REVISÃO

Efeitos do treinamento de correr descalço em corredores

Effects of barefoot training in runners

 

Pollyanna Flávia Cordeiro*, Kênia Kiefer Parreiras de Menezes, M.Sc.*, Patrick Roberto Avelino, M.Sc.*

 

*Universidade Federal de Minas Gerais, Departamento de Fisioterapia, Belo Horizonte/MG

 

Recebido em 17 de março de 2017; aceito 8 de dezembro de 2017.

Endereço para correspondência: Kênia Kiefer Parreiras de Menezes, Universidade Federal de Minas Gerais, E-mail: keniakiefer@yahoo.com.br; Pollyanna Flávia Cordeiro: pfcfisio@gmail.com; Patrick Roberto Avelino: patrickpk4@yahoo.com.br

 

Resumo

Introdução: Os variados momentos da corrida descalça precisam ser melhor esclarecidas do ponto de vista científico. O objetivo desta revisão da literatura foi estudar os efeitos de programas de treinamento de correr descalço em indivíduos corredores ativos. Material e métodos: Buscas nas bases Medline, Cinahl, Sportdiscus, Web of Science, Lilacs e Pedro, com seleção dos artigos por dois avaliadores independentes. A qualidade metodológica foi avaliada pela escala Pedro. Resultados: Foram encontrados cinco ensaios clínicos controlados e dois aleatorizados. A qualidade metodológica dos estudos foi de baixa a moderada, com média de 4,1 pontos. Os estudos incluíram de 12 a 26 participantes, com idade entre 18 e 30 anos, quatro foram realizados com atletas e três com corredores recreacionais. Dentre os sete estudos incluídos, os efeitos dos programas de treinamento de correr descalço encontrados foram: melhora da economia de energia na corrida, alterações cinéticas e cinemáticas em membros inferiores, alteração do padrão de ativação muscular e maior estabilidade do tornozelo. Conclusão: O treinamento de correr descalço promove alterações significativas no padrão biomecânico dos membros inferiores dos indivíduos, que poderiam estar relacionadas a um melhor desempenho e menor número de lesões. Além disso, quando comparados aos efeitos imediatos, os resultados seriam mais significativos quando os indivíduos são submetidos a programas de treinamento para a nova condição.

Palavras-chave: corrida, educação física e treinamento, biomecânica.

 

Abstract

Introduction: The phases of the barefoot running need to be better scientifically investigated, and the objective of this literature review was to investigate the effects of barefoot running training program in active runners. Methods: Searches were conducted on Medline, Cinahl, Sportdiscus, Web of Science, Lilacs and Pedro databases. The studies were selected by two reviewers. The methodological quality was assessed by Pedro scale. Results: Five controlled and two randomized trials were found. The methodological quality of the studies was low to moderate, with mean Pedro score of 4.1. The studies included 12 to 26 participants, with age from 18 to 30 years, and four trials included athletes, whereas three included recreational runners. Between the seven studies included, the effects of the barefoot running training program found were: improvement of running economy, kinetic and kinematic changes in the lower limbs, muscle activation pattern alteration and increased ankle stability. Conclusion: This systematic review showed that barefoot training promotes significant changes in the biomechanical pattern of the lower limbs, which could be related to a better performance and lower number of injuries. In addition, when compared to immediate effects, the results would be more significant when subjects undergo training programs for this new condition.

Key-words: running, physical education and training, biomecanics.

 

Introdução

 

Anteriormente utilizada como meio de sobrevivência, hoje a corrida é praticada como uma atividade recreativa, tendo em vista os benefícios para a saúde e bem-estar do corpo humano que ela promove [2]. Como exemplos destes benefícios, podemos citar redução dos níveis de colesterol, redução da gordura corporal, aumento da força dos membros inferiores, melhora da ansiedade e do humor e redução do estresse, entre outros [3,4].

