ARTIGO ORIGINAL

Classificação do índice de massa corporal e consumo alimentar de indivíduos portadores de síndrome de Down da APAE de dois municípios do noroeste do Rio Grande do Sul

Classification of body mass index and food intake of individuals with Down syndrome from the APAE of two municipalities in the northwest of Rio Grande do Sul

     

Jéssica Vendruscolo dos Santos*, Ariel Jéssica de Ponce*, Caroline Marangon Dourado, M.Sc.**, Pauline Müller Pacheco, M.Sc.***, Roberta Hack Mendes, D.Sc.****

 

*Nutricionista, Universidade Regional Integrada do Alto Uruguai e das Missões Campus de Frederico Westphalen-/RS (URI-FW), **Biomédica Gerontologia, Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUC-RS), Docente do Curso de Nutrição, Departamento de Ciências da Saúde, Universidade Regional Integrada do Alto Uruguai e das Missões, Campus de Frederico Westphalen/RS, ***Epidemiologia, Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS),Bolsista Doutorado Programa de Pós-Graduação em Epidemiologia, Universidade Federal do Rio Grande do Sul ****Bioquímica, Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), Docente, Curso de Nutrição, Departamento de Ciências da Saúde, Universidade Regional Integrada do Alto Uruguai e das Missões, Campus de Frederico Westphalen/RS

 

Endereço para correspondência: Jéssica Vendruscolo dos Santos, Rua Tupã, 280 Fátima 98400-000 Frederico Westphalen RS, E-mail: jessicav.nutri@hotmail.com; Ariel Jéssica de Ponce: arieljessica@hotmail.com; Caroline Marangon Dourado: caroline.dourado@ufsm.br; Pauline Pacheco: paulinempacheco@gmail.com; Roberta Hack Mendes: betamendeshack@gmail.com.

 

Resumo

Introdução: A Síndrome de Down (SD) é uma condição genética, na qual os indivíduos podem apresentar vários problemas de saúde associados. Por isso, a alimentação é importante para garantir manutenção da saúde e prevenção de doenças. Objetivo: Avaliar o consumo alimentar e índice de massa corporal, de crianças, adolescentes e adultos portadores de SD, matriculados na Associação de Pais e Amigos dos Excepcionais (APAE) de Frederico Westphalen e Tenente Portela/Rio Grande do Sul, durante o período de março a abril de 2014 e 2015. Métodos: Estudo transversal, onde foram realizadas medidas de peso, altura e aplicação de questionário de frequência alimentar. Resultados: Foram avaliados 19 indivíduos, 52,6% eram do sexo masculino e em sua maioria crianças (42,1%). Nenhum dos indivíduos apresentou baixa altura/idade, porém 42,1% apresentaram sobrepeso/obesidade. Houve um alto consumo de gorduras, 93,7% ultrapassaram a recomendação de 1 porção/dia. Nenhum dos indivíduos avaliados consumiu as porções recomendadas de frutas. Apenas 15,8% dos pacientes consumiam recomendações nutricionais atuais de legumes e verduras (entre 3 ou 4 porções/dia). Conclusão: foi observada uma proporção de sobrepeso/obesidade crescente com a faixa etária e baixo consumo de alimentos protetores para doenças crônicas como frutas, verduras e legumes entre os portadores de SD.

Palavras-chave: síndrome de Down, avaliação nutricional, consumo de alimentos.

 

Abstract

Introduction: Down Syndrome (DS) is a genetic condition in which individuals may have several associated health problems. Therefore, food is important to ensure health maintenance and disease prevention. Objective: To evaluate the food consumption and body mass index of children, adolescents and adults with DS, enrolled in the Association of Parents and Friends of the Exceptional (APAE) of Frederico Westphalen and Tenente Portela/RS, during the March to April 2014 and 2015. Methods: Cross-sectional study, where weight, height and food frequency questionnaire were measured. Results: 19 individuals were evaluated, 52.6% were male and the majority were children (42.1%). None of the individuals presented low height/age, but 42.1% were overweight/obese. There was a high consumption of fats, 93.7% exceeded the recommendation of 1 portion/day. None of the individuals evaluated consumed the recommended portions of fruits. Only 15.8% of the patients consumed current nutritional recommendations of vegetables (between 3 or 4 servings/day). Conclusion: a higher proportion of overweight/obesity was observed with the age group and low consumption of protective foods for chronic diseases such as fruits, vegetables and vegetables among DS patients.

