ARTIGO
ORIGINAL
Efeito da farinha de amaranto na redução de colesterol
total e triglicerídeos em indivíduos hipercolesterolêmicos e
hipertrigliceridêmicos
Amaranth flour effect for reducing total cholesterol and triglycerides
in hypercholesterolemic and hypertriglyceridemic
individuals
Cris Gélica Bartz*,
Daiane Drescher Cabral**
*Nutricionista
pela Universidade de Santa Cruz do Sul (UNISC), Rio Grande do Sul, **Doutoranda
em Pediatria e Saúde da Criança pela Pontifícia Universidade Católica, PUCRS
Porto Alegre, Rio Grande do Sul, Nutricionista do Hospital de Aeronáutica de
Canoas HACO, Rio Grande do Sul
Recebido 10 de
setembro de 2015; aceito 15 de março de 2017.
Endereço
para correspondência:
Cris Gélica Bartz. Rua São Gabriel, 174/304, 96810-174 Santa Cruz do Sul RS,
E-mail: cris.nutri@ymail.com; Daiane Drescher Cabral: daidrescher@ibest.com.br
Resumo
Objetivos: Avaliar o efeito
com a ingestão da farinha de amaranto sobre os níveis plasmáticos de colesterol
total (COL) e triglicerídeos (TG) em indivíduos hipercolesterolêmicos e
hipertrigliceridêmicos, sem promover alteração no padrão alimentar habitual. Métodos: 7
voluntários distribuídos em dois grupos (COL e TG) de acordo com a patologia
previamente confirmada por exame laboratorial (n = 5; n = 2), receberam um
total de 900 g de farinha de amaranto distribuídos em 30 quantidades de 30 g
cada, para o consumo domiciliar durante 30 dias consecutivos. Para avaliar o
efeito hipolipemiante do amaranto, foram realizados ao final do consumo desta,
novos exames sanguíneos de colesterol total e triglicerídeos. Resultados: A farinha de amaranto
mostrou-se eficaz na redução dos valores plasmáticos de lipídios em ambos os
grupos estudados (COL e TG). Comparando-se os dois grupos, a maior diminuição
se deu no grupo TG 50 mg/dl (24,63%), em relação ao
grupo COL 31 mg/dl (14,01%), porém tendo apenas valor significativo o grupo
COL, quando comparado ao nível de significância estabelecido (p = 0,05). Conclusão: O consumo diário de 30 g da
farinha de amaranto durante 30 dias consecutivos reflete redução do perfil
lipídico de indivíduos, mesmo por curto período de tempo e sem que haja
qualquer alteração no padrão alimentar habitual.
Palavras-chave: Amaranthus,
hipercolesterolemia, hipertrigliceridemia, dislipidemia.
Abstract
Objectives: To evaluate the effect of the intake of amaranth flour on plasma
levels of total cholesterol and triglycerides in hypercholesterolemic
(COL) and hypertriglyceridemic (TG) subjects without
changes in habitual dietary pattern. Methods:
7 volunteers divided into two groups (COL and TG) according to previously
confirmed pathology by laboratory examination (n = 5, n = 2) received a total
of 900 g of amaranth flour in 30 quantities of 30 g each for household intake
for 30 consecutive days. To assess the hypolipidemic
effect of amaranth new blood tests of total cholesterol and triglycerides were
performed at the end of the period. Results:
Amaranth flour was effective in reducing plasma lipid values in both groups
(COL and TG). Comparing the two groups, the greatest decrease occurred in group
TG 50 mg/dl (24.63%), compared to group COL 31 mg/dl (14.01%), but with only
the mean value of the COL group when compared to the level of significance (p =
0.05). Conclusion: Daily intake of 30
g of amaranth flour for consecutive 30 days causes reduction in lipid profile
of individuals, even for a short period of time and without any change in the
usual eating pattern.
Key-words: Amaranthus, hypercholesterolemia, hypertriglyceridemia,
dyslipidemia.
As doenças
cardiovasculares são atualmente a maior causa de mortalidade no mundo [1].
Entre os fatores de risco associados ao seu desenvolvimento estão
o tabagismo, a hipertensão arterial, o diabetes mellitus, o sedentarismo, o acúmulo de gordura visceral e,
principalmente, as dislipidemias [2], que vem se destacando como uma das mais
importantes [1].
