ARTIGO ORIGINAL

Repercussões do tratamento cirúrgico do câncer de mama sobre a propriocepção, sensibilidade e funcionalidade

Repercussions of surgical treatment of breast cancer over proprioception, sensibility and functionality

 

Giana Berleze Penna*, Gabriel Dalenogare Colpo*, Hedioneia Maria Foletto Pivetta, D.Sc.**, Gustavo Nascimento Petter***, Melissa Medeiros Braz, D.Sc.****

 

*Alunos do Curso de Especialização em Reabilitação Físico-Motora da Universidade Federal de Santa Maria (UFSM), Santa Maria/RS, **Professora do Departamento de Fisioterapia e Reabilitação da UFSM, Santa Maria/RS, ***Mestrando do Programa de Pós-Graduação do Curso de Educação Física da UFSM, Santa Maria/RS, ****Professora do Departamento de Fisioterapia e Reabilitação da UFSM, Santa Maria/RS

 

Recebido em 14 de junho de 2016; aceito em 25 de julho de 2016.

Endereço de correspondência: Giana Berleze Penna, Avenida Roraima, 1000, Cidade Universitária, Bairro Camobi, 97105-900 Santa Maria RS, E-mail: gianapenna@gmail.com, Gabriel Dalenogare Colpo: gabrielcolpo@hotmail.com; Hedioneia Maria Foletto Pivetta: hedioneia@yahoo.com.br; Gustavo Nascimento Petter: gustavo.petter@hotmail.com; Melissa Medeiros Braz: melissabraz@hotmail.com

 

Resumo

Introdução: O câncer de mama é o que mais acomete as mulheres e pode trazer consequências funcionais. Objetivo: Avaliar os efeitos da mastectomia radical modificada sobre a propriocepção, sensibilidade e funcionalidade do membro homolateral a cirurgia e relacionar a sensibilidade com a propriocepção. Métodos: As avaliações foram no período pré-operatório e pós-operatório de 60 dias, utilizando-se o cinesiômetro, estesiômetro e o questionário Disabilities of the Arm, Shoulder and Hand (DASH). Resultados: Foram avaliadas 8 mulheres. Não houve diferença de funcionalidade no pré e pós-operatório (p = 0,156), na sensibilidade para os nervos torácico longo (p = 0,783) e intercostobraquial (p = 0,423), e propriocepção (p = 0,672). Houve correlação da sensibilidade nos dermátomos dos dois nervos com a propriocepção (r = 0,920 e r = 0,723). Conclusão: O tratamento do câncer não teve influência expressiva sobre a propriocepção, sensibilidade e funcionalidade, mas encontrou-se relação entre sensibilidade e propriocepção do membro superior.

Palavras-chave: propriocepção, fisioterapia, mastectomia, neoplasias.

 

Abstract

Introduction: Breast cancer is what most attack women and can bring functional consequences. Objective: To evaluate the effects of modified radical mastectomy on proprioception, sensibility and functionality of the upper limb ipsilateral to surgery and relate the sensibility with the proprioception. Methods: The evaluations were in the preoperative and 60 days after surgery, using a cinesiometer, esthesiometer and the questionnaire Disabilities of Arm, Shoulder and Hand (DASH). Results: Eight women were evaluated. There was no difference of functionality (p = 0.156), in sensibility for the long thoracic (p = 0.783) and intercostobrachial (p = 0.423) nerves and proprioception (p = 0.672). There was correlation between sensibility on dermatomes of the two nerves with proprioception (r = 0.920 and r = 0.723). Conclusion: Surgical treatment of breast cancer had no expressive influence on proprioception, sensitivity and functionality, but we found relationship between sensitivity and proprioception of the upper member.

Key-words: proprioception, physical therapy specialty, mastectomy, neoplasms.

 

Introdução

 

O câncer de mama é um dos tipos de câncer mais comuns, e o que mais acomete as mulheres, apresentando uma taxa de mortalidade elevada no Brasil, devido ao diagnóstico em estágios avançados [1]. Ele é resultado de danos ao código genético, de origem física, química ou biológica que se acumulam durante a vida [2].

