ARTIGO ORIGINAL

Escolhas alimentares na infância: podem as personagens infantis interferir nesta decisão?

Food choices in childhood: can cartoon characters interfere in this decision?

 Hermano Pinheiro de Rezende, M.Sc.*, Renata Furlan Viebig, D.Sc.**, Juliana Masami Morimoto, D.Sc.***

*Nutricionista, Centro Universitário São Camilo, São Paulo, **Nutricionista, Professora e supervisora de estágios da área de Nutrição Esportiva do Centro Universitário São Camilo e da área de Nutrição Clínica da Universidade Presbiteriana Mackenzie, ***Professor na Universidade Presbiteriana Mackenzie

Recebido 7 de junho de 2017; aceito 15 de dezembro de 2017
Endereço para correspondência: hermano_rezende@hotmail.com; Renata Furlan Viebig: refurlan@gmail.com; Juliana Masami Morimoto: juliana.morimoto@mackenzie.br

Resumo

Introdução: O marketing é determinante para as escolhas alimentares infantis na atualidade, especialmente devido ao priming com personagens infantis. Objetivo: Avaliar a influência das personagens infantis admiráveis nas escolhas de produtos alimentícios saudáveis por parte de crianças. Métodos: Pesquisa transversal com alunos de um colégio. Inicialmente, foi avaliado o Índice de Massa Corporal/Idade. Nas etapas seguintes aplicamos o estímulo priming nos lanches escolares, sendo solicitado que cada aluno escolhesse uma porção com biscoitos doces integrais ou recheados. Além do priming com personagens, na terceira etapa do estudo realizou-se o priming com alimentos. Os achados foram analisados com auxílio do software SPSS-20.0, utilizando-se o teste de McNemar. Resultados: Foram estudadas 44 crianças e idade média de 7,55 anos. Quase metade das crianças estavam com risco de sobrepeso ou sobrepeso para a idade (45,5%). Na primeira semana do estudo, 86,7% escolheram o biscoito recheado. Houve um aumento de 8,6% na opção de biscoito integral na segunda semana e na terceira semana de estudo, 34,3% das crianças optaram pelo biscoito integral, porém esse aumento percentual não foi estatisticamente significativo. Conclusão: Quando observamos as escolhas das crianças nas 4 semanas de estudo, conseguimos perceber o quão enraizados já estão os hábitos alimentares.

Palavras-chave: hábitos alimentares infantis, marketing, priming, personagens infantis, biscoitos.

 

Abstract

Introduction: Marketing is determinant for today's infant food choices, especially due to priming with cartoon characters. Objective: To evaluate the influence of admirable children's cartoon characters on choices of healthy food products by children. Methods: Cross-sectional research with students from school. Initially, Body Mass Index/age was evaluated. In the following stages the priming technique was applied in school snacks, and each student was asked to choose between whole sweet biscuits or filled biscuits. In addition to priming with characters, in the third stage of the study, priming was performed with foods. The findings were analyzed by SPSS-20.0 software, using McNemar test. Results: A total of 44 children, with mean age of 7.55 years-old. Almost half of the children were at risk of being overweight or being overweight for their age (45.5%). In the first week of the study, 86.7% chose the filled biscuit. There was an increase of 8.6% in the integral cookie choices in the second week and in the third week, 34.3% of the children chose the integral cookie, with no statistical significance. Conclusion: When we observed children`s choices in this study, we were able to realize how rooted the eating habits of these individuals are.

Key-words: children's eating habits, marketing, priming, children's characters, biscuits.

 

Introdução

 

Opções alimentares infantis são influenciadas por determinantes de dimensões individuais e coletivas. Entre os determinantes individuais, encontram-se aspectos subjetivos, conhecimentos sobre alimentação e nutrição e percepções sobre alimentação saudável. Os determinantes coletivos são representados por fatores econômicos, sociais e culturais [1], dentre os quais destaca-se o papel da publicidade e do marketing, considerados decisivos para as escolhas alimentares na atualidade.

