REVISÃO

Efeitos da perda de peso e desidratação no desempenho de atletas de artes marciais

Effects of weight loss and dehydration on performance of martial arts athletes

 

Angélica Valenti do Nascimento*, Roberto Fernandes da Costa, D.Sc.**

 

*Nutricionista pela Unisinos e Pós-Graduada em Nutrição Clínica pelo IPGS, **Pós-doutorando em Educação Física pelo Programa de Pós-Graduação Associado em Educação Física – UEM/UEL

 

Recebido 10 de fevereiro de 2015; aceito 15 de março de 2017.

Endereço para correspondência: Angélica Valenti do Nascimento: angelicavalenti@yahoo.com.br; Roberto Fernandes da Costa: roberto@robertocosta.com.br

 

Resumo

Ao elucidar a prática das artes marciais, inseridas no contexto esportivo, privilegia-se a concepção dos elementos fisiológicos que sofrem interferência durante um quadro de desidratação em uma competição ou treinamento, alterando de forma significativa a qualidade da atividade desempenhada. A presente revisão da literatura tem o objetivo de descrever as implicações decorrentes da desidratação, forçosamente promovida para se atingir a imediata perda de peso, em artes marciais. Assim, pontuam-se para alguns valores desejáveis, justificando a centralidade dos pressupostos eleitos na tríade: nutrição, desidratação e esforço físico. Nesse sentido, compreende-se que há um antagonismo presente entre a importância da atividade físico-esportiva e a exigibilidade de regras que oferecem riscos à saúde do corpo e da mente do atleta.

Palavras-chave: desidratação, hidratação, exercício, estresse térmico, desempenho desportivo, perda de peso, Judô e Muay Thai.

 

Abstract

The study of martial arts, within the context of sports. privileges the conception of physiological elements that suffer interference during an episode of dehydration in competition or training, significantly altering the quality of the activity being performed. This review describes the consequences of induced dehydration as a means to achieve rapid weight loss in martial arts. Thus, some desirable rates are pointed out, accounting for the central role of the presuppositions chosen in the triad “nutrition, dehydration, and physical effort.” In this sense, antagonism is found between the importance of physical activity and sports and the enforceability of rules that represent potential risks to the athlete’s physical and mental health.

Key-words: dehydration, hydration, exercise, heat stress, sports achievement weight loss, Judo and Muay Thai.

 

Introdução

 

O cenário das lutas tem tomado importante espaço midiático, despertando o interesse de muitas pessoas pela prática das mais diversas artes marciais, principalmente ligadas ao MMA. No entanto, tornar-se atleta profissional é uma tarefa difícil que exige muita determinação e força de vontade, além do talento específico para a modalidade. No período pré-competição, principalmente nas últimas semanas, é comum que os atletas realizem grande restrição liquida com objetivo de redução de peso, a chamada desidratação. Apesar da dificuldade de estudos referentes ao MMA, apresenta-se essa revisão centrada em duas modalidades de lutas nas quais esta prática é recorrente, o Muay Thai e o Judô.

O Muay Thai é uma arte marcial de autodefesa praticada por ambos os sexos e diversas faixas etárias, na qual nenhuma parte do corpo permanece inativa durante a luta; força física e o intelecto são qualidades que cada lutador possui [1].

O Judô é um esporte que proporciona elevada demanda metabólica do atleta tanto no treinamento quanto em competições. O treinamento diário pode chegar a seis horas, provocando perda hídrica superior a 4 litros, o que torna o consumo de líquidos fundamental para que o atleta suporte toda a carga de treinamento, evitando assim um quadro de desidratação [2].

Estas modalidades esportivas vêm ganhando lugar de destaque e, no Brasil, sua notoriedade tem alcançado o público infantil e infanto-juvenil. Como contemplam um caráter competitivo, tais práticas requerem, além da preparação tática e psicológica, um rigoroso esforço físico, envolvendo capacidades aeróbica e anaeróbica. Ademais, consagram regras que regimentam os atletas em padrões de peso para tornar equânime a força competitiva [2].

A temperatura normal de um organismo humano saudável gira em torno de 36°C a 37,5°C, na qual reside a preservação das funções metabólicas. Com a estimulação das glândulas sudoríparas para a produção de suor, a homeostase térmica é obtida pela vasodilatação, relacionada ao calor do ambiente. A demanda hídrica diária ideal para que haja homeostase corporal fica em torno de 33 ml/kg de peso corporal, em condição térmica neutra e sem a interferência de atividade física [3].

