ARTIGO
ORIGINAL
Escolhas
alimentares na infância: podem as personagens infantis interferir nesta
decisão?
Food choices in childhood: can cartoon characters interfere in this
decision?
Endereço para correspondência:
hermano_rezende@hotmail.com; Renata Furlan Viebig: refurlan@gmail.com; Juliana
Masami Morimoto: juliana.morimoto@mackenzie.br
Introdução: O marketing é determinante para as
escolhas alimentares infantis na atualidade, especialmente devido ao priming com personagens infantis. Objetivo: Avaliar a influência das personagens infantis admiráveis
nas escolhas de produtos alimentícios saudáveis por parte de crianças. Métodos: Pesquisa transversal com alunos
de um colégio. Inicialmente, foi avaliado o Índice de Massa Corporal/Idade. Nas
etapas seguintes aplicamos o estímulo priming nos lanches escolares, sendo solicitado que cada
aluno escolhesse uma porção com biscoitos doces integrais ou recheados. Além do
priming com
personagens, na terceira etapa do estudo realizou-se o priming com alimentos. Os achados
foram analisados com auxílio do software SPSS-20.0, utilizando-se o teste de McNemar. Resultados:
Foram estudadas 44 crianças e idade média de 7,55 anos. Quase metade das crianças estavam com risco de sobrepeso ou
sobrepeso para a idade (45,5%). Na primeira semana do estudo, 86,7% escolheram
o biscoito recheado. Houve um aumento de 8,6% na opção de biscoito integral na
segunda semana e na terceira semana de estudo, 34,3% das crianças optaram pelo
biscoito integral, porém esse aumento percentual não foi estatisticamente
significativo. Conclusão: Quando
observamos as escolhas das crianças nas 4 semanas de
estudo, conseguimos perceber o quão enraizados já estão os hábitos alimentares.
Palavras-chave: hábitos alimentares
infantis, marketing, priming, personagens infantis,
biscoitos.
Abstract
Introduction: Marketing is determinant for today's infant food choices, especially
due to priming with cartoon characters. Objective:
To evaluate the influence of admirable children's cartoon characters on choices
of healthy food products by children. Methods:
Cross-sectional research with students from school. Initially, Body Mass
Index/age was evaluated. In the following stages the priming technique was
applied in school snacks, and each student was asked to choose between whole
sweet biscuits or filled biscuits. In addition to priming with characters, in
the third stage of the study, priming was performed with foods. The findings
were analyzed by SPSS-20.0 software, using McNemar
test. Results: A total of 44
children, with mean age of 7.55 years-old. Almost half of the children were at
risk of being overweight or being overweight for their age (45.5%). In the
first week of the study, 86.7% chose the filled biscuit. There was an increase
of 8.6% in the integral cookie choices in the second week and in the third
week, 34.3% of the children chose the integral cookie, with no statistical
significance. Conclusion: When we
observed children`s choices in this study, we were able to realize how rooted
the eating habits of these individuals are.
Key-words: children's eating habits,
marketing, priming, children's characters, biscuits.
Opções alimentares
infantis são influenciadas por determinantes de dimensões individuais e
coletivas. Entre os determinantes individuais, encontram-se aspectos
subjetivos, conhecimentos sobre alimentação e nutrição e percepções sobre
alimentação saudável. Os determinantes coletivos são representados por fatores
econômicos, sociais e culturais [1], dentre os quais destaca-se
o papel da publicidade e do marketing, considerados decisivos para as escolhas
alimentares na atualidade.
Em diversas
situações, os seres humanos demonstram sofrer influências do ambiente [2],
existem termos utilizados para esclarecer esse estímulo ambiental, como prime ou priming, em inglês, ou "pré-ativação", traduzida para o português [3]. Esse
efeito gerado pelo priming
refere-se à influência que a exposição prévia a determinado estímulo pode
acarretar na resposta a um estímulo subsequente, sem que exista consciência do
indivíduo sobre tal influência [4].
Devido à
suscetibilidade das crianças informações e estímulos, foi publicada a Resolução
do Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente – CONANDA – nº163
de 04 de abril de 2014, que considera abusiva a prática do direcionamento de
publicidade e de comunicação mercadológica à criança, com a intenção de
persuadi-la para o consumo de qualquer produto ou serviço e utilizando-se,
dentre outros, especialmente as personagens infantis [5].