Em diversas situações, os seres humanos demonstram sofrer influências do ambiente [2], existem termos utilizados para esclarecer esse estímulo ambiental, como prime ou priming, em inglês, ou "pré-ativação", traduzida para o português [3]. Esse efeito gerado pelo priming refere-se à influência que a exposição prévia a determinado estímulo pode acarretar na resposta a um estímulo subsequente, sem que exista consciência do indivíduo sobre tal influência [4].

Devido à suscetibilidade das crianças informações e estímulos, foi publicada a Resolução do Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente – CONANDA – nº163 de 04 de abril de 2014, que considera abusiva a prática do direcionamento de publicidade e de comunicação mercadológica à criança, com a intenção de persuadi-la para o consumo de qualquer produto ou serviço e utilizando-se, dentre outros, especialmente as personagens infantis [5].

Dada a relevância da infância na formação de hábitos alimentares duradouros e a vulnerabilidade das crianças às influências geradas pela publicidade e marketing de alimentos, somadas à carência de pesquisas brasileiras e produções acadêmicas sobre os assuntos alinhavados nesta introdução, esta pesquisa almeja avaliar a influência das personagens infantis admiráveis na escolha de produtos alimentícios de melhor perfil de saudabilidade.

 

Material e métodos

 

Trata-se de estudo transversal, com coleta de dados primários, no qual foram avaliadas as escolhas alimentares de alunos do Ensino Fundamental I, de um colégio particular na zona sul do município de São Paulo/SP. Os alunos participantes, meninos e meninas, estavam na faixa etária entre 6 e 9 anos. A amostra foi composta por 44 crianças, com oscilações de participação, devido à ausência de alguns participantes na coleta dos dados.

A coleta de dados foi realizada em quatro etapas, no colégio, em dias diferentes, durante a rotina normal das crianças. Inicialmente, foram determinadas nove personagens infantis, utilizadas para a verificação de sua influência nas escolhas alimentares das crianças. Tal seleção foi por meio da programação infantil em TV aberta e fechada, além de considerar a pesquisa realizada no Brasil pela Agência Play Publicidade [6], a qual selecionou as personagens preferidas por 723 indivíduos (374 meninos e 349 meninas), com idades entre 6 a 12 anos.

Assim, foram definidas 18 personagens infantis, sendo nove admiráveis e nove não admiráveis e entregues às crianças fichas individuais para que selecionassem, dentre estas, duas personagens admiráveis e duas não admiráveis. As duas personagens infantis admiráveis e não admiráveis mais sinalizadas pelas crianças foram utilizadas nas demais etapas do estudo. “Batman” e “Bob Esponja” foram considerados admiráveis e “Coringa” e “Malévola”, não admiráveis.

Em seguida, apenas na etapa inicial do estudo, todas as crianças foram submetidas à avaliação do estado nutricional, sendo que a partir dos valores encontrados de peso e estatura foi realizado o cálculo do Índice de Massa Corporal (IMC), cujos resultados foram classificados, segundo idade e gênero, pelas curvas de percentis de IMC/idade, conforme recomendações da Organização Mundial da Saúde (OMS) [7].

Nas etapas seguintes, em quatro datas pré-definidas, foi dada a oportunidade para que cada aluno escolhesse uma porção com dois biscoitos doces integrais ou com dois biscoitos doces recheados, de uma marca referência no segmento, nos lanches habituais das crianças.

Em cada uma das quatro etapas da pesquisa, individualmente, foi perguntado à criança “Qual biscoito você quer comer hoje em seu lanche?". Na primeira e quarta semanas, a pergunta foi feita de forma reservada, na ausência de um estímulo priming, sendo ambas consideradas semanas-controle. 