Nessa perspectiva, muitos atletas veem-se compelidos a ganhar ou perder peso para se enquadrarem na categoria na fase da disputa. Há relatos de que as elevadas perdas de peso ocorridas em dias que precedem as competições, gravitam em torno de 10 kg, o que é possível graças à perda de água, glicogênio muscular e, em menor proporção, gordura e massa muscular. O célere caminho para atingir o peso desejado é o desidratar; todavia, tais manobras oferecem riscos à saúde, desde a perda agressiva de peso como a consequência de chegar à morte [4].

Outro dado relevante utilizado para a perda de peso pela desidratação é o aumento da temperatura corporal, como mecanismo que promove, acentuadamente, a sudorese. O suor por si só não libera calor, precisa ser evaporado para provocar esfriamento; se for seco antes de vaporizar, dificulta-se este mecanismo de perda [5].

A nutrição adequada é essencial para o bom desempenho durante qualquer exercício físico. Há vários estudos que relatam a influência da forma que os atletas se alimentam afetando sua saúde, peso e composição corporal, substrato disponível durante o exercício físico, tempo de recuperação pós-exercício, prevenção de lesões, e, consequentemente, o desempenho durante a realização do mesmo [6].

A hidratação tem sido estudada na nutrição esportiva como delimitador do desempenho desportivo. Quando o atleta compete hidratado, pode desenvolver melhor sua capacidade técnica, já um suporte hídrico inadequado pode afetar negativamente a performance desse atleta [2].

A hidratação está intimamente ligada aos esportes de combate, categorizados por peso, como ocorre no Muay Thai, no qual diversos lutadores, na tentativa de reduzir em sua categoria de peso, apelam para algumas técnicas de desidratação aguda por meio do consumo de diuréticos, longos períodos de jejum, horas dentro de saunas, ou ainda forçam sua sudorese treinando exaustivamente com roupas impermeáveis e sem a ingestão de líquidos [7].

São vários os elementos fisiológicos que sofrem interferência durante um quadro de desidratação em uma competição ou treinamento, alterando de forma significativa a qualidade da atividade desempenhada. Dentre as alterações podemos citar: mudanças no balanço osmótico produzindo modificações no equilíbrio dos íons entre o meio intra e extracelular, que por sua vez afetam a capacidade de transmissão nervosa ou contração muscular, facilitando então o aparecimento de cãibras e redução na qualidade de execução dos movimentos. Além disso, há modificações cardiovasculares e no controle da temperatura corporal. Todos esses fatores agindo, além de prejudicarem a performance do atleta poderão colocar em risco a integridade do mesmo quando a perda hídrica for entre 9 e 12% [3,8].

Para evitar o surgimento dos efeitos antagônicos da desidratação sobre o desempenho esportivo, o American College of Sports Medicine [9] tem recomendado a ingestão de líquidos em quantidades suficientes para a reposição hídrica pela sudorese, que deve ser ingerida antes, durante e após o exercício das seguintes formas:

 

 

Além das recomendações do American College of Sports Medicine, Maughan [10], Brouns [11] e Meyer [12] sugerem que para manter-se hidratado os atletas deverão ingerir 0,5 l/hora a 2 l/hora de líquidos, a fim de compensar a perda de peso obtida nos treinos, ou seja, isso requer a ingestão frequente de 250 ml de água fria entre 5 e 15 minutos durante o exercício. Ainda ressaltam que os atletas não devem esperar o aparecimento da sede para ingerirem líquidos, pois ao sinal de aparecimento da sede o atleta já perdeu uma quantidade muito significativa de líquidos corporais através do suor.

De acordo com Maughan [10], após o treino, deve haver a pesagem e a reposição hídrica, ou seja, o atleta deverá ingerir três copos de água para cada quilograma perdido durante o treino, visando assim, a reposição hídrica adequada.

Como já citado, o estado de desidratação é fator determinante para a prática de exercício físico. Desta forma, o conhecimento do estado de hidratação do indivíduo antes, durante e após o exercício torna-se fundamental para sua pratica constante com segurança [13].

Diante disso, o objetivo da presente revisão foi demonstrar a importância da hidratação em atletas praticantes de lutas de artes marciais e como seu desempenho pode ser afetado pela desidratação.

