ARTIGO ORIGINAL

Efeito imediato da técnica de mobilização nas interfaces fasciais profundas da região peitoral em pacientes submetidas à mastectomia

Immediate effect of deep fascia mobilization of the pectoral region in patients submitted to mastectomy

 

José Roberto de Abreu Prado Junior, M.Sc.*, Kelly Rosane Inocêncio, Ft.**, André Custódio da Silva***, Marcia dos Santos Almeida****, Anke Bergmann, D.Sc.*****, Júlio Guilherme Silva, D.Sc.******

 

*Centro Universitário Augusto Motta (UNISUAM), Rio de Janeiro/RJ, **Fisioterapeuta-Chefe do Serviço de Fisioterapia Oncológica do Centro Municipal de Reabilitação Engenho de Dentro, Rio de Janeiro/RJ, ***Prof. Assistente do Curso de Fisioterapia da Universidade Veiga de Almeida, Prof. Colaborador do Laboratório de Biomecânica da Universidade Estadual do Rio de Janeiro (UERJ), ****Especialista em Fisioterapia Traumato-Ortopédica – Universidade Gama Filho, Colaboradora do Laboratório de Análise de Movimento Humano – UNISUAM / RJ, Programa de Iniciação Científica – UNISUAM / RJ, *****Epidemiologista, Instituto Nacional de Câncer (INCA) – RJ, ******Prof. do Programa de Mestrado e Doutorado em Ciências da Reabilitação do UNISUAM, Prof. Adjunto do Departamento de Fisioterapia – Faculdade de Medicina, Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), Coordenador do Grupo de Pesquisa em Terapias Manuais (GETEM/UFRJ) Marcia dos Santos Almeida

 

Recebido em 8 de setembro de 2015; aceito em 3 de outubro de 2016.

Endereço para correspondência: Júlio Guilherme Silva, Centro Universitário Augusto Motta (UNISUAM), Programa de Mestrado e Doutorado em Ciências da Reabilitação Laboratório de Análise do Movimento Humano (LAMH), Praça das Nações, 33, 3? andar, 21041-021 Rio de Janeiro RJ, E-mail: jglsilva@yahoo.com.br; José Roberto de Abreu Prado Junior jrpradojr@terra.com.br; Kelly Rosane Inocêncio: kellyinocencio@hotmail.com; André Custódio da Silva: acustodiodasilva@yahoo.com.br; Marcia dos Santos Almeida: marciasantos.fisio@gmail.com; Anke Bergmann: abergmann@inca.gov.br

 

Resumo

Introdução: O câncer de mama apresenta alta incidência, morbidade e mortalidade. Seu tratamento pode acarretar diferentes complicações, com repercussões físicas, emocionais e sociais. No âmbito da reabilitação das alterações musculoesqueléticas, condutas de prevenção e tratamento das complicações pós-operatórias têm merecido atenção especial, dentre elas podemos destacar as disfunções da cintura escapular e ombro. As abordagens terapêuticas miofasciais no tratamento das disfunções do ombro pós-operatórias podem favorecer o restabelecimento da função do membro superior. Objetivo: Analisar o efeito imediato da técnica de mobilização fascial profundas na dor e no arco de movimento (ADM) em mulheres submetidas à mastectomia. Métodos: Neste estudo pré e pós-intervenção em 28 mulheres mastectomizadas, com intercostobraquialgia e bloqueio de ADM para a flexão do braço, as pacientes foram submetidas à técnica de mobilização fascial profunda da região peitoral, em uma única intervenção de 10 segundos. A flexão do braço foi mensurada por meio da fotogoniometria e a dor avaliada pela escala analógica visual (EVA). Os dados de ADM foram analisados através do Teste T student com um nível de significância de 95% (p < 0,05). Resultados: A média da ADM pré-intervenção foi de 109,99o e pós de 146,08o (p = 0,001) com um percentual médio de melhora de 32% (± 24,26). A dor teve um percentual de redução pré e pós-intervenção de 60% (± 24,26). Os dados apontaram para um ganho de ADM e diminuição da dor nas disfunções do ombro decorrente da mastectomia. Conclusão: Novas investigações devem ser realizadas para avaliar os resultados da técnica de liberação miofascial profunda em outros movimentos do ombro, como também comparar com as demais estratégias cinesioterapêuticas no tratamento das disfunções do ombro em mulheres mastectomizadas.

