REVISÃO
A atuação da
fisioterapia pré e pós-operatória nas complicações
respiratórias em pacientes com cardiopatias congênitas
The performance of physiotherapy pre and postoperative
respiratory complications
in patients with congenital
heart disease
Danielle
Almeida de Souza Monteiro, Ft.*, Fábio da Silva Forti,
Ft.*, Viviani Aparecida Lara Suassuna**
*Faculdades
Metropolitanas Unidas (FMU), **Professora da FMU, orientadora
Recebido
em 11 de maio de 2017; aceito em 18 de maio de 2018.
Endereço para correspondência: Danielle Almeida de
Souza Monteiro, Al. Subtenente Francisco Hierro,
360/42B Parque Novo Mundo 02187-040 São Paulo SP, E-mail:
danielle.asmonteiro@gmail.com; Fabio da Silva Forti:
fabioforti4612@gmail.com; Viviani Aparecida Lara Suassuna: viviani.suassuna@fmu.br
Resumo
Introdução: As cardiopatias
congênitas são uma das principais causas de morte na infância. À medida que
houve evolução no processo de diagnóstico dessas malformações e também nos
processos cirúrgicos para o reparo das mesmas, as complicações desencadeadas no
pós-operatório também se tornaram mais evidentes. Devido ao heterogêneo quadro
dessas complicações, principalmente respiratórias, a fisioterapia possui uma
atuação de muita importância, buscando gerar conforto e bem estar aos
pacientes. Objetivo: Avaliar a
atuação da fisioterapia nas possíveis complicações respiratórias no período pré e pós-operatório em crianças
cardiopatas congênitas que realizaram cirurgias de correção. Métodos: Revisão de literatura, cuja
pesquisa é direcionada para tratamentos fisioterapêuticos nas complicações
respiratórias em crianças com cardiopatia congênita. Resultados: Foram pesquisados 101 artigos, mas apenas 25 foram
utilizados nesse trabalho. Conclusão:
Existem diferentes manejos realizados pela fisioterapia e diferentes opiniões
quanto aos resultados de determinadas técnicas. Mesmo diante de tais
divergências, a fisioterapia tem importante atuação tanto na prevenção quanto
no tratamento de possíveis complicações respiratórias no pós-operatório.
Palavras-chave: exercícios
respiratórios, cardiopatia, Fisioterapia.
Abstract
Introduction: Congenital heart defects are one of the
leading causes of death in childhood. As the diagnosis of
these malformations evolved, as well as in the surgical procedures for their repair, postoperative
complications became more evident. Due to
the heterogeneous picture of
these complications, mainly respiratory, physical therapy has a very important
role, acting both preventive and prophylactic, seeking to generate comfort
and well-being to patients. Purpose: To
assess the performance of physical
therapy in possible respiratory complications in the pre- and
postoperative congenital heart
disease children who underwent corrective
surgery. Methods: Literature review, directed to physiotherapeutic treatments in respiratory complications in children with congenital heart disease. Results: We found
101 articles, but only 25 were used
in this study. Conclusion: There are different treatments performed by physiotherapy and different opinions
about the results of certain
techniques. Even in face of such divergences,
physiotherapy has an important role both in prevention and in the treatment
of possible postoperative respiratory complications.
Key-words: breathing exercises,
heart disease, Physical Therapy Specialty.
