ARTIGO
ORIGINAL
Avaliação
do desperdício de hortaliças em um restaurante universitário da região central
do Rio Grande do Sul
Evaluation of vegetables waste in an university
restaurant of Rio Grande do Sul
Grazielle Castagna
Cezimbra Weis, M.Sc.*, Luana Decian
Saquet**, Ana Paula Haas Kretzmann***,
Tiane Tambara Simões, M.Sc.****, Marizete Oliveira de
Mesquita, D.Sc.*****
*Mestre
em Ciência e Tecnologia dos Alimentos (UFSM), Universidade Federal de Santa Maria,
Departamento de Tecnologia e Ciência de Alimentos, Programa de Pós-Graduação em
Ciência e Tecnologia dos Alimentos, Santa Maria/RS, **Graduada em Nutrição
(UNIFRA), Prefeitura Municipal de Pinhal Grande, Pinhal Grande/RS, ***Graduada
em Nutrição (UNISC), Universidade Federal de Santa Maria, Restaurante
Universitário, Santa Maria/RS, ****Mestre em Gestão de Organizações Públicas
(UFSM), Universidade Federal de Santa Maria, Restaurante Universitário, Santa
Maria/RS, *****Doutora em Ciência e Tecnologia dos Alimentos (UFSM),
Universidade Federal de Santa Maria, Restaurante Universitário, Santa Maria/RS
Endereço
para correspondência:
Grazielle Castagna Cezimbra Weis, Rua Venâncio
Aires, 638/401, 97010-000 Santa Maria RS, E-mail: grazielle.castagna@gmail.com;
Luana Decian Saquet:
luana.258@hotmail.com; Ana Paula Haas Kretzmann:
aphaas18@bol.com.br; Tiane Tambara
Simões: tianetambara@hotmail.com; Marizete Oliveira
de Mesquita: marizetedemesquita@gmail.com
Resumo
O presente estudo
teve como objetivo avaliar o desperdício no pré-preparo e preparo de hortaliças
em um Restaurante Universitário da região central do Rio Grande do Sul, através
da determinação do fator de correção e comparação com os valores existentes na
literatura. Foram utilizadas sete hortaliças no estudo, sendo as hortaliças
pesadas antes e após a seleção e higienização. Após serem calculados os fatores
de correção, observou-se que todos apresentaram-se
superiores aos valores estabelecidos no restaurante. Já se comparado aos
valores da literatura, a maioria das hortaliças apresentou fatores de correção
inferiores ou semelhantes aos encontrados em outros estudos. Os fatores de
correção estabelecidos nos serviços de alimentação devem ser revisados com
frequência, de forma a monitorar a necessidade de alterar esses valores e
identificar as fontes de desperdício excessivo. A minimização da geração de
resíduos no pré-preparo pode ser alcançada por meio de treinamento de
funcionários, adequação dos equipamentos a serem utilizados,
uniformidade da matéria-prima, adequada estocagem e elaboração de fichas
técnicas.
Palavras-chave: desperdício de
alimentos, verduras, serviços de alimentação.
Abstract
This study aimed to evaluate the waste in pre-preparation and
preparation of vegetables in a university restaurant of the central region of
Rio Grande do Sul, by determining the correction
factor and comparison with the values in the literature. Seven vegetables were
used in the study, the vegetables were weighed before
and after cleaning and selection. After the correction factors are calculated,
it was observed that all had to be higher than the values set out in the
restaurant. It has been compared to the literature values, most vegetables had
lower correction factors or similar than those found in other studies.
Correction factors set out in the food services should be reviewed frequently
in order to monitor the need to change these values and identify the sources of
excessive waste. The minimization of waste generation in the pre-preparation
can be achieved through employee training, adequacy of equipment to be used,
uniformity of raw materials, proper storage and preparation of technical cards.
Key-words: food
wastefulness, vegetables, food services.
O desperdício de
alimentos em uma Unidade Produtora de Refeição (UPR) consiste em um problema de
grandes proporções sendo uma questão não apenas econômica como também social e
política, tendo em vista o cenário nacional onde a fome é considerada um
problema de saúde pública [1].
Os principais fatores
que contribuem para o desperdício dos alimentos são o planejamento inadequado
das refeições, a falta de treinamento dos funcionários que trabalham na área de
produção e o fracionamento inadequado dos alimentos [1]. Ainda, o desperdício
está relacionado ao gênero alimentício e ao produto final que se deseja
elaborar [2].
