ARTIGO ORIGINAL

Terapia nutricional enteral em um hospital público da cidade de Salvador/BA: percentual de dieta administrada e monitoramento da circunferência do braço do paciente

Enteral nutrition therapy in a public hospital of Salvador/BA: percentage of the diet administered and monitoring of the arm circumference of the patient

 

Aline Luquini Santos*, Camila Anjos de Jesus**, Thaisy Cristina Honorato Santos Alves, M.Sc.***

 

*Nutricionista, Residente do Núcleo de Nutrição Clínica, Residência Multiprofissional da Universidade do Estado da Bahia, **Graduanda do curso de Nutrição da Universidade do Estado da Bahia, ***Nutricionista, Docente Permanente do Curso de Nutrição da Universidade do Estado da Bahia

 

Recebido 20 de julho de 2016; aceito 15 de maio de 2017.

Endereço para correspondência: Thaisy Cristina Honorato Santos Alves, Universidade do Estado da Bahia, Colegiado de Nutrição, Departamento de Ciências da Vida, Campus I, Rua Silveira Martins, 2555 Cabula 41150-000 Salvador BA, E-mail: thaisyhonorato@yahoo.com.br, tcalves@uneb.br; Aline Luquini Santos: line_luquini@hotmail.com; Camila Anjos de Jesus: camila.angeli@hotmail.com

 

Resumo

O presente estudo objetivou verificar o percentual de dieta administrada na terapia nutricional enteral e sua relação com a circunferência do braço do paciente hospitalizado. Este estudo longitudinal, quantitativo, observacional e prospectivo foi realizado nas enfermarias de um hospital público da cidade de Salvador/BA. Foram incluídos pacientes adultos e idosos em uso de terapia nutricional enteral exclusiva. Diariamente, ocorreu a coleta dos dados relacionados ao volume de dieta enteral infundido e semanalmente foi verificada a circunferência do braço. Foram incluídos 51 pacientes, sendo 56,9% do sexo masculino e 66,7% idosos. Os pacientes receberam volume de dieta enteral inferior ao prescrito em mais da metade dos casos e volume considerado muito baixo em 29,9% dos casos. Ao início do estudo, 58,7% dos pacientes tinham depleção de massa magra e tecido adiposo e 47% dos indivíduos em que foi possível o acompanhamento tiveram regressão de reserva de massa corporal segundo este parâmetro. Concluiu-se que os pacientes receberam frequentemente volume de dieta enteral inferior ao prescrito, sugerindo a necessidade de soluções urgentes para minimizar tal déficit, evitando assim a deterioração do estado nutricional de pacientes hospitalizados.

Palavras-chave: nutrição enteral, avaliação nutricional, hospitalização.

 

Abstract

This study aimed to verify the percentage of the diet administered as enteral nutrition therapy, and its relation to the arm circumference of the hospitalized patient. This quantitative, observational and prospective study was conducted in the wards of a public hospital in Salvador, Bahia. Adults and elderly patients who were taking part in an exclusive enteral nutritional therapy were included. Daily, data was collected relating to the volume of enteral diet intake, and the measurement of arm circumference was taken on a weekly basis. 51 patients were included, 56.9% were male and 66.7% elderly. Patients received a smaller enteral diet volume than prescribed in more than half of the cases, and a volume considered too low in 29.9% of cases. At the beginning of the study, 58.7% of patients had lean body and fat mass depletion, and, in 47% of the patients who were able to be accompanied, there was a regression in the body mass reserves of this parameter. It was concluded that patients often receive a smaller volume of enteral diet than what was prescribed, suggesting the need for urgent solutions to minimize this deficit, and thus preventing the deterioration of the nutritional status of hospitalized patients.

Key-words: enteral nutrition, nutrition assessment, hospitalization.

