REVISÃO
Fisioterapia
nas disfunções do assoalho pélvico e na sexualidade durante o período
gestacional
Physical therapy for pelvic floor dysfunction and sexuality during
gestation period
Jacyara Peruzzi,
Ft.*, Patricia Andrade Batista, Ft.**
*Pós-graduanda
em Fisioterapia em Uroginecologia, **Especialista em
Fisioterapia na Saúde da Mulher
Recebido em 8 de maio de 2017; aceito em 17 de abril de 2018.
Endereço
para correspondência:
Jacyara Peruzzi, Rua Vieira
do Couto, 155/301, 21545-130 Rio de Janeiro RJ, E-mail: j.peruzzi@ig.com.br
Resumo
Em meio às inúmeras
transformações hormonais e mecânicas durante o período gestacional, ocorrem
também as disfunções do assoalho pélvico que podem causar disfunção sexual.
Devido à escassez de estudos sobre a atuação da fisioterapia na função do
assoalho pélvico referente à sexualidade na gestação, suas complicações e
disfunções, o objetivo deste estudo é mostrar a eficácia da fisioterapia,
utilizando o treinamento de músculos do assoalho pélvico, e sua influência na
sexualidade, durante o período gestacional. Este estudo é uma revisão da
literatura. Realizou-se levantamento junto às bases de dados Pubmed, Scielo, Lilacs e Pedro. A eficácia da fisioterapia através das
técnicas de treinamento dos músculos do assoalho pélvico ficou claramente
demonstrada em diversos estudos.
Palavras-chave: Fisioterapia,
gestantes, sexualidade, diafragma pélvico.
Abstract
Numerous hormonal and mechanical transformations occurs during the
gestation period, pelvic floor dysfunctions may also occur and may cause sexual
dysfunction. Due to the shortage of studies about the physical therapy
performance on the pelvic floor function related to sexuality during pregnancy,
its complications and dysfunctions, the aim of this study is to show the efficacy
of physical therapy, using pelvic floor muscle training, and the influence on
sexuality during the gestation. This study is a literature review. A survey was
carried out with the databases Pubmed, Scielo, Lilacs and Pedro. The effectiveness of physical
therapy through pelvic floor muscle training techniques was clearly
demonstrated in several studies.
Key-words: Physical
therapy specialty, pregnant women, sexuality, pelvic floor.
Durante o período
gestacional ocorrem várias modificações e transformações anatômicas, hormonais
e mecânicas no corpo da mulher [1-5]. Essas transformações e alterações fazem
parte de um processo natural e fisiológico, porém exigem adaptações no
organismo da gestante como um todo. Por consequência acarretam diversas
alterações nos sistemas endócrino, respiratório, musculoesquelético,
cardiovascular, tegumentar, urinário, gastrointestinal e alterações
psicológicas [4,6-9].
As transformações do
sistema endócrino são as que causam maior influência no organismo da gestante,
ocorre um pan-hiperendrocrinismo, ou seja, um aumento
de todos os hormônios, sendo os principais: o estrogênio que atua no aumento do
tamanho do útero e dos ductos mamários e tem efeito antidiurético, sendo assim,
um dos responsáveis pela retenção hídrica; a progesterona, que provoca um
relaxamento da musculatura lisa, o que interfere no bom funcionamento das
vísceras; e a relaxina que atua nas fibras de
colágeno provocando uma frouxidão ligamentar e instabilidade articular,
principalmente na pélvis [4,10].
Em meio às inúmeras
transformações, ocorrem também, as disfunções do assoalho pélvico (DAP) que
podem interferir nos domínios físico, emocional, pessoal e social [11,12]. O
progressivo crescimento do útero e aumento do peso corporal exercem
maior pressão aos músculos do assolho pélvico (MAP) acrescido da ativa atuação
dos hormônios, levando ao enfraquecimento. Mulheres que apresentam disfunção
dos MAP podem também apresentar disfunção sexual [13,14].