Com o aumento do número de adeptos à corrida nos últimos anos [5], cresce também a necessidade de se investigar os padrões biomecânicos da atividade e os fatores relacionados à sua execução [6]. A incidência de lesões no membro inferior em corredores de longa distância varia de 19,4% a 79,3%, com fatores como prática esportiva, superfície de corrida e tipo de calçado como fatores de risco [7]. O aparecimento destas lesões também está relacionado, dentre outros fatores, ao protocolo (parâmetros como intensidade e distância) adotado, demonstrando, assim, a importância de um acompanhamento profissional especializado e com as devidas orientações.

Apesar do avanço tecnológico em calçados convencionais [8], uma prática comum atualmente tem sido o hábito de correr descalço ou com o uso de calçados minimalistas [6,9]. O aumento da atividade de correr descalço surgiu da necessidade de prevenção de lesões e da maior eficiência durante a execução da corrida e da melhora da performance encontrados em alguns corredores profissionais, quando comparado àqueles que corriam calçados [10]. De fato, estudos têm demonstrado uma redução nas lesões em corredores descalços, em comparação a corredores calçados [6,9]. Tais achados se justificariam devido ao fato de que os indivíduos que correm calçados fazem o contato inicial com o retropé, apresentam menor ativação do músculo tibial anterior e pré-ativação também menor dos músculos gastrocnêmio e sóleo [6,9]. Já nos indivíduos que correm descalços, é observado um padrão de contato inicial com o antepé, com menor tempo de contato com o solo, menor cadência e menor comprimento da passada, fatores que em conjunto estão associados a uma redução na carga de impacto [6,9,11]. Além disso, esse contato inicial com o antepé gera um aumento do ângulo de flexão do joelho no contato com o solo e menor flexão do joelho durante a fase de apoio, reduzindo a resultante do braço do momento de extensão do joelho e, talvez, diminuindo o estresse através da articulação patelofemoral [6].

Atualmente, várias são as investigações sobre os efeitos cinemáticos nos membros inferiores durante a atividade de correr descalço [10]. Uma revisão sistemática recente investigou os riscos e benefícios de correr descalço ou com calçados minimalistas em indivíduos saudáveis [6]. O estudo considerou medidas cinéticas e cinemáticas entre correr descalço e calçado, gasto energético, mudanças na frequência cardíaca e achados eletromiográficos. Como resultados, foram encontradas diferenças cinemáticas nos corredores descalços como: menor cadência (frequência de passos), menor comprimento da passada e menor contato com o solo. Estes fatores causam uma diminuição do pico de força máxima de reação do solo no contato inicial, reforçando a hipótese de menor carga de impacto [6]. Outra revisão sistemática investigou diferenças biomecânicas entre corredores descalços de longa distância e corredores calçados [12]. Foram observadas nos corredores descalços redução no pico de força de reação do solo, aumento da flexão plantar do tornozelo e aumento da flexão do joelho no contato com o solo em comparação com os corredores calçados [12]. Baseados nestes achados, os autores reportam que estas diferenças biomecânicas preliminares encontradas sugeririam que correr descalço pode estar associado a alterações biomecânicas positivas no que diz respeito à prevenção de lesões. No entanto, o estudo sugere que tais alterações podem ser dependentes do padrão adotado pelo indivíduo durante o contato com o solo, como o tipo de pisada (neutra, pronada ou supinada), por exemplo [12]. No entanto, como estas alterações poderiam influenciar os achados e em qual magnitude são respostas ainda sem nível de evidência na literatura.

Diante dos artigos analisados, notou-se que as respostas referentes aos variados momentos da corrida precisam ser melhores esclarecidos do ponto de vista científico, uma vez que os mesmos apresentam, em sua maioria, apenas efeitos agudos dessa modalidade. No entanto, para se alcançar ganhos significativos, além da necessidade de tempo de familiarização, é importante a adaptação à nova condição, com o treinamento da nova técnica a ser executada. No entanto, não foram encontradas revisões que tenham investigado os efeitos desta modalidade após os indivíduos serem submetidos a um programa de treinamento e adaptação. Assim, o objetivo da presente revisão foi investigar, através de uma revisão sistemática da literatura, os efeitos de programas de treinamento de correr descalço em indivíduos saudáveis. As perguntas específicas foram: 1) Quais são os benefícios de programas de treinamento de correr descalço em indivíduos saudáveis? 2) Os benefícios após um programa de treinamento de correr descalço são superiores quando comparados aos efeitos imediatos?