O diagnóstico realizado logo no início do surgimento da doença é muito importante para a determinação da sobrevida da paciente e essencial para o processo de decisões do tratamento cirúrgico e adjuvante [3,4].

O cansaço, a fadiga, as dores, a limitação dos movimentos do membro superior homolateral à cirurgia e o prejuízo das habilidades motoras são consequências da mastectomia, que tem repercussões no desempenho no trabalho e nas atividades de vida diária, influenciando diretamente na funcionalidade da mulher. Considerando a área de abordagem cirúrgica, o procedimento realizado pode causar danos em relação à sensibilidade, pois a ressecção do nervo intercostobraquial, que está próximo do nervo torácico longo, é comum nesses procedimentos, principalmente quando há comprometimento metastático dos linfonodos. Durante o procedimento cirúrgico, a paciente sofre lesões em algumas estruturas, causando dor pós-operatória e consequente tendência à imobilidade do membro superior. Assim, a hipomobilidade da articulação do ombro pode influenciar negativamente na propriocepção, que são informações neurais geradas pelos receptores das articulações, músculos, tendões, cápsulas e ligamentos, enviadas através das vias aferentes ao sistema nervoso central [5-7].

Com a finalidade de balizar as condutas fisioterapêuticas, o estudo realizado teve como objetivos avaliar os efeitos da mastectomia radical modificada unilateral sobre a propriocepção, sensibilidade e funcionalidade de mulheres mastectomizadas e relacionar a sensibilidade com a propriocepção do membro superior homolateral à cirurgia.

 

Material e métodos

 

Trata-se de um estudo descritivo, transversal com abordagem quantitativa. Foi realizado junto ao Hospital Universitário de Santa Maria (HUSM) e à Unidade Sanitária Saúde da Mulher, no Centro Diagnóstico Nossa Senhora Rosário.

A população foi constituída de mulheres que foram submetidas à mastectomia radical modificada unilateral, acompanhadas pelos serviços de saúde já mencionados. Foram recrutadas 13 mulheres em uma amostra por conveniência. Entretanto houve perda amostral de duas participantes e outras três foram excluídas segundo os critérios de elegibilidade do estudo. A amostra foi composta por 8 mulheres com diagnóstico de câncer de mama nos anos de 2014 e 2015, que foram submetidas à cirurgia neste mesmo período, com ou sem linfadenectomia, que estivessem na faixa etária de 35 a 59 anos. Foram excluídas deste estudo, mulheres que realizaram tumorectomia, segmentectomia ou cirurgia de mastectomia radical modificada bilateral, que tiveram dificuldade na realização do teste de propriocepção por importante limitação de amplitude de movimento, portadoras de diabetes mellitus, mulheres com tendinopatias ou outras patologias de ordem musculoesquelética e nervosa do membro superior e mulheres que se submeteram a tratamento fisioterapêutico no pós-operatório, considerando que a reavaliação deu-se 60 dias após o procedimento cirúrgico.

Como instrumento de coleta de dados foi utilizada uma ficha de dados de identificação da mulher, e na sequência foi aplicado o questionário Disabilities of the Arm, Shoulder and Hand (DASH), para avaliação da funcionalidade do membro homolateral à cirurgia sob perspectiva da paciente [8]. O estudo utilizou as 30 primeiras questões mais o módulo opcional referente às atividades de trabalho (incluindo tarefas domésticas), com a pontuação variando de 0 (sem disfunção) a 100 (disfunção grave). O grau de comprometimento da funcionalidade foi calculado através deste escore, quanto mais baixa a pontuação, menor o comprometimento da função dos membros superiores [9].