 

Metodologia

 

Realizou-se uma revisão da literatura sobre o desempenho afetado devido à perda de peso e desidratação dos lutadores de Judô e Muay Thai.

A busca retrospectiva se limitou aos artigos científicos indexados originais, como estudos clínicos randomizados e não randomizados, transversais, prospectivos, de coorte, de base populacional, nas línguas inglesa, espanhola e portuguesa, que foram publicados a partir de 1973 e até 2011, envolvendo apenas seres humanos.

O levantamento bibliográfico foi realizado por meio de consulta às bases de dados eletrônicas: Scielo, PubMed e Lilacs. Utilizou-se a combinação das seguintes palavras-chaves: lutadores, artes marciais, desidratação, figthers, martial arts e dehydration.

 

Referencial teórico

 

As lutas como Muay Thai são uma forma de combate que usa o corpo como arma de defesa durante o combate, podendo o lutador chutar, socar, agarrar e dar cabeçadas. Utiliza-se golpes com os punhos, joelhos, pernas e pés também são conhecidos como luta das oito armas. Os lutadores usam apenas calção, bandagem para proteger as mãos e firmar o punho, protetor bucal protegendo o impacto nos dentes e cérebro, e coquilha para proteção dos órgãos genitais [1].

A luta é desenvolvida em três ou em cinco rounds de três minutos com intervalos de um ou dois minutos de acordo com as regras do torneio ou campeonato em questão.

No judô, usa-se kimono chamado judogui e é composto por três peças: Um casaco, de nome wagui, uma calça, de nome shitabaki, e uma faixa, de nome obi. Vestimenta essa, que dificulta a termorregulação.

A luta acontece em uma plataforma, o tatame, com o objetivo de alcançar um ponto por meio de um dos seguintes golpes: derrubar o adversário, obrigando-o a colocar os ombros no chão; imobilizá-lo por trinta segundos; e chave-de-braço.

Em qualquer esporte competitivo a preparação física se torna imprescindível para o bom rendimento e desempenho do atleta. O treinamento físico na arte marcial é de extrema importância, pois influenciará na força, flexibilidade, explosão, velocidade e resistência desses atletas e está diretamente ligada ao desenvolvimento tático e técnico. Para ajudar ainda mais é preciso coordenação, ritmo, tempo e equilíbrio, contribuindo assim para o sucesso total na luta. Por isso há sempre um aquecimento com socos, chutes, cotovelos e a combinação técnica de todos eles para então prosseguir com a execução dos treinos [14].

Durante os treinos há uma grande perda de líquidos corporais, devido a sudorese produzida para manter o equilíbrio térmico corporal. Esse fenômeno frequentemente causa desidratação, podendo acarretar desconforto físico ou até mesmo em casos mais graves, uma condição de risco de morte [15].

O suor é uma ação orgânica que visa a reduzir a temperatura corporal, principalmente quando o ambiente apresenta uma condição térmica superior à temperatura corporal. Neste caso a produção de suor será estimulada para que haja o controle da temperatura interna [15].

Dentre os elementos que constituem o suor, a água é o mais presente, cerca de 99% [16]. A água é a principal transportadora de nutrientes, metabólitos e hormônios para os tecidos; além de ser o elemento principal da maioria das células, é agente ionizante, controlando a distribuição de elétrons no interior das células e em todo o organismo [17].

A demanda hídrica diária ideal para que haja homeostase corporal fica em torno de 33 ml/kg de peso corporal, em condição térmica neutra e sem a interferência de atividade física [3].

O processo de desidratação é decorrente da formação de um déficit hídrico. Durante o exercício a desidratação está relacionada principalmente com a sudorese e a ingestão inadequada de líquidos [18]. Porém também é comum entre lutadores observar-se um quadro de desidratação decorrente da tentativa de reduzir de categoria de peso, prática muito realizada em competições. Os atletas realizam estratégias agudas de desidratação como longos períodos de jejum, saunas, vestimentas impermeáveis para o aumento da sudorese e sempre coadjuvadas a uma restrição de ingestão de líquidos, com o objetivo de perda rápida de peso corporal.