As cardiopatias congênitas atingem de 7 a 8
crianças a cada 1000 nascidos vivos, e as malformações cardíacas representam
cerca de 50% das mortes da infância [1]. Além de serem ocorrências clínicas com
acometimento heterogêneo na anatomia cardíaca, possuem uma distribuição
demográfica diferenciada. Existem diferenças geográficas quanto à distribuição
das cardiopatias congênitas, sendo a maior prevalência encontrada na Ásia, 9,3
por 1.000 nascidos vivos, e segundo lugar a Europa com uma proporção de 8,2 por
1000 nascidos vivos e a mais baixa na África com 1,9 por mil nascidos vivos
[2]. São classificadas em dois tipos: cianogênicas/cianóticas,
como tetralogia de Fallot, transposição dos grandes
vasos da base, atresia tricúspide e drenagem anômalo
total das veias pulmonares e acianogênicas/acianóticas,
como comunicação interventricular, comunicação interatrial,
persistência do canal arterial, estenose pulmonar valvar e coarctação da aorta,
por exemplo [3]. As várias anomalias estruturais da cardiopatia congênita, como
as citadas acima, caem basicamente em três subcategorias principais de
malformações, que causam: shunt da esquerda para a direita, shunt da direita
para a esquerda ou obstrução. Com relação ao shunt, trata-se de uma comunicação
anormal entre as câmaras ou vasos sanguíneos. Os canais anormais permitem que o
fluxo de sangue passe do lado esquerdo, sistêmico, para o direito, pulmonar, da
circulação ou vice-versa [4].
Na maioria dos casos, em torno de 90% deles,
esses defeitos cardíacos não são associados a demais malformações ou síndromes,
mas existem diversas possibilidades de alterações funcionais que levam a desde
modificações hemodinâmicas simples até casos mais complexos. E podem não estar
relacionados a causas genéticas e sim ao uso de medicação pela mãe, infecções
congênitas, doenças maternas e até mesmo a agentes do
meio ambiente [5].
Muitas
cardiopatias congênitas podem ser
corrigidas cirurgicamente, porém, devido a esses mesmos
procedimentos, ocorrem
complicações respiratórias à criança
e hoje se sabe que as correções cirúrgicas
cardíacas trazem uma série de complicações
ao neonato, lactente e às crianças
maiores, principalmente alterações respiratórias.
Tosse fraca, redução da
mobilidade e fadiga muscular, associados à mudança do
padrão respiratório
fisiológico, diafragmático, para uma
respiração mais superficial e
predominantemente torácica, são responsáveis pela
diminuição da expansibilidade
dos lobos pulmonares inferiores. Prejuízos na reexpanção
pulmonar podem culminar na perpetuação ou agravamento do quadro, favorecendo o
desenvolvimento de processos pneumônicos [6].
Apesar de o procedimento cirúrgico ser a forma mais eficaz de correção ele pode trazer, como já citado, fatores que predispões as complicações citadas, aumentando a resposta inflamatória e gerando ainda mais a exacerbação dessas complicações. Fatores relacionados à cirurgia que podem ser o estopim das complicações são: CEC (circulação extracorpórea), incisão torácica via esternotomia, anestesia e a ventilação mecânica [7].
Imediatamente
após a cirurgia cardíaca há uma queda média de 40 a 50% nos valores de volumes
e capacidades em relação aos valores avaliados no pré-operatório e em casos
mais extremos pode apresentar de 60 a 70% da diminuição da (VEF1) e (CVF) nas
primeiras 24 a 48 horas [8]. O comprometimento pulmonar pode ser maior em
procedimentos em que é utilizado a CEC (circulação extracorpórea), gerando uma
resposta inflamatória (SIRS) e aumentando a presença de líquido no interstício
e consequentemente no alvéolo pulmonar, diminuindo a complacência pulmonar e
capacidade residual funcional. Durante a ativação da CEC, ocorre um período de
interrupção da ventilação, não insuflando o alvéolo suficientemente para ativar
a produção de surfactante pelos pneumócitos tipo 2, essa diminuição de surfactante aumenta a tensão
superficial dos alvéolos, potencializando o colapso alveolar [9]. Ainda sobre a
CEC estudos indicam que além de gerar uma resposta inflamatória aumentada sobre
o organismo, essa mesma resposta está associada ao tempo de internação em que
quanto maior tempo de seu uso maior o tempo de internação [10].
