ARTIGO ORIGINAL

Papinhas industrializadas na introdução alimentar de lactentes e suas características

Industrialized baby foods in the feeding of infants and their characteristics

 

Jessyca Cristina Picoli Silva*, Michele Pereira Netto**

 

*Graduanda em Nutrição pela Universidade Federal de Juiz de Fora – UFJF, **Doutora em Ciências da Saúde pela Universidade Federal de Minas Gerais – UFMG, Docente em Nutrição pela Universidade Federal de Juiz de Fora – UFJF

 

Endereço para correspondência: Jessyca Cristina Picoli Silva, Rua Raimundo Corrêa, 1105/102 Nova Era 36087-040 Juiz de Fora MG, E-mail: jessycapicoli@hotmail.com; Michele Pereira Netto: michele.netto@ufjf.edu.br

 

Resumo

A alimentação do nascimento até os primeiros anos de vida promove implicações à saúde. A introdução da alimentação complementar deve ser em forma de papas; utilizando este nicho de mercado, as indústrias vêm se expandindo. Para garantir a segurança, crescimento e desenvolvimento saudável, a composição das papinhas deve ser variada e oferecer todos os tipos de nutrientes. Este estudo teve como objetivo avaliar as informações nutricionais, composição e aditivos em papinhas de duas empresas, comparando com as necessidades nutricionais. Os dados coletados nos websites das empresas foram: embalagem, validade, composição e informação nutricional de todas as papinhas doces e salgadas e porcentagem de adequação das necessidades. O estudo baseou-se nas recomendações do Guia Alimentar do Ministério da Saúde Brasileiro. Os resultados sugerem que se deve dar prioridade aos alimentos in natura ou minimamente processados, desestimulando o consumo frequente de papinhas industrializadas.

Palavras-chave: alimentos infantis, alimentação complementar, manipulação de alimentos, alimentos industrializados.

 

Abstract

Feeding from birth to the first years of life has health implications. The introduction of complementary food should be in the form of potatoes; Using this niche market, industries have been expanding. To ensure safety, growth and healthy development, the composition of the baby food should be varied and offer all kinds of nutrients. The objective of this study was to evaluate the nutritional information, composition and additives in baby foods from two companies, comparing with nutritional requirements. The data collected on the companies' websites were: packaging, validity, composition and nutritional information of all baby foods, sweet and salty, and percentage of adequacy of needs. The study was based on the recommendations of the Food Guide of the Brazilian Ministry of Health. The results suggest that priority should be given to natural or minimally processed foods, discouraging the frequent consumption of industrialized baby foods.

Key-words: infant food, supplementary feeding, food handling, industrialized foods.

 

Introdução

 

O aleitamento materno é a melhor estratégia natural de vínculo, afeto, proteção e nutrição para a criança. A manutenção do aleitamento materno é vital assim como a introdução de alimentos seguros na dieta da criança, que deve ser oportuna e de forma adequada [1].

A partir dos 6 meses de idade, o leite materno não supre todas as necessidades nutricionais das crianças, sendo fundamental a introdução da alimentação complementar, visto que também a partir dessa fase inicia-se o desenvolvimento geral e neurológico da criança. A alimentação complementar é a introdução de outros alimentos além do leite materno oferecidos durante o período de aleitamento. Esse período é de elevado risco para o bebê, tanto pela oferta inadequada de alimentos quanto pelo risco de contaminação por manipulação inadequada. Práticas maternas adequadas de manejo, preparo, administração e estocagem dos alimentos complementares podem reduzir a contaminação dos mesmos. A introdução deve ser de forma gradual sob a forma de papas e, gradativamente, aumentar a consistência até chegar à alimentação da família. A composição deve ser variada e oferecer todos os tipos de nutrientes e grupos alimentares: cereais, tubérculos, carnes, leguminosas, frutas e legumes [2,3].

Segundo a Sociedade Brasileira de Pediatria [4], a alimentação complementar adequada deve compreender uma composição equilibrada de alimentos com quantidade adequada de macro e micronutrientes com destaque para ferro, zinco, cálcio, vitamina A, vitamina C e ácido fólico. Devido à praticidade, muitos pais optam por oferecer algum produto industrializado, cujo preparo consiste em apenas adicionar um pouco de água a ele ou cozinhá-lo rapidamente para que seja consumido. Os alimentos industrializados contêm, na sua formulação, aditivos que poderão desencadear, mais tarde, uma série de problemas à criança. São conservantes, acidulantes, espessantes, estabilizadores, aromatizantes, corantes, entre tantas outras substâncias.