Dada a relevância da
infância na formação de hábitos alimentares duradouros e a vulnerabilidade das
crianças às influências geradas pela publicidade e marketing de alimentos, somadas à carência de pesquisas brasileiras
e produções acadêmicas sobre os assuntos alinhavados nesta introdução, esta
pesquisa almeja avaliar a influência das personagens infantis admiráveis na
escolha de produtos alimentícios de melhor perfil de saudabilidade.
Trata-se de estudo
transversal, com coleta de dados primários, no qual foram avaliadas as escolhas
alimentares de alunos do Ensino Fundamental I, de um colégio particular na zona
sul do município de São Paulo/SP. Os alunos participantes, meninos e meninas,
estavam na faixa etária entre 6 e 9 anos. A amostra
foi composta por 44 crianças, com oscilações de participação, devido à ausência
de alguns participantes na coleta dos dados.
A coleta de dados foi
realizada em quatro etapas, no colégio, em dias diferentes, durante a rotina
normal das crianças. Inicialmente, foram determinadas nove personagens
infantis, utilizadas para a verificação de sua influência nas escolhas
alimentares das crianças. Tal seleção foi por meio da programação infantil em
TV aberta e fechada, além de considerar a pesquisa realizada no Brasil pela
Agência Play Publicidade [6], a qual selecionou as personagens preferidas por
723 indivíduos (374 meninos e 349 meninas), com idades entre 6 a 12 anos.
Assim, foram
definidas 18 personagens infantis, sendo nove admiráveis e nove não admiráveis
e entregues às crianças fichas individuais para que selecionassem, dentre
estas, duas personagens admiráveis e duas não admiráveis. As duas personagens
infantis admiráveis e não admiráveis mais sinalizadas pelas crianças foram
utilizadas nas demais etapas do estudo. “Batman” e “Bob Esponja” foram
considerados admiráveis e “Coringa” e “Malévola”, não
admiráveis.
Em seguida, apenas na
etapa inicial do estudo, todas as crianças foram submetidas à avaliação do
estado nutricional, sendo que a partir dos valores encontrados de peso e
estatura foi realizado o cálculo do Índice de Massa Corporal (IMC), cujos
resultados foram classificados, segundo idade e gênero, pelas curvas de
percentis de IMC/idade, conforme recomendações da Organização Mundial da Saúde
(OMS) [7].
Nas etapas seguintes,
em quatro datas pré-definidas, foi dada a oportunidade para que cada aluno
escolhesse uma porção com dois biscoitos doces integrais ou com dois biscoitos
doces recheados, de uma marca referência no segmento, nos lanches habituais das
crianças.
Em cada uma das
quatro etapas da pesquisa, individualmente, foi perguntado à criança “Qual
biscoito você quer comer hoje em seu lanche?". Na primeira e quarta
semanas, a pergunta foi feita de forma reservada, na ausência de um estímulo priming, sendo ambas consideradas semanas-controle.
Na segunda semana,
antes de ofertar-se os biscoitos e solicitar uma
escolha, para cada criança foi apresentada as quatro fotos das personagens
infantis mais citadas pelo grupo. Foi mostrada, aleatoriamente, cada uma das
quatro fotos e perguntado às crianças: “Pensando que essa personagem fosse
comer, qual seria a sua opção de biscoito?”. Após
registradas as respostas das crianças, solicitamos a sua escolha de consumo,
ofertamos o biscoito de escolha da criança, avaliamos a quantidade consumida e
se houve mudança com relação à escolha da semana anterior.
O procedimento na
terceira semana foi idêntico: inicialmente, relembramos a dinâmica com as
personagens infantis; em seguida, as crianças receberam duas fotos de alimentos
saudáveis – cenoura e melancia – e duas fotos de alimentos considerados menos
saudáveis, por seu conteúdo elevado de açúcares, gordura ou sódio – hambúrguer
e refrigerante – e foram convidadas a classificar cada alimento como saudável
ou não saudável. Logo após, foi novamente ofertado o biscoito integral ou o
recheado, sendo registrada a escolha de cada uma das crianças.