Na segunda semana, antes de ofertar-se os biscoitos e solicitar uma escolha, para cada criança foi apresentada as quatro fotos das personagens infantis mais citadas pelo grupo. Foi mostrada, aleatoriamente, cada uma das quatro fotos e perguntado às crianças: “Pensando que essa personagem fosse comer, qual seria a sua opção de biscoito?”. Após registradas as respostas das crianças, solicitamos a sua escolha de consumo, ofertamos o biscoito de escolha da criança, avaliamos a quantidade consumida e se houve mudança com relação à escolha da semana anterior.

O procedimento na terceira semana foi idêntico: inicialmente, relembramos a dinâmica com as personagens infantis; em seguida, as crianças receberam duas fotos de alimentos saudáveis – cenoura e melancia – e duas fotos de alimentos considerados menos saudáveis, por seu conteúdo elevado de açúcares, gordura ou sódio – hambúrguer e refrigerante – e foram convidadas a classificar cada alimento como saudável ou não saudável. Logo após, foi novamente ofertado o biscoito integral ou o recheado, sendo registrada a escolha de cada uma das crianças.

As análises estatísticas foram realizadas com auxílio do pacote estatístico Statistical Package for the Social Sciences (SPSS), versão 20.0, em nível de significância de p < 0,05 [8]. Na análise descritiva, foram consideradas as distribuições de frequência para determinar o período em que estuda, se mora com os pais e onde e com quem fica no período contrário ao da escola. Calculou-se medidas de tendência central e de dispersão para idade, gênero e série escolar.

Os resultados da avaliação do estado nutricional também foram descritos por meio de distribuição percentual, medidas de tendência central (média desvio-padrão, valores mínimos e máximos) e medidas de dispersão para idade, peso, estatura e índice de massa corporal.

As escolhas de biscoito foram comparadas entre os próprios alunos e, posteriormente, entre as etapas da pesquisa. Para avaliar as escolhas dos indivíduos quando comparamos a primeira semana e a quarta semana, foi utilizado o teste de McNemar, para investigar se houve mudanças no comportamento do indivíduo, após a experiência com as três semanas anteriores.

Para avaliar se houve diferença entre os resultados de quantidade de biscoito consumida em cada semana, foram comparadas as médias de consumo de calorias de cada criança, mediante o teste t de Student pareado.

A Instituição e os estudantes participaram do estudo voluntariamente, a partir de seu consentimento formal, conforme autorização dos responsáveis e assentimento dos alunos. A pesquisa teve início somente após submissão e aprovação do Comitê de Pesquisa (CPq) e Comitê de Ética em Pesquisa do Centro Universitário São Camilo, via Plataforma Brasil recebendo aprovação pelo parecer de número 1.819.755.

 

Resultados

 

A análise da distribuição do total de crianças estudadas (n = 44) segundo suas características gerais mostrou predominância do gênero masculino (52,3%) e que a maior parte das crianças estava concluindo o segundo ano do Ensino Fundamental I (38,6%). A idade média das crianças foi de 7,55 anos (DP = 0,93).

Para 33 crianças foi possível perguntar com quem residiam e ficavam no período contrário à escola. A maioria das crianças (n=24; 72,7%) residia com os pais e parentes próximos – irmãos e avós. Apenas 6,1% das crianças ficava na escola em tempo integral. Em 54,5% dos casos observou-se a presença dos avós nas residências das crianças, seja morando juntos ou permanecendo no cuidado dos netos no período contrário ao escolar (27,3%).

Trinta e três alunos participaram da avaliação do estado nutricional, sendo 17 do gênero masculino. Apenas 1 criança apresentou o indicador IMC/Idade abaixo do percentil 3, indicando baixo peso. Em contrapartida, 45,4% dos estudantes apresentaram excesso de peso segundo o IMC.

 

Figura 1Distribuição percentual das crianças segundo a classificação do estado nutricional pelo indicador IMC/Idade (n = 33). São Paulo, 2016.

 

Na primeira semana do estudo, na qual as crianças escolhiam livremente o tipo de biscoito pretendiam comer em seu lanche, 86,7% escolheram o biscoito recheado (n = 30). Nenhuma outra atividade relacionada aos biscoitos foi realizada nesta semana.