De
acordo com as
projeções da Organização Mundial de
Saúde (OMS), esta tendência de elevação na
doença cardiovascular persiste, agravando ainda mais o quadro de
morbidade e
mortalidade nos países em desenvolvimento [3].
As dislipidemias
caracterizam-se por elevações séricas de um ou mais componentes lipídicos. O
aumento sérico da lipoproteína de muito baixa densidade - VLDL (very low density lipoprotein), da
lipoproteína de baixa densidade - LDL-C (low
density lipoprotein cholesterol),
do colesterol total (CT) e dos
triglicerídeos (TG), em associação à
redução dos níveis da lipoproteína de alta
densidade - HDL-C (high density
lipoprotein cholesterol), constituem um elevado fator de risco para o
desenvolvimento e mortalidade por doença coronariana [4].
Apesar de em excesso
os lipídios constituírem fator de risco cardiovascular, do ponto de vista
fisiológico, são importantes fontes de energia para o corpo, ajudam na absorção
das vitaminas A, D, E e K, sendo também precursores de
hormônios esteroides [3].
O consumo de
alimentos funcionais vem sendo apontado como um fator protetor do risco
cardiovascular. Dentre estes destaca-se o amaranto,
considerado alimento funcional devido ao seu alto conteúdo de fitoesteróis.
Originário da região
dos Andes, principalmente do Peru, o amaranto é uma planta milenar, sendo os
seus grãos um dos mais ricos em proteínas dentre os cereais, considerado de
alto valor biológico devido ao seu teor de aminoácidos essenciais [5]. Possui o
melhor balanço de aminoácidos essenciais dentre os cereais e leguminosas, sendo
semelhante ao da caseína do leite [6], apresentando uma disponibilidade em
torno de 90% [7].
Diferentemente da
maioria dos grãos, a farinha do amaranto tem a capacidade de manter o seu alto
teor de proteínas e aminoácidos mesmo após o refino [8].
O amaranto pode
satisfazer as necessidades nutricionais da maioria das vitaminas e minerais
recomendados, tendo as maiores concentrações dentre os cereais [8]. Contém boas
fontes de vitaminas como ácido fólico, minerais como cálcio, magnésio, potássio
e fósforo, fibras e fotoquímico esqualeno, que reduz o colesterol e combate o
câncer [9]. Além disso, auxilia no combate ao envelhecimento precoce, fortalece
o sistema imunológico e não contém glúten. Desta forma, torna-se um produto de
grande importância e interesse para a ampliação e diversificação da oferta de
alimentos nutritivos para portadores de doença celíaca [8,10].
O amaranto, apesar de
ter características de cereal, não pode ser classificado como tal, por possuir
aspectos botânicos como presença da inflorescência tipo panícula, e
características nutricionais como alto teor de proteínas, aminoácidos
sulfurados e lisina, sendo então considerado como pseudo-cereal [11]. Por não ser
autóctone no Brasil, a planta e o grão tem sido muito pouco estudados e seu
consumo é praticamente desconhecido [8].
Diferentemente da
maioria de outras culturas de produtos alimentícios, o amaranto se desenvolve sob condições desfavoráveis aos cereais e às leguminosas,
como em altas planícies da América do Sul. Uma característica agronômica do
amaranto, valiosa para o Brasil, é a capacidade da planta se desenvolver e
frutificar em ambientes com luminosidade intensa, altas temperaturas (35 a
45°C) e restrição hídrica. Outra característica peculiar da planta é o seu
rápido crescimento. Em três meses, a planta pode atingir cerca de 2 metros de
altura, mostrando elevada capacidade de produção [8].
Os grânulos do
amaranto são relativamente pequenos (0,75 a 1,5 ?m de
diâmetro), mas carregam como componente principal o amido, perfazendo 48% a 69%
do peso total do grão. Os lipídios perfazem 6% a 8% do peso total do grão de
amaranto, sendo que 90% são apolares (triglicerídeos e esteróis) e 76% dos
ácidos graxos são insaturados (ácido oléico e ácido linoléico) [11], e as
fibras alimentares perfazem 13% do grão do amaranto [10], superior ao dos
cereais comuns [8]. O amaranto contém fibra solúvel e é uma excelente fonte de
fibra insolúvel, principalmente lignina e celulose [8].