As análises
estatísticas foram realizadas com auxílio do pacote estatístico Statistical Package for the Social Sciences (SPSS),
versão 20.0, em nível de significância de p < 0,05 [8]. Na análise
descritiva, foram consideradas as distribuições de frequência para determinar o
período em que estuda, se mora com os pais e onde e com quem fica no período
contrário ao da escola. Calculou-se medidas de tendência central e de dispersão
para idade, gênero e série escolar.
Os resultados da
avaliação do estado nutricional também foram descritos por meio de distribuição
percentual, medidas de tendência central (média desvio-padrão, valores mínimos
e máximos) e medidas de dispersão para idade, peso, estatura e índice de massa
corporal.
As escolhas de
biscoito foram comparadas entre os próprios alunos e, posteriormente, entre as
etapas da pesquisa. Para avaliar as escolhas dos indivíduos quando comparamos a primeira semana e a quarta semana, foi utilizado o teste
de McNemar, para investigar se houve mudanças no
comportamento do indivíduo, após a experiência com as três semanas anteriores.
Para avaliar se houve
diferença entre os resultados de quantidade de biscoito consumida em cada
semana, foram comparadas as médias de consumo de calorias de cada criança,
mediante o teste t de Student pareado.
A Instituição e os
estudantes participaram do estudo voluntariamente, a partir de seu
consentimento formal, conforme autorização dos responsáveis e assentimento dos
alunos. A pesquisa teve início somente após submissão e aprovação do Comitê de
Pesquisa (CPq) e Comitê de
Ética em Pesquisa do Centro Universitário São Camilo, via Plataforma Brasil
recebendo aprovação pelo parecer de número 1.819.755.
A análise da
distribuição do total de crianças estudadas (n = 44) segundo suas
características gerais mostrou predominância do gênero masculino (52,3%) e que
a maior parte das crianças estava concluindo o segundo ano do Ensino
Fundamental I (38,6%). A idade média das crianças foi de 7,55 anos (DP = 0,93).
Para 33 crianças foi
possível perguntar com quem residiam e ficavam no período contrário à escola. A
maioria das crianças (n=24; 72,7%) residia com os pais e parentes próximos –
irmãos e avós. Apenas 6,1% das crianças ficava na
escola em tempo integral. Em 54,5% dos casos observou-se a presença dos avós
nas residências das crianças, seja morando juntos ou permanecendo no cuidado
dos netos no período contrário ao escolar (27,3%).
Trinta e três alunos
participaram da avaliação do estado nutricional, sendo 17 do gênero masculino.
Apenas 1 criança apresentou o indicador IMC/Idade
abaixo do percentil 3, indicando baixo peso. Em contrapartida, 45,4% dos
estudantes apresentaram excesso de peso segundo o IMC.
Figura
1 – Distribuição percentual das crianças segundo
a classificação do estado nutricional pelo indicador IMC/Idade (n = 33). São
Paulo, 2016.
Na primeira semana do
estudo, na qual as crianças escolhiam livremente o tipo de biscoito pretendiam
comer em seu lanche, 86,7% escolheram o biscoito recheado (n = 30). Nenhuma
outra atividade relacionada aos biscoitos foi realizada nesta semana.
Na segunda semana da
pesquisa, a atividade iniciou-se com o priming com as personagens infantis. Com o teste qui-quadrado, avaliamos que tipo de biscoito as crianças
atribuíram a cada personagem apresentada (2 admiráveis
e 2 não admiráveis) (Tabela I). Apenas no caso da personagem admirável 2 – “Bob
Esponja” – foi observada a tendência de diferença estatisticamente
significativa, sendo que, para ele, foi apontado o dobro de escolha por
biscoito recheado do que por integral.
Tabela
I – Distribuição do tipo de biscoito escolhido
pelas crianças para cada personagem na segunda semana de estudo.
*Teste do Qui-quadrado
Logo após a
apresentação das personagens, perguntou-se a cada que
biscoito escolheriam para comer e novamente, a maior parte das crianças (78,1%)
escolheram o biscoito recheado. Por outro lado, houve um aumento de 8,6% na opção
de biscoito integral em relação à primeira semana, embora esta diferença não
tenha sido estatisticamente significativa (p = 0,453).