 

Material e métodos

 

Foram realizadas buscas nas bases de dados Medline, Cinahl, Sportdiscus, Web of Science, Lilacs e Pedro, sem restrição de data ou ano de publicação, até junho de 2016. Além disso, foi realizada uma busca manual nas referências de cada artigo incluído. Para a realização da pesquisa, foram incluídos termos relacionados à corrida descalça, intervenção, experimental, ensaio clinico aleatorizado e controlado, além dos seus respectivos termos em inglês. Títulos, resumos e textos completos foram selecionados por dois avaliadores independentes para a identificação de estudos relevantes. Um terceiro avaliador foi o responsável pelas discordâncias existentes.

Foram incluídos ensaios clínicos aleatorizados ou controlados, com indivíduos saudáveis adultos, sem restrição de sexo ou idade, ativos, corredores há, pelo menos, um ano, que participaram de um programa de treinamento de correr descalço. Os critérios de exclusão foram estudos com indivíduos com alguma condição de saúde sistêmica ou biomecânica que pudesse interferir nos resultados dos testes ou no programa de treinamento, ou estudos que não incluíssem a corrida descalça como base do programa de treinamento. Alterações biomecânicas do pé, como pé pronado ou supinado não foram consideradas critérios de exclusão.

Todos os dados dos artigos incluídos foram extraídos e dispostos em um formulário padrão, adaptado da Colaboração Cochrane. As informações extraídas dos estudos foram: tipo de estudo, características dos participantes incluídos (como sexo, idade, tamanho da amostra, etc), objetivo, características da intervenção (como duração, intensidade, frequência, descrição das atividades, e protocolo aplicado), medidas de desfecho utilizadas, relação investigada (grupos) e os resultados/conclusões encontrados. Quando informações necessárias não foram encontradas na versão publicada dos estudos, detalhes adicionais foram solicitados ao autor de correspondência por e-mail.

 

Qualidade metodológica

 

A qualidade metodológica dos estudos incluídos (validade interna e informações estatísticas) foi avaliada de acordo com a escala Pedro, descrita na base de dados Physiotherapy Evidence Database (www.pedro.org.au), e que disponibiliza a pontuação de vários estudos. Os autores do presente trabalho pontuaram os estudos não incluídos na base, segundo a escala composta de 11 itens em que, cada item, exceto o item um, contribui com um ponto para a pontuação total, variando de 0 a 10 pontos.

 

Resultados

 

Após a realização da busca eletrônica, foram encontrados 855 estudos. Dentre esses, 846 foram excluídos após leitura dos títulos e resumos, sendo nove estudos inicialmente selecionados para a leitura completa do texto. Após esta fase, mais dois artigos foram excluídos. A busca manual nas referências não retomou nenhum estudo. Assim, sete estudos foram incluídos nesta revisão, de acordo com os critérios de inclusão estabelecidos [2,9,10,13-16]. A Figura 1 representa o fluxograma de seleção dos estudos, com cada etapa realizada.

 

 

Figura 1 - Fluxograma de inclusão e exclusão dos estudos.