A Resolução n.º 31/92 do Conselho Nacional de Saúde [5], regulamenta a produção de alimentos direcionados aos bebês, como leites modificados e papinhas prontas, o que nem sempre configura a melhor escolha para eles. Além disso, é possível que estes alimentos não atendam corretamente as necessidades nutricionais dos lactentes. Segundo o Guia Alimentar para a População Brasileira [6], apesar da facilidade e praticidade que os alimentos industrializados oferecem no dia a dia, deve-se sempre dar prioridade aos alimentos in natura ou minimamente processados, além de reservar um horário para as refeições e tempo para uma alimentação equilibrada e saudável, já que as escolhas alimentares vão influenciar a saúde e os hábitos ao longo da vida. Dessa forma, é importante para a saúde do lactente que sua alimentação seja a mais natural possível.

      Diante disso, o objetivo do presente estudo foi descrever a composição nutricional e presença de aditivos de papinhas industrializadas, comparando com as necessidades nutricionais diárias de lactentes e verificar o uso de aditivos nesses produtos.

 

Material e métodos

 

Para a coleta de dados, utilizaram-se informações presentes no website de duas marcas de papinhas no mercado.

Os dados foram registrados em tabelas para avaliação e comparação da composição e valor nutricional das papinhas. Cada empresa teve suas papinhas analisadas qualitativamente quanto aos seus ingredientes e presença de aditivos e conservantes, dados fornecidos pelos rótulos alimentares. No total, foram analisadas 31 papinhas. A análise das papinhas foi dividida por empresa e agrupada de acordo com a faixa etária: a partir de 6 meses de idade (etapa 1 e 2), a partir de 8 meses de idade (etapa 3) e a partir de 12 meses de idade (etapa 4).

Em relação à composição das papinhas, foram analisados os ingredientes mais citados e os aditivos presentes. Quanto ao valor nutricional, foram avaliadas apenas as informações fornecidas pelo rótulo, que são: valor energético, carboidratos, proteínas, gorduras totais, gorduras saturadas, gorduras trans, fibra alimentar e sódio. Foi feito uma média dos valores de cada nutriente, da porção e do valor energético de todas as papinhas para avaliar se atendem as necessidades nutricionais de cada faixa etária. Através dos valores obtidos pelas médias, calculou-se o percentual de adequação dos nutrientes segundo as recomendações diárias do Instituto de Medicina [7,8].

      Para a comparação do valor energético, foi necessário o cálculo anterior da Necessidade Energética Estimada, em inglês Energy Efficiency Ratio - EER [8] para as três faixas etárias. Para o cálculo, utilizaram-se 7 meses para representar a faixa etária de 6 a 8 meses, 10,5 meses representando 8 a 12 meses e 18 meses para representar de 12 a 24 meses. Para melhor padronização, utilizaram-se como referência, em todas as fórmulas, o sexo masculino.

 

Resultados

 

As papinhas são divididas em doces e salgadas, por faixa etária e modo de embalagem. A marca A possui 26 papinhas no total, 8 doces e 18 salgadas. São divididas em etapas 1 e 2, para lactentes a partir do 6° mês, etapa 3, a partir do 8° mês e etapa 4, a partir do 12° mês e utiliza apenas embalagem de vidro. Segundo informações do site da marca A, a tecnologia de fechamento a vácuo dispensa o uso de conservantes e garante a qualidade do produto por um período de um ano.

A marca B possui 5 papinhas no total, 2 doces e 3 salgadas. Possui apenas uma etapa, todas as papinhas são a partir do 6° mês e utiliza embalagem de plástico sem bisfenol. Ambas as empresas apresentam o mesmo prazo de validade das papinhas. A empresa A não utiliza produtos orgânicos nas suas papinhas, já a empresa B utiliza produtos orgânicos em suas papinhas e possuem selo de certificação de produto orgânico.

Na Tabela I, seguem características gerais das papinhas avaliadas.

 

Tabela IPrincipais características das papinhas avaliadas.