Ocorrem alterações nos
órgãos sexuais por influência hormonal e hematológica que interferem no
assoalho pélvico. Vagina e vulva têm a vascularização aumentada, observa-se
amolecimento do tecido conjuntivo, pele e músculos do períneo. Como resultado
da renovação das células do revestimento da vagina, ocorre um aumento da
lubrificação vaginal. Há um espessamento da parede da vagina causado por
hormônios, o que produz muco. Esse excesso de lubrificação é capaz de alterar
no atrito pênis-vagina e tornar mais difícil a relação sexual [15-17].
De acordo com a
Organização Mundial de Saúde (OMS), o conceito de sexualidade é “Uma energia
que nos motiva a procurar amor, contato, ternura, intimidade, que se integra no
modo como nos sentimos, movemos tocamos e somos tocados; é ser-se sensual e ao
mesmo tempo sexual; ela influencia pensamentos, sentimentos, ações e
interações, e por isso influencia também a nossa saúde física e mental”.
A sexualidade é um
fator natural da vida, tendo um dos papeis mais importantes da existência. Tem
relação com a maneira de dar e receber afetos, estando diretamente ligada à
autoestima [13,17].
A realização do
presente trabalho justifica-se pela constatação de uma grande escassez de
estudos sobre a atuação da fisioterapia sobre a função dos MAP referente à sexualidade na gestação, suas complicações e disfunções.
Este estudo tem como
objetivo mostrar a eficácia da fisioterapia, através de treinamento dos
músculos do assoalho pélvico, nas disfunções do assoalho pélvico e sua
influência na sexualidade durante o período gestacional.
Este estudo é uma
revisão da literatura baseada na busca de livros, teses, dissertações e artigos
nacionais e internacionais, datados de 2002 a 2016, nos idiomas português e
inglês. Realizou-se levantamento junto as bases de
dados Pubmed, Scielo, Lilacs e Pedro. Os descritores adotados foram: Fisioterapia,
gestantes, sexualidade, diafragma pélvico. Os descritores adotados em inglês
foram: Physiotherapy, Pregnant,
Sexuality, Pelvic Diaphragm.
O
assoalho pélvico
O assoalho pélvico
(AP) é uma estrutura complexa, constituído por músculos liso e estriado,
ligamentos e fáscias. É formado pelo diafragma pélvico e diafragma urogenital
ou períneo. O diafragma pélvico é composto pelos músculos elevadores do ânus e
pelos músculos coccígeos. O músculo elevador do ânus é dividido em quatro
partes: pubococcígeo, iliococcígeo,
puborretal e pubovaginal
(mulheres). O diafragma urogenital (períneo) é composto por músculos
superficiais: transverso superficial do períneo, isquiocavernoso
e bulbo-esponjoso; e profundos: transverso profundo do períneo e o músculo
esfíncter da uretra [18,19].
Suas funções são de
sustentar e suspender os órgãos pélvicos e abdominais, mantendo as continências
urinária e fecal. Os MAP também participam da função sexual e distendem-se em
sua porção máxima na passagem do bebê. A fáscia endopélvica
que é composta pelos ligamentos pubo-vesical, redondo do útero, uterossacro e ligamento cervical transverso e são
importantes para manter a estruturas pélvicas em suas posições normais [19].
Os MAP são constituídos
de 70% de fibras do tipo I (fibras de contração lenta) e 30% de fibras do tipo
II (fibras de contração rápida). Assim as fibras do tipo I são responsáveis
pela ação antigravitacional dos MAP, mantendo o tônus
constante e também na manutenção da continência no repouso. E as do tipo II são
recrutadas durante aumento súbito da pressão abdominal contribuindo assim para
o aumento da pressão de fechamento uretral [19].
