ARTIGO
ORIGINAL
Repercussões
do tratamento cirúrgico do câncer de mama sobre a propriocepção, sensibilidade
e funcionalidade
Repercussions of surgical treatment of breast cancer over
proprioception, sensibility and functionality
Giana Berleze Penna*,
Gabriel Dalenogare Colpo*, Hedioneia Maria Foletto Pivetta, D.Sc.**,
Gustavo Nascimento Petter***, Melissa Medeiros Braz, D.Sc.****
*Alunos
do Curso de Especialização em Reabilitação Físico-Motora da Universidade
Federal de Santa Maria (UFSM), Santa Maria/RS, **Professora do Departamento de
Fisioterapia e Reabilitação da UFSM, Santa Maria/RS, ***Mestrando do Programa
de Pós-Graduação do Curso de Educação Física da UFSM, Santa Maria/RS,
****Professora do Departamento de Fisioterapia e Reabilitação da UFSM, Santa
Maria/RS
Recebido em 14 de
junho de 2016; aceito em 25 de julho de 2016.
Endereço
de correspondência:
Giana Berleze Penna, Avenida Roraima, 1000, Cidade Universitária, Bairro
Camobi, 97105-900 Santa Maria RS, E-mail: gianapenna@gmail.com, Gabriel
Dalenogare Colpo: gabrielcolpo@hotmail.com; Hedioneia Maria Foletto Pivetta:
hedioneia@yahoo.com.br; Gustavo Nascimento Petter: gustavo.petter@hotmail.com;
Melissa Medeiros Braz: melissabraz@hotmail.com
Resumo
Introdução: O câncer de mama é
o que mais acomete as mulheres e pode trazer consequências funcionais.
Objetivo: Avaliar os efeitos da mastectomia radical modificada sobre a
propriocepção, sensibilidade e funcionalidade do membro homolateral a cirurgia
e relacionar a sensibilidade com a propriocepção. Métodos: As avaliações foram no período pré-operatório e
pós-operatório de 60 dias, utilizando-se o cinesiômetro, estesiômetro e o
questionário Disabilities of the Arm, Shoulder and Hand (DASH). Resultados: Foram avaliadas 8 mulheres. Não houve diferença de funcionalidade no pré e
pós-operatório (p = 0,156), na sensibilidade para os nervos
torácico longo (p = 0,783) e intercostobraquial (p = 0,423), e
propriocepção (p = 0,672). Houve correlação da sensibilidade nos dermátomos dos
dois nervos com a propriocepção (r = 0,920 e r = 0,723). Conclusão: O tratamento do câncer não teve influência expressiva
sobre a propriocepção, sensibilidade e funcionalidade, mas encontrou-se relação
entre sensibilidade e propriocepção do membro superior.
Palavras-chave: propriocepção,
fisioterapia, mastectomia, neoplasias.
Abstract
Introduction: Breast cancer is what most attack women and can bring functional
consequences. Objective: To evaluate
the effects of modified radical mastectomy on proprioception, sensibility and
functionality of the upper limb ipsilateral to surgery and relate the
sensibility with the proprioception. Methods: The evaluations were in the
preoperative and 60 days after surgery, using a cinesiometer,
esthesiometer and the questionnaire Disabilities of
Arm, Shoulder and Hand (DASH). Results:
Eight women were evaluated. There was no difference of functionality (p =
0.156), in sensibility for the long thoracic (p = 0.783) and intercostobrachial (p = 0.423) nerves and proprioception (p
= 0.672). There was correlation between sensibility on dermatomes of the two
nerves with proprioception (r = 0.920 and r = 0.723). Conclusion: Surgical treatment of breast cancer had no
expressive influence on proprioception, sensitivity and functionality, but we
found relationship between sensitivity and proprioception of the upper member.
Key-words:
proprioception, physical therapy specialty, mastectomy, neoplasms.
O câncer de mama é um
dos tipos de câncer mais comuns, e o que mais acomete as mulheres, apresentando
uma taxa de mortalidade elevada no Brasil, devido ao diagnóstico em estágios
avançados [1]. Ele é resultado de danos ao código genético, de origem física,
química ou biológica que se acumulam durante a vida [2].
O diagnóstico
realizado logo no início do surgimento da doença é muito importante para a
determinação da sobrevida da paciente e essencial para o processo de decisões
do tratamento cirúrgico e adjuvante [3,4].