 

Dados do website, 2017

 

As papinhas da marca A da etapa 1 e 2 apresentam consistência lisa e homogênea; a etapa 3 com consistência mais espessa e com pedacinhos que estimulam a mastigação e etapa 4 com uma consistência mais espessa e com pedaços. Segundo informações do site da marca A, as papinhas doces não são adicionadas de açúcar (sacarose), porém, possuem açúcares naturalmente presentes nas frutas. As papinhas salgadas da etapa 2 não são adicionadas de sal, porém possuem o sódio naturalmente presente nos legumes e vegetais. Já as papinhas salgadas das etapas 3 e 4 contêm pouco sal.

Na marca B, que possui apenas uma etapa, todas as papinhas têm consistência lisa e homogênea.

Na Tabela II, encontra-se a composição das papinhas avaliadas e seus principais aditivos.

 

Tabela IIComposição das papinhas avaliadas.

 

Dados do website, 2017

 

Pode-se perceber que apenas a marca A utiliza óleos e proteínas de origem animal na preparação das papinhas.

Na Tabela III, é apresentada a média das informações nutricionais de todas as papinhas divididas por doce e salgada, marca e etapa. Contém apenas as informações nutricionais que são obrigatórias no rótulo de alimentos de acordo com a Agência Nacional de Vigilância Sanitária - Anvisa [9].

Deve-se destacar, entretanto, que é importante avaliar também outros nutrientes como vitaminas e minerais que são essenciais na fase infantil, porém essas informações não são acessíveis já que não são obrigatórias nos rótulos dos produtos.

 

Tabela IIIInformação nutricional média das papinhas avaliadas.

 

Médias dos dados dos websites, 2017

 

De acordo com informações do site da marca A, as papinhas salgadas que possuem fumarato ferroso e lactato ferroso atingem 63% das necessidades diárias de ferro do lactente. Porém, vale ressaltar que não foi fornecida pelo fabricante a quantidade de ferro vinda dos alimentos. Sendo assim, é provável que grande parte desse ferro seja fornecido pelo aditivo alimentar e não pelo próprio alimento.

Utilizando a informação nutricional média das papinhas, calcula-se a necessidade diária atingida, em porcentagem, de cada item do quadro 3 de acordo com a recomendação do Instituto de Medicina [7,8] para lactentes de 7 a 11 meses e 1 a 3 anos. Para realização do cálculo de porcentagem do valor energético, calculou-se anteriormente a EER [8], representando as quatro etapas das papinhas. As EER’s calculadas e utilizadas nos cálculos de porcentagem de adequação ficaram assim determinadas: 6 a 8 meses = 651,8 kcal/dia, 8 a 12 meses = 749,7 kcal/dia, e >12meses = 899 kcal/dia.

Na Tabela IV, encontram-se os valores obtidos para cada item, representando a etapa de cada papinha por marca.

 

Tabela IVNecessidade diária atingida, em porcentagem, de acordo com a informação nutricional fornecida na tabela anterior.

 

Os autores, 2017

 

De acordo com os valores da Tabela IV, pode-se perceber que as papinhas analisadas atendem pouco às necessidades diárias dos lactentes de um modo geral. As papinhas salgadas da marca A provavelmente atendem melhor à recomendação de proteína, pois possuem proteína de origem animal em sua composição. Já as papinhas salgadas da marca B não possuem nenhuma proteína de origem animal. Há uma diferença significativa entre a porcentagem do valor energético de papinhas salgadas entre as duas marcas, que pode ser influenciada tanto pela proteína utilizada quanto pela gordura. As papinhas da marca A, utilizam óleo de canola e óleo de milho em sua composição. Já as papinhas da marca B não utilizam nenhum tipo de gordura vegetal. Além disso, pode-se perceber que as papinhas que utilizam adição de sal em sua composição elevam os valores percentuais diários de sódio. Deve-se destacar que o consumo somado de várias papinhas em um dia, podem ultrapassar as necessidades diárias do lactente.

 

Discussão

 

A principal função das embalagens é proteger o produto, porém apresenta também outras finalidades, dentre elas a de facilitar e assegurar o transporte e distribuição do alimento, identificar o conteúdo em qualidade e quantidade, atrair a atenção do comprador e identificar o fabricante e o padrão de qualidade. Para atingir essas finalidades, alguns requisitos são de fundamental importância como: não ser tóxica e ser compatível com o produto, dar proteção sanitária, ter resistência ao impacto, ter facilidade de abertura, não agravar os problemas de poluição e ser adequada à forma, tamanho e peso do produto. As fontes de matéria-prima empregada nas embalagens podem ser de origem animal, vegetal, mineral e sintética [10].