A sobrecarga
progressiva que a gravidez impõe ao MAP além da fisiologia hormonal específica
do período gestacional alteram a força e o tônus dessa musculatura surgindo ou
agravando a DAP e favorecendo as disfunções sexuais, entre outras [12]. A perda
ou diminuição do tônus muscular do AP pode causar efeito negativo na saúde
sexual podendo causar o aparecimento de problemas interpessoais e psicossociais
[20].
Sexualidade
e gestação
A sexualidade do
casal, durante a gestação, pode sofrer influência das transformações e
adaptações exigidas pela ação dos hormônios e mecânica - o que inclui a DAP,
acrescida dos mitos e tabus, da religião e cultura -, devido ao declínio da
autoestima em relação à imagem corporal e por medos gerados pelo próprio
desconhecimento do casal em relação ao corpo humano e sua fisiologia,
interferindo ativamente em sua sexualidade e prática sexual [21-23].
Esse período exige
adaptação, tanto materna quanto paterna na atividade sexual, sendo favorável ao
surgimento de problemas com impactos negativos na saúde física e psicológica do
casal, é um momento delicado e vulnerável devido às mudanças biológicas,
psicológicas, socioculturais que interferem na vivência da sexualidade [17,24].
Na literatura existem evidências que a satisfação sexual diminuiu ligeiramente
no primeiro trimestre do período gestacional, no segundo praticamente não há
alteração e no terceiro sofre significativa redução [24].
Sacomori et
al. [25] avaliaram a associação da força dos MAP versus função sexual e
concluíram que as mulheres que apresentaram força muscular considerada boa,
tiveram significativamente maior desejo, excitação, lubrificação e orgasmo,
comparado as que apresentaram menos força nos MAP, corroborando a conclusão de Lunardon e Brondani [13] em outro
estudo.
Outra afirmação foi
de Silva [12], que os MAP conferem sensibilidade proprioceptiva que contribui
para o ápice sexual. Destacou a influência do MAP na função e na resposta
sexual feminina e que as mulheres que apresentam diminuição de força dos MAP se
queixam de disfunção sexual. Lunardon e Brondani [13] em um estudo que teve como objetivo avaliar a
satisfação sexual de mulheres em relação à força dos MAP chegaram
a mesma conclusão. Em 2011, Magno et al. [26]
realizaram um estudo para avaliar quantitativamente a função sexual feminina
correlacionada com a contração dos MAP e também obtiveram a mesma constatação.
Em sua tese sobre
disfunção do AP e qualidade de vida relacionada à saúde de gestantes, Soares
[11] afirmou que os MAP enfraquecidos influenciam na função sexual, pois a
fisiologia do orgasmo apresenta como principal característica, as contrações
involuntárias dos MAP e os músculos enfraquecidos levam a hipoestesia
vaginal e anorgasmia.
Um estudo, realizado
por Franceschet et al. [27], encontrou significativa correlação entre o grau de
contração dos MAP e escore de função sexual em gestantes. Piassarolli
et al. [28] afirmam que mulheres submetidas ao
treinamento dos MAP apresentaram melhora significativa nos escores de função
sexual. Relatam que ao decorrer do estudo observou-se melhora estatisticamente
significativa das contrações dos MAP. Foi elaborado um protocolo de 10 sessões
de exercícios do assoalho pélvico, 01 ou 02 vezes/semana, durante 50min. Foram
realizados no total de dez contrações, em decúbito dorsal, lateral, frontal, em
quatro apoios, sentada e em pé. Em cada posição foram realizadas cinco
contrações fásicas (rápidas) e cinco contrações
tônicas (sustentadas) por dez segundos, com período de relaxamento de dez
segundos entre cada uma, totalizando ao final de cada sessão cem contrações e
orientação para realizar os exercícios em casa uma vez/dia. Afirmaram que 69%
das participantes do estudo obtiveram alta do Ambulatório de Sexologia sem
apresentarem mais necessidade de terapia sexual como complemento ao tratamento,
o que sugeriu o potencial da abordagem fisioterapêutica como tratamento
auxiliar das disfunções sexuais em geral.