O cansaço, a fadiga,
as dores, a limitação dos movimentos do membro superior homolateral à cirurgia
e o prejuízo das habilidades motoras são consequências da mastectomia, que tem
repercussões no desempenho no trabalho e nas atividades de vida diária,
influenciando diretamente na funcionalidade da mulher. Considerando a área de
abordagem cirúrgica, o procedimento realizado pode causar danos em relação à
sensibilidade, pois a ressecção do nervo intercostobraquial, que está próximo
do nervo torácico longo, é comum nesses procedimentos, principalmente quando há
comprometimento metastático dos linfonodos. Durante o procedimento cirúrgico, a
paciente sofre lesões em algumas estruturas, causando dor pós-operatória e
consequente tendência à imobilidade do membro superior. Assim, a hipomobilidade
da articulação do ombro pode influenciar negativamente na propriocepção, que
são informações neurais geradas pelos receptores das articulações, músculos,
tendões, cápsulas e ligamentos, enviadas através das vias
aferentes ao sistema nervoso central [5-7].
Com a finalidade de
balizar as condutas fisioterapêuticas, o estudo realizado teve como objetivos
avaliar os efeitos da mastectomia radical modificada unilateral sobre a
propriocepção, sensibilidade e funcionalidade de mulheres mastectomizadas e
relacionar a sensibilidade com a propriocepção do membro superior homolateral à
cirurgia.
Trata-se de um estudo
descritivo, transversal com abordagem quantitativa. Foi realizado junto ao
Hospital Universitário de Santa Maria (HUSM) e à Unidade Sanitária Saúde da
Mulher, no Centro Diagnóstico Nossa Senhora Rosário.
A população foi
constituída de mulheres que foram submetidas à mastectomia radical modificada
unilateral, acompanhadas pelos serviços de saúde já mencionados. Foram
recrutadas 13 mulheres em uma amostra por conveniência. Entretanto houve perda
amostral de duas participantes e outras três foram excluídas segundo os
critérios de elegibilidade do estudo. A amostra foi composta por 8 mulheres com diagnóstico de câncer de mama nos anos de
2014 e 2015, que foram submetidas à cirurgia neste mesmo período, com ou sem
linfadenectomia, que estivessem na faixa etária de 35 a 59 anos. Foram
excluídas deste estudo, mulheres que realizaram tumorectomia, segmentectomia ou
cirurgia de mastectomia radical modificada bilateral, que tiveram dificuldade
na realização do teste de propriocepção por importante limitação de amplitude
de movimento, portadoras de diabetes mellitus, mulheres com tendinopatias ou
outras patologias de ordem musculoesquelética e nervosa do membro superior e
mulheres que se submeteram a tratamento fisioterapêutico no pós-operatório, considerando
que a reavaliação deu-se 60 dias após o procedimento cirúrgico.
Como instrumento de
coleta de dados foi utilizada uma ficha de dados de identificação da mulher, e
na sequência foi aplicado o questionário Disabilities
of the Arm, Shoulder and Hand (DASH), para avaliação da funcionalidade do
membro homolateral à cirurgia sob perspectiva da
paciente [8]. O estudo utilizou as 30 primeiras questões mais o módulo opcional
referente às atividades de trabalho (incluindo tarefas domésticas), com a
pontuação variando de 0 (sem disfunção) a 100
(disfunção grave). O grau de comprometimento da funcionalidade foi calculado
através deste escore, quanto mais baixa a pontuação, menor o comprometimento da
função dos membros superiores [9].
Para avaliação da
propriocepção, foi utilizado o cinesiômetro, que é um instrumento composto de
uma base de madeira onde estão afixados os graus de 0º a 180º para determinação
de ângulos; um braço móvel, fixo na parte central de uma de suas extremidades,
no ponto correspondente a 0º, e tendo na outra extremidade um deslizador, que
permitirá sua mobilidade marcando os ângulos determinados. Lateralmente, neste
braço móvel há um ponteiro que marca a posição dos graus afixados na base. Para
a realização do teste, a paciente deveria estar de olhos vendados, sentada à
frente do instrumento, colocando seu braço dominante na posição supinada, sobre
o braço móvel do cinesiômetro, correspondente a 0º. Em seguida o pesquisador
movimentava braço móvel do cinesiômetro, juntamente com o braço da paciente, em
cada um dos ângulos predeterminados: 90º para a direita, 45º para a esquerda, e
a partir deste ponto movia-se 60º, chegando ao ângulo de 105º. À medida que se
movia o braço do instrumento, juntamente com o braço do sujeito, notificava-se
a posição alcançada, mas sem citar o ângulo correspondente. Em cada ângulo que
o avaliador mostrava para a paciente, permanecia aproximadamente 10 segundos,
para que a mesma percebesse a posição do braço. Após, voltava-se à posição
inicial (0º) e solicitava-se que a testada repetisse a sequência na mesma
ordem. A pontuação foi determinada a partir de quantos graus faltaram ou
excederam o ponto exato do ângulo determinado [10].