Devido a esse quadro de colapso alveolar, as
atelectasias são uma das ocorrências mais comuns no pós-operatório cardíaco em
crianças, quando ocorre colapso de uma determinada região do parênquima
pulmonar, piorando a oxigenação, diminuindo a complacência pulmonar, aumentando
o trabalho respiratório e resultando em desajuste perfusão/ventilação com
hipoxemia consequentemente. Além do mais, recém-nascidos, que compõem uma
grande população de pacientes com cardiopatia congênita, possuem uma
sensibilidade maior ao colapso alveolar devido ao pequeno tamanho das vias
aéreas e ao número reduzido de poros de Kohn e canais de Lambert [3,11].
Por possuir cirurgias de correção total ou
parcial, outros fatores, além do desconforto respiratório causado pela
hipoxemia, causam transtorno ao paciente pediátrico, como as incisões
cirúrgicas que, devido a dor e a alteração da
biomecânica dos músculos respiratórios no pós-operatório, os pacientes adotam
respiração apical e superficial [12]. Isso ocasiona diminuição da capacidade
vital e da capacidade residual funcional, o que gera novamente a retenção de secreções
e aparecimento de atelectasia, sendo nítido o comprometimento ventilatório
tanto devido a má formação morfológica quanto ao
reparo cirúrgico [13].
Outro fator que pode comprometer a função
pulmonar são as alterações de fluxo, o hiperfluxo
pulmonar em pacientes cardíacos congênitos pode gerar uma série de modificações
à mecânica respiratória que irão gerar limitações ao paciente. O aumento do
trabalho respiratório e o consumo de oxigênio, com agravo da insuficiência
cardíaca, comprometem o sistema respiratório com alterações da complacência
pulmonar e aumento da resistência da via aérea [14].
A dor pode ser um fator limitante e
desconfortante ao paciente pós-cirúrgico e de difícil compreensão,
principalmente em pacientes menores. A dor pode ser a queixa mais persistente,
principalmente na região esternal, devido ao maior
número de procedimentos serem por esternotomia [15].
Junto a isso, pode existir um aumento álgico acentuado durante as manobras de
fisioterapia em crianças entubadas na UTI após cirurgia cardíaca com o aumento
da PAS e da FR [16].
Ainda
no pré-operatório, a relação entre
terapeuta e família é de fundamental importância
para o desenvolvimento da
reabilitação e aceitação da família
quanto à situação do seu RN, lactente ou
criança jovem. Os cuidados paliativos em crianças com
cardiopatia congênita
iniciam-se desde o diagnóstico pré-natal reduzindo a
mortalidade e a morbidade
em fetos afetados. Isso facilita planeamento a um centro adequado, o
que pode
reduzir o estresse familiar, podendo amenizar o trauma e dor familiar e
a aceitação
[17].
Diante de tantas complicações o
fisioterapeuta tem importante aplicabilidade na evolução do quadro clínico e
melhora do paciente. Mesmo que de forma discutível sobre seus resultados e
técnicas utilizadas, é um profissional que possui capacidade de prevenir,
minimizar e reverter possíveis disfunções respiratórias e sequelas motoras
decorrentes dessas intervenções [13].
Objetivo
Trabalho de revisão bibliográfica, com o
intuito de avaliar a atuação da fisioterapia nas possíveis complicações
respiratórias no período pré e pós-operatório
em crianças cardiopatas congênitas que realizaram cirurgias de correção.
Trata-se de um estudo de revisão de
literatura em que a pesquisa é direcionada apenas a indivíduos (RN até 16 anos)
que apresentassem diagnóstico de cardiopatia congênita. A busca dos artigos
científicos foi nas bases de dados Scielo, Pubmed e Lilacs. Os descritores
utilizados foram: fisioterapia respiratória, fisioterapia respiratória e
cardiopatia congênita, complicações da cardiopatia congênita, reabilitação em
cardiopatia congênita, e em inglês, postoperative rehabilitation, postoperative
congenital heart disease e rehabilitation of congenital heart diseases.