Key-words: Down syndrome, nutrition assessment, food consumption.

 

Introdução

 

A Síndrome de Down (SD) foi reconhecida a mais de um século, caracterizada como um distúrbio genético: a trissomia do cromossomo 21 [1]. É conhecida como a mais comum das doenças cromossômicas; atingindo um índice estável nos últimos 20 anos; a prevalência de nascidos vivos com SD é estimada em 1 a cada 650/1000 gestações. No Brasil nasce uma criança com SD a cada 600 e 800 nascimentos [2]. O desenvolvimento desta alteração genética pode estar relacionado a idade materna (acima de 35 anos) [3,4].

Com essa condição genética, ocorrem modificações em todo o sistema imune, acarretando em desenvolvimento de várias doenças associadas; que aparecem frequentemente na infância e adolescência; sendo algumas vezes relacionadas ao estado nutricional [1,4-7]. Desse modo a SD exige atenção multiprofissional, levantando os aspectos clínicos da doença e a abordagem nutricional visando a promoção e recuperação da saúde [2,5,8,9]. A expectativa de vida dos indivíduos portadores dessa síndrome aumentou consideravelmente com o maior conhecimento da fisiopatologia e de suas complicações, além de um melhor acesso ao diagnóstico, tratamento e acompanhamento de equipes multiprofissionais [2,5,9].

Os principais problemas de saúde associados são hipotonia muscular, problemas gastrointestinais, cardiopatias, diabetes, doença celíaca, disfunções imunológicas, hipotireoidismo, envelhecimento precoce, distúrbios de audição e visão e doenças ortopédicas [4,6,7]. Além dessas enfermidades, o sobrepeso e a obesidade são frequentes [10-12]. Uma das causas de sobrepeso e obesidade pode ser decorrente do fato de que esses indivíduos possuem diminuição da taxa de metabolismo basal, e em consequência disso, redução do gasto energético [8,11-15].

Com um adequado monitoramento do estado nutricional, por meio de uma abordagem multiprofissional, a obesidade e outras patologias associadas à SD podem ser identificadas precocemente e prevenidas. Dessa forma, a aplicação de métodos de avaliação nutricional é de suma importância, sendo necessário acompanhamento periódico, onde a terapia nutricional deve ser individualizada baseada em dados clínicos e laboratoriais, para que assim se garanta a manutenção da saúde e a prevenção de doenças nessa população [9,16-18]. Para tanto, o objetivo desse trabalho, foi avaliar o consumo alimentar e índice de massa corporal, de crianças, adolescentes e adultos com SD, matriculados na Associação de Pais e Amigos dos Excepcionais - (APAE) de Frederico Westphalen e Tenente Portela/RS.

 

Material e métodos

 

O presente estudo tem delineamento observacional transversal, de cunho quantitativo e natureza descritiva. A coleta de dados foi realizada na APAE de Frederico Westphalen/RS (executada de março a abril de 2014) e na APAE de Tenente Portela/RS, (executado de março a abril de 2015). A amostra foi composta por todas as crianças, adolescentes e adultos matriculados na APAE dos respectivos municípios, que possuíam diagnóstico prévio de SD.

A pesquisa foi realizada mediante a aprovação do Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade Regional Integrada do Alto Uruguai e das Missões, Campus de Frederico Westphalen-RS, CAAE nº: 25013613.8.0000.5352 (parecer consubstanciado 551126) e CAAE nº: 39014014.6.0000.5352 (parecer consubstanciado 927408), bem como, após obtenção da autorização da associação APAE dos municípios e do consentimento dos pais/responsáveis pelas crianças e adolescentes. O Termo de Consentimento Livre e Esclarecido foi assinado (pelos pais e responsáveis no caso de crianças e adolescentes) em duas vias, sendo uma disponibilizada para o participante ou responsável e outra para as pesquisadoras.