O estudo realizado
por Silva [12] afirma que a fisioterapia merece destaque no tocante as
disfunções sexuais, pois o treinamento dos MAP ativa a circulação local,
promove equilíbrio muscular, o que reflete na autoestima e consequente melhora
na qualidade de vida. Lunardon e Brondani
[13] concluíram em sua pesquisa que a fisioterapia é de grande valor para
melhora da força dos MAP, minimizar as disfunções sexuais e aumentar a
qualidade de vida.
A eficácia do
treinamento dos MAP tanto em ganho de força como em melhora significativa na
disfunção sexual foi confirmada no estudo realizado por Magno et al. [26].
Moura e Marsal [18] afirmaram que o treinamento dos MAP, durante a
gestação, mantém o fortalecimento e os tornam mais saudáveis para sustentar
melhor o aumento progressivo do útero ao qual são submetidos durante a
gravidez. Através de um protocolo que consistia de Exercício de contração
rápida: em decúbito dorsal ou lateral, contrair os MAP por 2 a 3 segundos e
relaxar completamente. Exercício de contração longa: em decúbito dorsal ou
lateral, realizar a contração dos MAP por 10 segundos e relaxar completamente.
Exercício Ponte: três séries de 10 em decúbito dorsal, pés apoiados, joelhos
flexionados e quadril elevado, contrair os glúteos por três segundos e relaxar.
Contração dos MAP por 10 segundos, relaxar, 10 repetições, três vezes/dia. Em
pé ou sentada, contrai abruptamente em três séries de 10 com intervalo de 60
segundos. Afirmaram, ainda, que os exercícios promovem hipertrofia pelo aumento
das fibras musculares, aumento da síntese proteica e diminuição da degradação
das proteínas, aumento da capacidade oxidativa e do
volume das mitocôndrias e que também foi confirmado por Nolasco et al. [19] em seu estudo.
Diversos outros
estudos referente à eficácia do treinamento dos MAP foram citados no estudo
realizados por Nolasco et al. [19], incluindo um
estudo que afirmou os resultados positivos sobre utilização de cones vaginais
para estimular a contração reflexa, potencializando os efeitos positivos dos
exercícios perineais.
Foi registrado no
estudo de Moura e Marsal [18] a necessidade do treinamento
dos MAP, durante a gestação, por fornecerem, dentre outras vantagens, a melhora
da função sexual.
Em sua dissertação
apresentada à Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo, Oliveira [29]
constatou em sua pesquisa que o grupo que realizou a cinesioterapia no AP no
ciclo gravídico-puerperal apresentou considerável aumento na força e na pressão
vaginal comparado ao grupo controle. Por um período de 12 semanas foram
realizadas quatro séries de dez contrações com seis segundos de manutenção e
doze de relaxamento, em decúbito lateral, sentada, em decúbito dorsal com
elevação de 45 graus e na posição ortostática. Ao final de cada série, três
contrações rápidas por 1 segundo. Intercalavam-se quatro séries de exercícios
para os MAP para todo o corpo, totalizando 16 exercícios e orientação de como
realiza-los em casa 1 vez/dia.
Assis [30] afirma, em
sua pesquisa, a relevância do treinamento dos MAP também de forma preventiva,
devido à gestação ser fator determinante ao aparecimento de DMAP.
As disfunções do
assoalho pélvico têm efetiva correlação com as disfunções sexuais e a eficácia
da fisioterapia, através das técnicas de treinamento desses músculos, durante o
período gestacional, ficou claramente demonstrada em diversos estudos
realizados. O treinamento dos músculos do assoalho pélvico mostrou ser de
grande relevância tanto para a reabilitação quanto para a prevenção da força
muscular do assoalho pélvico, melhorando a resposta sexual das gestantes ou
evitando o aparecimento de suas consequentes disfunções.