Palavras-chave: fáscia, terapia manual, câncer de mama, ombro.

 

Abstract

Introduction: Breast cancer has high incidence, morbidity and mortality and its treatment can result in different complication with physical, emotional and social repercussions. In musculoeskeletal rehabilitation, prevention and postoperative treatment of complications have been highlighted, especially in scapular girdle and shoulder. Myofascial technique in treatment of the shoulder dysfunctions can benefit the reestablishment in upper limb function. Objective: The aim of this study was to evaluate the effect of deep myofascial technique in pain and range of motion (ROM), in women post-surgery breast cancer. Methods: In this study pre and post intervention, 28 subjects with intercostobrachialgia and decreasing ROM were analyzed and submitted to only one intervention during 10 seconds in deep pectoral fascia. Arm flexion was evaluated using photogoniometric technique and for pain Visual Analogical Scale (VAS). ROM data was analyzed by Test T student with level of significance 95% (p < 0.05). Results: The mean of ROM pre-intervention was 109,9o and post 146,08o (p = 0.001) and ROM percentage gain 32% (± 24.26). There was 60% of pain percentage reduction between pre and post intervention. The results revealed increase of ROM and decrease of pain in shoulders dysfunction due to mastectomy. Conclusion: Further investigations should be performed to evaluate the results of deep myofascial technique in different shoulders movements, as well as to compare with other therapeutic exercise strategies to treat shoulder dysfunction of mastectomized women.

Key-words: fascia, manual therapy, breast cancer, shoulder.

 

Introdução

 

O câncer de mama é a neoplasia de maior incidência na população feminina e a principal causa de mortes por câncer em mulheres no Brasil [1]. A incorporação de novos métodos para detecção precoce e tratamento do câncer de mama tem proporcionado aumento da sobrevida dessas mulheres tanto em países desenvolvidos como em desenvolvimento [2]. O tratamento primário do câncer de mama consiste na retirada parcial (cirurgia conservadora) ou total da glândula mamária (mastectomia), associada à abordagem axilar (linfadenectomia ou biópsia do linfonodo axilar). Atualmente as mastectomias preservam o músculo peitoral maior e/ou menor, dependendo das condições cirúrgicas da paciente. Independente da técnica realizada, após o tratamento cirúrgico, diversas complicações são relatadas na literatura, entre elas o linfedema, fibrose, aderência cicatricial, desvios posturais e retrações miofasciais [3-6].

Dentre as diversas estratégias fisioterapêuticas de intervenção musculoesquelética, uma que tem merecido destaque é a intervenção no esqueleto fascial. Esta estrutura de tecido conjuntivo permeia todo o corpo humano e relacionam-se com aponeuroses, ligamentos, tendões, retináculos, cápsulas articulares, túnicas dos vasos e órgãos, epineuros, meninges, periósteos, todas as fibras miofasciais do endomísio e intermusculares [7]. Segundo Myers [8], a unidade músculo-fascial tem suas matrizes extracelulares, especialmente as miofáscias, cujas forças de tração são regulares e fortes e estão dispostas como as fibras musculares. Assim, os “trilhos” de fáscias projetam-se além das origens e inserções músculo-tendinosas, conectando-se a outros grupos musculares em cadeia. Devido a essa interface com vários tecidos, os estudos tem apontado a liberação como um potencial recurso no reestabelecimento da funcionalidade do sistema musculoesquelético e na redução da dor [8-10].

Baseado nesse contexto, no campo da fisioterapia oncológica, não há até o momento uma discussão substancial na literatura acerca da possibilidade de utilização de técnicas miofasciais no pós-operatório de mastectomias, principalmente sobre os efeitos imediatos da liberação fascial na dor e no arco de movimento (ADM). Assim, o objetivo deste trabalho foi avaliar o efeito agudo da aplicação da técnica de liberação fascial nas interfaces profundas da região peitoral, no arco de movimento e na dor em pacientes submetidas ao tratamento cirúrgico do câncer de mama.