Para aquisição dos
dados referentes à sensibilidade, foi utilizado o estesiômetro de Semmes-Weinstein.
O teste começou com o monofilamento mais leve (verde), sendo solicitado para o
paciente responder “sim” quando sentisse o toque do filamento. Na ausência de
resposta, continuou-se com o próximo filamento mais pesado, o azul, roxo, vermelho,
laranja e rosa. Cada monofilamento corresponde a uma pontuação, sendo 1 para o mais leve, e 6 para o mais pesado [11]. Foi testado
o nervo torácico longo, correspondente ao dermátomo de C5, C6 e C7, aplicando o
filamento na região medial e póstero-superior do braço e axila. E também o
nervo intercostobraquial, que corresponde aos dermátomo de T1, na região
interna do braço. Para a padronização do teste foi realizada a seguinte
demarcação: a distância entre o processo coracóide e o epicôndilo medial foi dividida
em três espaços iguais, com um ponto proximal (P1), distal (P2) e o médio (P3).
A partir de P1 foi demarcado um ponto a 3cm abaixo em
direção posterior do braço; a partir de P3 demarcou-se um ponto a 2,5cm, e a
partir de P2, foi demarcado um ponto a 2cm. Nesses pontos exatos foi realizada
a aplicação do estesiômetro para avaliação do nervo intercostobraquial [12]. As
mulheres permaneciam na posição sentada e de olhos vendados durante a
realização do teste.
As coletas foram
realizadas no período pré-operatório e pós-operatório de 60 dias pelo mesmo
avaliador, e tiveram início a partir da aprovação do Comitê de Ética em
Pesquisas (nº 718.907/14) com Seres Humanos da Universidade Federal de Santa
Maria em conformidade com a resolução 466/2012 e da assinatura do Termo de
Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE). As mulheres que apresentavam dúvidas
quanto à movimentação do membro superior após a cirurgia foram orientadas pelo
avaliador. As que apresentaram necessidade de fisioterapia após a avaliação pós-operatória,
foram encaminhadas ao Ambulatório de Fisioterapia do HUSM.
Para a análise dos
dados, inicialmente foi realizada a estatística descritiva para caracterização
dos grupos de pesquisa. O teste de Shapiro-Wilk foi utilizado como teste de
normalidade das variáveis. Já para os testes de hipótese foi utilizado o teste
t pareado para as variáveis simétricas e o teste de Wilcoxon para as
assimétricas. Para as correlações das variáveis foi utilizado o teste de
correlação de Pearson para as variáveis simétricas e o teste de correlação de
Spearman para as assimétricas. O nível de significância de todos os testes foi
de 5% e o Software utilizado foi o SPSS v.20.
A investigação foi
realizada com oito mulheres mastectomizadas com média de idade de 50,88 ± 1,07
anos. Quanto à média de idade da menarca e da menopausa, identificou-se que as
participantes apresentaram 12 ± 0,52 anos para a menarca e 47 ± 2,12 anos para
a menopausa. A média de idade da primeira gestação foi de 23,71 ± 4,42 anos,
mas seis amamentaram seus filhos, com tempo médio de 18 ± 20,68 meses. A
história familiar de carcinoma mamário esteve presente em três casos, e uma
mulher não realizou linfadenectomia. Com relação ao tratamento adjuvante, três
mulheres estavam no início do tratamento quimioterápico e três estavam
iniciando a radioterapia quando avaliadas no período pós-operatório de 60 dias.
A avaliação da
funcionalidade do membro superior homolateral a cirurgia apresentou média do
escore do DASH no pré-operatório de 11,15 ± 20,34 e, após a cirurgia, 25,42 ±
29,56, resultado este sem significância estatística (p = 0,156).