Para avaliação da propriocepção, foi utilizado o cinesiômetro, que é um instrumento composto de uma base de madeira onde estão afixados os graus de 0º a 180º para determinação de ângulos; um braço móvel, fixo na parte central de uma de suas extremidades, no ponto correspondente a 0º, e tendo na outra extremidade um deslizador, que permitirá sua mobilidade marcando os ângulos determinados. Lateralmente, neste braço móvel há um ponteiro que marca a posição dos graus afixados na base. Para a realização do teste, a paciente deveria estar de olhos vendados, sentada à frente do instrumento, colocando seu braço dominante na posição supinada, sobre o braço móvel do cinesiômetro, correspondente a 0º. Em seguida o pesquisador movimentava braço móvel do cinesiômetro, juntamente com o braço da paciente, em cada um dos ângulos predeterminados: 90º para a direita, 45º para a esquerda, e a partir deste ponto movia-se 60º, chegando ao ângulo de 105º. À medida que se movia o braço do instrumento, juntamente com o braço do sujeito, notificava-se a posição alcançada, mas sem citar o ângulo correspondente. Em cada ângulo que o avaliador mostrava para a paciente, permanecia aproximadamente 10 segundos, para que a mesma percebesse a posição do braço. Após, voltava-se à posição inicial (0º) e solicitava-se que a testada repetisse a sequência na mesma ordem. A pontuação foi determinada a partir de quantos graus faltaram ou excederam o ponto exato do ângulo determinado [10].

Para aquisição dos dados referentes à sensibilidade, foi utilizado o estesiômetro de Semmes-Weinstein. O teste começou com o monofilamento mais leve (verde), sendo solicitado para o paciente responder “sim” quando sentisse o toque do filamento. Na ausência de resposta, continuou-se com o próximo filamento mais pesado, o azul, roxo, vermelho, laranja e rosa. Cada monofilamento corresponde a uma pontuação, sendo 1 para o mais leve, e 6 para o mais pesado [11]. Foi testado o nervo torácico longo, correspondente ao dermátomo de C5, C6 e C7, aplicando o filamento na região medial e póstero-superior do braço e axila. E também o nervo intercostobraquial, que corresponde aos dermátomo de T1, na região interna do braço. Para a padronização do teste foi realizada a seguinte demarcação: a distância entre o processo coracóide e o epicôndilo medial foi dividida em três espaços iguais, com um ponto proximal (P1), distal (P2) e o médio (P3). A partir de P1 foi demarcado um ponto a 3cm abaixo em direção posterior do braço; a partir de P3 demarcou-se um ponto a 2,5cm, e a partir de P2, foi demarcado um ponto a 2cm. Nesses pontos exatos foi realizada a aplicação do estesiômetro para avaliação do nervo intercostobraquial [12]. As mulheres permaneciam na posição sentada e de olhos vendados durante a realização do teste.

As coletas foram realizadas no período pré-operatório e pós-operatório de 60 dias pelo mesmo avaliador, e tiveram início a partir da aprovação do Comitê de Ética em Pesquisas (nº 718.907/14) com Seres Humanos da Universidade Federal de Santa Maria em conformidade com a resolução 466/2012 e da assinatura do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE). As mulheres que apresentavam dúvidas quanto à movimentação do membro superior após a cirurgia foram orientadas pelo avaliador. As que apresentaram necessidade de fisioterapia após a avaliação pós-operatória, foram encaminhadas ao Ambulatório de Fisioterapia do HUSM.

Para a análise dos dados, inicialmente foi realizada a estatística descritiva para caracterização dos grupos de pesquisa. O teste de Shapiro-Wilk foi utilizado como teste de normalidade das variáveis. Já para os testes de hipótese foi utilizado o teste t pareado para as variáveis simétricas e o teste de Wilcoxon para as assimétricas. Para as correlações das variáveis foi utilizado o teste de correlação de Pearson para as variáveis simétricas e o teste de correlação de Spearman para as assimétricas. O nível de significância de todos os testes foi de 5% e o Software utilizado foi o SPSS v.20.

 

Resultados

 

A investigação foi realizada com oito mulheres mastectomizadas com média de idade de 50,88 ± 1,07 anos. Quanto à média de idade da menarca e da menopausa, identificou-se que as participantes apresentaram 12 ± 0,52 anos para a menarca e 47 ± 2,12 anos para a menopausa. A média de idade da primeira gestação foi de 23,71 ± 4,42 anos, mas seis amamentaram seus filhos, com tempo médio de 18 ± 20,68 meses. A história familiar de carcinoma mamário esteve presente em três casos, e uma mulher não realizou linfadenectomia. Com relação ao tratamento adjuvante, três mulheres estavam no início do tratamento quimioterápico e três estavam iniciando a radioterapia quando avaliadas no período pós-operatório de 60 dias.