Além disso, alguns estudos têm mostrado que os métodos utilizados pelos atletas para reduzir o peso são, em sua maior parte, potencialmente perigosos à saúde, além de prejudiciais ao desempenho. Dentre os procedimentos mais utilizados estão: restrição alimentar severa; realização de exercícios intensos; desidratação alcançada pela restrição da ingestão de líquidos, pelo uso de saunas e pelo treinamento em ambientes quentes, muitas vezes com uso de roupas de plástico e borracha. Alguns relatos apontam que até indução de vômitos e ingestão de laxativos e diuréticos são adotados na tentativa de adequar-se ao peso da categoria segundo Steen e Brownell [19].

De acordo com Kiningham e Gorenflo [20], 72% dos atletas usam, pelo menos, um método potencialmente danoso à saúde para reduzir o peso; 52% usam pelo menos dois métodos perigosos, e 12% usam pelo menos cinco métodos perigosos a cada semana. Segundo os autores, há ainda evidências de que esses atletas passam por episódios de compulsão alimentar e apresentam traços de distúrbios alimentares, o que tende a piorar conforme aumenta o nível competitivo do atleta.

A condição de desidratação, uma vez instalada, interfere diretamente na capacidade de performance e rendimento do atleta. Tendo isso como base Moreira [21] recomenda que antes e depois do treinamento, realize-se a pesagem do atleta visando a determinar o grau de perda hídrica sofrida durante o treinamento, bem como sua recuperação.

Burke [22] propõe a necessidade de ingestão de 150% da perda de peso corporal ocorrida durante o exercício, visando a conseguir uma total reposição hídrica após treinamento ou competição. Os lutadores praticam essas técnicas de redução de peso acreditando que as suas chances de sucesso nas competições aumentarão. Ironicamente, essa redução rápida de peso pode prejudicar o desempenho e colocar em risco a saúde do atleta. A redução de peso em lutadores pode ser atribuída a reduções da quantidade de água corporal, do glicogênio, da massa magra e apenas uma pequena quantidade de gordura. A combinação de restrição alimentar e privação de fluidos cria um efeito fisiológico adverso e sinérgico no organismo do lutador, enfraquecendo-o para a competição. Além disso, a maior parte das formas de desidratação, como o suor exagerado e o uso de catárticos, contribui para a perda de eletrólitos mais água. Os lutadores esperam repor os fluidos corporais, eletrólitos e glicogênio durante o breve período (30 min à 20 h) entre a pesagem e a competição. Entretanto, o restabelecimento da homeostase hídrica pode levar de 24 às 48 h; a restauração das reservas de glicogênio muscular pode levar até 72h e, programas que tornam necessário avaliar a composição corporal e incluem uma educação nutricional.

Com base nos estudos descritos, foi verificada a importância da hidratação desses atletas tanto no pré-treino quando no pós-treino. Porém sabe-se da necessidade de mais estudos nesta área, que embasem as quantidades adequadas em caso de treinos com duração igual, inferior e superior a 60 minutos.

 

Termorregulação

 

Dentre os mecanismos termorregulatórios, o mais eficaz durante a prática de exercícios é a evaporação do suor. Portanto, não basta suar, sendo necessária a evaporação do suor para que o calor seja liberado pelo organismo, algo influenciado pela umidade relativa do ar ambiente. Ou seja, o aumento da umidade relativa do ar diminui a taxa de evaporação do suor, possibilitando, consequentemente, menor liberação do calor corporal. Os demais mecanismos, que são a condução, a irradiação e a convecção, têm importância menor durante a prática de exercícios, principalmente os mais intensos e prolongados. Na medida em que ocorre a elevação da temperatura externa, esses três mecanismos se tornam ainda menos efetivos [23].

O fluxo sanguíneo que banha as células do hipotálamo anterior permite ao organismo humano a constatação da temperatura sanguínea ou central do organismo. Diante do aumento de temperatura central, desencadeia-se uma resposta eferente mediada por receptores adrenérgicos nos vasos sanguíneos, ocorrendo vasodilatação periférica e, consequentemente, desvio de sangue para a pele. Concomitantemente, ocorre estímulo dos receptores colinérgicos nas glândulas sudoríparas, as quais aumentam a taxa de produção do suor. Portanto, o aumento da temperatura central desencadeia o mecanismo de termorregulação, que culmina com a formação e evaporação do suor. Os mecanismos da termorregulação e da manutenção da homeostasia cardiocirculatória podem se tornar conflitantes, principalmente se houver desidratação com diminuição do volume plasmático circulante, quando o organismo privilegia a manutenção do volume plasmático, em detrimento da termorregulação, ocorrendo, então, diminuição da vasodilatação periférica e da produção de suor. Com o aumento da temperatura central, a consequência é a gradativa diminuição do desempenho físico, que pode culminar com colapso, exaustão e insolação, ocasionando até mesmo o óbito [23].