A
avaliação da
propriocepção demonstrou que não houve
diferença estatisticamente significativa
antes e após o procedimento cirúrgico, pois o erro
médio geral dos ângulos no
período pré-operatório foi de 7,46º ±
6,77º, e no pós-operatório, de 5,46º ±
3,63º (p = 0,672).
A avaliação da
sensibilidade pré e pós-operatória também não apresentou diferença
estatisticamente significativa. Foi calculada a mediana dos monofilamentos
resultando em 2,5 e 2 para o nervo torácico longo no pré e pós-cirúrgico,
respectivamente. Para o nervo intercostobraqueal o valor da mediana foi 2 nos dois momentos.
A correlação entre os
achados da avaliação da sensibilidade no dermátomo correspondente aos nervos
torácico longo e intercostobraqueal com a propriocepção foi estatisticamente
significativa, sendo r = 0,920 e r = 0,723, respectivamente (Figura 1 e 2).
A avaliação da
sensibilidade está representada pela gramagem dos monofilamentos, e a propriocepção
pelo erro absoluto em graus. Na avaliação sensitiva pelo estesiômetro pode-se
inferir que quanto maior a gramagem necessária para a percepção da paciente ao
estímulo sensitivo do monofilamento, menor a sensibilidade da paciente. Neste
caso, quando a avaliação sensitiva é correlacionada a avaliação proprioceptiva,
identificou-se que, quanto menor a sensibilidade da paciente maior foi a média do erro absoluto de propriocepção. Isto significa
que quanto menor a sensibilidade, pior a propriocepção. Além disso,
identificou-se que há correlação entre a sensibilidade nos dois dermátomos,
pois quanto pior a sensibilidade avaliada no dermátomo correspondente ao nervo
torácico longo, pior foi a sensibilidade corresponde
ao nervo intercostobraqueal (r = 0,779).
Figura
1 – Correlação entre a propriocepção e a
sensibilidade do dermátomo correspondente ao nervo torácico longo.
Figura
2 – Correlação entre a propriecepção e a
sensibilidade no dermátomo correspondente ao nervo intercostobraqueal.
As mulheres
mastectomizadas avaliadas nesta pesquisa apresentaram média de idade de 50,88
anos, o que corrobora dados descritos pelo Instituto Nacional do Câncer de que
até 50 anos a incidência de câncer de mama é maior, e após essa idade o número
de casos diminui. Estudos mostram que a média de idade de mulheres
diagnosticadas com câncer de mama é de 52,4 ± 8,1 anos, variando de 40 a 69
anos, o que indica que na maioria dos casos as mulheres estavam na menopausa
[13,14].
Quanto aos fatores
considerados como risco para o desenvolvimento do câncer de mama, investigou-se
o caráter hereditário da doença e as características reprodutivas das mulheres,
como menarca, menopausa, idade da primeira gestação e tempo de aleitamento
materno.
O câncer de mama é
relacionado à mutação genética, que pode ser hereditária (5 a 6% dos casos) ou
ainda originária de mutação genética adquirida. O fator hereditário está
relacionado à mutação nos genes BRCA 1 e BRCA 2,
incluídas na Síndrome do Câncer da mama-ovário [15]. Esta estimativa foi
mostrada no estudo de Silva et al. [16]
realizado com 18 mulheres com diagnóstico de câncer de mama na cidade de
Uberaba/MG, em que 94,44% não apresentaram casos de primeiro grau de
parentesco. Em outro estudo, realizado na ESF na cidade de Dourados (MS), com
393 mulheres, 86,5% não tinham casos de câncer de mama na família [17]. Neste
estudo, em desacordo com a literatura, a incidência de câncer de mama de
caráter hereditário foi de 37,5%, porém, acredita-se que este achado tenha sido
aleatório devido à pequena amostra estudada.
A literatura tem
destacado que a menarca precoce e menopausa tardia não são os principais
fatores de risco para o desenvolvimento do câncer de mama, mesmo havendo uma
maior exposição hormonal. As mulheres estão sendo diagnosticadas com câncer de
mama, muitas vezes em estágios mais avançados, apresentando um tempo curto de
período reprodutivo e exposição hormonal [16,17]. O estudo de Penha et al. [17], realizado com 18 pacientes em
um Hospital Referência em Oncologia em Belém, que investigou os fatores de
risco para câncer de mama, demonstrou que a menarca precoce e a menopausa
tardia não estiveram relacionadas com os casos de câncer de mama. Isto é
semelhante a este estudo, pois a média de idade da menarca foi de 12 anos e da
menopausa, 47 anos. Essa constatação implica na multicausalidade do câncer de
mama, ou seja, é uma patologia multifatorial que vem crescendo em incidência
originária, muitas vezes, pela exposição a fatores ambientais, estilo de vida e
fatores emocionais [18,19].