Entre os alimentos
mais desperdiçados estão as hortaliças, que
compreendem as partes comestíveis das plantas, como raízes, tubérculos, caules,
folhas, flores, frutos e sementes, tendo valor significativo de perdas nas
etapas de produção, manejo, estocagem e processamento [3].
No pré-preparo e
preparo das hortaliças estão incluídas as etapas de seleção, pré-lavagem,
descascamento e preparo. Segundo Fonseca et al. [4], as
perdas que ocorrem nessas etapas dependem de fatores como a condição
físico-química da matéria-prima, espessura das cascas removidas, treinamento
dos colaboradores do setor e equipamentos utilizados.
A fim de monitorar as
perdas ocorridas no pré-preparo e preparo de hortaliças utiliza-se o fator de
correção (FC), também conhecido como indicador de desperdício. O fator de
correção é utilizado para determinar a quantidade de alimento que será
descartado na alimentação, devendo ser utilizado para o planejamento
quantitativo do cardápio e seus gêneros, e para monitorar a existência de
desperdício excessivo dos alimentos [5].
A avaliação do
desperdício mostra-se necessária em uma UPR, de modo a minimizar perdas no
processo e diminuir gastos, principalmente em um Restaurante Universitário o
qual deve assegurar aos usuários uma alimentação nutricionalmente
completa, segura e ainda de baixo custo [6]. Dessa forma, há necessidade de
estudos que avaliem as perdas no serviço de alimentação, em especial, das
hortaliças as quais fazem parte do cardápio diário e consistem em uma das
maiores geradoras de desperdício.
Desse modo, o
presente estudo teve como objetivo avaliar o desperdício no pré-preparo e
preparo de hortaliças em um Restaurante Universitário da região central do Rio
Grande do Sul, através da determinação do fator de correção e comparação com os
valores existentes na literatura.
O estudo foi
realizado em um Restaurante Universitário da região central no Estado do Rio
Grande do Sul, tratando-se de uma pesquisa descritiva quantitativa. O
Restaurante Universitário estudado é frequentado por alunos, professores e
servidores da Instituição. O cardápio é caracterizado como simples, de baixo
custo, composto por dois tipos de salada, dois pratos proteicos (prato
principal), uma guarnição, acompanhamentos (arroz e feijão), suco e sobremesa,
sendo servidas diariamente 7000 refeições distribuídas em desjejum, almoço e
jantar.
Os dados foram
coletados no período de outubro a novembro de 2014, totalizando assim 23 dias.
Foram excluídos da análise os dias do final de semana, feriados e as refeições
de desjejum e jantar.
As hortaliças
utilizadas nesta pesquisa foram: abobrinha (Cucurbita
pepo), alface (Lactuca sativa L.), beterraba (Beta vulgaris), cenoura (Daucus carota L.), pepino (Cucumis sativus L.), repolho branco (Brassica oleracea L. var. capitata) e repolho roxo (Brassica oleraceae).
A limpeza dos gêneros
foi realizada conforme o tipo de hortaliça, considerando folhas danificadas,
talos endurecidos, pedaços deteriorados, cascas, raízes e talos centrais.
Para avaliar o
desperdício no pré-preparo de saladas, as hortaliças foram pesadas antes e após
a seleção e limpeza, obtendo-se assim o peso bruto (PB) e peso líquido (PL),
respectivamente. A pesagem foi realizada em uma balança digital do próprio
estabelecimento com capacidade máxima de 500 kg (Balança de Plataforma B 650).
A partir desses
valores pode-se calcular o descarte e o fator de correção (FC) de cada uma das
hortaliças (FC=PB/PL) [5].
Os valores obtidos
foram comparados com os referidos na literatura para esse tipo de restaurante
[7,8] e aos valores pré-estabelecidos pelo próprio serviço de alimentação para
cada uma das respectivas hortaliças, para avaliar se existia desperdício acima
do previsto. Esse procedimento foi realizado para cada tipo de hortaliça
utilizada durante todo o período da coleta de dados, considerando todas as
vezes que essa salada estava repetida no cardápio do mês de análise.
Após as pesagens das
amostras, os dados foram tabulados no software Microsoft Excel® sendo realizada
estatística descritiva (média e desvio padrão).
Fizeram parte do
estudo sete diferentes hortaliças. Durante o período da pesquisa, observou-se
que as hortaliças que mais se repetiram no cardápio nesses dias foram a cenoura, a beterraba, o repolho branco e o repolho roxo.
Tabela
I -
Frequência que a hortaliça foi servida, peso bruto total (kg), peso do resíduo
total (kg) e total descartado (%) no pré-preparo e preparo de saladas durante o
período da pesquisa.