A coleta de dados foi efetuada por dois avaliadores (um na cidade de Frederico Westphalen JVS e outro na cidade de Tenente Portela AJP), iniciou juntamente com os responsáveis, com a aplicação da anamnese por meio de um questionário estruturado. Aplicou-se o Questionário Quantitativo de Frequência do Consumo Alimentar (QFA), elaborado por Fisberg et al. [19], sendo por meio dele verificada as porções de grupos alimentares consumidas diariamente entre os indivíduos portadores de SD, comparando com as porções recomendadas pela pirâmide alimentar proposta pela Sociedade Brasileira de Pediatria, Brasil [20] para crianças e adolescentes, e pela Pirâmide dos Alimentos Philippi para adultos [21].

O peso atual foi avaliado por meio de uma balança digital de marca G-Life® com 100g de graduação e capacidade máxima de 150 kg. A estatura foi verificada através de um estadiômetro compacto de marca Wiso® de 2,1 m. O método de coleta seguiu critérios de recomendação estabelecidos.

Para a avaliação dos dados antropométricos na faixa etária de 2 a 19 anos foram utilizadas as curvas propostas por Cronk [22], com valores estratificados por sexo, sendo posteriormente classificadas Estatura/Idade e Peso/Idade conforme os escores [9].

Para os indivíduos com idade superior a 18 anos, como não há nenhum método de avaliação específico para a SD nesta faixa etária, foi calculado o Índice de Massa Corpórea (IMC) segundo World Health Organization [23]. Após, o valor é classificado utilizando os pontos de corte estabelecidos pelo Sistema de Vigilância Alimentar e Nutricional, Brasil [24].

Após a coleta dos dados e obtenção dos resultados foi elaborada uma palestra, nas dependências das APAEs do município de Frederico Westphalen (abril de 2014) e Tenente Portela (abril de 2015) juntamente com os pais e indivíduos participantes da pesquisa, ressaltando a importância da alimentação adequada.

Para esta pesquisa foi utilizado o programa BioEstat 5.0 de domínio público, e a tabulação de dados pelo Microsoft Office Excel versão 2007. A análise do QFA foi executada pelo programa Avanutri 4.0. Foi realizada análise descritiva de frequência das variáveis utilizando o software SPSS 18.0.

 

Resultados

 

Foram avaliados 19 indivíduos. Todos os indivíduos avaliados tinham diagnóstico de SD e estavam matriculados nas APAEs dos seus municípios, foi excluído 1 indivíduo da APAE de Frederico Westphalen/RS, pois o mesmo não estava frequentando a associação no período da coleta de dados. A amostra foi composta de 10 indivíduo do sexo masculino (52,6%) e 9 do sexo feminino (47,4%), a maioria crianças (42,1%) e adolescentes (31,6%).

Na Tabela I, é apresentada a classificação do grupo investigado quanto aos parâmetros antropométricos e características sócio demográficas.

 

Tabela I - Características sócio-demográficas e estado nutricional de portadores de síndrome de Down de dois municípios do noroeste do Rio Grande do Sul, Brasil, 2014-2015 (n = 19).

 

*Estatura e peso conforme percentis para idade para portadores de síndrome de Down [22]; ‡ IMC conforme SISVAN [23].

 

 

Figura 1 - Distribuição do estado nutricional de acordo com faixa etária de portadores de síndrome de Down nos dois municípios do noroeste do Rio Grande do Sul, Brasil, 2014-2015 (n = 19).

 

A figura 1 apresenta a faixa etária denominada “criança” (2 a 9 anos) a predominância de eutrofia (50%), seguida de risco de sobrepeso e sobrepeso (50%). Enquanto, na faixa etária “adolescente” (10 a 19 anos) a predominância apresentou-se em eutrofia (50%), seguida de obesidade (35%) e risco de sobrepeso (15%). Já na faixa etária “adulta” o estado nutricional predominante foi obesidade (60%), seguido de risco de sobrepeso (20%) e eutrofia (20%).