Critérios de inclusão
Artigos relacionados a
pacientes na faixa etária de RN a 16 anos, fase hospitalar de reabilitação
(fase 1), publicados entre 2007 e 2017, Qualis entre
A1 e B5, podendo ser tanto em inglês como em português, do tipo estudo clínico
ou revisão de literatura.
Critérios de exclusão
Não poderiam ser do tipo estudo de caso, as
crianças não poderiam apresentar outras patologias que não fossem cardiopatia
congênita e os pacientes não poderiam estar em estágio de reabilitação
ambulatorial ou residencial (fase 2 ou 3).
Após a pesquisa e análise da literatura,
foram estudados 101 artigos, porém apenas 15 comportavam todos os critérios de
inclusão já citados para serem utilizados na realização deste trabalho.
Tabela I - Artigos selecionados para o estudo. (ver
anexo em PDF)
Segundo Araújo et al. [16], a fisioterapia respiratória é essencial para a
reabilitação cardiorrespiratória no pós-operatório de cirurgia cardíaca em
pacientes com cardiopatia congênita e deve ser iniciada logo que a estabilidade
hemodinâmica ocorra. Seu estudo avaliou as ocorrências de dor e as alterações
na pressão arterial, frequência cardíaca, frequência respiratória e saturação
arterial de oxigênio associadas à fisioterapia em crianças no pós-operatório de
cirurgia cardíaca. O mesmo afirma que a manipulação, manobras de compressão e
tosse durante a fisioterapia pode intensificar dor ou desconforto, de acordo
com o aumento dos scores de dor correlacionado com o aumento da PAS e da FC.
Fato que contrapõe ao estudo de Assumpção et al. [18] em que vibrocompressão manual e
a aspiração nasotraqueal aplicadas em lactentes no
pós-operatório de cirurgias cardíacas não prejudicaram a SpO2 e a
FR, além de não desencadearem dor e desconforto respiratório. O mesmo autor
também reforça que dados como esse podem ser divergentes devido a não
verbalização dependendo da faixa etária da criança, o que dificulta a
confiabilidade na resposta e nos scores de dor obtidos. Portanto essa alteração
hemodinâmica e a resposta a dor possuem fatores que
modificam seu real significado sendo um dado muito discutível quanto a sua
relevância.
Como já citado anteriormente, a reabilitação
cardiorrespiratória em pacientes pós-cirúrgicos de cardiopatias congênitas é
essencial para sua recuperação no período pós-operatório. Porém esse processo
pode ser iniciado de forma prévia à cirurgia, ou seja, pré-operatória para
prevenção de complicações. Felcar et al. [12] em estudo que buscou avaliar a incidência e o risco de
complicações pulmonares em crianças submetidas a intervenção fisioterapêutica
no pré e pós-operatório nas cirurgias cardíacas, bem
como comparar com aquelas submetidas apenas à intervenção fisioterapêutica
pós-operatória, o autor é claro em dizer que a fisioterapia respiratória
pré-operatória reduziu significativamente o risco de desenvolvimento de
complicações pulmonares no pós-operatório de cirurgia cardíaca pediátrica em
comparação a aqueles pacientes que só realizaram o procedimento de forma
pós-operatório. Esse dado pode ser um sinal da importância e relevância da
prevenção e também, assim como o estudo aborda, conscientização sobre as
complicações geradas no pós-operatório e que podem ser minimizadas por
intervenções no período pré-operatório. É válido lembrar que mesmo de forma
questionável, a fisioterapia preventiva no período pré-associada
ao período pós pode ser um fator de resolução mais eficiente do quadro clínico,
diminuição do período hospitalar bem como diminuição de custos a saúde e melhor
benefício ao paciente. Apesar do dado acima citado ainda é um tema muito
controverso sobre qual a melhor técnica aplicar, se terá os mesmos benefícios
em todos os pacientes e se há de fato uma melhora no uso da prevenção e não
apenas o uso da intervenção no período pós-procedimento.