A marca A apresenta fonte de origem mineral (embalagem de vidro) e a marca B fonte de origem sintética (embalagem de plástico). Entre as principais vantagens do uso do vidro como recipiente de alimentos destaca-se: atóxico, inerte quimicamente à maioria das substâncias, resistente às temperaturas de esterilização até 100°C, impermeabilidade e melhor visualização do produto. No entanto, alguns inconvenientes limitam seu uso, tais como o excesso de peso, preço mais elevado, facilidade de quebra e pouca resistência às temperaturas de esterilização acima de 100°C [11].

Os materiais plásticos, usados pela marca B vêm ganhando cada vez mais espaço no mercado devido ao menor custo e praticidade. Por outro lado, as embalagens plásticas são a classe que mais interage com os alimentos, sendo o peso molecular, umidade e temperatura os fatores que afetam as propriedades de barreira [12]. Os plásticos são fabricados com polímeros produzidos principalmente a partir de derivados do petróleo ou carvão. As embalagens plásticas, por sua vez, possuem características que dependem do tipo de material e de sua composição estrutural. Os mais usados em embalagens alimentícias são termoplásticos como o polietileno e o polipropileno [11]. A marca B utiliza uma embalagem plástica livre de bisfenol A, que confere proteção contra os efeitos da luz e umidade, maximizando o tempo de vida útil do produto [13].

O Bisfenol A (BPA) é um produto químico-industrial que, em sua forma monomérica é amplamente utilizado na produção de resinas epóxi e embalagens plásticas [12]. Segundo Fontenele e Martins [14], por apresentar uma composição química semelhante ao hormônio feminino (estrógeno), o Bisfenol A pode agir como um desregulador endócrino, e estudos realizados com animais mostraram que o BPA pode causar problemas neurológicos, sobretudo em crianças expostas à substância química nos primeiros anos de vida [15]. Por isso, vale ressaltar a importância da utilização de embalagens livres de bisfenol A no armazenamento de suas papinhas.

A exposição repetida faz parte do processo de familiarização com alimentos que se iniciam com o desmame e a introdução de alimentos mais pastosos e sólidos, durante o primeiro ano de vida da criança. O Guia Alimentar para Crianças Menores de 2 anos [2] recomenda que a alimentação complementar seja espessa desde o início, oferecida de colher, deva começar com consistência pastosa e gradativamente aumentar a sua consistência, até chegar à alimentação da família. Dentre as empresas analisadas, observou-se que marca A apresenta maior variedade de papinhas doces e salgadas em relação à marca B. As papinhas da marca A são divididas em etapas (6 meses, 8 meses e 12 meses), aumentando a consistência gradativamente, de pastosa para uma consistência mais espessa com pedaços. Já a marca B apresenta somente uma etapa (a partir dos 6 meses), sendo todas as papinhas pastosas. Devem ser ofertado a criança diferentes alimentos ao dia, pois, segundo o Guia Alimentar para Crianças Menores de 2 anos [2], uma alimentação variada deve ser colorida, estimulando o consumo diário de frutas, verduras e legumes nas refeições, assegurando o consumo adequado de nutrientes. Recomenda-se a utilização diária de alimentos dos vários grupos alimentares, obtendo fonte de energia, proteína, vitaminas e minerais. É importante observar o uso de óleo vegetal nas papinhas, pois é fonte de ácidos graxos essenciais e energia, contribuindo assim para o aumento da densidade energética da preparação, além de melhorar o sabor e viscosidade [16].

A marca A utiliza dois tipos de óleo vegetal em suas papinhas salgadas, já a marca B não utiliza nenhum tipo de óleo. Nos resultados do presente estudo, pode-se perceber que há bastante diferença entre o valor energético das papinhas salgadas entre as duas marcas, o que pode ser explicado, também, pela adição do óleo vegetal apenas nas papinhas da marca A. As refeições principais devem conter alimentos-fonte de ferro-heme (carnes) e ferro não-heme (hortaliças folhosas e leguminosas) e utilizar condimentos naturais e suaves, como cebola, salsinha e alho, sempre com adição mínima de sal [2,16].