A avaliação da funcionalidade do membro superior homolateral a cirurgia apresentou média do escore do DASH no pré-operatório de 11,15 ± 20,34 e, após a cirurgia, 25,42 ± 29,56, resultado este sem significância estatística (p = 0,156).

A avaliação da propriocepção demonstrou que não houve diferença estatisticamente significativa antes e após o procedimento cirúrgico, pois o erro médio geral dos ângulos no período pré-operatório foi de 7,46º ± 6,77º, e no pós-operatório, de 5,46º ± 3,63º (p = 0,672).

A avaliação da sensibilidade pré e pós-operatória também não apresentou diferença estatisticamente significativa. Foi calculada a mediana dos monofilamentos resultando em 2,5 e 2 para o nervo torácico longo no pré e pós-cirúrgico, respectivamente. Para o nervo intercostobraqueal o valor da mediana foi 2 nos dois momentos.

A correlação entre os achados da avaliação da sensibilidade no dermátomo correspondente aos nervos torácico longo e intercostobraqueal com a propriocepção foi estatisticamente significativa, sendo r = 0,920 e r = 0,723, respectivamente (Figura 1 e 2).

A avaliação da sensibilidade está representada pela gramagem dos monofilamentos, e a propriocepção pelo erro absoluto em graus. Na avaliação sensitiva pelo estesiômetro pode-se inferir que quanto maior a gramagem necessária para a percepção da paciente ao estímulo sensitivo do monofilamento, menor a sensibilidade da paciente. Neste caso, quando a avaliação sensitiva é correlacionada a avaliação proprioceptiva, identificou-se que, quanto menor a sensibilidade da paciente maior foi a média do erro absoluto de propriocepção. Isto significa que quanto menor a sensibilidade, pior a propriocepção. Além disso, identificou-se que há correlação entre a sensibilidade nos dois dermátomos, pois quanto pior a sensibilidade avaliada no dermátomo correspondente ao nervo torácico longo, pior foi a sensibilidade corresponde ao nervo intercostobraqueal (r = 0,779).

 

Figura 1Correlação entre a propriocepção e a sensibilidade do dermátomo correspondente ao nervo torácico longo.

 

 

Figura 2Correlação entre a propriecepção e a sensibilidade no dermátomo correspondente ao nervo intercostobraqueal.

 

 

Discussão

 

As mulheres mastectomizadas avaliadas nesta pesquisa apresentaram média de idade de 50,88 anos, o que corrobora dados descritos pelo Instituto Nacional do Câncer de que até 50 anos a incidência de câncer de mama é maior, e após essa idade o número de casos diminui. Estudos mostram que a média de idade de mulheres diagnosticadas com câncer de mama é de 52,4 ± 8,1 anos, variando de 40 a 69 anos, o que indica que na maioria dos casos as mulheres estavam na menopausa [13,14].

Quanto aos fatores considerados como risco para o desenvolvimento do câncer de mama, investigou-se o caráter hereditário da doença e as características reprodutivas das mulheres, como menarca, menopausa, idade da primeira gestação e tempo de aleitamento materno.

O câncer de mama é relacionado à mutação genética, que pode ser hereditária (5 a 6% dos casos) ou ainda originária de mutação genética adquirida. O fator hereditário está relacionado à mutação nos genes BRCA 1 e BRCA 2, incluídas na Síndrome do Câncer da mama-ovário [15]. Esta estimativa foi mostrada no estudo de Silva et al. [16] realizado com 18 mulheres com diagnóstico de câncer de mama na cidade de Uberaba/MG, em que 94,44% não apresentaram casos de primeiro grau de parentesco. Em outro estudo, realizado na ESF na cidade de Dourados (MS), com 393 mulheres, 86,5% não tinham casos de câncer de mama na família [17]. Neste estudo, em desacordo com a literatura, a incidência de câncer de mama de caráter hereditário foi de 37,5%, porém, acredita-se que este achado tenha sido aleatório devido à pequena amostra estudada.