 

Introdução

 

A Terapia Nutricional Enteral (TNE) é uma alternativa geralmente utilizada diante da existência de alguma impossibilidade da alimentação via oral ou quando o aporte calórico via oral é insuficiente para manter as necessidades energéticas/ nutricionais de um indivíduo, sendo fundamental para manter um bom estado nutricional, diminuindo o risco de morbimortalidade [1].

O interesse pelo estado nutricional de pacientes hospitalizados tem aumentado, uma vez que são de conhecimento geral os efeitos da desnutrição sobre o aumento da morbidade e mortalidade desse grupo [2].

Dados encontrados na literatura revelam uma prevalência de 48,1% de desnutrição hospitalar como média referenciada dos hospitais brasileiros [3]. Segundo um Protocolo de terapia nutricional enteral e parenteral, mais de 50% dos pacientes internados desenvolve ou encontra-se em estado de desnutrição, o que pode ser corrigido ou evitado com a utilização da terapia nutricional adequada [4]. Diferentes estudos têm observado claramente que a ausência de administração da dieta enteral em quantidades corretas pode comprometer a cicatrização de ferimentos, diminuição da integridade intestinal e redução da resposta imunológica, fatores claramente associados ao prognóstico clínico de pacientes hospitalizados [5].

Na prática clínica, diferenças entre a quantidade prescrita e a administrada de dieta enteral têm sido demonstradas, o que contribui para que muitos pacientes não alcancem suas necessidades nutricionais (de calorias e nutrientes), mesmo utilizando a terapia nutricional enteral, o que pode interferir negativamente em seu estado nutricional [5,6].

Considerando a importância da TNE e do estado nutricional adequado para a recuperação clínica do paciente hospitalizado, o presente estudo buscou avaliar nas enfermarias de clínica médica e cirúrgica de um hospital público de Salvador/BA se o volume administrado de dieta enteral interfere na circunferência do braço do paciente hospitalizado.

 

Material e métodos

 

O presente estudo ocorreu entre setembro de 2013 e maio de 2014 e foi caracterizado como longitudinal, quantitativo, observacional e prospectivo, incluindo pacientes adultos e idosos de ambos os sexos internados nas enfermarias de clínica médica e cirúrgica de um hospital público da cidade de Salvador/BA.

Não foram incluídos nesse estudo pacientes com impossibilidade de aferição da medida antropométrica avaliada.

O projeto foi previamente submetido e aprovado pelo Comitê de Ética da Universidade do Estado da Bahia com número do Parecer: 218.433. Foi considerada como essencial a assinatura do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE) pelos pacientes ou responsáveis a fim de se iniciar a coleta de dados. Todos os pacientes ou responsáveis receberam uma cópia do termo, ficando a outra via com o pesquisador. O acompanhamento dos pacientes no estudo se iniciou no momento de introdução da terapia nutricional enteral ou admissão na enfermaria, e o término ocorreu no momento da suspensão da terapia nutricional enteral exclusiva, alta da enfermaria ou óbito do paciente. Portanto, o acompanhamento dos pacientes nesse estudo totalizou um mínimo de 3 dias e um máximo de 4 (quatro) semanas de acompanhamento para cada paciente, tempo suficiente para avaliar a administração da terapia nutricional e sua interferência na circunferência do braço.

As fórmulas enterais utilizadas no hospital da pesquisa são industrializadas, caracterizadas por sistema fechado ou aberto. O percentual de dieta administrada foi estabelecido por meio da relação entre o volume administrado e o volume prescrito pelos nutricionistas para os pacientes. O volume prescrito para cada paciente foi verificado no mapa diário de nutrição, assim como na etiqueta da bolsa de dieta enteral. Por sua vez, o volume da dieta administrada foi determinado por meio da verificação direta diária das bolsas de dieta instaladas para os pacientes. Foi considerado muito baixo volume de dieta enteral administrado inferior a 60% do prescrito, baixo volume entre 60% e 79% do volume prescrito, bom volume entre 80% e 100% do volume prescrito e excedente volume superior a 100% do prescrito.