 

Importância da hidratação

 

A saúde e o funcionamento do nosso corpo dependem da quantidade de água que ingerimos, por isso é importante beber bastante água. A água corporal é o maior e mais simples componente do organismo; o percentual varia entre indivíduos, de acordo com idade, sexo, massa muscular e tecido adiposo (armazenamento de gordura). A água corporal diminui com a idade e é maior em atletas [13].

 

Necessidade de água

 

A quantidade de água perdida nas 24 horas deve ser reposta ao longo do dia para manter a saúde e o funcionamento do organismo. O adulto necessita em média de 1 ml de água/kcal/dia ou 35 ml/kg. Para os atletas, a necessidade de água deve ser calculada de forma individualizada. Assim, a hidratação correta no esporte é aquela que fornece reposição hídrica antes, durante e depois dos exercícios físicos em quantidades adequadas. De acordo com o American College of Sports Medicine [13], a quantidade de líquidos recomendada durante e após um exercício físico são: 500 ml de líquidos nas duas horas que antecedem um exercício; ingerir líquidos em intervalos regulares, durante o exercício, com o objetivo de repor toda a água perdida por meio do suor.

 

Benefícios da água

 

A água é de fundamental importância para a vida de todas as espécies. Aproximadamente 80% de nosso organismo é composto por água. A ingestão de água tratada é um dos mais importantes fatores para a conservação da saúde, é considerado o solvente universal, auxilia na prevenção das doenças e proteção do organismo contra o envelhecimento [23].

A água transporta nutrientes pelo organismo e os produtos resultantes do metabolismo; é um importante lubrificante nas articulações; regula a temperatura do nosso corpo; é essencial para todos os processos fisiológicos de digestão, absorção e excreção [24].

O consumo adequado de líquidos em intervalos regulares durante o exercício facilmente evita a desidratação. Todos os atletas conseguem se educar para aumentar a ingestão de líquidos e aprender com a experiência quanto de líquido precisam em diferentes circunstâncias de exercício e meio ambiente. Atletas que suam muito (> 2 litros/hora) talvez não consigam ingerir líquidos suficientes para permanecerem totalmente hidratados. Entretanto, todos os atletas conseguem aprender a aumentar a ingestão de líquidos, e procedimentos deveriam ser implementados para garantir que isto seja feito [25].

O balanço hídrico, homeostase de eletrólitos, função cardiovascular e controle termorregulatório estão intimamente ligados e cada um deles tem grande impacto na saúde e desempenho. Por esse motivo, é importante que técnicos, treinadores, preparadores físico, cientistas do exercício e médicos especializados em medicina esportiva entendam os princípios dos mecanismos fisiológicos que permitam que o organismo humano gerencie o estresse imposto pelo exercício [23].

 

Riscos da desidratação

 

O processo de desidratação é um dos fatores que aumentam os níveis de estresse causados pelo exercício, pois eleva a temperatura do corpo, torna as respostas fisiológicas menos expressivas, prejudica o desempenho físico e deixa o organismo mais suscetível a doenças [26].

O mecanismo de elevação da temperatura corporal pode ser verificado a partir de uma perda de 1% a 2% de líquido. Com uma perda em torno de 3% já se verifica uma redução no desempenho; entre 4% a 6%, ocorre fadiga; valores acima de 6%, o indivíduo está correndo o risco de sofrer um choque térmico, podendo ser levado á morte [26].

 

Reidratação

 

A reidratação é parte vital do processo de recuperação pós-exercício. A recomendação usual para garantir a reposição adequada de fluídos após o exercício é repor o kg de massa corporal perdido durante o exercício com 1 litro de fluído. Atualmente, indícios demonstram a necessidade de pelo menos ingerir 50% mais do que o volume de perda pela transpiração para alcançar a reidratação. [27]. O ponto fundamental para a reidratação rápida e completa é a oferta de eletrólitos suficientes na bebida de reidratação para agir como estímulo osmótico para restaurar e manter o volume de fluidos extracelular, incluindo a volemia. E isso depende da ingestão tanto de fluido quanto de eletrólitos que foram perdidos no suor.