Apenas a marca A utiliza fontes de ferro heme (carnes) em suas papinhas. Ambas as marcas acrescentam sal em suas papinhas salgadas e utilizam poucos condimentos naturais. A marca A utiliza cebola em suas papinhas salgadas, a marca B utiliza cebola em pó. Segundo a Sociedade Brasileira de Pediatria [4], o planejamento da papinha salgada deve conter nutrientes favoráveis ao crescimento saudável do bebê. Para isso, deve conter os seguintes grupos alimentares: cereal ou tubérculo, alimento proteico de origem animal, leguminosas e hortaliças. As papinhas da marca A apresentam na mesma preparação a combinação de cereal, amido e tubérculo, elevando bastante o teor de carboidrato da preparação, o que acontece, também, com a marca B.

Na fase inicial da alimentação complementar é aconselhável oferecer frutas e legumes e evitar papinhas com farinhas, cereais e mingaus a base de açúcar. A digestão do amido se inicia entre seis e nove meses e seu o consumo elevado pode causar uma gastroenterite [17]. A maioria das papinhas doces da marca A apresentam em sua composição amido e farinhas desde a fase inicial, sendo que o principal ingrediente, que teria que ser a fruta, não é o primeiro ingrediente da lista, ao contrário da marca B, cujo principal ingrediente é a fruta, e são isentas de farinhas e amido. A portaria n º 34 de 13 de janeiro de 1998, da Secretaria de Vigilância Sanitária do Ministério da Saúde [18] lista os Alimentos de Transição para Lactentes e Crianças de Primeira Infância e permite os seguintes ingredientes no preparo: concentrados proteicos e outros ingredientes de alto teor proteico apropriados para o consumo por lactentes e crianças de primeira infância; aminoácidos essenciais para melhorar a qualidade das proteínas, porém, somente em quantidades necessárias para este fim; sal iodado; leite e derivados lácteos; cereais; ovos (quando usada a clara de ovo, somente em produtos consumidos após 10 meses de idade); carnes e peixes; óleos e gorduras vegetais; frutas, hortaliças e leguminosas, tubérculos; açúcares; malte; mel; cacau (somente em produtos consumidos após os 9 meses de idade); amido e macarrão [18].

A orientação do Guia Alimentar para crianças menores de 2 anos adota a recomendação da Organização Mundial da Saúde - OMS de oferecer três refeições por dia para as crianças amamentadas e cinco refeições para as que não recebem leite materno. Até completar 6 meses, a criança deve receber aleitamento materno exclusivo e, a partir de 6 meses, incluir papa de fruta e papa salgada, continuando com o aleitamento materno. Ao completar 7 meses, deve-se oferecer uma segunda papa salgada e, somente aos 8 meses, passar gradativamente para a alimentação da família, consumindo aos 12 meses a comida da família como um todo [2]. Além disso, de acordo com o Guia Alimentar para a população brasileira, a constituição da autonomia para escolhas alimentares mais saudáveis não depende apenas de escolhas do próprio indivíduo, mas também do ambiente onde ele vive. Muitos fatores podem influenciar positivamente ou negativamente a alimentação da família. Alimentos in natura e minimamente processados devem ser a base da alimentação, visando uma melhor qualidade de vida, saúde e prevenção de possíveis doenças crônicas no futuro. Também valoriza o ato de cozinhar e preparar os alimentos, resgatando as habilidades culinárias [6].

Sendo assim, preparar papinhas caseiras com alimentos in natura e frescos contribui para a saúde do lactente, além de melhorar o processo de familiarização com os alimentos que se inicia na introdução alimentar. A exposição frequente a alimentos industrializados pode gerar hábitos alimentares indesejáveis ao longo da vida. É possível que uma maior familiarização com alimentos industrializados desde a infância aumente a chance de consumir frequentemente estes alimentos na vida adulta.

Aditivos alimentares são substâncias não nutritivas adicionadas intencionalmente ao alimento, geralmente em poucas quantidades para melhorar a aparência, sabor, textura e propriedades de armazenamento [11]. Vitaminas, sais minerais, aminoácidos e fibras podem ser adicionados aos alimentos como aditivos chamados nutricionais, cuja finalidade pode ser a correção de deficiências alimentares quanto à manutenção da qualidade nutricional do alimento, conforme descrito pela Anvisa [19].