A circunferência do braço (CB) foi aferida com fita inelástica padrão, desde a admissão e semanalmente, durante quatro semanas consecutivas. Para os valores de referência de CB foi adotado o critério estabelecido para adultos e para idosos [7,8]. Para os indivíduos adultos, os pontos de corte adotados classificam a CB como: deficiência de reserva de massa magra e tecido adiposo (abaixo do percentil 5), baixa reserva de massa magra e tecido adiposo (entre os percentis 5 e 25), boa reserva de massa magra e adiposa (percentil entre 25 e 75), ou com excesso de massa magra e tecido adiposo (acima do percentil 75). Para idosos, os pontos de corte adotados classificam a CB como: deficiência de reserva de massa magra e tecido adiposo (abaixo do percentil 10), baixa reserva de massa magra e tecido adiposo (entre os percentis 10 e 25), boa reserva de massa magra e tecido adiposo (percentil entre 25 e 75) e excesso de reserva de massa magra e tecido adiposo (percentil acima de 85).

A presente pesquisa se iniciou com um estudo piloto, com duração de 4 semanas subsequentes.

O banco de dados foi construído utilizando-se o programa Microsoft Office Excel versão 2007. Os dados foram analisados utilizando o Software SPSS 13.0 for Windows. Análise estatística descritiva foi utilizada em cada variável. Diferenças entre as médias de variáveis numéricas foram analisadas com o Teste Qui-quadrado, adotando-se o nível de significância de 5% (p < 0,05).

 

Resultados

 

O presente estudo abrangeu uma amostra de 51 pacientes em uso de terapia nutricional enteral (TNE). As características demográficas e clínicas da amostra encontram-se alistadas na Tabela I.

 

Tabela I - Características dos pacientes internados em uso de TNE exclusiva nas enfermarias de clínica médica e cirúrgica de um hospital público. Salvador/BA, 2014 (n = 51).

 

n = Número de pacientes; % = Frequência relativa dos pacientes.

 

De acordo com o cálculo de adequação entre o volume de dieta prescrita semanalmente para os pacientes e o volume de fato administrado a eles, foi possível observar que dos 51 (100%) pacientes que permaneceram na primeira semana parcial ou totalmente no estudo, a maioria (58,9%) recebeu menos de 80% do volume de dieta prescrito, 12 (23,5%) receberam entre 80 e 100% do volume prescrito e 9 (17,6%) receberam acima de 100% desse volume (Gráfico 1).

O mesmo padrão se observou na segunda semana, em que, dentre os 23 pacientes que permaneceram, 14 (60,8%) receberam menos de 80% do volume prescrito, ao passo que apenas 7 (30,4%) receberam entre 80 e 100% do volume prescrito e 2 (8,7%) acima de 100% do volume prescrito (Gráfico 1).

Com relação aos 18 (35,3%) pacientes que concluíram a terceira semana no estudo, observou-se que 5 (27,8%) receberam abaixo de 60% do volume de dieta prescrito, 6 (33,3%) receberam de 60% a 79,9% do volume de dieta prescrito, 4 (22,2%), entre 80 e 100% do volume prescrito e 3 (16,7%) acima de 100% do volume prescrito (Gráfico 1).

No grupo dos 13 (25,5%) pacientes que permaneceram até a quarta semana no estudo foi possível observar que 5 (38,5%) receberam abaixo de 60% do volume de dieta prescrito e 8 (61,5%) receberam de 60% a 79,9% do volume de dieta prescrito. Nenhum desses pacientes recebeu 80% ou mais do volume prescrito (Gráfico 1).

 

 

Gráfico 1 - Percentual de dieta administrado de acordo com as semanas de permanência no estudo. Salvador/BA, 2014 (N = 51).

