REVISÃO
Linhaça
e azeite de oliva extra-virgem: composição nutricional
e efeitos na colite ulcerativa
Flaxseed and extra-virgin olive oil: nutritional composition and effects
on ulcerative colitis
Roberto de Paula do
Nascimento*, Beatriz Julião Vieira Aarestrup, D.Sc.**
*Nutricionista,
Universidade Federal de Juiz de Fora, Instituto de Ciências Biológicas,
Departamento de Nutrição, **Professor da Universidade Federal de Juiz de Fora/MG
Recebido 7 de junho de 2016; aceito 15 de maio de 2017.
Endereço
para correspondência:
Roberto de Paula do Nascimento, Universidade Federal de Juiz de Fora, Instituto
de Ciências Biológicas, Departamento de Nutrição. Rua José Lourenço Kelmer, s/n
Campus Universitário São Pedro 36036-900 Juiz de Fora MG, E-mail:
roberto_beto1@hotmail.com; Beatriz Julião Vieira Aarestrup: beatrizaarestrup@gmail.com
Resumo
A linhaça é um grão
oleaginoso, de consumo humano e animal, que vêm ganhando a atenção da
comunidade científica em razão de suas propriedades nutricionais capazes de
promover saúde e prevenir e/ou modular o efeito de certas doenças crônicas não-infecciosas, tais como diabetes, dislipidemia, câncer,
doenças cardiovasculares, desequilíbrios intestinais e doenças autoimunes. Por
outro lado, o azeite de oliva extra-virgem é o óleo obtido dos frutos da
oliveira, sendo muito utilizado em dietas da região do mar mediterrâneo e que
recentemente estudos demonstram estar relacionado a
diversos benefícios a saúde humana, devido principalmente ao seu conteúdo em
ácido oleico e polifenóis funcionais e ativos. Estudos recentes parecem
relacionar o consumo de linhaça e azeite de oliva extra-virgem
com a prevenção e o tratamento da colite ulcerativa, uma doença caracterizada
por inflamação contínua principalmente localizada no reto. Tais alimentos
poderiam ser responsáveis pela melhora dos danos ao nível da mucosa da área de
intestino grosso afetada, bem como pela atenuação de processo inflamatório local, através da redução de enzimas e proteínas
pró-inflamatórias. O objetivo desse estudo é revisar as informações e
dados da literatura a cerca da composição nutricional da linhaça e do azeite de
oliva extra-virgem e os efeitos destes nas doenças
crônicas e principalmente na colite ulcerativa.
Palavras
chave:
linhaça, azeite de oliva extra-virgem, colite
ulcerativa.
Abstract
Flaxseed is a oleaginous grain, for human and
animal feeding, which have drawn the attention of the scientific community due
to its nutritional properties that promote health and prevent and/or modulate
the effect of certain non-infectious chronic diseases, such as diabetes,
dyslipidemia, cancer, cardiovascular diseases, intestinal imbalances and
autoimmune diseases. On the other hand, the extra-virgin olive oil is the oil
obtained from the fruit of the olive tree, widely used in diets of the
Mediterranean Sea region. Studies have shown that olive oil is related to
several benefits for human health, mainly due to its content in oleic acid and
functional and active polyphenols. Recent studies seem to relate the intake of
flaxseed and extra virgin olive oil with the prevention and treatment of
ulcerative colitis, a disease characterized by continuous inflammation mainly
located in the rectum. Such foods could be responsible for the improvement of
the mucosal damage in the affected area of the large intestine, as well as in
the attenuation of the local inflammatory process, by the reduction of enzymes
and pro-inflammatory proteins. The aim of this study is to review the information
and data in the literature about the nutritional composition of flaxseed and
extra-virgin olive oil and their effect on chronic diseases and especially on
ulcerative colitis.
Key-words: flaxseed,
extra-virgin olive oil, ulcerative colitis
A concepção de
alimentos funcionais parece ter surgido no Japão na década de 80, tendo em
vista a necessidade de desenvolver alimentos saudáveis para uma população que
estava se tornando mais idosa [1]. São definidos como alimentos funcionais
aqueles que apresentam propriedades nutricionais benéficas, além das
convencionais, sendo sempre apresentados na forma de alimentos; além disso, são
também aqueles alimentos com possibilidade de desempenhar um papel importante
na redução do risco de diversas doenças crônicas [1,2].
A linhaça ou linho é
um grão oleaginoso que vêm ganhando a atenção da comunidade científica em razão
de suas propriedades nutricionais capazes de promover saúde e prevenir e/ou
modular o efeito de certas doenças crônicas não-infecciosas,
tais como diabetes, dislipidemia, câncer, doenças cardiovasculares,
desequilíbrios intestinais e doenças auto-imunes [3-8]. Por outro lado, o
azeite de oliva extra-virgem (AOEV) é o óleo obtido
dos frutos da oliveira, sendo muito utilizado em dietas da região do mar
mediterrâneo e que recentemente estudos demonstram estar relacionado a diversos
benefícios a saúde humana, devido principalmente ao seu conteúdo em ácido
oléico e polifenóis funcionais e ativos [9-11].