Seguindo a mesma linha de pesquisa, Miranda et al. [19] verificaram a aplicabilidade
da fisioterapia respiratória no período pré-operatório de cirurgias cardíacas
em cardiopatas congênitas. O estudo demonstra que a atuação fisioterapêutica
pré-operatória reduziu significantemente os riscos de se desenvolver
complicações pulmonares no pós-cirúrgico de crianças. Porém o estudo vai além,
ratificando o trabalho de Felcar [12], o qual sugere
que o tempo despendido seja mais bem aproveitado, podendo o profissional
esclarecer as dúvidas da família e orientá-los quanto às novas situações que
terão que enfrentar mediante o procedimento cirúrgico realizado e de como a
fisioterapia pode atuar nas complicações consequentes.
Da mesma forma, Arcencio
et al. [20], em outra revisão,
compartilham do mesmo direcionamento de Felcar [12] e
Miranda [19], os quais afirmam que o profissional de fisioterapia no período
pré-operatório deve tranquilizar e orientar o paciente e a família sobre a
cirurgia e o pós-operatório imediato e fornecer informações sobre a importância
dos exercícios respiratórios e deambulação precoce a ser realizada, ou seja, a
fisioterapia no período pré seria um momento de
aproximação entre terapeuta, paciente e a família no caso de lactentes e crianças,
de grande valor para sanar dúvidas e incertezas e garantir ao terapeuta melhor
confiabilidade e aceitação do paciente e família com reabilitação. Ainda sobre
o estudo de Arcencio et al. [20], a fisioterapia no pós-operatório vai atuar diretamente
nas complicações geradas pelo procedimento cirúrgico, especialmente nas
subpopulações que apresentam maior risco de desenvolver complicações
cardiorrespiratórias pós-operatórias, sendo empregada com o objetivo de reduzir
o risco de complicações pulmonares, como a retenção de secreções pulmonares,
atelectasias e pneumonia. A intervenção vai abranger diferentes tipos de
técnicas de acordo com o quadro clínico evidenciado pelo paciente após a
realização da avaliação. Dentre os recursos empregados na fisioterapia
respiratória estão manobras de higiene brônquica e expansão pulmonar, CPAP
(Pressão contínua na via aérea), BIPAP (dois níveis de pressão na via aérea),
EPAP (pressão positiva expiratória), RPPI (respiração com pressão positiva
intermitente) e o uso de inspirômetro de incentivo
(EI), que constituem recursos seguros e de fácil aplicação no período
pós-operatório. Além disso, Arcencio et al. [20] também cita a importância do exercício, ou seja,
da cinesioterapia respiratória que geralmente irá aumentar a coordenação e
eficiência dos músculos respiratórios e mobilizam a caixa torácica. São
realizados na forma ativa, com a orientação e o auxílio do fisioterapeuta na
execução, sendo eficazes no tratamento e prevenção de atelectasias refratárias,
com melhora na capacidade vital e complacência pulmonar. Além disso, estes
exercícios melhoram o volume corrente e facilitam a remoção de secreções
podendo também prevenir a deterioração da função pulmonar e reduzir a
incidência de complicações pulmonares.
De acordo com Cavenaghi
et al. [3], a complicação mais comum no
período pós-operatório de cardiopatia congênita é a atelectasia e de forma
secundária ou concomitante a pneumonia. Seu estudo também aborda a importância
da fisioterapia no período pré e pós e vale ressaltar
sobre seu estudo a ocorrência das complicações citadas acima devido a utilização de CEC (circulação extracorpórea) em cirurgias
cardíacas pediátricas, onde a CEC pode gerar aumento da permeabilidade capilar,
resultando em edema, reduzindo a complacência pulmonar e trocas gasosas, além
de levar ao colabamento das vias aéreas, diminuindo a
capacidade residual funcional e consequentemente hipoxemia. Formando então um
cenário de desconforto respiratório devido a essa fisiopatologia, o
fisioterapeuta tem suma importância para a reversão desse quadro clínico.