Na segunda semana da pesquisa, a atividade iniciou-se com o priming com as personagens infantis. Com o teste qui-quadrado, avaliamos que tipo de biscoito as crianças atribuíram a cada personagem apresentada (2 admiráveis e 2 não admiráveis) (Tabela I). Apenas no caso da personagem admirável 2 – “Bob Esponja” – foi observada a tendência de diferença estatisticamente significativa, sendo que, para ele, foi apontado o dobro de escolha por biscoito recheado do que por integral.

 

Tabela IDistribuição do tipo de biscoito escolhido pelas crianças para cada personagem na segunda semana de estudo.

*Teste do Qui-quadrado

 

Logo após a apresentação das personagens, perguntou-se a cada que biscoito escolheriam para comer e novamente, a maior parte das crianças (78,1%) escolheram o biscoito recheado. Por outro lado, houve um aumento de 8,6% na opção de biscoito integral em relação à primeira semana, embora esta diferença não tenha sido estatisticamente significativa (p = 0,453).

Na terceira semana do estudo, antes de escolher o biscoito para seu lanche, as crianças foram brevemente relembradas da atividade anterior, retomando-se o do estímulo com as personagens infantis. Em seguida, as crianças receberam um novo estímulo priming com a utilização de figuras de alimentos, os quais elas deveriam dividir entre alimentos saudáveis e alimentos riscos em açúcares e/ou gorduras. Foi observado um excelente conhecimento das crianças a respeito de quais alimentos eram saudáveis e quais eram menos saudáveis, com percentual de erros inferior a 2% (p < 0,001) (Tabela II).

 

Tabela IIDistribuição das crianças, em números absolutos, segundo a classificação dos alimentos apresentados em saudáveis ou ricos em açúcares e gorduras.

 

*Teste do Qui-quadrado

 

Observou-se que, após o priming com alimentos, 65,6% das crianças escolheram o biscoito recheado, um valor 20,1% menor do que o observado na primeira semana do estudo. Sete crianças alteraram sua escolha para o biscoito integral, em relação à segunda semana do estudo, embora ainda sem significância estatística (p = 0,344).

Foi investigada a associação entre a escolha do tipo de biscoito nas semanas consideradas controle do estudo – primeira semana e quarta semana. Na quarta semana, nenhuma atividade do tipo priming foi realizada. Vinte e quatro crianças estiveram presentes em ambos os momentos. Não foi observada diferença estatisticamente significativa entre as escolhas das crianças nas semanas controle do estudo (p = 0,625), sendo que das crianças que haviam escolhido o biscoito recheado anteriormente, apenas 3 alteraram sua escolha para o biscoito integral e as outras 18 (94,7%) permaneceram com a mesma opção da primeira semana.

Não foram encontradas diferenças estatisticamente significativas entre as escolhas de biscoito integral e recheado e o estado nutricional das crianças em nenhuma etapa da pesquisa. Embora não tenha sido observada significância estatística (p = 0,660), na última semana do estudo, que dentre as crianças que tinham excesso de peso segundo o IMC a maior parte escolheu biscoito integral (60%) (Figura 2).

 

Figura 2Distribuição percentual das crianças segundo a escolha de biscoito na última semana do estudo, de acordo com a classificação do estado nutricional pelo indicador IMC/Idade (n = 27).

 

Discussão

 

Em todas as etapas do estudo as crianças estudadas mostraram preferência pelo consumo de biscoito recheado, não tendo sido encontradas diferenças estatisticamente significativas entre as escolhas do grupo nas semanas controle, mesmo após o priming com personagens admiráveis e com alimentos saudáveis.

Quase metade das crianças apresentava excesso de peso de acordo com o IMC, o que poderia estar relacionado a escolhas alimentares menos saudáveis ao longo do tempo. Porém, este fato não foi verificado no presente estudo, pois na última semana da pesquisa, após as atividades de priming, as crianças com excesso de peso fizeram maior opção por biscoitos integrais do que as eutróficas.