Estudos recentes
parecem relacionar o consumo de linhaça e AOEV com a prevenção e o tratamento
da colite ulcerativa (CU) [12-15], uma doença inflamatória intestinal (DII)
caracterizada por inflamação contínua principalmente localizada no reto [16].
Tais alimentos poderiam ser responsáveis pela melhora dos danos a nível de mucosa em intestino grosso afetada, bem como pela
atenuação de processo inflamatório local, através da redução de enzimas e
proteínas pró-inflamatórias, como ciclo-oxigenase-2 (COX-2), óxido nítrico
sintase (iNOS), fator de necrose tumoral α (TNF-α), interferon-γ (IFN-γ), Interleucina-1β
(IL-1β) e interleucina-6 (IL-6) [12-15,17,18].
Considerando o
supracitado, o objetivo desse estudo foi revisar as informações e dados da
literatura a cerca da composição nutricional da linhaça e do AOEV e os efeitos
destes nas doenças crônicas e principalmente na CU.
Foram consultadas
referências de artigos buscados nas plataformas PubMed/Medline
e Scielo, relacionadas com a composição nutricional da linhaça e do AOEV e seus
efeitos sobre as doenças crônicas e a principalmente a CU. Os principais termos
utilizados, em português e inglês, combinados ou não, foram: “composição
nutricional”, “linhaça”, “óleo de linhaça”, “omega-3”,
“lignana”, “azeite de oliva extra-virgem”,
“omega-9”, “polifenóis”, “colite
ulcerativa”.
Linhaça
Existem duas
variedades de linhaça disponíveis para consumo no mercado, a dourada e a
marrom, sendo esta última mais produzida no Brasil e de menor custo [4,6]. A
partir da semente da linhaça, pode-se produzir a farinha, o óleo e a goma, os
quais podem ser utilizados ou adicionados em iogurtes, bolos, pães, biscoitos,
entre outros [6].
A linhaça, quando da
sua composição nutricional, é um grão rico em ácidos graxos poliinsaturados,
sendo a maior fonte vegetal existente do ômega-3 ácido
linolênico (16-23% na semente e 46-60% no óleo), além de também conter
em quantidades consideráveis, proteínas, ácido oleico, fibras, vitamina E,
cálcio, magnésio, potássio, lignanas e outros compostos fenólicos
[3-5,8,19-21]. Sabe-se, entretanto, que o local e a forma de cultivo do grão
podem ser responsáveis por diferentes concentrações de nutrientes e compostos
presentes na linhaça [6-8,19].
Novello e Pollonio
[8] destacam, em estudo de caracterização físico-quimica, que a semente e o
óleo de linhaça (OL) dourada tem melhor qualidade nutricional por conter menor
conteúdo de ácidos graxos saturados, e no caso do óleo, maiores valores em
ácidos graxos poliinsaturados ômega 3 e 6. Situação
semelhante foi encontrada por Molena-Fernandes et al. [7], os quais evidenciaram significativamente, maior
concentração de ômega-3 na farinha de linhaça dourada. Apesar disso, em estudo
mais recente, Barroso et al. [4] concluíram que o consumo de
linhaça marrom seria mais favorável devido ao seu baixo custo e teores maiores
de tocoferóis, além de maior capacidade e estabilidade oxidativa. Marques [6],
por outro lado, afirma que não existe uma espécie melhor que a outra, pois
ambas são ricas em lignanas e fibras dietéticas.
O ácido linolênico,
ácido graxo presente em maior proporção na linhaça, é essencial ao organismo;
atua bloqueando citocinas e quando metabolizado em ácido eicosapentaenóico
(EPA) e doco-saexaenóico (DHA), desempenha efeitos anti-inflamatórios através
da produção de eicosanoides, tais como as prostaglandinas E3 (PGE3) e F3 (PGF3)
[22]. Estas modulam a resposta inflamatória e imunológica, atuando na agregação
plaquetária, no crescimento e na diferenciacião celular [19,23]. Além disso, os
eicosanoides são capazes de modular a complacência e fluidez arterial,
minimizando o risco de aterosclerose e outros eventos cardiovasculares [24].