A literatura tem destacado que a menarca precoce e menopausa tardia não são os principais fatores de risco para o desenvolvimento do câncer de mama, mesmo havendo uma maior exposição hormonal. As mulheres estão sendo diagnosticadas com câncer de mama, muitas vezes em estágios mais avançados, apresentando um tempo curto de período reprodutivo e exposição hormonal [16,17]. O estudo de Penha et al. [17], realizado com 18 pacientes em um Hospital Referência em Oncologia em Belém, que investigou os fatores de risco para câncer de mama, demonstrou que a menarca precoce e a menopausa tardia não estiveram relacionadas com os casos de câncer de mama. Isto é semelhante a este estudo, pois a média de idade da menarca foi de 12 anos e da menopausa, 47 anos. Essa constatação implica na multicausalidade do câncer de mama, ou seja, é uma patologia multifatorial que vem crescendo em incidência originária, muitas vezes, pela exposição a fatores ambientais, estilo de vida e fatores emocionais [18,19].

Destacando ainda os dados reprodutivos da amostra estudada, o fator nuliparidade não esteve presente, assim como gestação tardia, com média de idade da primeira gestação de 23,71 ± 4,42, uma vez que todas as mulheres tiveram pelo menos uma gestação antes dos 30 anos. No estudo realizado na Enfermaria de Ginecologia e Obstetrícia do Hospital de Clínicas da Universidade Federal do Triângulo Mineiro (EGO/HC/UFTM), que teve por objetivo identificar fatores de risco para câncer de mama, entrevistou 18 mulheres com câncer de mama, e apresentaram média de idade da primeira gestação de 23,88 anos [17], o que converge com os achados desta pesquisa. Acredita-se que a gestação tardia possa estar relacionada com o câncer de mama, uma vez que o hormônio prolactina é secretado em grandes quantidades neste período de amenorreia lactacional. Em mulheres com gestação precoce as células da mama tornam-se mais maduras e protegidas contra as células cancerígenas [20].

No que se refere ao objeto de investigação desta pesquisa, a comparação pré e pós-operatória das variáveis da propriocepção (p = 0,672), sensibilidade (p = 0,783) para nervo torácico longo (p = 0,783) e para o intercostobraquial (p = 0,423), e funcionalidade (p = 0,156), foi identificado que não houve diferença estatisticamente significativa. Estudos vêm demonstrando alterações funcionais em mulheres submetidas à mastectomia radical, com prejuízos na sensibilidade [21-23]. Entretanto, nesta pesquisa estes achados não convergem. Acredita-se que isso tenha ocorrido por se tratar de uma amostra pequena e ainda pode ser um achado aleatório desta população estudada.

Outra questão que pode ter influenciado nos resultados é o fato de que as mulheres foram avaliadas no pré-operatório eminente, ou seja, quando já internadas no hospital, o que aumenta o nível de ansiedade e estresse perante o fato do procedimento em si e da mutilação da mama. Convém destacar ainda que a avaliação pós-operatória foi realizada 60 dias após o procedimento cirúrgico, período este em que o processo cicatricial já está em fase adiantada (redução da dor, edema, diminuição do nível de ansiedade) e, muitas vezes ainda não realizou ou está iniciando o tratamento adjuvante, como a radioterapia, podendo estar implicada nas repercussões funcionais das mulheres mastectomizadas. A radioterapia é realizada com a finalidade de reduzir o risco de recorrência da doença, mas entre as suas consequências está o prejuízo da saúde emocional e a influência na qualidade de vida, o surgimento de fadiga, dor, redução da função pulmonar, sintomas inflamatórios, edema e linfedema [24-26].