O excesso de peso nesta faixa etária é uma preocupação global. A Organização Mundial da Saúde mostrou que a obesidade infantil é um dos mais sérios desafios de saúde pública do século XXI. Em 2015, o número de crianças com sobrepeso foi estimado em mais de 42 milhões e caso não sejam tomadas medidas eficientes, em 2025, o número global de crianças com sobrepeso e obesidade poderá chegar a 75 milhões [9].

Arbex et al. [10] em pesquisa realizada em países do Mercosul, afirmaram que uma em cada três crianças entre 5 e 9 anos de idade estava acima do peso. Segundo o mapa da obesidade da Associação Brasileira para Estudo da Obesidade e da Síndrome Metabólica [11], a Região Sudeste apresenta elevada prevalência de excesso de peso em crianças de 5 a 9 anos de idade (38,8%).

A escolha do público-alvo do presente estudo justificou-se com base em que, nessa faixa etária, as crianças já apresentam condições de determinarem sozinhas suas escolhas de consumo, contudo, ainda trazem consigo a crença lúdica das personagens infantis. A criança da terceira infância, entre 7 e 11 anos, está na fase das operações concretas, quando começa a pensar em suas ações e a trabalhar o raciocínio e elaborar sua visão crítica, logo, trata-se de um momento em que o indivíduo está em transição emocional em diversas questões, entre elas, influências externas, como as questões alimentares e do que determina como suas figuras admiráveis [12]. Tal fato pode ser uma das razões pelas quais os resultados do presente estudo não mostraram um aumento estatisticamente significativo no consumo de biscoitos integrais ao longo das semanas, após estímulo priming com as personagens infantis e alimentos saudáveis.

A pesquisa realizada pela organização Interscience [13] reforça essa consideração, quando aponta que as crianças brasileiras influenciam 92% das compras de produtos alimentícios da família, tendo como um fator determinante a presença de um personagem famoso como referência no produto, na forma de publicidade. Entre as categorias de produtos mais suscetíveis à influência dos filhos, os biscoitos figuram em primeiro lugar.

Baader [14] afirma que existe uma forte tendência atual do emprego do entertainment na publicidade infantil, o qual se trata da combinação alimentação-diversão, por meio da exploração na interpretação dos sinais e possibilidades de sentidos para as práticas de consumo e hábitos alimentares das crianças em seu cotidiano, sendo a midiatização publicitária de alimentos uma das principais modalidades de manifestação da tendência lúdica da combinação alimentação-diversão. Assim, pretendia-se, no presente estudo, utilizar as personagens infantis como possíveis estimuladoras do consumo de biscoito integral.

Porém, segundo Ribeiro e Batista [15], a criança da terceira infância, entre 7 e 11 anos, está na fase das operações concretas, quando começa a pensar em suas ações e a trabalhar o raciocínio e elaborar sua visão crítica, logo, trata-se de um momento em que o indivíduo está em transição emocional em diversas questões, reavaliando, entre elas, influências externas como as questões alimentares e do que determina como suas figuras admiráveis. Tal fato pode ser umas das razões pelas quais os resultados do presente estudo não mostraram aumento estatisticamente significativo no consumo de biscoitos integrais ao longo das semanas, mesmo após estímulo priming com as personagens infantis e alimentos saudáveis.

Em nosso estudo, verificamos a associação da personagem “Bob Esponja”, escolhido pelas crianças como uma das duas principais personagens admiráveis, com o biscoito recheado. Assim, evidenciou-se que nem sempre a personagem admirável é associada à escolha de um produto alimentício saudável e a “personalidade” e as características desta personagem, em particular, o fariam optar por um biscoito mais saboroso, mesmo que não saudável. Além disso, nota-se que, dependendo da figura da personagem infantil e se ela já apresenta vínculo no mercado com um produto não saudável, descaracteriza-se a ideia de que a personagem admirável teria escolhas mais saudáveis.