 

Discussão

 

A maioria dos competidores de judô reduz seu peso corporal dias antes das competições, com o intuito de se enquadrar em categorias mais leves do que as correspondentes ao seu peso habitual [28], ao adotarem tal estratégia, os atletas acreditam obter vantagens competitivas uma vez que, teoricamente, irão enfrentar adversários mais leves e fracos [29]. O mesmo tipo de comportamento também é usado com atletas de outras modalidades cujas divisões também são feitas por categorias de peso, como no caso do Muay Thai.

O estado de hidratação é um determinante crítico da capacidade fisiológica para o atleta treinar, competir e se recuperar com sucesso. Mesmo a desidratação leve (ex., perda de 1-2% no peso corporal) tem efeito negativo na função fisiológica e no desempenho. Um atleta que deixa de repor os fluidos corporais perdidos através da sudorese vivencia muitas mudanças funcionais adversas, incluindo aumento da frequência cardíaca e da osmolalidade plasmática durante o exercício, diminuição da circulação sanguínea na pele e aumento da temperatura central. Conforme a desidratação aumenta, maior o impacto negativo no desempenho [25].

Lamb e Shehata [30] relatam que a hidratação adequada também é uma variável nutricional associada ao desempenho físico e durante o exercício ocorre perda de água através do suor, que pode ocasionar desidratação caso não haja ingestão de líquidos durante a atividade física, podendo comprometer o desempenho, reduzindo a força muscular, aumentando o risco de cãibras e hipertermia.

Foi demonstrado que a redução da massa corporal de 1,9% diminui o desempenho da marcha e o consumo máximo de oxigênio, respectivamente, em 22% e 10%, enquanto redução de 4,3% da massa corporal diminui os mesmos parâmetros, respectivamente, em 48% e 22% [31].

A desidratação que reduz em 1% a massa corporal compromete a termorregulação entre 3% e 5%, causando aumento da FC e da temperatura retal e diminuindo o débito cardíaco, enquanto a desidratação que reduz a massa corporal em 7% em geral causa o colapso durante o exercício [32].

Contudo, a condição ambiental deve ser sempre considerada, pois atletas que apresentam o mesmo nível de perda porcentual de massa corporal mantêm melhor desempenho em ambientes frios ou amenos (20-21°C) em relação ao clima quente (31-32°C) [33]. Guerra, Alves, Biesek [34] também comentam que as condições ambientais que os indivíduos exercitam-se também pode facilitar a desidratação.

De acordo com Machado-Moreira et al. [24] a perda hídrica induzida pelo exercício físico pode levar a desidratação, alterando o equilíbrio eletrolítico, dificultando a termorregulação e, assim, representando um risco para a saúde e/ou provocando diminuição do desempenho esportivo.

Existem importantes evidências de que a perda de peso prejudique a produção de força, como as obtidas por Roemich e Sinning [35]. Esses autores observaram uma diminuição significativa na força isocinética de braços da pré-temporada para o meio da temporada. Além disso, todas as medidas de força isocinética aumentaram do meio da temporada para o período após o fim da temporada. Em outras palavras, as medidas de força foram menores durante a temporada em relação ao período de férias, quando os lutadores não competem, e consequentemente, não precisam reduzir o peso.

Conforme demonstraram Ribsil e Herbert [36], o desempenho de endurance é significativamente reduzido após 5% de redução do peso, mas após cinco horas de recuperação retorna aos valores basais. Esses dados demonstram que, caso os atletas tenham a chance de alimentar-se e de reidratar-se antes do início da competição, é provável que o desempenho aeróbio não seja negativamente influenciado.

Enquanto o tempo de recuperação após a pesagem for superior a três horas, o desempenho tende a retornar aos valores basais, especialmente se os atletas consumirem elevadas quantidades de carboidrato durante esse período [28,37]. A reunião desses fatores, provavelmente, reforça as vantagens de reduzir o peso antes das competições, já que conseguem recuperar até a hora da primeira luta [29]. Todavia, é bem provável que o efeito negativo da perda rápida de peso será acentuado se reduzir o intervalo entre pesagem e início dos combates para uma hora, desta forma, os atletas poderão sentir os aspectos negativos dessa perda rápida de peso no seu desempenho [28].

