pacientes que fossem capazes de caminhar mais
de 10 metros sem auxilio dentro de casa e outro estudo [20] incluía pacientes que
caminhassem sozinhos com ou sem auxílio. Com a retirada desse artigo, não houve
alteração no resultado global da metanálise (-2,61 cm/s; IC 95%: -2,61 a 0,79),
mas houve redução importante da heterogeneidade (I²: 17%) (Figura 7).
Figura 7 - Marcha avaliada com o teste de caminhada de 10
metros.
Outras formas
de avaliação da marcha
As avaliações realizadas
em um estudo [34] consistiram em um teste de equilíbrio, teste de caminhada, teste
de obstáculos e teste caminhada de 6 minutos. O treinamento
obstáculo virtual gerou maiores melhorias na velocidade da marcha em comparação
com treinamento real (20,5% vs. melhoria 12,2%) durante o teste de caminhada rápida
(p < 0,01). Melhorias na velocidade da marcha para ambos os métodos de treinamento
foram semelhantes no teste de caminhada auto-selecionado
(33,3% vs. 34,7%). No geral, os indivíduos apresentaram mudanças clinicamente significativas
na velocidade da marcha, comprimento do passo, resistência para caminhada e capacidade
de vencer obstáculos, como resultado para qualquer método de treinamento. A inclusão
de maior segurança e aumento visual pode ser responsável pela eficácia da intervenção
em realidade virtual.
A avaliação da marcha
em outro estudo [35] foi feita através do teste de caminhada de seis minutos e maiores
mudanças na velocidade e distância percorrida foram demonstradas para o grupo treinado
com o dispositivo robótico juntamente com a RV do que o treinamento com o robô sozinho.
Da mesma forma, melhorias significativamente maiores na distância percorrida e no
número de passos dados na comunidade foram mensuradas para o grupo que treinou com
o robô juntamente com a RV.
Um estudo [36] avaliou
os participantes através de Walking Ability
Questionnaire (WAQ), Activities-specific
Balance Confidence (ABC) Scale e itens
relacionados à marcha. Os indivíduos do grupo experimental melhoraram significativamente
a velocidade de caminhada e tempo andando na comunidade. Quanto à comparação entre
os grupos, o grupo experimental melhorou significativamente mais do que o grupo
controle em velocidade da marcha (P = 0,03) e tempo de caminhada na comunidade (P
= 0,04) no período pós-treino.
Os autores de outro estudo
[37] avaliaram função locomotora através de Functional
Ambulation Category (FAC) e Modified Motor
Assessment Scale (MMAS; item de deambulação apenas). O FAC foi concebido para
analisar os níveis de assistência necessária durante uma caminhada de 15m sem considerar
qualquer dispositivo auxiliar utilizado. O MMAS é uma medida com base no desempenho
proposto para avaliar a função motor. Encontraram uma melhora significativa na função
motora após RV (P = 0,05).
Sumário
da evidência
No presente artigo, realizamos
uma revisão sistemática com metanálise para avaliar os efeitos da realidade virtual
quando comparada e fisioterapia convencional ou grupo controle em pacientes com
sequelas crônicas de AVC. Nossos resultados demonstraram evidência significativa
de melhora para os desfechos de equilíbrio, função motora e marcha quando tratados
com realidade virtual (RV).
Na prática da reabilitação
neurofuncional vários tratamentos terapêuticos estão disponíveis para reabilitação,
sendo os tradicionais a facilitação neuromuscular proprioceptiva, o conceito neuroevolutivo
e a reaprendizagem motora. A realidade virtual é uma técnica em ascensão. As novas
tecnologias atraem os indivíduos e proporcionam um recurso interativo e lúdico durante
a reabilitação, tornando o paciente mais motivado e participativo por gostar mais
do tratamento [14].
O uso da realidade virtual
foi significativo para alguns aspectos de equilíbrio nos integrantes dos estudos
de três estudos [14,21,22]
e para o resultado global da
metanálise [10,17-19]. O equilíbrio é essencial
para possibilitar o desempenho de
tarefas, seja em repouso (equilíbrio estático) ou em
movimento (equilíbrio dinâmico).
Alterações em componentes do equilíbrio, como
diminuição de força muscular,
limitação
na amplitude de movimento, modificações de tônus,
controle motor, organização sensorial
e alterações cognitivas [38] modificam a capacidade
funcional do indivíduo, tornando-o
mais propenso a quedas. O medo de cair pode influenciar negativamente
na qualidade
de vida e na independência funcional de pacientes pós-AVC
[39]. Um estudo com 1174
indivíduos pós-AVC mostra que em dois anos, após o
acometimento, o risco de queda
é de 46% (IC, 43-48%) com lesões associadas a queda em
15% e fratura de quadril em 2,1% [40]. Um estudo realizado com 102 idosos avaliados
com Time up and Go
mostrou que houve correlação significativa entre desequilíbrio, tempo despendido
e queda, assim como entre tontura e queda [41]. Nosso estudo sugere uma opção eficaz
para a melhora do equilíbrio em pacientes com lesão crônicas resultantes do AVC.