Houve um aumento crescente, embora não significativo, na opção pelo biscoito integral ao longo das etapas do estudo, mostrando que é possível que exista um estímulo às crianças, para o consumo de produtos saudáveis associados às personagens infantis admiráveis. Porém, quando analisamos estatisticamente as escolhas das crianças do presente estudo nas quatro semanas de pesquisa, conseguimos perceber o quão enraizados já estão os hábitos alimentares e a busca, por essa população, por produtos rotineiramente ligados ao público infantil.

Dessa forma, acredita-se que a dificuldade das crianças da presente pesquisa em mudar de escolha e a preferência pelo biscoito recheado deva-se, principalmente, à publicidade anterior estimulada pelas empresas desse segmento e pelo histórico de consumo desses perfis de produto ao longo dos anos de vida desses indivíduos. As autoras Thibau e Rodrigues [16] relataram, em seu artigo de revisão, que a exposição de crianças à publicidade a elas direcionada acaba por reduzir sua liberdade de escolha, além de influenciar o consumo de produtos não saudáveis.

As crianças participantes desta pesquisa associaram que a escolha das personagens não admiráveis seria por biscoito recheado e reconheciam que estas personagens escolheriam alimentos menos saudáveis para comer. Assim, compreende-se que o uso de personagens infantis admiráveis para estimular o consumo de um perfil de produto que possua maior saudabilidade é válido e poderia dar certo, uma vez que esta é uma das ferramentas mais utilizadas e concretizadas pelo marketing das empresas que comercializam produtos menos saudáveis. Segundo Santos [17] associações de alimentos a imagens de personagens – super-heróis ou princesas – que são utilizadas principalmente em embalagens de alimentos, bebidas e redes de fast foods estimulam o Sistema Nervoso Central, causando diversas realizações ilusórias às crianças. Entretanto, conforme mencionado anteriormente, os efeitos de tal exposição são complexos, pois deve-se pensar em personagens com características de saudabilidade, e o estímulo deve ser constante e efetivo, situação que não conseguimos avaliar em nosso estudo devido ao curto período de intervenção.

Adicionalmente, as crianças participantes do presente estudo mostraram importante conhecimento a respeito da saudabilidade de alimentos, pois souberam reconhecer alimentos saudáveis e menos saudáveis. Porém, tal percepção cognitiva não foi suficiente para mobilizar as crianças para a escolha do consumo de biscoito integral, mostrando que características afetivas, sociais e emocionais poderiam ter mais peso na escolha do biscoito recheado. Entretanto, a despeito da questão cognitiva, quanto maior o nível de sentimentos do indivíduo por determinado produto maior será ligação emocional e mais tais estímulos influenciarão as escolhas alimentares.

Vale mencionar que nosso estudo apresentou importantes limitações. Ao longo das quatro semanas tivemos ausências de alguns participantes e por se tratar de um estudo no qual a análise do resultado de uma semana dependia da participação em todas as demais, tivemos uma diminuição da amostra, principalmente na quarta semana e, consequentemente, limitações na análise dos resultados.

Além do número reduzido da amostra, não se avaliou o consumo de alimentos, mas escolhas livres realizadas pelas crianças no lanche escolar. Adicionalmente, não foi possível mensurar quaisquer processos psicológicos subjacentes às respostas das crianças. As personagens admiráveis foram selecionadas considerando as duas mais votadas por todo o grupo, não sendo considerada para cada criança participante a influência da sua personagem infantil particularmente preferida. Logo, para afirmar que para algumas crianças a estrutura de conhecimento afetivo ativado influenciou na escolha alimentar uma investigação mais aprofundada seria requerida.