Ambas as marcas analisadas utilizam aditivos em suas papinhas. A marca A utiliza, na maioria de suas papinhas doces, o acidulante ácido cítrico, e a marca B utiliza o ácido ascórbico. Os aditivos acidulantes são substâncias que conferem sabor ácido aos produtos [10]. O ácido cítrico apresenta alta solubilidade em água e funciona como quelante de metais como cobre e ferro. O ácido ascórbico em solução aquosa possui facilidade para ser oxidado, ele protege outras espécies químicas de se oxidarem, sendo um ótimo antioxidante. Assim, para evitar que o alimento sofra alteração, atualmente muitos alimentos industrializados recebem adição de vitamina C [12].

Não só a acidez dos alimentos é alterada pelos compostos acidulantes; essas substâncias também desempenham outras funções, como regulador de pH, atuando como tampão nas mais diversas etapas do processamento de alimentos e diminuindo a resistência de microrganismos; agente flavorizante, disfarçando gostos desagradáveis de outras substâncias e tornando o alimento mais saboroso; conservadores, controlando o crescimento e desenvolvimento de bactérias patogênicas e seus esporos.

Além disso, os acidulantes impedem o escurecimento dos alimentos, modificam a textura de confeitos, realçam a cor vermelha das carnes, contribuem para a extração da pectina e pigmentos de frutas e vegetais, alteram o sabor doce em alguns alimentos e evitam a cristalização indesejada do açúcar [20].

Porém, em doses elevadas os aditivos podem causar toxicidade. Outros aditivos utilizados pela marca A em suas papinhas salgadas são o lactato ferroso e o fumarato ferroso, que são fontes de ferro utilizadas para fortificar o produto alimentício. O lactato ferroso é considerado um ferro de alta biodisponibilidade, mas apresenta a desvantagem de interagir com a matriz alimentar, modificando suas características sensoriais, devendo ser utilizado para fortificar alimentos estocados por curto período tempo, apesar de a marca A utilizar esse aditivo mantendo a validade de seu produto por 12 meses.

O fumarato ferroso é um sal do ácido fumárico com o ferro pouco solúvel em água e solúvel em ácidos diluídos, que geralmente não causa tantas alterações organolépticas, e com isso melhora a retenção do mineral no produto final, possibilitando melhora na biodisponibilidade [21].

De acordo com informações da marca A, as papinhas que possuem fumarato ferroso e lactato ferroso atingem 63% das necessidades diárias de ferro do lactente. Porém, vale ressaltar que não foi fornecida pelo fabricante a quantidade de ferro vinda dos alimentos. Sendo assim, é provável que grande parte deste ferro seja fornecido pelo aditivo alimentar e não pelo próprio alimento. Segundo a rotulagem nutricional obrigatória [9], não é obrigatório conter informações sobre ferro no rótulo.

Talvez a legislação deva ser reavaliada pelo Ministério da Saúde, pelo menos para produtos voltados para a alimentação infantil, já que os micronutrientes também são indispensáveis para o crescimento e o desenvolvimento adequado da criança, principalmente na introdução alimentar de lactentes.

 

Conclusão

 

O desenvolvimento saudável da criança depende de uma alimentação adequada. A introdução alimentar de lactentes deve ser completa nutricionalmente, segura e atender às necessidades da criança. A procura por alimentos prontos aumentou no público adulto e vem aumentando para o público infantil. Com a inserção da mulher no mercado de trabalho e a falta de tempo, os pais procuram nas papinhas industrializadas uma opção de alimento rápido e que atenda às necessidades de seu filho. Conclui-se com o presente estudo que as papinhas analisadas das duas empresas não atendem corretamente às necessidades nutricionais dos lactentes e sua composição não possui todos os grupos de alimentos como recomenda o Guia Alimentar para crianças menores de 2 anos. Além de não serem nutricionalmente completas e possuírem aditivos alimentares em sua composição. Portanto, deve-se desestimular o consumo frequente de papinhas industrializadas e dar preferência a papinhas caseiras com alimentos in natura como recomenda o Guia Alimentar para a população brasileira. O consumo de papinhas caseiras melhora a familiarização da criança com os alimentos, resgata os hábitos culinários e de realizar a própria refeição dos pais e estimula hábitos saudáveis, possivelmente diminuindo o consumo frequente de alimentos industrializados na vida adulta.

 

Referências

 

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