O amaranto possui
diversas formas de utilização culinária. A farinha do amaranto pode ser
produzida em casa, moendo-se os grãos no liquidificador, para o uso em
preparações diversas como sopas, mingaus, iogurtes e vitaminas ou ser utilizada
como substituta a outras farinhas, em receitas de biscoitos, pães, panquecas ou
bolos. As sementes podem ser empregadas em ensopados, saladas, confeitarias e
recheios. É também indicada para dietas de emagrecimento e para diabéticos e
hipertensos, em substituição à aveia [10].
Várias hipóteses
foram sugeridas para justificar o efeito hipolipemiante do amaranto,
destacando-se o perfil de aminoácidos de sua proteína, a presença de fibras, de
amido resistente, as concentrações de esqualeno e de fitoesteróis [12,13],
porém a identificação do componente que exerce maior impacto sobre os níveis
plasmáticos de lipídios ainda é objetivo de investigação e discussão [14].
Evidências crescentes
sugerem que os fitoesteróis reduzem os níveis de colesterolemia, por diminuírem
a absorção do colesterol através de mecanismos de competição. Os fitoesteróis
apresentam estrutura semelhante ao colesterol, sendo encontrados apenas nos
vegetais [4].
Este trabalho teve
como objetivo avaliar o efeito de uma intervenção de curta duração com a
ingestão diária da farinha do amaranto sobre os níveis plasmáticos de colesterol
total e triglicerídeos em indivíduos hipercolesterolêmicos e
hipertrigliceridêmicos, sem promover alteração no padrão alimentar habitual.
Trata-se de estudo de
delineamento prospectivo, quantitativo, experimental, do tipo pré-experimento,
com amostra do tipo acidental ou de conveniência, realizado entre agosto e
outubro de 2013. A pesquisa foi realizada com indivíduos hipercolesterolêmicos
e hipertrigliceridêmicos, de ambos os sexos, com idade superior a 18 anos.
O estudo teve a
aprovação do Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade de Santa Cruz do Sul
(UNISC) sob o número CAEE 19111713.1.0000.5343, parecer 339.176, em consonância
com a Resolução 196/96 do CNS. Além disso, obteve-se autorização do Coordenador
do Projeto “Ações de Envelhecimento com Qualidade de Vida” do setor de
Hidroginástica da UNISC, no qual a pesquisa, em parte, foi realizada.
A amostra planejada
para o estudo seria de 20 indivíduos, 10 hipercolesterolêmicos e 10
hipertrigliceridêmicos, divididos em 2 grupos (COL e
TG), matriculados no Projeto “Ações de Envelhecimento com Qualidade de Vida” do
setor de Hidroginástica da Universidade de Santa Cruz do Sul – UNISC/RS. Como
não foi possível atingir a amostra apenas no setor de hidroginástica da Universidade,
a pesquisa foi aberta também, ao público em geral. A divulgação do estudo, no
setor de hidroginástica da Unisc, se deu durante o período de uma semana, em 12
diferentes turmas, onde foram explicados aos indivíduos do objetivo,
importância, forma como seria conduzido o estudo e demais esclarecimentos sobre
os exames laboratoriais e Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE). Os
indivíduos interessados na pesquisa e que enquadravam-se
nos requisitos necessários ao estudo, foram selecionados, tiveram de assinar o
TCLE e foram ao final divididos em 2 grupos distintos (COL e TG) de acordo com
a patologia relatada pelo mesmo. Para fazerem parte da amostra do estudo, os
voluntários deveriam possuir as seguintes características de acordo com os critérios
de inclusão: aceitar participar voluntariamente da pesquisa com a ciência de
não receberem qualquer valor em dinheiro; assinar o TCLE; serem maiores de 18
anos, de ambos os sexos e estarem matriculados no grupo de hidroginástica da
Universidade de Santa Cruz do Sul/RS; comprometer-se a realizar adequadamente a
ingestão diária recomendada da farinha de amaranto; possuir hipercolesterolemia
(colesterol total acima de 200 mg/dl) e/ou
hipertrigliceridemia (triglicerídeos acima de 15 0mg/dl) e não fazer uso de
medicação para tais patologias; enquadrar-se nos demais requisitos necessários
ao estudo; e poder ser portador de qualquer outra patologia, com ou sem uso de
medicação para este fim, desde que não fosse verificada nenhuma interferência
nos parâmetros a serem estudados. Foram excluídos do estudo os seguintes
indivíduos: em uso de medicação hipolipemiante, gestantes, nutrizes, crianças e
indivíduos sem qualquer uma das duas variáveis a serem estudadas; que não
quiseram assinar o TCLE; que estiveram fora da faixa etária estipulada para o
estudo e que não aceitaram realizar os exames bioquímicos necessários à
pesquisa; que não se comprometeram a realizar adequadamente a ingestão diária
recomendada da farinha de amaranto e que não foi relatado pelo voluntário, mas
que foi observado tal fato pela pesquisadora; e os voluntários que relataram
alguma intolerância, alergia e/ou mal estar ao uso do amaranto.