Desse modo, pode-se inferir que o procedimento cirúrgico em si não necessariamente causa prejuízos funcionais relevantes, mas que talvez o conjunto de procedimentos terapêuticos realizados, entre eles a radioterapia, é que coadunam em repercussões sensitivas e funcionais importantes. Outro aspecto pertinente é que as lesões ou secções nervosas no intrercostobraquial causadas pelo procedimento cirúrgico pode não ser uma prática habitual, já que há relatos de que o procedimento pode ser realizado com a preservação do nervo mesmo com a extirpação total da mama [16]. O risco de lesão do nervo torácico longo, não foi comprovado nesta investigação.

Contextualizando o exposto, pesquisa realizada por Bezerra et al. [27] para avaliação da sensibilidade, utilizou o estesiômetro em 20 mulheres que estavam em tratamento de radioterapia (25-30 sessões). Elas foram avaliadas antes de começarem a radioterapia e na última sessão. Foi encontrada uma redução da sensibilidade no membro superior homolateral, de 1,9 ± 0,2 para 2,8 ± 0,2 (p = 0,004), indicando hipoestesia. Entretanto, Venâncio et al. [28]constataram que não houve redução na sensibilidade em membro superior após cirurgia de câncer de mama associado à linfadenectomia, somente quando comparado com o membro contralateral. Isto confirma os dados deste estudo, de que não houve diferença na sensibilidade do membro superior homolateral à cirurgia, mesmo que as mulheres estivessem em radioterapia. Ao contrário de Venâncio et al. [28], não foi objetivo deste estudo avaliar a sensibilidade do membro superior contralateral.

A avaliação da propriocepção do membro superior homolateral à cirurgia de mulheres mastectomizadas parece não se constituir em objeto de pesquisa corriqueiro, uma vez que não se encontraram estudos que investigassem a propriocepção assim como estabelecessem essa relação com a sensibilidade.

Embora não se tenha encontrado estudos que busquem essa correlação em mulheres com câncer de mama, Begragnol et al. [6] constataram que o tratamento cirúrgico do câncer de mama, que pode vir associado ou não ao esvaziamento axilar, possibilita lesão nervosa. Isto traria prejuízos tanto para a sensibilidade quanto para a propriocepção após a cirurgia. Outro aspecto que os autores ressaltam é que a modificação da cavidade axilar, ao retirar a serosidade local, pode levar ainda ao desenvolvimento de aderências e dificuldades no movimento da articulação do ombro.

Mediante alterações na sensibilidade, e, consequentemente na propriocepção, acredita-se que a mulher mastectomizada apresente repercussões funcionais relativas ao membro superior. Nesse estudo não foi identificado alteração da funcionalidade (p = 0,156), muito embora isso possa estar vinculado à preservação da sensibilidade e propriocepção do membro superior.

Estudo realizado por Bocatto et al. [9] no Ambulatório da Disciplina de Mastologia da Universidade Federal de São Paulo, avaliou a sensibilidade tátil com o estesiômetro de Semmes-Weinstein e função de membro superior através do DASH, em mulheres submetidas a cirurgia de câncer de mama após 90 dias. Foram comparados dois grupos, as que realizaram mastectomia radical e as que realizaram quadrantectomia. Não foi realizada avaliação no período pré-operatório e foi constatado que não houve diferença significativa de sensibilidade e funcionalidade entre os grupos. Entretanto, houve uma tendência do grupo mastectomia apresentar maior número de avaliações com déficits de funcionalidade do que o grupo quadrantectomia.

Estudo de Assis et al. [29] realizado com 81 pacientes demonstrou que o tempo de cirurgia de todas as pacientes entrevistadas interferiu na funcionalidade dos membros superiores, e a abordagem axilar também demonstrou influenciar o nível de disfunção do membro superior de pacientes com câncer de mama. Já o tipo de cirurgia, o tratamento complementar e a reconstrução mamária não apresentaram relação com o escore do DASH.

Pesquisa realizada com 197 mulheres submetidas a linfadenectomia axilar identificou parestesia do nervo intercostobraquial através de exame físico, e um escore médio do DASH de 13,42 ± 15,73 após 10 anos do procedimento cirúrgico. Isso sugere que as mulheres avaliadas apresentaram boa funcionalidade nas atividades de membros superiores, mesmo a longo prazo [30].