 

Foram encontrados cinco ensaios clínicos controlados e dois aleatorizados. A qualidade metodológica dos estudos foi de baixa a moderada, com média de 4,1 pontos, variando de 4 a 5. Os estudos incluíram de 12 a 26 participantes, com idade entre 18 e 30 anos, três estudos foram realizados com homens [2,13,14], três estudos com mulheres [8,15,16] e um estudo com homens e uma mulher [10]. Dentre os estudos, quatro foram realizados com atletas [2,9,10,16] e três com corredores recreacionais [13-15]. Em todos os estudos, exceto o de Utz-Meagher et al. [10], foi reportado claramente pelos autores que os indivíduos não tinham experiência em correr descalço. Os programas de treinamento eram compostos, no geral, de corrida em esteira ou no solo, com uma média de tempo de sete semanas e frequência de três dias/semanas. Os artigos não evidenciaram se eram consideradas orientações e/ou correções biomecânicas durante o treinamento. Além disso, nenhum estudo considerou o tipo de pisada dos indivíduos. Somente dois estudos esclarecem que o tipo de calçado utilizado era anti-pronação [9,15].

Dentre as medidas de desfecho investigadas, encontramos gasto energético na corrida (custo de transporte de oxigênio), alterações biomecânicas (cinéticas e cinemáticas), ativação muscular e estabilidade do tornozelo.    De maneira geral, seis dos sete estudos encontrados reportaram resultados benéficos nestas medidas para os indivíduos que participaram do programa de treinamento de correr descalços. Além disso, foram encontrados cinco ensaios clínicos controlados em que os indivíduos foram avaliados calçados e descalços, antes e após o período de treinamento. Dentre estes, quatro encontraram efeitos significativos após o período de treinamento na condição descalça para as medidas acima relacionadas quando comparadas às medidas descalças pré-intervenção (efeitos imediatos). A descrição de cada um dos estudos incluídos encontra-se sumarizadas na Tabela I.

 

Tabela I - Síntese dos estudos incluídos.

 

Discussão

 

Este estudo teve como objetivo verificar os efeitos de programas de treinamento de correr descalço em indivíduos saudáveis. A importância de identificar esses fatores está associada à possibilidade de ganhos significativos na performance do corredor e à prevenção de lesões. Os principais achados deste estudo em relação aos efeitos do programa encontrados foram: melhora da economia de energia na corrida, alterações cinéticas e cinemáticas em membros inferiores, alteração do padrão de ativação muscular e maior estabilidade do tornozelo. Além disso, nos ensaios controlados, houve melhora significativa destas variáveis entre as medidas de pré-intervenção, quando somente foi retirado o calçado dos participantes (efeito imediato), e medidas pós-intervenção.

Em relação ao gasto energético, Warne e Warrington [2], após analisarem dados como frequência de passada, frequência cardíaca e a capacidade do indivíduo de transportar e metabolizar o oxigênio (VO2max), verificaram que indivíduos descalços apresentaram melhora na economia de energia durante a corrida, conhecido também como custo no transporte de oxigênio. Uma possível explicação dos autores para o achado seria uma utilização maior e mais efetiva da energia elástica dos músculos e tendões, como resultado de uma maior flexão plantar nos indivíduos descalços. Tam et al. [14] também realizaram um estudo específico sobre o custo de transporte de oxigênio após um programa de correr descalço e verificaram que o menor custo de oxigênio em indivíduos descalços está relacionado a diferenças cinemáticas encontradas na marcha, principalmente ao tempo de contato inicial com o solo (indivíduos descalços apresentaram menor tempo). Assim, a corrida descalça parece reduzir o gasto energético, o que poderia contribuir para um melhor desempenho dos indivíduos, principalmente em corridas de longa distância, evitando ou retardando o aparecimento de sintomas comuns como fadiga e câimbras.