Zambraski (1976) citado por Artioli [28] mostrou que os lutadores de luta olímpica iniciam a competição em estado desidratado, mesmo tendo um período de recuperação após a pesagem. Segundo Fabrini et al. [29], mesmo com um período de 24 horas não foi suficiente para completar a reidratação após uma redução de 6% da massa corporal em judocas e lutadores.

Atletas submetidos a dietas hipocalóricas apresentam aumento do estado de confusão, depressão, raiva, fadiga mental, tensão, depressão e sentimento de isolamento, com diminuição concomitante do vigor e da auto-estima [19,37]. Muitos atletas também relatam vontade descontrolada de comer após a competição ou fora da temporada de luta [19].

De acordo com os dados de Choma et al. [39], a redução rápida de peso (média de 6,2% do peso corporal) prejudica a memória de curta duração e propicia um estado mental mais negativo quando os atletas são comparados com jovens da mesma idade que não praticam perda de peso. Após 72 horas de recuperação, essas variáveis retornam ao estado normal. Esses dados sugerem que atletas em idade escolar e universitária possam ter seu desempenho em aula prejudicado pela perda de peso.

No estudo de Filaire et al. [37], onze judocas foram avaliados em um período de manutenção do peso corporal e após sete dias de restrição alimentar, a qual resultou em redução de 4,9 ± 1,2 kg (aproximadamente 6,5 ± 1,6% do peso corporal). Essa redução aumentou os estados de confusão, raiva, fadiga e tensão e diminuiu o vigor. É importante ressaltar que antes da perda de peso os atletas apresentavam o perfil de “iceberg”, o qual tem sido reportado como favorável para atividades competitivas, especialmente as de luta, mas a diminuição do peso mudou drasticamente esse perfil, o que pode indicar um prejuízo para as situações de competição.

American College of Sports Medicine [12] anuncia que o restabelecimento da homeostase hidroeletrolítica leva de 22 a 48 horas; a reposição do glicogênio muscular pode levar até 72 horas; e a recuperação da massa magra pode levar ainda mais tempo. O estudo de Zambraski et al. [40] mostrou que lutadores de luta olímpica iniciam a competição em estado de desidratação, mesmo tendo o período de recuperação após a pesagem. Costill e Sparks [41], mostraram ainda que quatro horas de reidratação não são suficientes para retornar os valores de volume plasmático e osmolaridade sanguínea ao normal, após perda de peso de 4%. Uma possível explicação para o fato da maioria dos atletas conseguirem recuperar o desempenho após aproximadamente cinco horas de ingestão de alimentos e líquidos é o elevado estado de treinamento dos mesmos. Segundo alguns autores como McCargar e Crawford [42] e Horswill [38], a manutenção do desempenho, mesmo com redução do peso corporal, pode ser devido a um possível efeito do treinamento.

 

Conclusão

 

Com base nos estudos revisados, muitos atletas tomam atitudes de forma drástica em busca de resultados rápidos provocando uma série de distúrbios e prejudicando seu desempenho ao longo da vida.

A maioria dos atletas não tem nenhum tipo de orientação de maneira correta para se hidratarem e também para se alimentarem e nunca tiveram orientações sobre a forma correta de perda de peso.

É necessário que medidas que dificultem a perda rápida de peso sejam colocadas em prática para inibir os competidores a utilizar métodos perigosos de perda de peso. Exemplos de medidas simples que as confederações, federações e demais entidades reguladoras do esporte poderiam adotar são: 1) realizar a pesagem imediatamente antes do início das lutas; 2) realizar programas de educação e conscientização para os problemas relacionados à perda rápida de peso; 3) realizar exames simples que indiquem o estado de hidratação dos atletas, como bioimpedância ou osmolaridade da urina, o que pode ser conduzido na forma de sorteio, com punições aos atletas que estejam excessivamente desidratados, seguindo os moldes de como ocorrem os exames antidoping. Medidas dessa natureza já foram implementadas em alguns países como por exemplo os Estados Unidos que gerou resultados bastante positivos.

Segundo as Diretrizes da Sociedade Brasileira de Medicina Esportiva, para indivíduos que praticam exercícios de natureza não competitiva, uma dieta balanceada conforme a recomendação para a população em geral é o suficiente para manutenção da saúde e possibilita um bom desempenho físico.

 

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