Nenhum dos indivíduos avaliados apresentou baixa altura para a idade, conforme os percentis para idade para portadores de SD. Foi observada uma proporção de sobrepeso e obesidade crescente com a faixa etária.

 

Tabela II - Consumo recomendado de grupos de alimentos de portadores de síndrome de Down nos dois municípios do noroeste do Rio Grande do Sul, Brasil, 2014-2015 (n = 19).

 

Consumo adequado definido [20,21]: *Lácteos 3 porções/dia; **Pães 5 a 9 porções/dia; ‡ Frutas 5 porções/dia; £ Leguminosas 1 a 2 porções/dia; α Legumes e verduras 3 a 4 porções/dia; β Carnes até 2 porções/dia; € Óleos até 1 porção/dia; ¥ Açúcares 1 a 2 porções/dia.

 

Em relação ao consumo de alimentos (Tabela II), os grupos de alimentos que apresentaram maior proporção de adequação foram os grupos de leguminosas e carnes. Foi observado um alto consumo de óleos, apenas 5,3% consumiu a quantidade adequada de 1 porção/dia. Nenhum dos indivíduos avaliados consumiu as porções recomendadas de frutas. Quanto ao consumo de legumes e verduras, os grupos de alimentos legumes e verduras também apresentaram uma proporção pequena de adequação no consumo de porções, apenas 15,8% dos pacientes consumiam 3 ou 4 porções/dia.

 

Discussão

 

Um aspecto a ser destacado nesse estudo é que os resultados encontrados confirmaram a tendência ao sobrepeso e obesidade demonstrados em estudos anteriores. Outros aspectos importantes foram verificados na rotina alimentar como o alto consumo de gorduras, além do baixo consumo de frutas, legumes, verduras e fibras [15,18,25-32].

Concordando com nossos resultados, um estudo [28] apresentou percentis de 5 a 95 (indicativos de eutrofia), em 83% da amostra e percentis maior que 95, (indicativos de excesso de peso) em 17% da amostra. Além disso, apresentou eutrofia em todas as participantes do estudo do sexo feminino. Já no estudo realizado por Zini e Ricalde [29], com crianças e adolescentes portadores de SD entre 7 e 14 anos, apresentou percentual de 16,7% dos pesquisados com baixo peso, 55,6% em eutrofia e 27,8% com excesso de peso. No entanto, Roieski et al. [33], num estudo efetuado com 18 adolescentes portadores de SD, observou que 44,5% estavam com excesso de peso, sendo 28% com sobrepeso e 16,5% com obesidade.

Um estudo recente, realizado por Farias de Queiroz et al. [34], analisou em uma população de 20 indivíduos portadores de SD de 2 a 45 anos. A classificação nutricional de sobrepeso e obesidade foi de 56,5%, 10,9% apresentarem baixo peso e 32,6% classificados como eutróficos. Já um estudo [35] efetuado com 26 pessoas portadores de SD encontrou-se estado nutricional excesso de peso em 57,7% (n: 15), destes 53,3% (n = 8) eram adultos. Com relação a classificação nutricional distribuído por faixa etária, 40% (n = 4) das crianças, 42,9% (n = 3) dos adolescentes e 88,8% (n = 8) dos adultos apresentavam excesso de peso. As causas da obesidade e do sobrepeso na SD relacionam-se a vários fatores; dentre eles os genéticos, a alimentação inadequada e o sedentarismo. Além disso, podemos destacar ainda, a hipotonia muscular, onde os músculos envolvidos na digestão não proporcionam a sensação de saciedade após o estado alimentado, fazendo com que o consumo de alimentos seja maior [11,29,31,33,35-37].