 

Material e métodos

 

Delineamento e população de estudo

 

Foi realizado um estudo transversal do tipo pré e pós-intervenção em mulheres submetidas a tratamento cirúrgico de câncer de mama, todas com preservação do músculo peitoral, em acompanhamento no serviço de Fisioterapia Oncológica do Centro Municipal de Reabilitação (CMR), no bairro de Engenho de Dentro, Rio de Janeiro/RJ. Foram incluídas no estudo aquelas com intercostobraquialgia e bloqueio de ADM para a flexão do braço. Foram excluídas as pacientes com malformações congênitas no membro superior com comprometimentos funcionais no ombro prévio ao tratamento cirúrgico do câncer de mama; pacientes com o tratamento radioterápico em curso, mulheres submetidas à cirurgia paliativa com presença de metástases à distância e mulheres que não apresentaram condições de responder às perguntas inerentes a pesquisa.

O presente estudo foi aprovado pelo comitê de ética em pesquisa do Centro Universitário Augusto Motta (UNISUAM) sob o número 020/11 e obedeceu todas as exigências da Resolução 466/12. Os participantes assinaram o termo de consentimento livre e esclarecido.

 

Intervenção

 

Todas as pacientes foram posicionadas em decúbito dorsal em uma maca visando minimizar a rigidez músculo-articular e os aspectos de biotensegridade, conforme proposto por Ingber [11]. As pacientes foram posicionadas com o antebraço em supinação, com abdução do ombro em 30º e o cotovelo estendido, expondo os componentes tendinosos do grupo muscular peitoral, a área de tecido cutâneo e subcutâneo, e do tecido adiposo da região anterior axilar [10]. Nesta posição, o pesquisador acessou manualmente a interface mais profunda do grupamento muscular peitoral, através de um acesso sobre o gradil costal anterior, formando com o segundo, terceiro e quarto dedos uma superfície côncava, que se encaixava com a convexidade das costelas mais superiores do paciente (fig. 1a e 1b).

 

 

 

Figura 1A e 1BPosicionamento das mãos para aplicação da técnica de liberação fascial peitoral.

 

 

Fig.1A – Posição inicial, introdução dos dedos na borda anterior da axila. Introdução do 2º ao 4º dedos na região axilar utilizando como referencia a borda anterior da axila.

 

 

Fig.1B – Após a introdução dos dedos no espaço fascial da região peitoral, o terapeuta realiza angulação caudal dos dedos de 45º. Após a inclinação, o fisioterapeuta realiza uma pinça com o indicador e o polegar e tracionará a borda superior e inferior do peitoral maior e realiza o movimento de liberação.

 

 

A mobilização obedeceu à arquitetura do esqueleto fascial, seguindo na direção da articulação esterno-clavicular, e o trajeto respeitou uma angulação aproximada de 45º, de acordo com o padrão dos trilhos fasciais da região e o modelo matemático em mosaico do esqueleto fascial [12]. A técnica de mobilização seguiu o procedimento padrão de mobilizar as fáscias profundas, fazendo um movimento elíptico com os dedos de forma a mobilizar a fáscia peitoral profunda. A projeção dos dedos obedeceu a uma relação com a clavícula de 90º da região peitoral, na borda anterior da axial, até o terço intermédio da clavícula ipsilateral. Nesta região encontra-se um túnel fibroso, que obedece a mesma arquitetura fascial supracitada [12-14]. A manobra foi dirigida através desse túnel fibroso até a região infraclavicular, quando foi completado o descolamento do grupo muscular dos peitorais. Após a chegada ao ponto esternal de acesso, foi realizada uma manobra de tração axial e descolamento crânio-caudal dos músculos peitorais completando o procedimento no tempo de 10 segundos.

 

Desfechos

 

Para avaliação da resposta terapêutica foi considerada a alteração pré e pós-intervenção da dor e da amplitude de movimento do braço homolateral. Referente à avaliação da dor, foi utilizada a Escala Visual Analógica (EVA) que consiste de uma linha de 10 cm, com âncoras em ambas as extremidades. Numa delas é marcada “nenhuma dor” e na outra extremidade é indicada “a pior dor possível” [15]. As pacientes indicaram a magnitude da dor no início (DI) e imediatamente após, ou seja, ao final da intervenção (DF). Para avaliação da alteração percentual de dor (APD) entre as avaliações, foi utilizada a fórmula APD = [(DI-DF) ÷ DI] × 100.