Considerando todas as
hortaliças do estudo, pode-se notar que dos 6620,2 kg de matérias-primas
recebidas no período estudado foram descartados 21,6% entre pré-preparo e
preparo. Dentre as hortaliças, o pepino foi o que apresentou maior percentual
de descarte, seguido pela cenoura, repolho branco e repolho roxo.
Na tabela II, pode
ser observado o peso bruto médio de cada hortaliça e o peso líquido médio
durante o pré-preparo e preparo de saladas e os fatores de correção das
hortaliças analisadas.
Tabela
II -
Peso bruto médio e peso líquido médio (kg),
fator de correção médio e desvio padrão das hortaliças de um Restaurante
Universitário da Região Central do Rio Grande do Sul.
*Fator de correção ±
desvio padrão
Após a avaliação dos
fatores de correção obtidos, observou-se que a beterraba, o repolho roxo e a
cenoura foram às hortaliças que apresentaram os maiores desvios padrões. Essa
variação pode estar relacionada com a condição que a matéria-prima se
encontrava.
Tabela
III
- Média dos fatores de correção das
hortaliças encontrados em um Restaurante Universitário da Região Central do Rio
Grande do Sul e fatores de correção encontrados em outros estudos.
*Valores de fator de
correção pré-estabelecidos no Restaurante Universitário; **n.e.:
não estabelecido.
Ao observar o fator
de correção encontrado para cada hortaliça no Restaurante Universitário e
comparando com o encontrado por outros autores, observa-se que a beterraba, a
cenoura e o repolho branco apresentaram FC inferior ao estabelecido por Ricarte et al. [7] e
Monteiro et al. [8]. Já quando comparado aos valores pré-estabelecidos no
Restaurante Universitário, todas as hortaliças analisadas apresentaram fatores
de correção superiores.
Em estudo realizado
por Vanin e Novello [9], o
índice de desperdício encontrado para a alface e para o pepino foi de 17,43 e
26,05%, respectivamente. Esses valores se assemelham ao encontrado no estudo
com relação ao pepino, que apresentou desperdício de 23,8%. Sugere-se que o
motivo que levou o pepino a apresentar maior índice de desperdício no estudo é
o fato da manipulação dessa hortaliça ser exclusivamente manual, sem empregar
nenhum tipo de equipamento no estabelecimento em decorrência da falta de
uniformidade da matéria-prima.
As perdas sofridas
pelos alimentos variam em função de alguns fatores tais como: tipo de alimento,
qualidade e grau de amadurecimento, uniformidade da matéria-prima, técnicas
utilizadas no pré-preparo e da habilidade do operador [9].
Para evitar
desperdícios nas etapas de descasque e corte, Andreatti
et al. [10] referem em seu trabalho a importância do
uso de equipamentos adequados, lâminas apropriadas e pessoal capacitado.
Barros et al. [11] relatam que o treinamento dos
funcionários é fator primordial no controle de desperdício pelo FC, mas
enfatiza que não deve ser visto de forma isolada, pois a qualidade, a
temperatura e características dos alimentos são fatores altamente
influenciáveis nas perdas de matéria-prima e lucro.
Ademais, o número de funcionários
incompatível com o número de refeições produzidas traz agravos na realização do
pré-preparo, podendo influenciar o FC, visto que existe um tempo estimado para
o cumprimento da tarefa. Vale ressaltar que o uso de equipamento manual para o
descasque, associado ao número reduzido de funcionários, pode potencializar a
tendência à maior retirada de partes comestíveis dos alimentos [12].
Em estudo realizado
por Ricarte et al. [7],
observou-se desperdício significativo de vegetais folhosos por técnicas
inadequadas aplicadas no pré-preparo. Na UPR em estudo, também foi identificada
técnica inadequada de pré-preparo de vegetais folhosos, sendo observada
excessiva quantidade de aparas sem que houvesse necessidade, pois as folhagens
apresentavam-se em ótimo estado de conservação. Essas eram entregues na unidade
três vezes por semana, com base na definição do cardápio sempre apresentando
excelente qualidade. Após verificação no recebimento, eram armazenadas sob refrigeração por um período máximo de dois dias.
Ricarte et al. [7], descrevem a importância do armazenamento de frutas e
vegetais sob refrigeração, recomendando temperatura de até 10oC por até uma
semana para esses alimentos. Além das condições de tempo e temperatura, devem também ser observadas a limpeza, rotatividade de
estoque e ventilação dos alimentos, pois assim a vida útil desses alimentos
pode ser aumentada, as características nutricionais e sensoriais podem ser
mantidas e as perdas por deterioração, reduzidas.