A discussão referente a este assunto não pode ser aprofundada devido à falta de estudos sobre propriocepção de mulheres mastectomizadas e a relação com a sensibilidade.

 

Conclusão

 

As repercussões do tratamento cirúrgico do câncer de mama não tiveram influência significativa sobre a propriocepção, sensibilidade e funcionalidade das mulheres, no pré e pós-operatório de 60 dias.

O estudo realizado permite inferir que a cirurgia por si só pode não se constituir em procedimento capaz de alterar a sensibilidade, propriocepção e funcionalidade quando avaliado após 60 dias, o que pode estar influenciado pelo conjunto de procedimentos terapêuticos, entre estes se destaca a radioterapia.

Outra questão a ser destacada é a forte correlação entre sensibilidade e propriocepção, fato este não encontrado em pesquisas científicas recentes. Assim, torna-se importante a realização de novas pesquisas envolvendo uma amostra maior que abordem especialmente a avaliação da propriocepção pré-operatória e pós-operatória imediata e tardia.

 

Referências

 

  1. Instituto Nacional de Câncer (Brasil). Estimativa 2014. Incidência do Câncer no Brasil. Rio de Janeiro: INCA; 2014.
  2. Inumaru LE, Silveira EA, Naves MMV. Fatores de risco e de proteção para câncer de mama: uma revisão sistemática. Cad Saúde Pública 2011;27(7):1259-70.
  3. Veja KJ, Pina I, Krevsky B. Heart transplantation is associated with an increased risk for pancreatobiliary disease. Ann Intern Med 1996;124(11):980-3.
  4. Mourão CML, Silva JGB, Fernandes AFC, Rodrigues DP. Perfil de pacientes portadores de câncer de mama em um hospital de referência no Ceará. Rev RENE 2008;9(2):47-53.
  5. Höfelmann DA, Anjos JC, Ayala AL. Sobrevida em dez anos e fatores prognósticos em mulheres com câncer de mama em Joinville, Santa Catarina, Brasil. Ciênc Saúde Coletiva 2014;19(6):1813-24.
  6. Antes DL, Wiest MJ, Mota CB, Corazza ST. Análise da estabilidade postural e propriocepção de idosas fisicamente ativas. Fisioter Mov 2014;27(4):531-9.
  7. Bregagnol RK, Dias AS. Alterações funcionais em mulheres submetidas à cirurgia de mama com linfadenectomia axilar total. Rev Bras Cancerol 2010;56(1):25-33.
  8. Gandini RC. Câncer de mama: consequências da mastectomia na produtividade. Temas em Psicologia 2010;18(2):449-56.
  9. Orfale AG, Araújo PMP, Ferraz MB, Natour J. Translation into Brazilian Portuguese, cultural adaptation and evaluation of the reliability of the Disabilities of the Arm, Shoulder and Hand Questionnaire. Brazilian DASH Questionnaire. Braz J Med Biol Res 2005;38:293-302.
  10. Bocatto AM, Haddad CAS, Rizzi SKLA, Sanvido VM, Nazário ACP, Facina G. Avaliação de sensibilidade tátil e função de membro superior no pós-operatório de mastectomia comparado à quadrantectomia. Rev Bras Mastol 2013;23(4):117-23.
  11. Paixão JS. Efeitos do plano motor na aquisição, retenção e transferência de uma destreza fechada. Kinesis 1984. n. esp.:23-52.
  12. Pimentel MD, Santos LC, Gobbi H. Avaliação clínica da dor e sensibilidade cutânea de pacientes submetidas à dissecção axilar com preservação do nervo intercostobraquial para tratamento cirúrgico do câncer de mama. Rev Bras Ginecol Obstet 2007;29(6):291-6.
  13. Ornelas FA, Rodrigues JR, Uemura G. Avaliação convencional e estesiômetro: resultados controversos na avaliação sensitiva no câncer de mama. HU Rev 2010;36(2):137-45.