Destacando ainda os
dados reprodutivos da amostra estudada, o fator nuliparidade não esteve
presente, assim como gestação tardia, com média de idade da primeira gestação
de 23,71 ± 4,42, uma vez que todas as mulheres tiveram pelo menos uma gestação
antes dos 30 anos. No estudo realizado na Enfermaria de Ginecologia e
Obstetrícia do Hospital de Clínicas da Universidade Federal do Triângulo
Mineiro (EGO/HC/UFTM), que teve por objetivo identificar fatores de risco para
câncer de mama, entrevistou 18 mulheres com câncer de mama, e apresentaram
média de idade da primeira gestação de 23,88 anos [17], o que converge com os
achados desta pesquisa. Acredita-se que a gestação tardia possa estar
relacionada com o câncer de mama, uma vez que o hormônio prolactina é secretado
em grandes quantidades neste período de amenorreia lactacional. Em mulheres com
gestação precoce as células da mama tornam-se mais maduras e protegidas contra
as células cancerígenas [20].
No que se refere ao
objeto de investigação desta pesquisa, a comparação pré e pós-operatória das
variáveis da propriocepção (p = 0,672), sensibilidade (p = 0,783) para nervo
torácico longo (p = 0,783) e para o intercostobraquial (p = 0,423), e
funcionalidade (p = 0,156), foi identificado que não houve diferença
estatisticamente significativa. Estudos vêm demonstrando alterações funcionais
em mulheres submetidas à mastectomia radical, com prejuízos na sensibilidade
[21-23]. Entretanto, nesta pesquisa estes achados não convergem. Acredita-se
que isso tenha ocorrido por se tratar de uma amostra pequena e ainda pode ser
um achado aleatório desta população estudada.
Outra questão que
pode ter influenciado nos resultados é o fato de que as mulheres foram
avaliadas no pré-operatório eminente, ou seja, quando já internadas no
hospital, o que aumenta o nível de ansiedade e estresse perante o fato do
procedimento em si e da mutilação da mama. Convém destacar ainda que a
avaliação pós-operatória foi realizada 60 dias após o procedimento cirúrgico,
período este em que o processo cicatricial já está em fase adiantada (redução
da dor, edema, diminuição do nível de ansiedade) e, muitas vezes ainda não
realizou ou está iniciando o tratamento adjuvante, como a radioterapia, podendo
estar implicada nas repercussões funcionais das mulheres mastectomizadas. A
radioterapia é realizada com a finalidade de reduzir o risco de recorrência da
doença, mas entre as suas consequências está o prejuízo da saúde emocional e a
influência na qualidade de vida, o surgimento de fadiga, dor, redução da função
pulmonar, sintomas inflamatórios, edema e linfedema [24-26].
Desse modo, pode-se
inferir que o procedimento cirúrgico em si não necessariamente causa prejuízos
funcionais relevantes, mas que talvez o conjunto de procedimentos terapêuticos
realizados, entre eles a radioterapia, é que coadunam em repercussões
sensitivas e funcionais importantes. Outro aspecto pertinente é que as lesões
ou secções nervosas no intrercostobraquial causadas pelo procedimento cirúrgico
pode não ser uma prática habitual, já que há relatos de que o procedimento pode
ser realizado com a preservação do nervo mesmo com a extirpação total da mama
[16]. O risco de lesão do nervo torácico longo, não foi comprovado nesta
investigação.