Especula-se que a
quantidade necessária para que sejam obtidos os efeitos positivos do ômega-3,
seja de 1 a 2 g/dia [23-25]. A dieta consumida pelos países do ocidente,
entretanto, não atinge tal meta, visto que contêm pouco ômega-3 e excesso de
ômega-6, dessa forma, existindo uma alta razão de ômega-6/ômega-3, próxima de
10 a 20:1 [24,25]. Sabe-se que o aumento no consumo diário de ômega-3 substitui
parcialmente os ácidos graxos ômega-6 na membrana celular de eritrócitos, plaquetas,
linfócitos, monócitos, células endoteliais e hepatócitos, podendo, assim, ter
efeito protetor e de alívio sintomático em doenças auto-imunes,
artrite reumatóide e DII [25].
Apesar dos benefícios
do consumo do ômega-3, a sua biodisponibilidade pode ser afetada dependendo da
origem e manejo dos alimentos fonte; peixes de cativeiro têm menor teor de ômega-3
do que peixes selvagens e a semente de linhaçaa sofre oxidação facilmente,
sendo necessária a sua trituração e armazenamento em recipiente escuro e
fechado, sendo que seu consumo deve ser feito em até 72 horas [25].
Nas DII, os ácidos
graxos ômega-3, especialmente derivados do óleo de peixe, parecem
modular a inflamação intestinal recorrente nos pacientes [25,26]. Essa
gordura, ao se incorporar de forma imediata na mucosa intestinal, agiria
diminuindo os níveis de ácido araquidônico, um tipo de ômega-6
com ação pró-inflamatória, e aumentando os níveis de eicosanoides com
ação pro-inflamatória fraca [26].
Em estudo
experimental com ratos, Tyagi et al.
[27]
concluíram que o consumo de dose combinada de
ômega-6/ômega-3 na proporção de 2
para 1, através de fontes alimentares (mistura de óleo de
amendoim, oleína de palma
e OL), teve resultados positivos na modulação da CU; os
autores observaram
redução de infiltração de
neutrófilos, preservação da estrutura do
cólon e
diminuição de mediadores pró-inflamatórios,
como TNF-α, IL-1β e NO. O
aumento da proporção de ômega-3 com
relação a ômega-6, neste caso, provou ser
mais adequada que as relações 215:1, 50:1 e 10:1 [27]. No
entanto, resultados
positivos não são encontrados em todos os estudos,
inclusive os com humanos;
segundo Cabré, Mañosa e Gassull [26], são vários os estudos
que não comprovam o efeito de ômega-3 em pacientes com CU em remissão, sendo
que em pacientes com CU ativa, os achados são mais esperançosos.
Em estudo de
Varnalidis et al. [28] com ratos Wistar em CU
induzida tratados com solução rica em EPA, foi constatado que 8 dias após a
administração de composto indutor da doença, ocorreram melhoras significativas
nas lesões macroscópicas intestinais típicas, com diminuição das erosões
epiteliais, maior concentração de hemoglobina e aumento de plaquetas. Além
disso, foi detectado aumento da atividade de mieloperoxidade (MPO) e, portanto,
aumento da concentração de neutrófilos, células polimorfonucleares que são
fundamentais na cicatrização, podendo atuar secretando citocinas e quimiocinas
que promovem a resolução dos processos inflamatórios e recuperação tecidual
[28]. O EPA, dessa forma, poderia estar diretamente relacionado com a modulação
da CU [28].
Outros compostos,
presentes na linhaça e que vem sendo estudados devido as suas propriedades
terapêuticas, são os compostos fenólicos [3,5,29].
Estes são derivados de plantas, responsáveis pela cor, adstringência, aroma e
estabilidade oxidativa dos alimentos [29]. Em humanos, especula-se acerca da
capacidade antioxidante e anticâncer de alguns fenólicos encontrados em
alimentos, sendo os mais comuns: flavonoides, ácidos fenólicos, fenóis simples,
cumarinas, taninos, lignanas e tocoferóis [3,5,29,30].
Na linhaça, a lignana
é o fenólico presente em maior quantidade, cerca de até 800 vezes mais que na
maioria das suas fontes alimentares; 335 mg de lignana
estão presentes em 100 g, quantidade esta que só é maior na semente de gergelim
(373 mg por 100 g) [3,5,31]. A biodisponibilidade da lignana faz-se maior
quando a semente de linhaça é consumida triturada [32]. Além de estar presente
naturalmente em alimentos, a lignana pode se tornar o produto da transformação
da lignina, um tipo de fibra insolúvel, no intestino humano [29,31]. O tipo
mais presente de lignana na linhaça é o secoisolariciresinol diglicosideo
(SDG), composto que ao ser convertido em enterodiol e enterolactona por
bactérias no intestino, exerce fraca ação estrogênia ou ação antiestrogênica,
atuando como um fitoestrógeno e agindo na diminuição de sintomas da menopausa e
inibição de câncer de mama, endométrio e próstata [3,5,29,31].