Na terceira semana do
estudo, antes de escolher o biscoito para seu lanche, as crianças foram
brevemente relembradas da atividade anterior, retomando-se o do estímulo com as
personagens infantis. Em seguida, as crianças receberam um novo estímulo priming com a
utilização de figuras de alimentos, os quais elas deveriam dividir entre
alimentos saudáveis e alimentos riscos em açúcares e/ou gorduras. Foi observado
um excelente conhecimento das crianças a respeito de quais alimentos eram
saudáveis e quais eram menos saudáveis, com percentual de erros inferior a 2%
(p < 0,001) (Tabela II).
Tabela
II –
Distribuição das crianças, em números
absolutos, segundo a classificação dos alimentos apresentados em saudáveis ou
ricos em açúcares e gorduras.
*Teste do Qui-quadrado
Observou-se que, após
o priming
com alimentos, 65,6% das crianças escolheram o
biscoito recheado, um valor 20,1% menor do que o observado na primeira semana
do estudo. Sete crianças alteraram sua escolha para o biscoito integral, em
relação à segunda semana do estudo, embora ainda sem significância estatística
(p = 0,344).
Foi investigada a
associação entre a escolha do tipo de biscoito nas semanas consideradas
controle do estudo – primeira semana e quarta semana. Na quarta semana, nenhuma
atividade do tipo priming
foi realizada. Vinte e quatro crianças estiveram presentes em ambos os momentos.
Não foi observada diferença estatisticamente significativa entre as escolhas
das crianças nas semanas controle do estudo (p = 0,625), sendo que das crianças
que haviam escolhido o biscoito recheado anteriormente, apenas 3 alteraram sua escolha para o biscoito integral e as outras
18 (94,7%) permaneceram com a mesma opção da primeira semana.
Não foram encontradas
diferenças estatisticamente significativas entre as escolhas de biscoito
integral e recheado e o estado nutricional das crianças em nenhuma etapa da
pesquisa. Embora não tenha sido observada significância estatística (p =
0,660), na última semana do estudo, que dentre as crianças que tinham excesso
de peso segundo o IMC a maior parte escolheu biscoito integral (60%) (Figura
2).
Figura
2 – Distribuição percentual das crianças segundo
a escolha de biscoito na última semana do estudo, de acordo com a classificação
do estado nutricional pelo indicador IMC/Idade (n = 27).
Em todas as etapas do
estudo as crianças estudadas mostraram preferência pelo consumo de biscoito
recheado, não tendo sido encontradas diferenças estatisticamente significativas
entre as escolhas do grupo nas semanas controle, mesmo após o priming com
personagens admiráveis e com alimentos saudáveis.
Quase metade das
crianças apresentava excesso de peso de acordo com o IMC, o que poderia estar
relacionado a escolhas alimentares menos saudáveis ao longo do tempo. Porém,
este fato não foi verificado no presente estudo, pois na última semana da
pesquisa, após as atividades de priming, as crianças
com excesso de peso fizeram maior opção por biscoitos integrais do que as eutróficas.
O excesso de peso
nesta faixa etária é uma preocupação global. A Organização Mundial da Saúde
mostrou que a obesidade infantil é um dos mais sérios desafios de saúde pública
do século XXI. Em 2015, o número de crianças com sobrepeso foi estimado em mais
de 42 milhões e caso não sejam tomadas medidas eficientes, em 2025, o número
global de crianças com sobrepeso e obesidade poderá chegar a 75 milhões [9].
Arbex et al. [10] em pesquisa realizada em países do Mercosul, afirmaram
que uma em cada três crianças entre 5 e 9 anos de idade estava acima do peso.
Segundo o mapa da obesidade da Associação Brasileira para Estudo da Obesidade e
da Síndrome Metabólica [11], a Região Sudeste apresenta elevada prevalência de
excesso de peso em crianças de 5 a 9 anos de idade (38,8%).