 

Assim, em média, no decorrer do estudo, 29,9% dos pacientes receberam volume inferior a 60% do prescrito, 40,3% receberam entre 60 e 79% do volume prescrito, enquanto apenas 19% receberam entre 80 e 100% do volume prescrito e 10,8% dos pacientes recebeu volume superior a 100% do prescrito.

Quanto à circunferência do braço (CB), foi possível avaliar esse parâmetro antropométrico em 46 pacientes. Na admissão no estudo 27 (58,7%) pacientes (8 adultos e 19 idosos) apresentavam deficiência de reserva de massa magra e tecido adiposo; 7 (15,2%) pacientes (5 adultos e 2 idosos) apresentavam baixa reserva de massa magra e tecido adiposo, 11 (23,9%) apresentavam boa reserva de massa magra e tecido adiposo e apenas 1 (2,2%) desses pacientes (1 idoso) apresentou excesso de reserva de massa magra e tecido adiposo (Gráfico 2).

A evolução da CB foi acompanhada em 21 pacientes incluídos no projeto. Da introdução até a saída desses pacientes do estudo, foi possível observar que 10 (47,6%) pacientes tiveram regressão no estado nutricional, havendo perda de massa magra e adiposa indicando assim o comprometimento de reservas corporais no decorrer da internação; 9 (42,9%) pacientes evoluíram positivamente o estado nutricional, ganhando massa magra e adiposa e 2 (9,5%) pacientes mantiveram inalterada a classificação de CB (Gráfico 3).

 

Gráfico 2 - Classificação da medida da circunferência do braço de pacientes hospitalizados, no momento de admissão no estudo. Salvador/BA, 2014 (n = 46).

 

Gráfico 3 - Evolução da medida da circunferência do braço dos pacientes que permaneceram no estudo durante o período igual ou maior que uma semana. Salvador/BA, 2014 (n = 21).

 

Observou-se que dos 46 pacientes em que foi possível avaliar a CB, 9 que completaram as quatro semanas no estudo, sendo que 6 (66,6%) pacientes, sendo 2 adultos e 4 idosos, estavam com deficiência de massa magra e adiposa; 2 (22,2%) estavam com baixa reserva de massa magra e adiposa e apenas 1 (11,1%) paciente estava com boa reserva de massa magra e adiposa. Não foi possível avaliar a CB nos demais pacientes devido à impossibilidade de manipulação dos mesmos, geralmente devido ao estado clínico grave.

Observa-se nos gráficos Bloxspot (Figura 1) que em geral a perda e manutenção de CB estiveram associadas com menores percentuais de dieta enteral administrada. Entretanto, por conta da reduzida quantidade de pacientes que permaneceram em terapia nutricional enteral durante quatro semanas, não foi possível observar relação estatisticamente significante a partir do Coeficiente de Correlação de Pearson com o nível de significância de 5% (p < 0,05).

 

 

 

PercDietaSem = Percentual de dieta administrado na semana; EvolCB = Evolução da circunferência do braço.

Figura 1 - Gráficos em Bloxspot relacionando a administração de dieta semanal e a circunferência do braço do paciente (Semanas 1 a 4). Salvador/BA, 2014 (n = 21).

 

Discussão

 

Foi possível observar no presente estudo que mais da metade dos pacientes recebeu o volume de dieta enteral inferior ao prescrito, sendo que um percentual relevante recebeu volume considerado baixo, o que pode acarretar em piora do estado nutricional para o paciente em uso da TNE. Os dados evidenciaram também que mais da metade dos pacientes iniciou o estudo com depleção de massa muscular e tecido adiposo e um percentual considerável apresentou perda na medida de CB durante o estudo.

Resultados similares aos desse estudo foram encontrados por um acompanhamento realizado com 32 pacientes com idade superior a 20 anos, em uso de TNE exclusiva ou associada a alimentação via oral ou parenteral, concluindo que 71,9% dos pacientes eram desnutridos segundo o parâmetro da CB e que houve diferença significativa entre o volume de TNE prescrito e administrado ao paciente [9].