Para avaliação da amplitude do movimento flexão de braço (ADM), o avaliador cego registrou as condições pré e pós-intervenção pela técnica de fotogrametria. Para captação do ADM, foi utilizada uma sala com 24m2 de dimensão. Utilizou-se uma câmera digital Sony, modelo DSC-W30, assim como o software Fotogoniômetro, fisiometer versão 5.0, que possibilitou a quantificação dos dados referentes aos deslocamentos angulares em perfil do movimento de flexão do membro superior. Um tripé ficou posicionado a 0,83 m de altura do solo e a 2,5 m de distância dos sujeitos. Para o delineamento do modelo foram utilizados marcadores passivos amarelos de 20 mm, fixados em pontos anatômicos estratégicos, sendo eles: crista ilíaca, ângulo do acrômio, epicôndilo lateral e processo estiloide da ulna (Fig. 2). Ressaltamos, também, que foi colocado um pano preto no fundo a fim de gerar contraste. Para a execução do ato motor supracitado, adotou-se a posição fundamental por ser natural, com o objetivo de determinar o posicionamento inicial de registro da imagem para possibilitar posteriormente a comparação das imagens nos momentos pré e pós-intervenção (Fig. 3).

 

 

Figura 2Posicionamento inicial do paciente para análise do movimento do ombro, vista de perfil. Em branco os marcadores nos pontos de interesse.

 

 

Figura 3Posicionamento final do paciente, movimento de flexão do braço, vista de perfil.

 

 

Para avaliação da alteração percentual de amplitude de movimento (APADM) entre a ADM inicial (ADMI) e a ADM ao final da intervenção (ADMF), foi utilizada a fórmula APADM= [(ADMI-ADMF)/ADMI] ×100.

 

Cálculo do tamanho amostral

 

Para o cálculo do tamanho amostral foi estimado uma proporção de melhora de 50% no relato de dor e na amplitude de movimento pré e pós-intervenção, com precisão absoluta de 20% e nível de significância de 5%. Considerando estes parâmetros, o número mínimo necessário à inclusão de 24 voluntários.

 

Análise dos dados

 

Foi realizada uma análise descritiva da população estudada por meio das medidas de tendência central das variáveis contínuas e, para as categóricas, foi obtida a frequência absoluta e relativa. Para tratamento estatístico dos valores pré e pós-intervenção utilizou-se o Teste T pareado para análise das possíveis diferenças entre os momentos de amplitude articular e Wilcoxon para avaliar a dor, com o nível de significância de 95%.

 

Resultados

 

Foram incluídas 28 mulheres submetidas a tratamento cirúrgico para o câncer de mama, em média, há 45,5 ± 32,7 meses. Na inclusão do estudo, apresentavam média de idade de 63,7 ± 9,68 anos. O câncer de mama estava localizado, em sua maioria, no lado direito (57,1%). A cirurgia mamária mais frequente foi a mastectomia radical modificada (54%), todas com preservação dos músculos peitorais (84,6%), sendo retirados em média, 11 linfonodos axilares (± 7,53). O carcinoma ductal infiltrante foi tipo histológico mais predominante (78,9%). Em relação ao tratamento adjuvante, 10,7% foram submetidas à quimioterapia, 77,8% a radioterapia e 80,8% a hormonioterapia (tabela I).

 

Tabela I – Análise descritiva das características das mulheres incluídas no estudo (n = 28).

  

*As diferenças na frequência correspondem à perda de informação.