A escolha do
público-alvo do presente estudo justificou-se com base em que, nessa faixa
etária, as crianças já apresentam condições de determinarem sozinhas suas
escolhas de consumo, contudo, ainda trazem consigo a crença lúdica das
personagens infantis. A criança da terceira infância, entre 7
e 11 anos, está na fase das operações concretas, quando começa a pensar em suas
ações e a trabalhar o raciocínio e elaborar sua visão crítica, logo, trata-se
de um momento em que o indivíduo está em transição emocional em diversas
questões, entre elas, influências externas, como as questões alimentares e do
que determina como suas figuras admiráveis [12]. Tal fato pode ser uma das
razões pelas quais os resultados do presente estudo não mostraram um aumento
estatisticamente significativo no consumo de biscoitos integrais ao longo das
semanas, após estímulo priming com as personagens
infantis e alimentos saudáveis.
A pesquisa realizada
pela organização Interscience [13] reforça essa
consideração, quando aponta que as crianças brasileiras influenciam 92% das
compras de produtos alimentícios da família, tendo como um fator determinante a
presença de um personagem famoso como referência no produto, na forma de
publicidade. Entre as categorias de produtos mais suscetíveis à influência dos
filhos, os biscoitos figuram em primeiro lugar.
Baader [14] afirma que
existe uma forte tendência atual do emprego do entertainment
na publicidade
infantil, o qual se trata da combinação
alimentação-diversão, por meio da
exploração na interpretação dos sinais e
possibilidades de sentidos para as
práticas de consumo e hábitos alimentares das
crianças em seu cotidiano, sendo
a midiatização publicitária de alimentos uma das
principais modalidades de
manifestação da tendência lúdica da
combinação alimentação-diversão.
Assim,
pretendia-se, no presente estudo, utilizar as personagens infantis como
possíveis estimuladoras do consumo de biscoito integral.
Porém, segundo Ribeiro
e Batista [15], a criança da terceira infância, entre 7
e 11 anos, está na fase das operações concretas, quando começa a pensar em suas
ações e a trabalhar o raciocínio e elaborar sua visão crítica, logo, trata-se
de um momento em que o indivíduo está em transição emocional em diversas
questões, reavaliando, entre elas, influências externas como as questões
alimentares e do que determina como suas figuras admiráveis. Tal fato pode ser
umas das razões pelas quais os resultados do presente estudo não mostraram
aumento estatisticamente significativo no consumo de biscoitos integrais ao
longo das semanas, mesmo após estímulo priming com as personagens infantis e alimentos saudáveis.
Em nosso estudo,
verificamos a associação da personagem “Bob Esponja”, escolhido pelas crianças
como uma das duas principais personagens admiráveis, com o biscoito recheado.
Assim, evidenciou-se que nem sempre a personagem admirável é associada à
escolha de um produto alimentício saudável e a “personalidade” e as características
desta personagem, em particular, o fariam optar por um biscoito mais saboroso,
mesmo que não saudável. Além disso, nota-se que, dependendo da figura da
personagem infantil e se ela já apresenta vínculo no mercado com um produto não
saudável, descaracteriza-se a ideia de que a personagem admirável teria
escolhas mais saudáveis.
Houve um aumento
crescente, embora não significativo, na opção pelo biscoito integral ao longo
das etapas do estudo, mostrando que é possível que exista um estímulo às crianças,
para o consumo de produtos saudáveis associados às personagens infantis
admiráveis. Porém, quando analisamos estatisticamente as escolhas das crianças
do presente estudo nas quatro semanas de pesquisa, conseguimos perceber o quão enraizados já estão os hábitos alimentares e a busca,
por essa população, por produtos rotineiramente ligados ao público infantil.
Dessa forma,
acredita-se que a dificuldade das crianças da presente pesquisa em mudar de
escolha e a preferência pelo biscoito recheado deva-se, principalmente, à
publicidade anterior estimulada pelas empresas desse segmento e pelo histórico
de consumo desses perfis de produto ao longo dos anos de vida desses
indivíduos. As autoras Thibau e Rodrigues [16]
relataram, em seu artigo de revisão, que a exposição de crianças à publicidade
a elas direcionada acaba por reduzir sua liberdade de escolha, além de
influenciar o consumo de produtos não saudáveis.