A divulgação da
pesquisa para o público em geral, foi realizada através de rede social,
obedecendo-se os mesmos critérios de seleção citados anteriormente.
Com a divulgação do
estudo, foram selecionados 23 voluntários (n = 11 COL e n = 12 TG), sendo entre
estes 13 matriculados no Projeto Ações com envelhecimento com Qualidade de
vida, e 10 voluntários do público em geral. Destes, 6
foram excluídos da pesquisa por não terem suas patologias confirmadas através
do exame sanguíneo da fase inicial. A amostra foi composta então por 17
voluntários, sendo 10 hipercolesterolêmicos e 7
hipertrigliceridêmicos.
A coleta de dados foi
realizada por meio de exames sanguíneos específicos (colesterol total e triglicerídeos) em duas ocasiões distintas: no mês
de setembro de 2013 para a comprovação da patologia, e no mês de outubro de
2013 para a verificação dos resultados.
Para a realização de
ambos os exames laboratoriais, os voluntários receberam as seguintes
instruções: realizar o exame no início da manhã, junto ao laboratório de
Análises Clínicas da cidade de Santa Cruz do Sul/RS, estipulado pela pesquisadora
sob prévio agendamento; estar em jejum de 12 à 14
horas; não ingerir qualquer tipo de bebida alcoólica um dia antes da realização
dos exames, com o intuito de se evitar possíveis falhas nos resultados
laboratoriais. A coleta de sangue da fase inicial se deu unicamente para a
confirmação da patologia (colesterol total ou triglicerídeos),
previamente relatada pelo voluntário. Não foram realizados ambos os exames em
cada indivíduo, somente o relatado pelo mesmo. Após o término da realização dos
exames laboratoriais da fase inicial, foram distribuídos, a cada voluntário,
para o consumo domiciliar, 900 g de farinha de amaranto distribuídos em 30
pacotes de 30 g cada, equivalente a 3 colheres de
sopa, correspondentes a 30 dias de estudo. O amaranto utilizado foi do gênero (Amaranthus cruentus), adquirido em uma
das Casas de Produtos Naturais de Santa Cruz do Sul/RS. A quantia de 30 g de
farinha de amaranto ao dia, fornecida aos voluntários, foi estipulada a partir
da realização de uma média que levou em consideração
pesquisas atuais já realizadas. Visando a padronização e evitando
possíveis alterações na aferição das amostras, os pacotes foram individualmente
pesados pela pesquisadora, com auxílio de uma balança digital específica para
alimentos modelo LX-917, da marca LUXSHAV, com capacidade para 5 kg e
subdivisão em gramas. Para a correta eficácia e obtenção dos resultados
esperados a partir do experimento, foi frisado aos voluntários da importância
do consumo diário das quantidades recomendadas do amaranto, da não utilização
de medicamentos que pudessem interferir nas taxas bioquímicas a serem
analisadas, da comunicação em caso da necessidade de utilização farmacológica
por orientação médica, e da manutenção dos padrões alimentares habituais
durante todo o estudo.
Também foi informado
aos pesquisados, da liberdade de retirarem o seu consentimento, a qualquer
momento deixando de participar do estudo, sem que isto trouxesse prejuízos ao
mesmo, além da não ocorrência de riscos à saúde, apenas eventual desconforto
com a coleta de sangue. Não foi divulgada aos participantes do estudo, a marca
comercial do produto utilizado.
Com o intuito de
facilitar a adesão ao estudo, não foram estipulados horários para ingestão da
farinha nem a forma de utilização. A quantidade diária (30 g) poderia ser
consumida na sua totalidade ou fracionada ao longo do dia.