Além do supracitado,
estudos mais evidentes sobre os benefícios de SDG são os relacionados a redução do risco de doenças cardiovasculares, através da
melhora da pressão arterial e redução de dislipidemias [3,5,30]. Estudos
parecem evidenciar os efeitos antioxidantes de SDG contras danos em DNA e
peroxidação lipídica, além de promissor efeito preventivo e protelador no
desenvolvimento de diabetes tipo 1 e 2 [3,5]. SDG
poderia atuar ainda na inibição de tumores de pele, pulmão e cólon através da
regulação das sinalizações de proliferação e apoptose celular [3,5,29,33].
Muitos são os estudos
em animais e humanos na investigação dos benefícios da linhaça [3,5,27]. No entanto, ainda são escassos os estudos que
relacionam esse alimento funcional e seus compostos com as DII, e especialmente
a CU, sendo mais comuns investigações da ação desse alimento na obesidade, em
doenças cardiovasculares e alterações lipídicas no sangue [5,27].
Segundo Marques et al. [34], a linhaça pode ter importante
ação no controle da glicemia, triglicerídeos e colesterol total em ratos
Wistar; os autores encontraram diminuição significativa dos parâmetros
bioquímicos nos grupos experimentais que receberam linhaça crua, linhaça assada
e/ou OL. Especialmente, no grupo tratado com a associação de linhaça crua
(15,2%) e OL (0,14%), notou-se os melhores resultados,
com maior diminuição da glicemia [34]. Tais achados são corroborados em estudo
com humanos, feito por Couto e Wichmann [35], os quais evidenciaram, em
mulheres acima do peso que realizaram consumo de linhaça marrom por 60 dias,
melhora significativa de colesterol sanguíneo e triglicérides, independente da
quantidade ingerida (10 ou 20 g). Além disso, o estudo também evidenciou a
possível capacidade da linhaça em diminuir medidas antropométricas, como peso e
circunferência abdominal [35].
Em estudo realizado
por Rosa et al. [22], resultados bioquímicos
semelhantes foram encontrados em ratos. Os autores testaram a resposta imunológica
intestinal e os níveis plasmáticos de lipídios de ratos submetidos a dieta com diferentes fontes de óleos (óleos de linhaça,
oliva, peixe e soja), sendo observado que o OL, apesar de ter provocado
diminuição de largura das microvilosidades (em oposição ao resultado dos outros
óleos), foi capaz de reduzir em maior quantidade a concentração de linfócitos
presentes na mucosa intestinal, além de demonstrar valores significativamente
menores em triglicerídeos e lipoproteína de baixa densidade (LDL) plasmáticos
quando comparados ao grupo controle e ao grupo tratado com óleo de oliva [22].
No mesmo ano, Varma et al. [17], ofereceram dieta via oral com
grande quantidade de gordura (23%), proveniente do óleo de milho e/ou linhaça,
para ratos induzidos a inflamação específica de cólon, por carragena, que imita
os efeitos da CU e Doença de Crohn (DC). Os autores comprovaram ter o OL, em
comparação ao óleo de milho, efeito menos inflamatório no intestino [17]. No
entanto, quando em comparação ao óleo de peixe, Dugani, Elhelawi, Edrah [36],
não encontraram resultados positivos para o OL; os autores induziram a CU
aguda, por ácido acético, em ratos Wistar, e administraram, via enema, óleos de
peixe e linhaça, encontrando efeitos anti-inflamatórios apenas para o primeiro.
Especula-se que o óleo de peixe possa ter efeitos melhores que o OL, e que o
óleo de milho seja o mais prejudicial, no entanto, devido a
falta de padrão entre os estudos [17,36], tais conclusões fazem-se
precipitadas.
Rehen et al. [15] em estudo a cerca do efeito
preventivo do OL sobre a mucosa intestinal de camundongos machos divididos em
três grupos (sem CU, com CU e com CU tratado com OL) e submetidos a modelo de
CU experimental por Dextran Sulfato de Sódio (DSS), observaram maior ganho de
peso no grupo tratado com CU quando comparado ao grupo não tratado, um aumento
da relação peso/comprimento do cólon, indicando que o grupo tratado apresentou
menor processo inflamatório que o grupo com CU não tratado, e menor produção
significativa da citocina pró-inflamatória IL-6. Os resultados encontrados
levam a crer que a ingestão do OL pode resultar em diminuição de quadro de
infiltração leucocitária e extravasamento vascular [15].
Gomides et al. [18] também acharam resultados
positivos a nível de cólon no uso da linhaça. Os autores objetivaram provar a
capacidade da dieta adicionada de linhaça desengordurada a 10% por 15 semanas
de prevenir a ocorrência de lesões pré-cancerígenas em camundongos C57BL/6;
apesar dos autores não encontrarem melhoras em proteínas supressoras do tumor e
outras envolvidas, a dieta com esse tipo de linhaça proporcionou proteção da
mucosa de cólon distal, através da observação de baixa multiplicidade e
reduzida incidência de lesões [18].