Outro estudo avaliou 46 pacientes, com idade igual ou superior a 18 anos, internados na Unidade de Terapia Intensiva e Clínica Médica. Neste estudo verificou-se que todos os pacientes tiveram uma ingestão de dieta inferior ao prescrito [10].

Assis et al. [5], em estudo realizado durante 30 dias em um hospital do Brasil, avaliando 85 pacientes adultos de uma unidade de terapia intensiva em TNE exclusiva, observou que cerca de 40% do volume de dieta enteral prescrito não foi administrado.

Nozaki & Peralta [11], que avaliaram 62 pacientes adultos em uso exclusivo de nutrição enteral e com idade maior ou igual a 18 anos, em dois hospitais brasileiros do Sistema Único de Saúde, detectaram diferenças significativas entre a oferta energética prescrita e a administrada em ambos os hospitais.

Por sua vez um estudo com 59 pacientes adultos de ambos os sexos em um hospital geral do Brasil detectou que o volume de dieta administrado ao paciente foi inferior ao prescrito em cerca de 20% (1,6 horários por dia) porém não houve diferença significativa entre eles (p > 0,05). Foi relatado nesse estudo que 54,2% dos pacientes possuíam classificação de baixo peso segundo o IMC (índice de massa corpórea) e a circunferência muscular do braço juntamente com a prega cutânea tricipital indicou baixa reserva muscular [12].

Em outro estudo realizado durante 53 dias com 33 pacientes em TNE exclusiva, com idade entre 18 e 85 anos de ambos os sexos, em uma Unidade de Terapia Intensiva, teve-se como resultado que o volume administrado não alcançou o total planejado. O estudo também encontrou como resultado que o principal diagnóstico de internamento foram doenças cardiovasculares, como encontrado no presente estudo realizado [13].

Em um hospital público em Porto Alegre, um estudo realizado por Couto et al. [14] com pacientes de ambos os sexos, de idade entre 18 e 78 anos, objetivando avaliar a oferta energética de pacientes politraumatizados sob ventilação mecânica, teve como resultado que apenas 26,7% receberam no mínimo 80% de suas necessidades energéticas, sendo assim, os pacientes incluídos nesse estudo não receberam o aporte energético prescrito, ampliando a possibilidade de agravos a seu estado nutricional, chegando à desnutrição.

Um estudo realizado com 36 pacientes adultos e de ambos os gêneros, em uma Unidade de Terapia Intensiva com terapia nutricional enteral exclusiva por no mínimo 72h concluiu que grande parte dos pacientes se encontrava em estado nutricional de eutrofia ou sobrepeso segundo o Índice de Massa Corporal. Tal estudo concluiu que pacientes em estado crítico receberam volume de dieta enteral menor do que o prescrito [15].

No estudo realizado por Oliveira et al. [16] em um hospital universitário em São Paulo 63 pacientes adultos de ambos os sexos, para investigar se a adequada oferta de energia influencia no índice de mortalidade em UTI, obteve como resultado que o volume prescrito foi administrado acima de 90% em 47,6% dos casos.

Outro estudo realizado em uma Unidade de Terapia Intensiva, com pacientes de idade superior a 18 anos, de sexo feminino e masculino, teve como resultado que o percentual de volume administrado de nutrição enteral foi correspondente em média a 81,6% do prescrito [17].

Em São Paulo, foi realizado um estudo na enfermaria e UTI em hospital geral com o objetivo de observar a frequência de inadequação entre o volume prescrito e administrado por 152 pacientes em uso exclusivo de TNE. Foi possível observar que cerca de 20% dos pacientes estudados apresentaram inadequação entre o volume prescrito e administrado [18].

Um estudo realizado e um hospital geral universitário com 51 pacientes criticamente doentes em uso de nutrição enteral ou/e parenteral teve como conclusão que 71% do volume prescrito de dieta por via entérica foi recebido pelos pacientes incluídos na pesquisa [19].