Com o objetivo de investigar alterações nos padrões cinemáticos em corredores descalços, McCarthy et al. [9] verificaram que o grupo que treinou descalço apresentou menor tempo de contato com o solo, mudança do padrão de contato inicial com o solo (realizado preferencialmente com a antepé e médiopé) e maior flexão de joelho e flexão plantar. Os autores concluíram que um período de 12 semanas de treinamento de correr descalço foi suficiente para permitir uma adaptação inicial das estruturas músculo esquelética em decorrência de uma nova força imposta. Adaptações neuromusculares foram ainda investigadas por Khowailed et al. [15], através de um programa de habituação de correr descalço. Os resultados encontrados para a condição descalça foram menor comprimento da passada e menor frequência dos passos, juntamente com alterações no padrão eletromiográfico dos músculos tibial anterior e gastrocnêmio. Além disso, um achado cinético importante do autor foi uma menor magnitude da força de impacto no grupo descalço, o que pode estar relacionado a um menor risco de lesão. Por fim, Utz-Meagher et al. [10] observaram que variáveis cinemáticas como ângulos do pé, tempo de contato com o solo, pico de força total, comprimento do passo e força de contato inicial também foram observadas com diferenças estatisticamente significativas. Segundo os autores destes artigos, estas alterações biomecânicas cinéticas e cinemáticas bem como eletromiográficas encontradas, se implementadas através de um programa de treinamento, trariam benefícios ao corredor como melhor desempenho durante a corrida e menor risco de lesões.

Por fim, a possibilidade do incremento de correr descalço foi questionada durante uma prática esportiva, o netball, em um grupo de mulheres atletas jogadoras da modalidade. Villiers et al. [16] objetivaram analisar a estabilidade do tornozelo (articulação frequentemente lesionada nesse esporte) e agilidade após um treinamento de correr descalço nessas jogadoras. Os resultados do estudo mostram uma melhora significativa do desempenho no teste de agilidade (perna esquerda e direita) no grupo descalço, bem como a estabilidade global, ântero-posterior e medial-lateral da perna direita das jogadoras. O autor julga importante a análise da agilidade, uma vez que no netball o jogador deve ser capaz de saltar, pular, e fazer vários movimentos de pouso para receber ou interceptar a bola. Além disso, há uma variedade de mudanças de direção, fatores que em associação exigem grande desenvoltura dos jogadores [16]. A melhora da estabilidade global multidirecional, portanto, também favorece na redução do número de lesão nas atletas.

Apesar dos resultados dos autores descritos anteriormente, Tam et al. [13] não encontraram mudanças importantes nas variáveis cinéticas e cinemáticas após a realização de um programa de oito semanas de correr descalço. Os autores buscavam associar alterações biomecânicas com menor taxa de impacto e consequentemente menores riscos de lesão para os corredores descalços, devidamente treinados [13]. Embora os achados tenham demonstrado maior frequência da passada e tempo de contato com o solo mais curto nos indivíduos calçados e menor comprimento do passo na condição descalça, o estudo não faz nenhuma relação das alterações na marcha com algum possível benefício para os corredores, tanto calçados quanto descalços, uma vez que estes achados não foram estatisticamente significativos. O autor considera a possibilidade de fatores que poderiam ter interferido nos resultados como o tempo de treinamento de oito semanas não ser suficiente, talvez, para gerar mudanças biomecânicas ou o tamanho da amostra reduzido [13], fato que pode ser discordado pelos resultados encontrados nos demais estudos que utilizaram tempo de protocolo semelhante. Além disso, ele ressalta que, talvez, nem todos os corredores sejam capazes de adotar mudanças favoráveis, pois requerem um treinamento individualizado com abordagens e instruções da marcha específicas, não sendo sensíveis apenas ao treinamento de correr descalço. Sabe-se que os resultados de variáveis cinemáticas podem ser dependentes das características dos indivíduos (a mecânica de corrida dos atletas possui características diferentes da corrida dos recreacionais) e da proposta de intervenção (marcha na esteira possui características diferentes da marcha no solo). Além disso, o fato de serem apenas corredores recreacionais pode ter interferido nestes resultados. Os três estudos incluídos com este tipo de população, de fato, foram os que apresentaram os menores efeitos deste tipo de treinamento [13-15]. Tais achados poderiam ser explicados pelo fato de que atletas de alto rendimento, além da velocidade, da capacidade cardiorrespiratória e do volume de treinamentos, os atletas profissionais correm de uma forma mais econômica e eficiente para o corpo, o que poderia potencializar seus ganhos em relação aos corredores recreacionais.