  14. Instituto Nacional de Câncer José Gomes Alencar da Silva. Estimativa 2012: incidência de câncer no Brasil. Rio de Janeiro: INCA; 2011. 118 p.
  15. Batiston AP, Tamaki EM, Souza LA, Santos MLM. Conhecimento e prática sobre os fatores de risco para o câncer de mama entre mulheres de 40 a 69 anos. Rev Bras Saúde Matern Infant 2011;11(2):163-71.
  16. Pinto E, Campos R, Pinelo S, Gouveia A, Gonçalves J. Cancro hereditário ginecológico e da mama. Acta Obstet Ginecol Port 2012;6(1):20-32.
  17. Silva PA, Riul SS. Câncer de mama: fatores de risco e detecção precoce. Rev Bras Enferm 2011;64(6):1016-21.
  18. Penha NS, Nascimento DEB, Pantoja ACC, Oliveira, AEM, Maia CSF, Vieira ACS. Perfil sócio demográfico e possíveis fatores de risco em mulheres com câncer de mama: um retrato da Amazônia Perfil sócio demográfico e possíveis fatores de risco em mulheres com câncer de mama: um retrato da Amazônia. Rev Ciênc Farm Básica Apl 2013;34(4):579-84.
  19. Inumaru LE, Silveira EA, Naves MMV. Fatores de risco e de proteção para câncer de mama: uma revisão sistemática. Cad Saúde Pública 2011;27(7):1259-70.
  20. Anjos JC, Alayala A, Höfelmann DA. Fatores associados ao câncer de mama em mulheres de uma cidade do Sul do Brasil: estudo caso-controle. Cad Saúde Coletiva 2012;20(3):341-50.
  21. Bellini VBS, Santos C, Oselame GB. Fatores de risco e de proteção para câncer de mama na mulher. Revista Uniandrade 2013;14(1):45-64.
  22. Bezerra TS, Rett MT, Mendonça ACR, Santos DE, Prado VM, Santana JM. Hipoestesia, dor e incapacidade no membro superior após radioterapia adjuvante no tratamento para câncer de mama. Rev Dor 2012;13(4):320-6.
  23. Santos MSM, Panobianco MS, Mamede MV, Meirelles MCCC, Barros VM. Sensibilidade tátil no membro superior de mulheres submetidas à linfonodectomia axilar por câncer de mama. Rev Bras Ginecol Obstet 2009;31(7):361-6.
  24. Teodoro A, Torres R, Roeder I, Araujo AGS. Avaliação fisioterápica em pacientes pós-cirurgia de câncer de mama em Joinville/SC. Cinergis 2010;11(1):60-8.
  25. Costa LD, Rett MT, Mendonça ACR, Junior WMS, Santana JM. Comparação da qualidade de vida após a cirurgia para câncer de mama associada ou não à radioterapia adjuvante. Revista Brasileira de Qualidade de Vida 2012;4(1):25-35.
  26. Santos DE, Rett MT, Mendonça ACR, Junior WMS, Santana JM, Bezerra TS. Efeito da radioterapia na função pulmonar e na fadiga de mulheres em tratamento para o câncer de mama. Fisioter Pesq 2013;20(1):50-5.
  27. Haddad CF. Radioterapia adjuvante no câncer de mama operável. Femina 2011;39(6).
  28. Nascimento SL, Oliveira RR, Oliveira MM F, Amaral MTP. Complicações e condutas fisioterapêuticas após cirurgia por câncer de mama: estudo retrospectivo. Fisioter Pesq 2012;19(3):248-55.
  29. Venâncio L, Campanelli NC, Sousa L. Sensibilidade em membro superior após cirurgia de câncer de mama com linfadenectomia. ConScientiae Saúde 2013;12(2):282-9.
  30. Assis MR, Marx AG, Magna LA, Ferrigno ISV. Late morbidity in upper limb function and quality of life in women after breast cancer surgery. Braz J Phys Ther 2013;17(3):236-43.
  31. Costa F, Silva B, Galvão TS, Lourenço JL, Pereira AC, Bergmann A. Atividade física e funcionalidade em mulheres submetidas a tratamento cirúrgico para o câncer de mama após 10 anos de seguimento. Cadernos Unisuam 2013;3(1):84-5.
  32.