Segundo Vanin e Novello
[9] a inclusão
das hortaliças e frutas nos cardápios de uma UPR abrange
um planejamento físico
funcional que envolve o dimensionamento da área de
recepção, armazenagem e
pré-preparo. Para a utilização das
hortaliças na alimentação, é
necessário que
estas matérias-primas sofram processos de limpeza,
subdivisão e cocção, gerando
aparas e cascas.
Dentre as hortaliças
avaliadas, a abobrinha, a beterraba, o repolho branco e o repolho roxo
apresentaram fator de correção inferior ao estabelecido por Ricarte
et al. [7]. Os fatores de correção médios
da alface do pepino e do repolho roxo se aproximaram dos estabelecidos por
Monteiro et al. [8].
Apesar dos FC das
hortaliças avaliadas se encontrarem inferiores aos apresentados pela literatura, estes se mostram superiores aos
estabelecidos no Restaurante Universitário.
Para Silvério e Oltramari [13] cada serviço de alimentação deve criar e
rever regularmente sua lista de FC de acordo com a qualidade da matéria-prima
adquirida, isso trará maior segurança na elaboração das compras e permitirá
detectar e controlar possível desperdício no pré-preparo.
Além de estabelecer
os FC, cada unidade deve elaborar Fichas Técnicas de Preparo (FTP), tendo-se
assim a normatização das operações realizadas e evitando o desperdício [14]. A
FTP consiste em um instrumento gerencial de apoio operacional, pelo qual se
fazem o levantamento dos custos, a ordenação do preparo e o cálculo do valor
nutricional da preparação.
Para o funcionário,
esta padronização facilita a execução de tarefas sem a necessidade de
instruções frequentes, além de propiciar mais segurança no ambiente de trabalho
[15].
De acordo com Barros et al. [11] o desperdício de partes
comestíveis dos alimentos é visto como fator importante na gestão de uma UPR,
pois caracteriza falta de técnicas adequadas de manipulação, compra excedente e
prejuízo na qualidade nutricional dos alimentos.
Portanto, a
minimização da geração de resíduos no pré-preparo pode ser alcançada por meio
de treinamento de funcionários, verificação e análise do local de estocagem,
equipamentos e utensílios a serem utilizados, habilidade do manipulador e
sequência exata da preparação, que pode ser conseguida com o uso de ferramentas
de padronização. Deve ser dada importância ao critério de escolha de
fornecedor, pois grandes influências ocorrem, podendo variar muito as perdas
sofridas nos alimentos, em função do grau de amadurecimento, qualidade e safra
[16]. Evitar desperdício reduz custos, diminui impactos social e ambiental e
pode aumentar o lucro [17,18].
Sabe-se que, no
gerenciamento de uma UPR, o desperdício é um quesito relevante, sinônimo de
falta de qualidade do serviço; portanto, um planejamento apropriado deve ser
levado em consideração para que perdas sejam minimizadas durante o
processamento [7,9, 19-21].
Atualmente, espera-se
que o profissional responsável pelo planejamento do cardápio faça uma previsão
do processo de reaproveitamento. Lemos et al. [20]
sugerem receitas com o aproveitamento de talos de agrião ou couve para a
produção de farofas ou sucos, agregando valor nutritivo à preparação e
prevenindo que as perdas não se transformem em custos para a unidade de
processamento.
A partir dos
resultados obtidos, pode-se perceber que a maioria das hortaliças apresentou
fatores de correção inferiores aos descritos na literatura, indicando assim, a
não existência de desperdício excessivo na retirada dos talos e cascas.
No entanto, se
comparado com os fatores de correção pré-estabelecidos no restaurante
universitário em questão, observou-se que todas as hortaliças avaliadas
apresentaram valores acima do estabelecido, apresentando, assim, desperdício
acima do previsto pelo restaurante.
Conclui-se que seria
importante a realização de capacitações frequentes para avaliar as
características dos vegetais no recebimento, como tamanho e peso, grau de
maturação e ausência de danos físicos e mecânicos, a fim de evitar perdas pela
má qualidade no recebimento. Ademais, seria importante realizar a revisão dos
fatores de correção estabelecidos no restaurante e das fichas técnicas.
Com relação ao
pré-preparo e preparo dos vegetais, seria fundamental realizar treinamentos
junto aos funcionários da unidade, principalmente sobre os cortes das hortaliças,
equipamentos a serem utilizados de modo a reduzir os resíduos gerados.