A mastigação deficiente dos indivíduos com SD aumenta significativamente a propensão à ingestão maior de alimentos e favorece a preferência por alimentos cuja a consistência seja macia, a composição nutricional com maior quantidade de carboidratos e açúcares; favorecendo deste modo; um círculo de excesso de peso [27,36,37]. O excesso de peso é um fator predisponente para enfermidades cardiovasculares e distúrbios metabólicos [7,12,13,38,39]. Por outro lado, porções de frutas, legumes, proteínas e cereais integrais diminuídas; provocam carência de micronutrientes como zinco, ferro e cálcio, além de deficiência na ingestão de fibras [25-28]. A carência desses nutrientes é um fator importante no crescimento e desenvolvimento destas crianças, podendo acarretar em disfunções preocupantes na saúde e agravo do estado nutricional destes indivíduos [29-32].

Diversos estudos têm sido realizados no intuito de avaliar a composição da dieta de indivíduos portadores de SD, especialmente em crianças e adolescentes [30,38-42]. O presente estudo mostrou que apenas uma minoria (15,8%) das crianças e adolescentes com SD consumiu as porções recomendadas de verduras e legumes, e nenhum consumiu a porção diária recomendada de frutas. O baixo consumo de frutas e verduras na população portadora de SD pode ser observado em estudos com crianças e adolescentes [18,26,30,33,42] como em adultos [41], acompanhando uma tendência de decréscimo do consumo destes alimentos no Brasil e no Mundo [44]. O resultado disso é um baixo consumo de fibras e possível inadequação no consumo de determinados micronutrientes [25], que contribuem para o desenvolvimento de DCNT. Nesse sentido, Magenis et al. [30] encontrou, entre as crianças portadoras de SD comparadas com controles, um excesso no consumo de sódio e consumo insuficiente de cálcio, vitaminas do complexo B e água. Da mesma maneira, Souza et al. (2013) [35], compilou que 71,5% (n=5) das crianças, 100% (n=4) dos adolescentes e 87,5% (n=7) dos adultos portadores de SD consumiram quantidade inadequada de fibras. Outros estudos ainda relatam ingestão inadequada de micronutrientes como folato, vitamina D, E, A, C, magnésio, ferro e selênio [10,29,44].

O consumo excessivo ou insuficiente de nutrientes em crianças pode ser devido a escolhas inadequadas na alimentação e/ou intolerância a certos alimentos [25]. O consumo adequado de micronutrientes é indispensável para a manutenção das diversas funções metabólicas do organismo. Portanto, a ingestão inadequada de vitaminas e minerais, que são encontrados principalmente em frutas e hortaliças, podem levar a uma carência nutricional, problemas relacionados á mineralização óssea, crescimento e manifestações patológicas. Ainda em decorrência do baixo consumo de frutas e hortaliças, pode ocorrer deficiência na ingestão de fibras dietéticas, que auxiliam no transito intestinal, sequestro de glicose e gorduras, controle de peso e prevenção de alguns tipos de câncer [25,27,30,32,44].

Referente ao consumo de leite e derivados, apenas 1/3 da amostra consumiu as porções preconizadas. Achados [38] encontraram uma inadequação no consumo de cálcio para a grande maioria (65%) das crianças e adolescentes avaliados. Magenis et al. [30] também observou menor consumo de cálcio entre adolescentes portadores de SD comparados com controles. Para os indivíduos em fase de desenvolvimento o baixo consumo de lácteos pode contribuir para uma inadequação no consumo de cálcio e para o desenvolvimento ósseo prejudicado. Além disso, potencialmente pode contribuir para o quadro observado de deficiência de zinco em pessoas portadoras de SD. Uma alteração propriamente relacionada a genética, mas uma consequência agravada pela alimentação baixa em frutas e hortaliças [1,27,32,44].