 

 

Anterior a mobilização nas interfaces fasciais profundas, 20 (71,4%) mulheres relataram dor na região peitoral com intensidade valor de 4 na EVA. Ao final da intervenção, 5 sujeitos (17,9%) ainda se queixavam de dor com intensidade média de 3 na EVA. Considerando as que mantiveram relato de dor após a intervenção, foi observado um percentual médio de melhora de 60% na EVA. Não foi observado nenhum caso de piora da dor em decorrência do procedimento realizado. A média de amplitude do movimento de flexão homolateral ao câncer de mama, avaliado pela fotogrametria anterior a intervenção, foi 109,99o ± 22,46 e após a intervenção foi de 146,08o ± 12,92 (p = 0,001). Foi observado um percentual médio de melhora da ADM após a intervenção de 32%.

 

Discussão

 

A realização da mobilização fascial profunda da região peitoral em pacientes submetidas à mastectomia proporcionou melhora imediata da dor e da amplitude articular de movimento do ombro na maioria dos sujeitos da pesquisa. Como a fáscia é um componente do tecido mole do sistema conectivo tissular que permeia o corpo humano, ela funciona como uma matriz tridimensional de suporte estrutural (esqueleto fibroso) permeando e envolvendo todos os órgãos, músculos, ossos e fibras nervosas. Logo, influencia a funcionalidade de todos os sistemas [16].

Segundo Ingber [11], o corpo humano é organizado em um sistema mecanicamente autoestabilizado, caracterizado pelo perfeito equilíbrio das forças de tensão e compressão (tensegridade). O corpo humano usa da arquitetura da tensegridade para estabilizar sua forma e integrar a estrutura e função das células, tecidos, órgãos e qualquer outra estrutura. As trocas bioquímicas intracelulares são originadas a partir de forças aplicadas por um sistema mecânico molecular (mecanotransdução). Isto é, as forças aplicadas em macroescalas produzem trocas bioquímicas celulares, o que poderia vir a esclarecer como as aplicações locais e sistêmicas da Fisioterapia podem influenciar fisiologicamente todos os tipos de tecidos.

O processo que induz às alterações do tecido miofascial tem sido cada vez mais investigado. Ercole et al. [9] sugerem que a causa pode estar relacionada com a alteração da composição das fibras de colágeno, ou com a transformação dos fibroblastos em miofibroblastos, ou ainda com uma alteração da substância fundamental por influências neurofisiológicas que acarretariam em mudanças nas relações bioquímicas celulares. Ercole et al. [9] ainda acrescentam que quando a fáscia perde a sua flexibilidade e torna-se restrita, isto pode ser uma fonte de desalinhamento corporal que acarreta problemas biomecânicos, alterando a força muscular, o equilíbrio e, por conseguinte, prejudicando a coordenação motora. No final deste processo os pacientes podem apresentar dores e perdas funcionais no ombro, pela desorganização tecidual gerada pelas mudanças de sua tensegridade [11]. De acordo com os nossos achados, o efeito agudo positivo pós-intervenção da mobilização do trilho fascial anterior deve-se a quebra de aderências provocadas pelo imobilismo, restrição de movimento do ombro no pós-cirúrgico. Tal fato está em concordância com os estudos de Schleip e Müller [17]; Day, Stecco e Stecco [18] e Fourie e Robb [19] sobre o restabelecimento da distribuição de forças, após uma intervenção fascial. Assim, com um mecanismo de fluidez de energia sobre a fáscia da região peitoral para o membro superior [18], a técnica indica uma redução dos efeitos deletérios da aderência fascial na dor e no arco de movimento do ombro. Fourie e Robb [19] apontam que no caso das pacientes submetidas a mastectomias com sequelas funcionais da cintura escapular e braço as mesmas podem ser denominadas Axilar web syndrome.

Quanto à dor referida, é uma experiência sensorial e emocional desagradável, associada a um dano real ou potencial dos tecidos. Cada indivíduo aprende a utilizar este termo através de suas experiências traumáticas prévias [19]. Pacientes que sentem dor possuem alterações biológicas e psicossociais, havendo prejuízos no humor, relações sociais e também na funcionalidade do indivíduo como um todo [20]. Com a mobilização da fáscia peitoral, os nossos dados estão em consonância com os achados de Day, Stecco & Stecco [18] com a redução de 57% da dor entre os sujeitos após a intervenção miofascial, além do ganho de arco de movimento do ombro em pacientes com dor crônica posterior no braço.