Estudo realizado por von
Ungern-Sternberg et
al. [21], que visou caracterizar os fatores que contribuem para o
comprometimento da função pulmonar após a utilização da circulação
extracorpórea, através de parâmetros como a capacidade residual funcional e a
homogeneidade da ventilação durante o período pré-operatório em crianças com
cardiopatia congênita a serem submetidas a reparo cirúrgico, relata que apesar
da melhoria das estratégias de ventilação peri-operatória
em crianças com cardiopatia congênita, seu padrão e desempenho ventilatório
permanecem comprometidos no pós-operatório, aumentando a incompatibilidade
ventilação-perfusão. Todos esses fenômenos levam ao fechamento das vias aéreas
gerando atelectasias, diminuição da capacidade residual funcional (CRF) e
hipoxemia consequentemente. Além de a esternotomia
gerar um “trauma” ao corpo podendo gerar repercussões na biomecânica na caixa
torácica, o contato com uma circulação extracorpórea pode gerar uma resposta
adversa do organismo pelo fato de ter em contato com o a circulação um corpo
estranho gerando uma resposta inflamatória de defesa do organismo que pode
intensificar ainda mais as complicações já citadas. Todo esse processo tem uma
relevância importante para o fisioterapeuta ao receber o paciente no
pós-operatório, para poder determinar os objetivos e condutas com esse paciente
ao recebê-lo na UTI. Como os pacientes seguem intubados sob
ventilação mecânica após o procedimento cirúrgico, muitas vezes pode
ocorrer insucesso no desmame desses pacientes, o que, associado aos efeitos da
CEC, pode gerar aumento do período de internação e aumento das complicações
respiratórias.
Em trabalho feito por Silva et al. [22], verificou-se os fatores associados
ao insucesso no desmame de crianças submetidas a correção cirúrgica de
cardiopatias congênitas e o estudo complementa o trabalho realizado por von Ungern-Sternberg et
al. [21] que, além das complicações geradas pela CEC, o seu uso por tempo
prolongado (120 min) está relacionado geralmente com o alto risco de insucesso
e de retardo no desmame da VMI. Outros fatores como SatO2
reduzida e FiO2 elevada podem ser fatores preditivos de lesão,
reforçando novamente a questão da deficiência ventilação-perfusão diminuída em
pacientes com CEC. Como apresentado, complicações são algo recorrente no
período pós-operatório e assim a intervenção fisioterapêutica se faz necessário
nesse período.
Em estudo realizado por Shaphe
et al. [23], os autores compararam as
alterações no índice de oxigenação (PaO2/FiO2) e PaCO2,
antes e quinze minutos após a realização das sessões de fisioterapia e três
dias após a cirurgia, causada por diferentes modos de fisioterapia torácica em
pacientes pediátricos ventilados após cirurgia. Foram empregados 3 modos de fisioterapia em 3 grupos (n = 15 cada)
diferentes: Grupo A: tapotagem e aspiração; Grupo B:
vibração, bag squeezing e aspiração; Grupo C: tapotagem, vibração, mudança de posição, bag squeezing e aspiração. Pode ser verificado que o trabalho
realizou formas combinadas de aplicação de tratamento, focando principalmente
em manobras de higiene brônquica. O estudo não demonstrou nenhuma superioridade
em relação aos grupos, os três foram eficientes nos níveis de melhorias índice de
oxigenação ou PaCO2, o que reforça o que
foi dito anteriormente por Assumpção [18] sobre a não alteração da SatO2
e FR na aplicação de fisioterapia nesses pacientes, pelo contrário, reforça a
necessidade de mobilização torácica juntamente com aspiração em intervalos
regulares para evitar hipoxemia e variação de dióxido de carbono após a
cirurgia cardíaca.