Os estudos inclusos na
metanálise de função motora de mão [11,23,24] demonstraram
melhora, bem como os de função de membro superior [11,14,23,24,26-28]. Um estudo
mostrou melhora nos movimentos intencionais e não intencionais dos indivíduos tratados
com videogame [42]. O déficit na função motora interfere na realização de tarefas
com finalidades específicas a serem atingidas através de
movimento voluntário o que resulta em dependência funcional reduzindo a qualidade
de vida dos pacientes. Um estudo com pacientes com sequelas crônicas de AVC mostra
que havia uma maior dependência das informações visuais para compensar a perda sensório-motora
[43]. Através do feedback visual proporcionado pela RV,
os indivíduos podem controlar seus próprios movimentos e tentar reproduzir os movimentos
padrão exigidos para cumprir a tarefa que é mostrado em tempo real.
Muitos dos métodos de
realidade virtual descritos neste estudo exigem que o paciente utilize o membro
afetado, o que sugere ganhos na função motora, visto que no cotidiano os pacientes
acabam negligenciando o membro parético, pois criam estratégias compensatórias e
utilizam mais o membro não afetado. Quanto a medida de
independência funcional, pode não ter sido significativa, já que o tempo de tratamento
apresentado nos estudos foi de cinco dias por um período de quatro semanas [26,28]
e três dias por seis semanas [29] o que seria um curto período de tempo para avaliar.
Outro fator que pode ser
considerado refere-se aos critérios de inclusão e exclusão. Encontramos como critério
de inclusão dos artigos: sentar-se de forma independente por pelo menos 30 minutos
e seis meses pós-AVC [29], ter recebido tratamento convencional de fisioterapia
no período logo após o acidente vascular cerebral e seis meses após-AVC [28] e um
ano pós-AVC [26]. Encontramos como critério de inclusão de estudo a presença de
hemiplegia completa [26]. Estudos indicam que a recuperação do quadro funcional
depende da severidade do acometimento e ocorre principalmente nas seis semanas após
o episódio [44].
Resultados positivos foram
encontrados para velocidade da marcha, distância percorrida, comprimento do passo,
resistência para caminhada, capacidade de vencer obstáculos. Estudo recente com
adultos com 65 anos ou mais de idade demonstra que a velocidade da marcha foi significativamente
associada com a sobrevivência. Além disso, a marcha com velocidade lenta é preditivo
de hospitalização, institucionalização, deficiência, demência e quedas em idosos
[45]. Nos pacientes pós-AVC, consequências funcionais tais como um estilo de vida
sedentário, limitações para realizar atividades de vida diária, contribuem para
a baixa autoestima, depressão, isolamento social e deterioração física [46]. A RV
apresenta-se como uma ferramenta de intervenção que vem se mostrando eficaz e motivadora,
capaz de utilizar as tarefas aprendidas na terapia em RV para as atividades cotidianas.
A inclusão de maior segurança e aumento visual pode ser responsável pela eficácia
da intervenção em realidade virtual.
Conforme novas habilidades
são aprendidas e novas experiências adquiridas, as células nervosas alteram sua
forma de responder ao ambiente e, com isso, refletir as circunstâncias de sua alteração.
Estudos têm demonstrado que as conexões neuronais corticais podem ser remodeladas
pela experiência a fim de melhorar funções neurológicas e habilidades [47].
As intervenções clássicas
buscam resolver os comprometimentos motores e a inabilidade das tarefas de vida
diária através do comportamento repetitivo buscando através da repetição da prática
física uma resposta que influencie na atividade motora. A reabilitação através da
realidade virtual pode ser adicionada as práticas clássicas fornecendo estímulos
diferenciados (por exemplo, visual, auditivo, motivacional) e proporcionando ao
paciente experiências diversificadas para favorecer o seu
processo de reabilitação, auxiliando para que o paciente retorne as suas atividades
de vida diária o quanto antes. Nesse âmbito os processos de plasticidade neural
podem ser favorecidos pela realidade virtual.
Pontos fortes
e limitações
Algumas limitações presentes
no nosso estudo merecem ser destacadas. Primeiramente, os estudos incluídos na nossa
revisão sistemática possuem diferentes métodos de aplicação da RV, a citar plataforma
de força, jogos virtuais, esteira em realidade virtual, esteira com obstáculos virtuais
e tarefas em ambiente virtual. Além disso, os estudos diferiram quanto ao tempo
e intensidade das intervenções.
Comparação
com outras revisões
Autores de outra revisão
sistemática [48] realizaram seu trabalho a respeito desse tópico recentemente, porém
incluindo AVC crônico e agudo além de o grupo controle não ter nenhuma intervenção.
Nesse artigo, observaram-se os efeitos de realidade virtual e jogos de vídeo interativo
no membro superior, membro inferior e função motora global após-AVC, seja ele crônico
ou agudo, relacionados à função e atividade dos membros superiores, função da marcha
e equilíbrio, atividade e função motora global. Os resultados foram estatisticamente
significativos para a função braço (diferença média padronizada (SMD) 0,53, intervalo
de confiança de 95% (IC) 0,25 a 0,81 baseado em sete estudos
com 205 participantes), já neste estudo não se observaram efeitos estatisticamente
significativos para a força de preensão ou velocidade da marcha, ao contrário desse
não houve como determinar o efeito sobre a função motora global, devido ao número
insuficiente de estudos comparáveis. Esta revisão inclui estudos que compararam
a realidade virtual com qualquer intervenção alternativa ou nenhuma intervenção.
Esta revisão sistemática
com metanálise sugere que o tratamento com realidade virtual melhora o equilíbrio,
a função motora e a marcha, merecendo assim consideração como intervenção adicional
em pacientes com sequelas decorrentes de AVC. No entanto divergências nas intensidades
de tratamento e métodos de aplicação da realidade virtual sugerem que são necessários
novos ECR sobre esse assunto.