Por outro lado, Cohen,
Moore, Ward [37] concluíram que o OL a 10% na dieta de ratos knockout IL-10 não
foi capaz de atenuar a inflamação intestinal em comparação a
dieta padrão. Os autores, entretanto, ressaltam, que
talvez nenhuma intervenção dietética fosse capaz de controlar a desregulação
imunológica típica desse do modelo animal utilizado pelos autores, o que coloca
em questionamento a aplicação deste modelo em experimentação com CU.
Finalmente, Zarepoor et al. [28], em contradição a todos os
achados anteriores, verificou em estudo de prevenção, ter a linhaça a
capacidade de exacerbar o processo agudo de CU. Os autores observaram um
aumento na resposta inflamatória no grupo alimentado com linhaça rica em
lignanas e ácido linolênico, através do aumento de IL-1β e IL-6 no cólon e
sangue e TNF-α no sangue e um aumento de dano tecidual do cólon pelo mesmo
grupo; ambos os resultados se demonstraram piores que o grupo controle negativo
[38]. Os atípicos resultados encontrados, entretanto, podem ter explicação no
modelo de CU induzida utilizado pelos autores, indicando que talvez, a linhaça
não exerça efeitos benéficos no método aplicado [38].
Outros estudos com
linhaça puderam comprovar o seu efeito benéfico na toxicidade renal de ratos
machos albinos [39], em aspectos inflamatórios e imunológicos da pele de gatos
domésticos de cabelo curto [40] e na mucosa jejunal de leitões após o desmame
através da associação com lactobacilos [41].
Apesar de alguns
estudos demonstrarem resultados positivos na utilização da linhaça como
alimento imunomodulador para o tecido intestinal, outros estudos ainda exibem
dados negativos a cerca dos efeitos deste alimento e seus compostos, na CU. Tal aspecto pode ter explicação nos distintos
materiais e métodos utilizados pelos estudos, tais como: o tipo e quantidade da
linhaça, o animal utilizado, o tempo de tratamento e a indução da doença. Além
disso, por ser um assunto ainda recente, poucos são os estudos com uma mesma
metodologia que são replicados a fim de comprovar as
alegações sugeridas. Sabe-se, no entanto, que a linhaça é um alimento em
potencial, na prevenção e tratamento de doenças crônicas não transmissíveis,
fazendo-se necessário que se realize mais estudos relacionando linhaça e CU.
Os estudos
experimentais publicados nos últimos seis anos envolvendo o uso da linhaça na
modulação da CU estão sumarizados na Tabela I.
Tabela I - Estudos experimentais publicados nos últimos
seis anos envolvendo o uso da linhaça na modulação da CU.
Azeite
de oliva extra-virgem
Segundo o Regulamento
Técnico de 2005 [42] para Fixaçãoo de Identidade e Qualidade
de Óleos e Gorduras Vegetais da ANVISA, Azeite Virgem de Oliva é o
“azeite obtido do fruto da oliveira unicamente por processos mecânicos ou
outros meios físicos, particularmente condições térmicas, que não levem a
deterioraçãoo do azeite, e que não tenha sido submetido a outro tratamento que
não a lavagem, decantação, centrifugação e filtragem. Excluem-se os óleos
obtidos por meio de solvente ou re-esterificação e misturas com óleos de outra
natureza” [42]. Quando não sofre processo de refinamento, portanto sua semente
não sofre alteração no que diz respeito as suas propriedades, conservando
melhor os seus componentes, dentre eles os polifenóis agliconados, o azeite é
considerado de alta qualidade, sendo então chamado de AOEV, um azeite virgem
com acidez inferior a 0,8% [10,43].
O AOEV é constituído,
quimicamente, por duas frações: uma saponificável (99% de sua constituição),
constituída de ácidos gordos livres, triacilgliceróis, fosfolipideos e
glicosídeos, e uma fração insaponificável (1%), formada por hidrocarbonetos,
tocoferóis, esteróis, álcoois e pigmentos [43,44]. Da fração saponificável, o
AOEV é constituído de ácidos graxos monoinsaturados (73-76%), sendo o restante
formado por saturados (13-15%) e poliinsaturados (9-11%) [20,21].
O AOEV possui como
ácido graxo mais abundante o ácido oleico (74%), um ômega-9 monoinsaturado que
tem dupla ligação entre o carbono 9 e 10, contando a
partir do seu grupamento metílico [23]. O ácido oleico é o mais abundante ácido
graxo encontrado na natureza, sendo suas principais fontes, o óleo de oliva e
canola [24]. Além disso, sabe-se que o azeite é o produto comercial mais rico
em ácido oleico; o óleo de canola possui 61% de ômega-9 e o óleo de girassol
(OG), apenas 25% [21].