Outra questão é que as semanas com o estímulo priming vieram depois da primeira semana de escolha livre do consumo do biscoito, assim, é possível que as crianças tenham ficado desgastadas para realizar novas escolhas ou tenham escolhido o mesmo produto por condicionamento nas semanas seguintes. No entanto, apesar de não ter sido observada uma diferença estatisticamente significativa, o fato de que as crianças mostraram um aumento no interesse de biscoito integral nas semanas com o estímulo priming – personagens infantis e alimentos – aponta para uma menor possibilidade de que o efeito tenha sido simplesmente porque elas se tornaram mais familiarizadas com o biscoito mais saudável.

 

Conclusão

 

O presente estudo teve como objetivo avaliar a influência das personagens infantis admiráveis nas escolhas de produtos alimentícios saudáveis por parte de crianças. A expectativa era que as crianças associassem personagens infantis admiráveis e conhecimento sobre os alimentos, para modificar sua escolha para o consumo alimentar saudável em seu lanche escolar, com a utilização do estímulo priming. Consequentemente, era esperado um aumento no consumo de biscoito integral do grupo estudo, o qual foi observado, mas não com significância estatística.

Assim, nossos resultados trazem uma reflexão na possibilidade da utilização das personagens infantis admiráveis atreladas a produtos alimentícios que propiciem uma maior saudabilidade às crianças, objetivando resultados de médio e longo prazo.

Concluímos que a metodologia de publicidade e marketing utilizada na presente pesquisa deve ser melhor investigada, com amostras maiores e com avaliação dos componentes psicológicos que afetam as escolhas infantis. Dessa forma, é possível que a associação de alimentos saudáveis à personagens infantis admiráveis possa se constituir uma interessante ferramenta na promoção de escolhas mais adequadas por parte de crianças.

 

Referênciais

 

  1. Brasil. Ministério da Saúde. Secretaria Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional. Marco de referência de educação alimentar e nutricional para as políticas públicas. Brasília: Ministério da Saúde; 2012.
  2. Pacheco Junior JCS, Damacena C, Bronzatti R. Pré-ativação: o efeito priming nos estudos sobre o comportamento do consumidor. Estudos e Pesquisa em Psicologia 2015;15(1).
  3. Borine MS. Consciência, emoção e cognição: o efeito do priming afetivo subliminar em tarefas de atenção. Ciênc Cogn 2007;11:67-79.
  4. Bargh JA, Chartrand TL. The mind in the middle: a practical guide to priming and automaticity research. New York: Cambridge University Press; 2000. p.253-85.
  5. Secretaria de Direitos Humanos. Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente (CONANDA). Resolução nº 163, de 13 de março de 2014: dispõe sobre a abusividade do direcionamento de publicidade e de comunicação mercadológica à criança e ao adolescente. Diário Oficial da União. 2014; 4 abril, p.4, Seção 1, n. 65.
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  10. Arbex AK, Rocha DRTW, Aizenberg M, Ciruzzi MS. Obesity epidemic in Brazil and Argentina: a public health concern. J Health Popul Nutr 2014;32(2):327-34.
  11. Associação Brasileira para Estudo da Obesidade e da Síndrome Metabólica. Mapa da obesidade. 2017 [ctado 2017 jan 30]. Disponível em:http://www.abeso.org.br/atitude-saudavel/mapa-obesidade.
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  14. Baader C. Alimentação ou diversão? A divertida expressividade das marcas no contexto contemporânea da publicidade de alimentos infantis. Signos do Consumo 2011;3(2):226-42.
  15. Ribeiro AC, Batista AJ. A influência da mídia na criança/pré-adolescente e a educomunicação como mediadora desse contato. Alcar. Associação Brasileira de Pesquisadores de História da Mídia. I Encontro de História da Mídia da Região Norte. Universidade Federal do Tocantins; 2010.
  16. Thibau TCSB; Rodrigues JPPA. Resolução 163 do CONANDA como meio de tutela das crianças enquanto coletividade. Revista de Direito Brasileira 2015;12(5):69.
  17. Santos JC. A publicidade e o cérebro da criança. Rio Grande do Sul: Porto Alegre; 2014:17.