Estudo realizado por Silva et al. [24], que avaliou a eficácia da ventilação mecânica não
invasiva sobre a função respiratória dos pacientes no pós-operatório de
cirurgia cardíaca pediátrica, dividiu em dois grupos: controle e intervenção. O
grupo controle recebeu instruções sobre postura, deambulação precoce e estímulo
à tosse. Em termos de postura, os pacientes foram aconselhados a evitar posições
antálgicas (aumento da cifose torácica, protração dos
ombros e flexão da cabeça) devido à esternotomia, uma
vez que estas posições poderiam comprometer a função pulmonar. A deambulação
precoce foi incentivada quando o paciente apresentou estabilidade clínica e
hemodinâmica, e após a remoção de drenos. Os pacientes foram instruídos à tosse
com as mãos apoiadas no local cirúrgico, proporcionando maior segurança e,
portanto, uma tosse mais eficaz. O grupo de intervenção, além de receber as
diretrizes acima mencionadas, foi submetido à ventilação não invasiva com
pressão positiva contínua nas vias aéreas (CPAP) duas vezes ao dia por 30
minutos, do 1º ao 5º dia pós-operatório. Os parâmetros para avaliação foram
realizados pré-cirurgia
e no 1º, 3º e 5º dia pós-cirúrgicos,
os quais foram: volume corrente (VC), frequência
respiratória (FR), volume
minuto (VM), capacidade vital lenta (CVP), capacidade
inspiratória (CI), pico
de fluxo expiratório (PFE) e pressão inspiratória
máxima (PIM). Não foram
observadas alterações hemodinâmicas, nem
complicações relacionadas à
aplicação
da VMNI durante o estudo, mostrando que o uso preventivo no
pós-operatório
cardíaco é seguro e bem aceito na população
pediátrica, mostrando ser mais
eficaz no 1º dia de pós-operatório. O artigo
também relaciona o uso da CEC na
perpetuação das perdas e complicações da
função respiratória, tendo em vista
que os valores pré-cirúrgicos só foram retornar no
quinto dia após o procedimento. Isso reforça ainda mais o fato de como a CEC
pode agravar o grau de complicações pulmonares e morbidades ao paciente
pediátrico que realiza procedimento cirúrgico cardíaco.
Ainda sobre VMNI, Gupta et al. [25] estudaram a eficácia da VMNI (BIPAP) e tentaram
identificar possíveis preditores para o sucesso da
terapia de VNI na prevenção da falha de extubação em
crianças criticamente doentes com doença cardíaca. Além disso, avaliaram a
eficácia da terapêutica profilática com VNI iniciada imediatamente após a extubação. O uso de BIPAP reduziu acentuadamente o esforço
respiratório e melhorou a ventilação-perfusão em pacientes com insuficiência
respiratória aguda após cirurgia cardíaca.
Em revisão realizada por Padovani et al. [26], as manobras de recrutamento
alveolar (MRA) contribuem significativamente para a prevenção e o tratamento de
complicações como atelectasia e hipoxemia, pois a incidência de atelectasia em
pacientes submetidos à cirurgia cardíaca com CEC é alta, variando de 60% a 90%.
A manobra de recrutamento alveolar tem indicação bem estabelecida para
pacientes com hipoxemia de moderada a grave, fator incidente em pós-operatório
cardíaco pediátrico. Desse modo, esta abordagem maximiza as trocas gasosas,
melhora a oxigenação arterial a fim de promover a abertura do maior número
possível de unidades alveolares e com isso melhorar a distribuição da
ventilação alveolar. Além disso, minimiza as lesões pulmonares induzidas pela
ventilação mecânica, conhecidas como volutrauma e barotrauma.