O ácido oleico está
relacionado, segundo apontam estudos, com a redução e não oxidação de LDL, com
a diminuída síntese endógena de colesterol e manutenção ou aumento da lipoproteína
de alta densidade (HDL), contribuindo na prevenção e tratamento de
dislipidemias e doenças cardiovasculares [11,21,43].
O
consumo de fontes desse ácido graxo está inversamente
relacionado a
complicações cardíacas; especula-se que o
ácido oleico poderia atuar na
inibição das fases iniciais da aterogênese
através de modulação da ação de
células imunes e da expressão de genes [45].
Segundo Carrillo,
Cavia, Alonso-Torre [45], o ácido oleico pode ter importante ação benéfica em
componentes do sistema imunológico, agindo na diminuição dos efeitos
inflamatórios dos ácidos graxos saturados nas células endoteliais, na redução
da atividade de células Natural Killer (NK), na inibição da produção de
citocinas e mediadores inflamatórios e na supressão da proliferação de
linfócitos.
Apesar dos benefícios
dos ácidos graxos monoinsaturados e principalmente do ácido oleico, estudos
evidenciam que a associação de fontes vegetais e animais de
ácidos graxos monoinsaturados não implicaria em efeitos benéficos
significantes em doenças crônicas [46]. Segundo Schwingshackl e Hoffmann [46],
apenas o consumo de AOEV e não de ômega-9 isolado, estaria relacionado a uma
redução considerável de todas as causas de mortalidade, inclusive de eventos
cardiovasculares, o que implica na importância do consumo de um produto fonte
de diversos compostos e nutrientes.
O AOEV parece ser o
óleo melhor tolerado pelo estômago em razão da presença abundante de ácidos
monoinsaturados em sua composição. Este óleo demonstra ser benéfico nas
gastrites hiperclorídricas e na úlcera gastroduodenal, contribuindo para uma
hipermotilidade intestinal [43]. O AOEV pode ser considerando um alimento
laxante, que atua favoravelmente na fase posterior da digestão, pois
proporciona uma ação mais eficaz da bile na emulsão das gorduras [43].
Estudos in vitro
apontam que quando utilizado em preparações de carnes e peixe, o AOEV é capaz de inibir a formação de aminas heterocíclicas, compostos
carcinogênicos ao humano [47]. Este benefício pode ser associado a incidência de câncer de cólon retal, a qual parece estar
negativamente associada ao consumo de AOEV; mecanismos sugerem que este pode
influenciar padrões secundários de ácidos biliares no cólon, alterando o
metabolismo de poliaminas em enterotoxinas colônicas e reduzindo a progressão
de mucosa normal para um adenoma ou carcinoma [47].
Os compostos
fenólicos antioxidantes, presentes na fração insaponificável do AOEV, também
parecem ter importante papel contra o processo de inflamação do cólon, agindo
diretamente na matriz fecal, inibindo radicais livres e reduzindo o dano
oxidativo [47]. Estes compostos fenólicos demonstram ter ação
anti-inflamatória, antioxidante, antimicrobiana, antiprolifeativa,
antiagregante plaquetário, efeitos vasodilatadores e moduladores de importantes
vias de sinalização celular [13,14,47,48].
Dentre os compostos
fenólicos presentes no AOEV, estão: ácidos fenólicos, secoiridóides, álcoois
fenólicos, flavonoides e lignanos [49]. A oleuropeína, um tipo de secoiridóide,
é o mais prevalente, se apresentando em maior quantidade nas folhas, sementes,
polpa e casca das azeitonas verdes [48]. O azeite não virgem é praticamente
ausente de oleuropeína em razão do seu refinamento [49]. A oleuropeína, segundo
estudos recentes, teria efeito antioxidante, antiinflamatório, antitumor,
hepatoprotetor, antimicrobial, antiviral, neuroprotetor e preventivo contra
DII, inclusive a CU [48,50-52].
Giner et al. [52] e Giner
et al. [50] investigaram o efeito de dieta
padronizada adicionada de oleuropeína na CU crônica
(estudo preventivo) e aguda, respectivamente, induzida em camundongos. Dentre
os resultados encontrados em ambos os estudos e que confirmam os benefícios da
dieta com o fenólico na CU, estão: menor infiltrado de
neutrófilos, produção diminuída de IL-6 e IL-1β no tecido colônico, menor
expressão de COX-2 e iNOS, restauração de epitélio intestinal, melhor resultado
no fechamento de feridas e cicatrização [50,52].