A finalização do
estudo se deu através da verificação da redução de colesterol
total e triglicerídeos a partir dos resultados finais dos exames laboratoriais
dos voluntários. Os resultados encontrados foram analisados e tabulados
através do teste T Student e do
programa Microsoft Excel for Windows versão 2007. O intervalo de confiança
utilizado foi de 95%, sendo o nível de significância estabelecido de p = 0,05.
A comparação dos exames laboratoriais inicial e finais ao uso da farinha de
amaranto foram baseados na IV Diretriz brasileira sobre dislipidemias e
prevenção da aterosclerose, que estabelece como padrão limítrofe para
colesterol total e triglicerídeos, valores máximos de 200 mg/dl
e 150 mg/d, respectivamente, de acordo com a faixa etária, como mostra a Tabela
I.
Tabela
I - Valores de referência para concentrações
lipídicas.
Fonte: adaptado de
Sposito AC et al. [3].
Foi assegurado o
sigilo quanto ao nome dos participantes do estudo e às informações obtidas,
sendo estas utilizadas apenas para fins científicos vinculados à presente pesquisa.
O TCLE esclareceu aos
participantes o objetivo do estudo e a importância destes em participar e colaborar
durante a pesquisa, do período em que seria realizado, dos exames laboratoriais
necessários, da quantidade e forma de utilização da farinha do amaranto, e da
ausência de custos e de riscos à saúde. O TCLE foi assinado em duas vias
idênticas, uma disponibilizada ao participante e a outra arquivada pela
pesquisadora por 5 anos, sendo após incinerada.
Dos 17 (100%)
voluntários inicialmente selecionados para a pesquisa, apenas 7 (41,17%) concluíram o estudo, (n = 5 COL e n = 2 TG). Dos
10 (58,82%) voluntários que descontinuaram a pesquisa, 9
(52,95%) se deram em função de ocorrência de mal estar com a utilização da
farinha do amaranto, e 1 (5,88%) por motivo de desistência. Os sintomas
principais de mal estar foram “sensação de estufamento”, náuseas, vômitos,
cólicas estomacais, dores de barriga, diarreia, tontura e fraqueza, já nos
primeiros dias de consumo da farinha. Devido ao ocorrido, os 9
indivíduos foram orientados a descontinuarem o uso das farinhas distribuídas, e
as mesmas foram recolhidas pela pesquisadora.
A faixa etária
predominante no estudo foi de 24 – 80 anos, sendo a média de idade do grupo COL
(n = 5) de 69,8 ± 8,26 anos, e a média de idade do grupo TG (n = 2) de 42 ± 25,45anos.
Em ambos os grupos o interesse de participação foi maior por pessoas do gênero
feminino (COL = 100%, TG = 100%).
Em relação aos
efeitos do consumo da farinha de amaranto sobre as concentrações plasmáticas de colesterol total e triglicerídeos,
verificou-se resultados positivos nos parâmetros analisados. A Tabela II mostra
os níveis de colesterol total e triglicerídeos dos voluntários participantes no
início e ao final da ingestão da farinha de amaranto.
Tabela
II -
Comparação das concentrações plasmáticas
de colesterol total e triglicerídeos antes e após a
intervenção com farinha de amaranto.
COL = Colesterol
total; TG = Triglicerídeos; p = teste T Student; DP = desvio-padrão.
Os resultados obtidos
mostram que no início da pesquisa os participantes apresentaram uma média de
221,2 ± 13,74 mg/dl e 203 ± 36,77 mg/dl,
respectivamente. Ao final da ingestão da farinha de amaranto, o grupo COL
apresentou uma média de 190,2 ±15,69 mg/dl, e o grupo
TG apresentou média de 153 ±8,48 mg/dl). Verifica-se a redução de 50 mg/dL (24,63%) nas concentrações plasmáticas do grupo TG, e
uma redução de 31 mg/dL (14,01%) para o grupo COL.
O teste T Student
demonstra média de redução de colesterol total no grupo COL de p = 0,037039 e
redução de triglicerídeos no grupo TG de p = 0,362436. Verifica-se que o grupo
COL apresentou diferença significativa entre as médias, não tendo o mesmo
ocorrido no grupo TG, pois neste, não houve diferença estatisticamente
significativa, quando comparamos os resultados encontrados com o nível de
significância estabelecido para este estudo (p = 0,05). Entretanto, pode-se
observar que a redução dos valores séricos no grupo TG, em relação ao ponto de
início da pesquisa, foi expressivo.