Contextualizando o
exposto, pesquisa realizada por Bezerra et al. [27] para
avaliação da sensibilidade, utilizou o estesiômetro em 20 mulheres que estavam
em tratamento de radioterapia (25-30 sessões). Elas foram avaliadas antes de
começarem a radioterapia e na última sessão. Foi encontrada uma redução da
sensibilidade no membro superior homolateral, de 1,9 ± 0,2 para 2,8 ± 0,2 (p =
0,004), indicando hipoestesia. Entretanto, Venâncio et
al. [28]constataram que não houve redução na sensibilidade em membro superior
após cirurgia de câncer de mama associado à linfadenectomia, somente quando
comparado com o membro contralateral. Isto confirma os dados deste estudo, de
que não houve diferença na sensibilidade do membro superior homolateral à
cirurgia, mesmo que as mulheres estivessem em radioterapia. Ao contrário de
Venâncio et al. [28], não foi objetivo deste estudo
avaliar a sensibilidade do membro superior contralateral.
A avaliação da
propriocepção do membro superior homolateral à cirurgia de mulheres
mastectomizadas parece não se constituir em objeto de pesquisa corriqueiro, uma
vez que não se encontraram estudos que investigassem a propriocepção assim como
estabelecessem essa relação com a sensibilidade.
Embora não se tenha
encontrado estudos que busquem essa correlação em mulheres com câncer de mama,
Begragnol et al. [6] constataram que o tratamento
cirúrgico do câncer de mama, que pode vir associado ou não ao esvaziamento
axilar, possibilita lesão nervosa. Isto traria prejuízos tanto para a
sensibilidade quanto para a propriocepção após a cirurgia. Outro aspecto que os
autores ressaltam é que a modificação da cavidade axilar, ao retirar a
serosidade local, pode levar ainda ao desenvolvimento de aderências e
dificuldades no movimento da articulação do ombro.
Mediante alterações
na sensibilidade, e, consequentemente na propriocepção, acredita-se que a
mulher mastectomizada apresente repercussões funcionais relativas ao membro
superior. Nesse estudo não foi identificado alteração da funcionalidade (p =
0,156), muito embora isso possa estar vinculado à preservação da sensibilidade
e propriocepção do membro superior.
Estudo realizado por
Bocatto et al. [9] no Ambulatório da Disciplina de
Mastologia da Universidade Federal de São Paulo, avaliou a sensibilidade tátil
com o estesiômetro de Semmes-Weinstein e função de membro superior através do
DASH, em mulheres submetidas a cirurgia de câncer de mama após 90 dias. Foram
comparados dois grupos, as que realizaram mastectomia radical e as que
realizaram quadrantectomia. Não foi realizada avaliação no período pré-operatório
e foi constatado que não houve diferença significativa de sensibilidade e
funcionalidade entre os grupos. Entretanto, houve uma tendência do grupo
mastectomia apresentar maior número de avaliações com déficits de
funcionalidade do que o grupo quadrantectomia.
Estudo de Assis et al. [29] realizado com 81 pacientes
demonstrou que o tempo de cirurgia de todas as pacientes entrevistadas
interferiu na funcionalidade dos membros superiores, e a abordagem axilar
também demonstrou influenciar o nível de disfunção do membro superior de
pacientes com câncer de mama. Já o tipo de cirurgia, o tratamento complementar
e a reconstrução mamária não apresentaram relação com o escore do DASH.
Pesquisa realizada
com 197 mulheres submetidas a linfadenectomia axilar
identificou parestesia do nervo intercostobraquial através de exame físico, e
um escore médio do DASH de 13,42 ± 15,73 após 10 anos do procedimento
cirúrgico. Isso sugere que as mulheres avaliadas apresentaram boa
funcionalidade nas atividades de membros superiores, mesmo a
longo prazo [30].
A discussão referente
a este assunto não pode ser aprofundada devido à falta de estudos sobre
propriocepção de mulheres mastectomizadas e a relação com a sensibilidade.
As repercussões do
tratamento cirúrgico do câncer de mama não tiveram influência significativa
sobre a propriocepção, sensibilidade e funcionalidade das mulheres, no pré e
pós-operatório de 60 dias.
O estudo realizado
permite inferir que a cirurgia por si só pode não se constituir em procedimento
capaz de alterar a sensibilidade, propriocepção e funcionalidade quando
avaliado após 60 dias, o que pode estar influenciado pelo conjunto de
procedimentos terapêuticos, entre estes se destaca a radioterapia.
Outra
questão a ser
destacada é a forte correlação entre sensibilidade
e propriocepção, fato este
não encontrado em pesquisas científicas recentes. Assim,
torna-se importante a
realização de novas pesquisas envolvendo uma amostra
maior que abordem
especialmente a avaliação da propriocepção
pré-operatória e pós-operatória
imediata e tardia.