Outro composto
fenólico de grande interesse científico é o Hidroxitirosol, resultado da
hidrólise da oleuropeína durante a maturação da azeitona [47]. Estudos sugerem
o seu papel na proteção de processo inflamatório agudo e crônico de artrite
reumatoide [53], bem como no tratamento do diabetes e na proteção da pele
contra a radiação ultravioleta [54]. Além disso, este composto fenólico pode
atuar na prevenção de câncer retal, visto que atua no bloqueio do ciclo
celular, reduzindo a taxa de proliferação celular e induzindo apoptose [49,54].
Outros compostos fenólicos também parecem contribuir para os benefícios
encontrados na inclusão de AOEV na dieta, dentre eles, o Acetato de
Hidroxitirosol (Hty-Ac) e 3,4-dihidroxifenilglicol (DHPG) [14].
Estudos recentes com
AOEV buscam modular o processo de CU, aguda e crônica, através da inserção
desse óleo, sua frações ou versão enriquecida com compostos funcionais, em
dieta padrão [14,55]. Os estudos realizados em sua maioria são em modelo
animal, não existindo ainda estudos experimentais com humanos [14,55].
Um dos primeiros
estudos caso-controle com AOEV e CU foi realizado em 2010 por Sanchez-Fidalgo et al. [56]. Os autores utilizaram
camundongos fêmeas C57BL/6, divididos em dois grupos (dieta enriquecida com OG
e com AOEV, ambos a 10%) e submetidos a indução de CU
crônica com DSS, e constataram ao final do experimento que a atividade da
doença foi significativamente mais elevada no grupo que consumiu OG e que
camundongos alimentados com AOEV apresentaram menor incidência e multiplicidade
de tumores [56]. Além disso, as enzimas iNOS e COX-2
se apresentaram diminuídas significativamente no grupo tratado com AOEV, e as
citocinas pró-inflamatória TNF-α IL-6 e IFN-γ se mantiveram em níveis semelhantes aos grupos
controles, não aumentando como nos grupos com dieta com OG [56].
Em estudo parecido,
Takashima et al. [55] concluíram que a alimentação
com 5% de AOEV em ratos machos induzidos a CU crônica por DSS, foi capaz de
diminuir a expressão de COX-2, iNOS e de suprimir processos apoptóticos. No
entanto, não foram encontrados resultados significativos da influência do AOEV
em níveis de TNF-α, IL-1β e IL-6. No mesmo ano, Hamam, Raafat,
Shoukry [57], em estudo com ratos machos induzidos a CU aguda por ácido
acético, demonstraram ter o AOEV, administrado via gavage, a capacidade de preservar as criptas intestinais e seu
epitélio e de diminuir a infiltração de células mononucleares; o AOEV,
concluiram os autores, teve um efeito de melhoria sobre a CU aguda, talvez
podendo ser utilizado como uma medida protetora alimentar
para atenuar a doença em pessoas com alta mortalidade.
A partir de 2012,
estudos caso-controle liderados por Susana Sanchez-Fidalgo
buscaram suplementar os camundongos não apenas com o AOEV, mas sim com a sua
fração insaponificável ou enriquecendo-o com compostos fenólicos, acreditando
terem estes métodos maior influência contra a CU crônica ou aguda induzida.
Em um primeiro
momento, Sanchez-Fidalgo et al. [12] realizaram experimento com 75
camundongos fêmeas C5TBL/6, randomizados em 3 grupos, sendo um deles dieta com
AOEV enriquecido com 40 mg/kg de hidroxitirosol. Constatou-se que nos grupos
alimentados com AOEV houve menores sinais de danos nos 3
segmentos colônicos (proximal, médio e reto) quando comparado ao grupo com
dieta que incluía OG, além de ausência de ulcerações e a não perda das criptas
da mucosa, preservação de estruturas glandulares, reepitelização e menor
contingente inflamatório [12]. Com relação a análise
de citocinas, observou-se resultado significativo nos níves de IL-10, os quais
se fizeram maiores nos grupos tratados com AOEV, e nos níveis de TNF-α, os
quais se mostraram semelhantes aos grupos controles; não foi encontrados
resultados significativo para IL-1β [12]. Especialmente, a dieta de AOEV
com hidroxitirosol teve apenas um resultado melhor do que a dieta apenas com
AOEV, o qual foi a redução de iNOS. Dessa forma,
especula-se, portanto, que a dieta com hidroxitirosol talvez não seja melhor do
que a dieta apenas com AOEV.
Em um segundo
momento, Sanchez-Fidalgo et al. [13] utilizaram de camundongos
fêmeas divididas em 4 grupos (dieta com OG, AOEV, dieta com OG enriquecida com
fenólicos e dieta com AOEV enriquecido com fenólicos) e submetidas a indução de
CU crônica; as dietas foram administradas 30 dias antes da indução da doença.