A grande maioria dos indivíduos estudados apresentou consumo superior ao preconizado para óleos e açúcares e, diferente das hipóteses iniciais, um baixo consumo de alimentos do grupo dos pães (31,6%). Uma possível explicação para estes achados é a substituição de alimentos nas refeições por lanches não saudáveis ricos em açúcar e gordura. Embora este fenômeno seja observado na população como um todo [44], em revisão realizada sobre o consumo de alimentos por indivíduos portadores de SD. Mazurek e Wyka [25] encontraram uma preferência por carboidratos simples e comidas de fácil deglutição em substituição a frutas e vegetais frescos.

Em relação ao consumo de macronutrientes, o nosso estudo mostrou que houve um alto consumo de carboidratos em sua maioria açúcares, enquanto no grupo pães o consumo menor que o recomendado. No entanto, entre os lipídios a maioria ultrapassou a recomendação de 1 porção/dia. Em relação a ingestão de proteínas, 89,5% dos indivíduos portadores de SD avaliados atingiu a recomendação por meio da ingestão de porções de carnes. De acordo com nossos resultados, Giatetta e Giorzi [40] em estudo qualitativo com portadores de SD, verificaram preferências por alimentos calóricos, ricos em açúcar e gordura entre a maioria dos estudados, este dado, coincidiu com a classificação nutricional dos mesmos de sobrepeso/obesidade.

Quanto a ingestão de macronutrientes Souza et al. [35], concluiu no consumo de energia acima das necessidades em 57% dos avaliados, 78,9% ingestão excessiva de proteínas e 21,1% de lipídios. Zini e Ricalde [29] verificou em 18 crianças e adolescentes que 5,6% consumiu quantidades proteica excessiva e lipídios em 66,7%.

Uma revisão sistemática efetuada por Rocha et al. [38], demonstrou que a insegurança alimentar se associou a uma pior qualidade da alimentação; redução de ingestão de frutas e hortaliças; ao aumento no consumo de carboidratos e gorduras; deficiência de micronutrientes e piora na saúde dos indivíduos portadores de SD. O estudo verificou associação entre o aumento do índice de massa corporal, erro alimentar e diminuição da atividade física, além de elevada alteração do perfil lipídico.

Em uma pesquisa [45] voltada ao perfil nutricional de indivíduos portadores de SD observou uma frequência adequada de hortaliças em 60%, frutas 66%, carnes 66%, cereais 93%, leguminosas 93%, lácteos 73% e pães 73%. Roieski [33] verificou o consumo de acordo com as recomendações nos grupos hortaliças em apenas 22% do total dos participantes, sendo que as frutas eram consumidas na quantidade adequada por 22%, lácteos por 50%. Entre as carnes 50% e açúcares 100% dos estudados consumiram quantidades maiores do que a recomendação, óleos e leguminosas foram de acordo em 100% e cereais em 84%.

 

Conclusão

 

Tendo em vista os resultados encontrados, é possível concluir que o principal agravo nutricional da população estudada foi o excesso de peso. Em relação ao consumo alimentar os indivíduos apresentaram em sua maioria um consumo excessivo de açúcares e óleos. Observou-se também o consumo de frutas, verduras/legumes e laticínios, foi muito insatisfatório, estando muito aquém das recomendações. Este quadro contribui de forma significativa para o incremento de doenças crônicas não transmissíveis. Dessa forma, as investigações de aspectos nutricionais podem subsidiar intervenções nutricionais precoces para reduzir o risco ou postergar condições associadas à SD. Intervenções direcionadas a estes determinantes nesta população se fazem fundamentais para a reversão deste panorama, com esforços de pesquisa que validem metodologias adaptadas a população portadora de SD. Nessas ações podem estar incluídos novos estudos clínicos sobre o perfil nutricional e antropométrico destes pacientes, atividades de educação alimentar e nutricional, acompanhamento amplo com equipe multiprofissional, ações que promovam o acesso a ambientes saudáveis promotores da alimentação adequada e saudável, acesso a alimentos saudáveis e a prática de atividade física.

 

Agradecimentos

 

Agradecemos especialmente à Prof. Ms. Fábia Benetti, a Ms. Elis Regina de Fátima Boita e a Nutricionista Mariana Ferreira Santos, que contribuíram na execução do estudo e coleta de dados.

 

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