Na Tabela III encontram-se disponíveis as
concentrações plasmáticas de colesterol total e
triglicerídeos dos voluntários no início e ao final da ingestão da
farinha de amaranto.
Tabela
III -
Concentrações plasmáticas
de colesterol total e triglicerídeos dos voluntários.
COL = Colesterol
total; TG = Triglicerídeos
Com relação à adesão
à intervenção, todos os voluntários relataram dificuldade na ingestão da
farinha pelo gosto forte que esta apresentava e pela dificuldade de dissolução
do produto quando misturado a preparações como suco, batidas e outros líquidos.
A farinha de amaranto também se mostrou benéfica para o bom funcionamento e
regulação do trânsito intestinal dos voluntários.
Discussão
Estudos científicos
têm demonstrado que o consumo de alimentos funcionais vem sendo apontado como
um fator protetor do risco cardiovascular, e entre eles têm se destacado o
amaranto, considerado alimento funcional pelo seu alto conteúdo de
fitoesteróis.
O estudo realizado
mostrou que o consumo de 30 g per capita
diárias de farinha de amaranto contribui para a redução dos níveis plasmáticos
de colesterol total e triglicerídeos em indivíduos dislipidêmicos, mesmo por um
curto período (30 dias) de intervenção.
Através dos
resultados obtidos, verifica-se que ambos os grupos avaliados apresentaram
redução nos parâmetros pesquisados, porém com diferença significativa, apenas
para o grupo COL. Confrontando-se o percentual de redução de
colesterol total e triglicerídeos, antes e após a intervenção com
farinha de amaranto nos dois grupos pesquisados, observa-se maior redução das
concentrações plasmáticas no grupo TG (24,63%), em relação ao grupo COL
(14,01%). Embora o resultado, na forma de porcentagem, tenha sido maior para o
grupo TG, a análise realizada através do teste T Student demonstra diferença estatisticamente significativa apenas
para o grupo COL, já que para o grupo TG os resultados foram maiores que o
nível de significância estipulado (p = 0,05).
A ação hipolipemiante
verificada neste experimento, se assemelha também à
outros estudos já publicados de segmentos parecidos.
Estudo realizado por
Mendonça [5] com hamsters divididos em 3 grupos (A =
20% caseína; B = 20% proteína de amaranto purificada; C = 20% caseína + 10%
proteína de amaranto purificada), com hipercolesterolemia induzida, e
posteriormente alimentados com dieta elaborada com proteína isolada de
amaranto, também demonstrou redução significativa nos níveis séricos de
colesterol, após 28 dias de intervenção. Foram observados redução de 30% no
grupo C e 51% no grupo B.
Em outro estudo
realizado por Vaz [15], ao avaliar o efeito da ingestão do isolado proteico de
amaranto no perfil de lipoproteínas plasmáticas de 28 ratos Wistar distribuídos
em quatro grupos recebendo dietas diferenciadas pela fonte proteica, este
observou que os dois grupos alimentados com dieta contendo 20% de proteína de
amaranto tiveram redução nas concentrações plasmáticas de
colesterol total (36%) e triglicerídeos (47%), quando comparado aos dois
grupos alimentados com 20% de caseína.
Sousa [12], ao
avaliar o efeito do consumo de pipoca de amaranto na regulação da dislipidemia
induzida por dieta e na redução da hipercolesterolemia em 28 coelhos da raça
New Zealand, alimentados com dieta hipercolesterolêmica por 21 dias e divididos
em 5 grupos, também observou efetiva redução sobre os
níveis de colesterol total e LDL-C nos animais.
Rocha [16], em seu
estudo sobre o efeito do consumo diário de 30 g de farinha de aveia ou amaranto
na forma de cookies por 30 dias, com 18 indivíduos com idade entre 33 e 55
anos, diagnosticados com síndrome metabólica (SM) e sem promover alterações na
dieta habitual destes, também verificou que os indivíduos que consumiram
cookies de amaranto e aveia apresentaram diminuição dos níveis de colesterol. O
amaranto foi capaz de reduzir também a pressão arterial e o LDL-C dos
indivíduos, fato não ocorrido nos indivíduos que consumiram cookies de aveia.
Neste mesmo estudo, foi verificado ainda efeito positivo do consumo de
biscoitos de aveia e amaranto na frequência intestinal dos voluntários.