Por fim, algumas alterações cinéticas e cinemáticas encontradas em alguns dos estudos que compõe esta revisão são equivalentes a outras revisões da literatura que analisaram os efeitos imediatos de correr descalço como contato inicial com o solo pelo antepé, menor tempo de contato com o solo, menor cadencia e menor comprimento da passada [6,12]. No entanto, em quatro ensaios controlados encontrados na presente revisão, os autores reportaram melhora significativa nas medidas descalças pós-intervenção, após os indivíduos serem treinados e adaptados à nova condição, quando comparadas com as medidas descalças pré-intervenção, quando somente foram retirados os calçados dos indivíduos e foram analisados os efeitos imediatos. Assim, embora somente retirar o calçado do indivíduo possa promover alterações significativas, como reportado por revisões prévias que investigaram os efeitos imediatos [6,12], um programa de treinamento poderia potencializar estas alterações, alcançando resultados mais significativos. Estes resultados evidenciam a importância do profissional nesta transição de modalidade de corrida, uma vez que, segundo estes achados, a presença do treinamento irá proporcionar uma intervenção mais efetiva e qualificada.

Apesar da relevância dos resultados do presente estudo, o mesmo apresenta algumas limitações: os estudos incluídos obtiveram qualidade metodológica pouco satisfatória (média de 4,1), tamanho da amostra relativamente pequeno (máximo de 26 participantes) heterogeneidade nas características dos indivíduos (corredores treinados, atletas e recreacionais) e nos protocolos de intervenção. Além disso, alguns autores optaram por realizarem os testes em velocidades baixas, com justificativas de que seriam mais confortáveis para o corredor. Assim, as alterações cinéticas e cinemáticas encontradas, ou a falta delas, podem ter sido influenciadas por essa característica. Outro fator importante de ressaltar é que a falta de padronização dos sapatos tradicionais utilizados nos testes pode ter afetado os resultados na condição calçada. Como sugestão de estudos futuros, tem-se a necessidade de padronização dos protocolos de intervenção, estudos randomizados com maior controle das variáveis e cálculo amostral adequado. Outras sugestões relevantes seriam: 1) investigar alterações em todo o ciclo da marcha, já que todos os estudos se restringiram apenas a uma parte dela; 2) realizar os testes em velocidades máximas, geralmente a utilizada em competições de corrida e que possivelmente evidenciariam melhor a presença de possíveis alterações; 3) avaliar a dinâmica desses indivíduos de acordo com a análise do tipo de pisada (neutra, supinada ou pronada), através da baropodometria computadorizada, verificando se estas interferem no gasto energético ou na incidência de lesões durante a corrida descalça; e, por fim, 4) investigar se indivíduos submetidos a programas de treinamento de correr descalço alcançam melhores resultados quando comparados àqueles que realizam a atividade sem treinamento prévio. Estas pesquisas serão capazes de produzir saberes que possam apoiar esta inovação e, assim, estimular a uma atuação profissional apoiada na apropriação continua dos conhecimentos produzidos, baseada em evidências [17].

 

Conclusão

 

A presente revisão sistemática da literatura evidenciou que o treinamento de correr descalço promove alterações significativas no padrão biomecânico dos membros inferiores dos indivíduos, além de causarem influência em aspectos fisiológicos. Os autores acreditam que as alterações encontradas poderiam trazer benefícios ao corredor quanto à performancee ao risco de lesão, uma vez que há uma menor exigência dos músculos e articulações envolvidos na mecânica da corrida descalça, além da diminuição da força de reação do solo nesta condição. Além disso, quando comparados aos efeitos imediatos, os resultados seriam mais significativos quando os indivíduos são submetidos a programas de treinamento para a nova condição. Estudos futuros, com qualidade metodológica elevada, são necessários para concretizarem os reais benefícios dos programas de treinamento em correr descalço, bem como esclarecer se existem riscos para tal prática, além de determinarem se indivíduos submetidos a estes programas realmente alcançam melhores resultados quando comparados àqueles sem treinamento prévio.

 

Referências

 

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