Sendo assim, os estudos citados foram concordantes quanto à nutrição enteral não ser plenamente administrada segundo a prescrição do nutricionista, podendo acarretar em déficit nutricional para o paciente hospitalizado, muitas vezes já portador de doenças catabólicas que interferem negativamente em seu estado nutricional [5,6].

Na cidade de Salvador um estudo realizado por Rezende et al. [20] verificou diferença estatisticamente significante entre o tempo de internamento dos pacientes que eram desnutridos e dos que não possuíam desnutrição, sendo o tempo de permanência hospitalar inferior em pacientes considerados portadores de bom estado nutricional.

Não foram encontrados estudos brasileiros na literatura que realizassem o acompanhamento da administração de dieta enteral e sua comparação com a circunferência do braço do paciente hospitalizado. Acredita-se que este fato ocorra devido à maioria dos estudos serem realizados em unidades de terapia intensiva, o que dificulta a aferição de medidas antropométricas.

Durante o tempo de permanência dos pacientes no estudo, não foi possível observar piora relevante nos parâmetros de CB, o que provavelmente pode ser explicado pelo fato de a maioria dos pacientes já ter iniciado a TNE com grande depleção de tecido corporal avaliado por esse parâmetro, não havendo espaço para piora do seu estado. Cabe salientar, portanto, que a terapia nutricional enteral precisa ser introduzida antes do paciente se encontrar com perda de tecido adiposo e massa muscular, o que de fato favoreceria melhora ou manutenção do estado nutricional adequado. Porém foi observado nesse estudo que a introdução da terapia no hospital foi realizada muitas vezes tardiamente; consequentemente muitos dos pacientes já se encontravam com depleção de tecido adiposo e massa muscular no momento da admissão no estudo.

Vale ressaltar ainda que o projeto atual foi realizado em enfermarias clínicas, diferente da maioria dos estudos encontrados na literatura que geralmente foram realizados em unidades de terapia intensiva. Isso se deve ao maior monitoramento que existe nas unidades de terapia intensiva e as dificuldades encontradas em realizar esse trabalho em enfermarias devido à frequente ausência de controle diário com relação à administração de dieta.

Foi possível constatar esse fato durante a realização desse estudo, onde diversas intercorrências limitaram a coleta de dados dentro do tempo e forma planejados. Dentre os fatos que constituíram limitações, pode-se alistar a falta de equipos no hospital durante algumas semanas, o que impossibilitou o recebimento de dietas pelos pacientes ou dificultaram a aferição dos respectivos volumes, assim como alguns imprevistos que dificultaram acesso dos coletadores ao hospital durante um curto período. Diante de todos os fatores supramencionados, o presente estudo apresenta-se como inovador e de grande relevância para a literatura científica atual.

 

Conclusão

 

A maioria dos pacientes avaliados nesse estudo recebeu volume de dieta enteral menor do que o prescrito pelo profissional responsável, sendo que grande parte deles recebeu um percentual considerado muito baixo em relação ao volume prescrito. Foi possível observar também que muitos pacientes iniciaram o estudo com a circunferência do braço indicando baixa reserva de tecido adiposo e muscular e um percentual considerável teve redução de medidas durante o período em que permaneceu na pesquisa. Os resultados sugerem a necessidade de buscar soluções práticas a fim de evitar a ausência de administração do volume adequado de dieta enteral, possibilitando assim a manutenção ou recuperação do estado nutricional do paciente hospitalizado.

 

Agradecimentos

 

Aos nutricionistas e demais profissionais do Hospital Geral Roberto Santos pelo auxílio no fornecimento de informações relevantes; aos estudantes de Nutrição da Universidade do Estado da Bahia que auxiliaram na coleta de dados; ao PIBIC/FAPESB pelo incentivo estudantil à iniciação científica.

 

Referências

 

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