Similar às pesquisas
de Rocha [16], a farinha de amaranto também se mostrou benéfica para o bom
funcionamento e regulação intestinal, sendo isto mencionado por alguns dos
voluntários do presente estudo, indivíduos que se diziam com crises de constipação
recorrentes.
A capacidade da
farinha de amaranto reduzir os níveis lipídicos do sangue pode estar associada
a diversos fatores, como o perfil de aminoácidos de sua proteína, a quantidade
de fibras totais e solúveis, o teor de ácidos graxos insaturados, a presença de
fitoquímicos, como tocotrienóis, fitoesteróis, tocoferóis e esqualeno [12,13].
Sousa [12] cita em seu trabalho como um dos possíveis mecanismos para a redução
do colesterol plasmático, a ligação dos ácidos biliares pelas fibras dietéticas,
principalmente as fibras solúveis e, consequentemente o seu aumento na excreção
fecal.
Os mecanismos
envolvidos na redução do colesterol total e dos triglicerídeos neste
experimento não foram elucidados, já que este não fazia parte do intuito deste
trabalho.
Não se tem
conhecimento também, até o momento, das razões que levaram aos sintomas de mal
estar ocorridos em alguns dos voluntários da pesquisa, mas supõe-se que os
mecanismos envolvidos em tais efeitos colaterais podem estar relacionados a
fatores como a falta de hábito de consumo de cereais naturais ricos em fibras,
o consumo de outros alimentos que possam ter causado tais malefícios e não
necessariamente o uso da farinha do amaranto, ou ainda a alta concentração de
fibras insolúveis presentes na farinha do amaranto que pode ter contribuído
para a crise de diarreia. Outras hipóteses sugeridas para o aparecimento destes
sintomas poderiam ser o desencadeamento de alguma alergia e/ou intolerância a
alguma proteína presente no amaranto quando em contato com ele através da sua
ingestão, já que se tem o conhecimento de que este cereal é extremamente rico
em proteínas, além de possuir o melhor balanço de aminoácidos essenciais.
Desconhece-se na
literatura, até o momento, outros trabalhos que tenham investigado o poder
hipolipemiante do amaranto em humanos e que tenham relatado sintomas como os
encontrados neste estudo.
Faz-se necessário a
realização de mais experimentos deste tipo para se ter
o conhecimento da real e possível causa dos sintomas apresentados pelos
voluntários, e se tais sintomas são veridicamente decorrentes do uso da farinha
do amaranto, e não em decorrência de outros alimentos ingeridos pelos
voluntários durante a pesquisa.
Nas condições
propostas por este estudo, a ingestão de 30 g de
farinha de amaranto ao dia, recomendada durante 30 dias consecutivos,
mostrou-se eficaz na redução dos níveis plasmáticos tanto de colesterol total
como de triglicerídeos dos indivíduos pesquisados, mas com diferença significativa
apenas para o grupo COL. Embora a dose diária recomendada de farinha de
amaranto tenha sido idêntica em ambos os grupos pesquisados, a ação
hipolipemiante da farinha diferiu sobre os parâmetros estudados, tendo maior
efeito, sob forma de percentual, sobre os níveis de triglicerídeos.
Conclui-se ainda que
a farinha de amaranto, além de proporcionar ação hipolipemiante, tem efeito
benéfico para o bom funcionamento intestinal, sendo isto constatado pelos
voluntários durante a pesquisa.
Entre as limitações
deste estudo é possível destacar o curto período de tempo de intervenção, o
número pequeno de participantes que concluíram a pesquisa, e a falta de
controle sobre a ingestão diária da farinha de amaranto, já que esta se deu em
domicílio.
Apesar do
significativo valor nutritivo do amaranto descrito por outros trabalhos
científicos, e da sua ação na redução dos lipídios sanguíneos, como demonstrado
neste estudo, pouca investigação científica tem sido documentada na literatura
a respeito do comportamento hipolipemiante que o amaranto é capaz de
proporcionar sobre os níveis plasmáticos de colesterol total e triglicerídeos,
especialmente em relação a farinha do amaranto.
Portanto, faz-se necessário mais estudos deste segmento para se ter maior conhecimento sobre os benefícios, funcionalidade e
efeito hipolipemiante deste cereal à saúde humana, para recomendar-se o uso sob
quantidades diárias adequadas.