Assim como a importância do recrutamento
alveolar exposto por Padovani, Agostini et al. [27], em
revisão, verificaram a utilização da espirometria de incentivo no
pós-operatório de cirurgia cardíaca em crianças. Devido à alta taxa de
incidência de atelectasias como uma possível complicação pulmonar, a
espirometria, dependendo da faixa etária da criança, pode ser uma ferramenta
importante para a reversão das atelectasias e restauração da
ventilação-perfusão das áreas mais afetadas. Em seu estudo, Agostini sugere que
os esforços inspiratórios intermitentes, profundos e prolongados, reexpandem os alvéolos colapsados, aumentando a
complacência pulmonar e reduzindo o acometimento de áreas com atelectasia e
consequentemente com ventilação-perfusão alterada.
Na mesma linha de estudo, Scohy
et al. [28] verificaram se a otimização do
recrutamento alveolar pela estratégia de recrutamento alveolar e a manutenção
do volume pulmonar com pressão positiva expiratória positiva (PEEP) permitem a
prevenção da lesão pulmonar induzida pelo ventilador no pós-operatório de
pacientes pediátricos submetidos a cirurgia cardíaca. Assim como já citado
anteriormente [26], a manobra de recrutamento irá atuar na prevenção de
complicações e na troca gasosa, associando MRA a PEEP, irá permitir que o
alvéolo permaneça aberto por um período maior, podendo
aumentar a troca gasosa entre capilares e alvéolos, diminuindo então o quadro hipoxêmico. Para Scohy [28], a
MRA associada a uma PEEP de 8 cmH2O diminui
significativamente o desajuste de perfusão de ventilação, shunt ou ambos e
melhora a adesão dinâmica do sistema respiratório, oxigenação e volume
expiratório final.
De forma menos comum, mas não menos
importante, Akbariasbagh et al. [29] verificaram que as cirurgias cardíacas são a principal
causa de paralisia diafragmática (5.5% dos pacientes) em lactentes. Em seu
estudo (52% - 13 lactentes) necessitaram de ventilação mecânica por
complicações respiratórias graves. Na mesma linha de trabalho, Bhaskar et al. [30] avaliaram
diferentes opções de manejo para a paralisia diafragmática bilateral após cirurgia
para cardiopatias congênitas e a ventilação não-invasiva com pressão positiva
tem sido relatada como uma alternativa em lactentes com paralisia diafragmática
bilateral para evitar a traqueostomia ou mesmo a intubação endotraqueal de
longo prazo. Segundo Yemisci et al. [31], que buscou demonstrar a presença de paralisia
transitória do nervo frênico em crianças após cirurgia cardíaca, analisar sua
incidência e determinar seu curso temporal, os autores dizem que a fraqueza dos
músculos intercostais, o aumento da complacência da parede torácica, a horizontalização da caixa torácica e o mediastino móvel
podem levar a dificuldades respiratórias graves e a necessidade de ventilação
mecânica de longo prazo em pacientes com paralisia diafragmática após cirurgia
cardíaca de correção de cardiopatias congênitas, podendo com isso causar
morbidade grave em lactentes e crianças pequenas, especialmente em crianças com
menos de 1 ano de idade. É válido se atentar ao fato que padrão respiratório do
lactente, por possuir um predomínio diafragmático, sofre alteração quando
ocorrem complicações como a paralisia diafragmática, podendo resultar em
dificuldade respiratória e, consequentemente, em repercussões hemodinâmicas.
A fisioterapia possui uma atuação importante
quando aplicada ao paciente pediátrico portador de cardiopatia congênita.
Apesar de possuir diferentes formas de manejo
e de existirem opiniões distintas sobre seus resultados, ela pode atuar tanto
de forma preventiva quanto profilática na melhora respiratória e evolução do
quadro clínico do paciente que é submetido à cirurgia cardíaca.
Ainda existem poucos trabalhos práticos
direcionados a tratamento e, principalmente, prevenção fisioterapêuticos para
esse núcleo de pacientes.