Apesar da eficiência da abordagem cirúrgica para o tratamento do câncer de mama, várias complicações têm sido relatadas decorrentes desses procedimentos, dentre elas destaca-se a dor crônica pós-cirúrgica [21]. A dor crônica secundária ao procedimento cirúrgico pode ser neuropática ou nociceptiva. A primeira é caracterizada como a dor resultante da lesão de nervos ou disfunção do sistema nervoso, entidade esta que tem sido mais estudada por ser mais frequente e corresponde à síndrome dolorosa pós-mastectomia e a segunda é resultante da lesão dos músculos, ligamentos e aderências miofasciais [22].

Fernández-Lao et al. [23], em seu estudo, analisaram mulheres submetidas a cirurgia radical modificada. Foi constatada a presença de dor na musculatura do pescoço e dos ombros, sugerindo que a dor pós-cirúrgica do câncer de mama apresenta componentes miofasciais. As lesões de tecidos moles, tradicionalmente diagnosticadas como sinais e sintomas da fase aguda, podem resultar de inflamações crônicas nesses pacientes. Ultimamente estes acometimentos são apontados como dor por disfunção fascial e fibrose [24]. Em estudo realizado na população brasileira, foi observado incidência de 52,9% de dor após 8 meses de tratamento cirúrgico do câncer de mama [22]. Isto sugere que a manobra proposta neste estudo pode ser uma ferramenta importante e inserida na rotina de especialistas no tratamento das sequelas motoras no ombro pós-mastectomias.

A dor miofascial é única e distinta, podendo se originar tanto no músculo como na fáscia. Tanto o local da lesão quanto unidades miofasciais afetadas tornam-se menos distensíveis. Isto acarreta uma diminuição da amplitude de movimento nas unidades miofasciais e articulações associadas a um determinado segmento [21-26]. Wadsworth [26] afirma que a tensão miofascial pode influenciar a postura corporal, a flexibilidade, a amplitude de movimento e ainda levar a sobrecargas biomecânicas que podem originar dores crônicas. Neste estudo, a prevalência de dor foi de 71,4%. Após a mobilização nas interfaces fasciais profundas, 17,9% ainda se queixavam de dor, entretanto com uma media percentual de melhora em 60%. Ressaltamos, ainda, que não ocorreu na amostra um quadro de piora pós-intervenção. Outro fator fascial que pode estar envolvendo a dor é o abundante número de terminações nervosas (mecanorreceptores). A fáscia é uma estrutura altamente inervada e consequentemente as aderências podem alterar a condução nervosa. Assim, com a restauração do equilíbrio das tensões fasciais, baseado no conceito de tensegridade [8], a dor musculoesquelética pode ser reduzida imediatamente após a liberação. Tal fato pode explicar os nossos resultados com uma redução substancial da dor entre os momentos pré e pós-intervenção.

Como principais limitações do presente estudo, podemos ressaltar a impossibilidade de verificar o tempo de duração dos efeitos para os desfechos dor e ADM e a impossibilidade do mascaramento da intervenção. Outro aspecto é a escassez na literatura de trabalhos que abordem os efeitos sobre as intervenções fasciais nesta população que dificulta as comparações entre a técnica aqui exposta e as demais intervenções.

 

Conclusão

 

Os nossos resultados apontam uma possível aplicabilidade da técnica miofascial para ganho de ADM e diminuição do quadro álgico nas disfunções do ombro decorrente das mastectomias. Entretanto, devido às limitações do nosso estudo como a durabilidade do ganho funcional, o acompanhamento das pacientes sobre o quadro álgico restringe maiores inferências. Novas investigações devem ser realizadas, para avaliar os resultados da manobra nas interfaces profundas no trilho fascial anterior, em outros movimentos uniplanares do ombro. Especialmente no que se refere à duração e/ou a permanência do efeito de ganho do arco de movimento, nossos resultados sugerem que a mobilização do trilho fascial anterior, na região da musculatura peitoral pode ser introduzida na rotina dos serviços de Fisioterapia Oncológica que tratam dessas disfunções. Principalmente, ao tomar como referência o ADM e a dor e aumentar as possibilidades da funcionalidade do segmento.

 

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