As crianças
participantes desta pesquisa associaram que a escolha das personagens não
admiráveis seria por biscoito recheado e reconheciam que estas personagens
escolheriam alimentos menos saudáveis para comer. Assim, compreende-se que o
uso de personagens infantis admiráveis para estimular o consumo de um perfil de
produto que possua maior saudabilidade é válido e
poderia dar certo, uma vez que esta é uma das ferramentas mais utilizadas e
concretizadas pelo marketing das
empresas que comercializam produtos menos saudáveis. Segundo Santos [17]
associações de alimentos a imagens de personagens – super-heróis ou princesas –
que são utilizadas principalmente em embalagens de alimentos, bebidas e redes
de fast foods
estimulam o Sistema Nervoso Central, causando diversas realizações ilusórias às
crianças. Entretanto, conforme mencionado anteriormente, os efeitos de tal
exposição são complexos, pois deve-se pensar em
personagens com características de saudabilidade, e o
estímulo deve ser constante e efetivo, situação que não conseguimos avaliar em
nosso estudo devido ao curto período de intervenção.
Adicionalmente, as
crianças participantes do presente estudo mostraram importante conhecimento a
respeito da saudabilidade de alimentos, pois souberam
reconhecer alimentos saudáveis e menos saudáveis. Porém, tal percepção
cognitiva não foi suficiente para mobilizar as crianças para a escolha do
consumo de biscoito integral, mostrando que características afetivas, sociais e
emocionais poderiam ter mais peso na escolha do biscoito recheado. Entretanto,
a despeito da questão cognitiva, quanto maior o nível de sentimentos do
indivíduo por determinado produto maior será ligação emocional e mais tais
estímulos influenciarão as escolhas alimentares.
Vale mencionar que
nosso estudo apresentou importantes limitações. Ao longo das quatro semanas
tivemos ausências de alguns participantes e por se tratar de um estudo no qual
a análise do resultado de uma semana dependia da participação em todas as
demais, tivemos uma diminuição da amostra, principalmente na quarta semana e,
consequentemente, limitações na análise dos resultados.
Além do número
reduzido da amostra, não se avaliou o consumo de alimentos, mas escolhas livres
realizadas pelas crianças no lanche escolar. Adicionalmente, não foi possível
mensurar quaisquer processos psicológicos subjacentes às respostas das crianças.
As personagens admiráveis foram selecionadas considerando as duas mais votadas
por todo o grupo, não sendo considerada para cada criança participante a
influência da sua personagem infantil particularmente preferida. Logo, para
afirmar que para algumas crianças a estrutura de conhecimento afetivo ativado
influenciou na escolha alimentar uma investigação mais aprofundada seria
requerida.
Outra questão é que
as semanas com o estímulo priming vieram depois da
primeira semana de escolha livre do consumo do biscoito, assim, é possível que
as crianças tenham ficado desgastadas para realizar novas escolhas ou tenham
escolhido o mesmo produto por condicionamento nas semanas seguintes. No
entanto, apesar de não ter sido observada uma diferença estatisticamente
significativa, o fato de que as crianças mostraram um aumento no interesse de
biscoito integral nas semanas com o estímulo priming – personagens infantis e
alimentos – aponta para uma menor possibilidade de que o efeito tenha sido
simplesmente porque elas se tornaram mais familiarizadas com o biscoito mais
saudável.
Conclusão
O presente estudo
teve como objetivo avaliar a influência das personagens infantis admiráveis nas
escolhas de produtos alimentícios saudáveis por parte de crianças. A
expectativa era que as crianças associassem personagens infantis admiráveis e
conhecimento sobre os alimentos, para modificar sua escolha para o consumo
alimentar saudável em seu lanche escolar, com a utilização do estímulo priming.
Consequentemente, era esperado um aumento no consumo de biscoito integral do
grupo estudo, o qual foi observado, mas não com significância estatística.
Assim, nossos
resultados trazem uma reflexão na possibilidade da utilização das personagens
infantis admiráveis atreladas a produtos alimentícios que propiciem uma maior saudabilidade às crianças, objetivando resultados de médio
e longo prazo.
Concluímos que a
metodologia de publicidade e marketing
utilizada na presente pesquisa deve ser melhor
investigada, com amostras maiores e com avaliação dos componentes psicológicos
que afetam as escolhas infantis. Dessa forma, é possível que a associação de
alimentos saudáveis à personagens infantis admiráveis
possa se constituir uma interessante ferramenta na promoção de escolhas mais
adequadas por parte de crianças.