Os autores puderam concluir que a dieta com AOEV enriquecida de fenólicos foi
capaz de melhorar de forma significativa os níves de iNOS
e TNF-α (do RNA mensageiro) e de diminuir a cascata inflamatória,
promovendo a regulação e transcrição nuclear do fator nuclear kappa B (NF-kB)
[13]. Estes resultados foram melhores na dieta enriquecida com compostos
fenólicos quando em comparação com a dieta apenas com AOEV [13], sugerindo que
talvez o enriquecimento do AOEV com compostos fenólicos é um tratamento ainda
mais eficaz.
No mesmo ano,
Sanchez-Fidalgo et al. [58] testaram a fração
insaponificável do AOEV em um estudo de CU aguda induzida por DSS. Os autores
puderam observar pela primeira vez que o grupo alimentado com OG suplementado com
a fração insaponificável do AOEV foi capaz de diminuir processos inflamatórios
no cólon na mesma proporção que o grupo tratado com AOEV. Dentre os resultados
positivos, estão: redução dos níveis de TNF-α e aumento da regulação da
expressão de Ikb, uma proteína que forma um complexo com NF-kB
e que quando degradada, auxilia NF-kB na translocação
para o núcleo e posterior expressão de genes pró-inflamatórios [58].
Em estudo mais
recente por Sanchez-Fidalgo et al. [14], os
autores investigaram se outros fenólicos, tais como Hty-Ac e DHPG, seriam
capazes de prevenir contra o processo de CU aguda. Utilizando de métodos
semelhantes as pesquisas anteriores, os autores
separaram randomicamente os animais em 3 grupos: um com dieta padrão e os
outros dois com dieta enriquecida em cada um dos compostos fenólicos [14].
Pôde-se concluir ao final do experimento que apenas um composto demonstrou
maior capacidade preventiva contra processo inflamatório grave no cólon, sendo
ele o Hty-Ac, o qual parece diminuir a expressão de COX-2 e iNOS,
além de reduzir os sinais de inflamação no tecido colônico e as áreas de tecido
epitelial perdidas [14].
Por fim, pela
primeira vez, Cárdeno et al. [59], utilizaram as células T de
pacientes com DII (CU e DC) em um estudo in
vitro. Através da coleta de sangue venoso e biópsia de intestino para
cultura de células e ao utilizar a fração insaponificável do AOEV, os autores
puderam concluir ter esse óleo a capacidade de diminuir a ocorrência de células
CD69 e CD25 e da citocina IFN-γ
[59]. Segundo os autores, o AOEV, portanto, pode ser considerado um alimento
complementar no combate aos efeitos inflamatórios da CU
[59].
Com base nos
resultados das intervenções, nota-se que a fração insaponificável do AOEV foi a
que revelou resultados mais reveladores no tratamento da CU,
pois foi capaz de melhorar a resposta da doença na fase aguda em animais até
quando a fração é adicionada nas dietas com OG como fonte de gordura [57]. Além
disso, parece ser evidente que a administração de AOEV enriquecido com vários
tipos de fenólicos é mais eficaz do que apenas de hidroxitirosol [12,13]. No
entanto, a escassez de pesquisas e replicação de metodologias limita uma
conclusão esclarecida, sendo necessários mais estudos experimentais com animais
em modelo de CU, visto que nota-se, nas poucas
pesquisas realizadas, resultados satisfatórios da ação do AOEV, seus compostos
fenólicos e sua fração insaponificável, na prevenção dessa doença.
Estudos experimentais
publicados nos últimos seis anos envolvendo o uso de AOEV e/ou seus principais
compostos na modulação da CU estão sumarizados na
Tabela II.
Tabela II - Estudos experimentais publicados nos últimos
seis anos envolvendo o uso de AOEV e/ou seus principais compostos na modulação
da CU.
Fazem necessários
mais estudos experimentais com o uso de alimentos funcionais potenciais na
prevenção e tratamento da CU, como a Linhaça e o AOEV.
Estudos com animais
relacionando a linhaça e CU ainda mostram-se inconclusivos, com alguns autores
evidenciando resultados positivos e outros não significativos ou negativos no
seu uso. No caso do AOEV, estudos com animais parecem evidenciar a capacidade
desse óleo na diminuição da atividade da doença, através do aumento do processo
de cicatrização, na melhora do processo inflamatório e resposta imunológica,
com a diminuição da expressão de COX-2, iNOX e
citocinas pró-inflamatórias e um aumento IL-10, uma citocina anti-inflamatória.
É possível concluir,
portanto, que a linhaça pode não exercer efeitos significativos nessa doença, e
que o AOEV é um potencial alimento na prevenção e tratamento da
CU.