ARTIGO
ORIGINAL
Avaliação
de análise microbiológica de sobremesas servidas a pacientes internados em
hospital da cidade de Porto Alegre/RS
Microbiological evaluation of desserts served to inpatients of a
hospital of Porto Alegre/RS
Denise Eberhardt*,
Sabrina Argenta Comiran**, Andrea Cristina da Silva Gonzales, M.Sc.***, Ivete de Deos Fontoura****
*Nutricionista
da Seção de Produção de Alimentos do Hospital de Clínicas de Porto Alegre,
Pós-graduada em Gestão da Segurança de Alimentos (SENAC/RS), Vigilância
Sanitária e Qualidade dos Alimentos (Estácio de Sá), pós-graduanda em
Tecnologia dos Alimentos (Estácio de Sá), Especialista em Alimentação Coletiva
(Asbran), **Nutricionista da Seção de Distribuição de Alimentos do Hospital de
Clínicas de Porto Alegre. Pós-graduada em Nutrição e Dietética (IPA/IMEC) e
Administração Hospitalar e Negócios em Saúde (IAHCS), ***Nutricionista da Seção
de Produção de Alimentos do Hospital de Clínicas de Porto Alegre,
****Nutricionista Chefe da Seção de Produção de Alimentos do Hospital de
Clínicas de Porto Alegre, Pós-graduada em Gestão Hospitalar (Escola Nacional de
Saúde da Fundação Oswaldo Cruz), Especialista em Alimentação Coletiva (Asbran)
Recebido 14 de
setembro de 2016; aceito 15 de junho de 2017
Endereço
para correspondência:
Denise Eberhardt, Rua São Vicente 636/102, 90630-180 Porto Alegre RS, E-mail:
deberhardt@hcpa.edu.br; Sabrina Argenta Comiran: scomiran@hcpa.edu.br; Andrea
Cristina da Silva Gonzales: agonzales@hcpa.edu.br; Ivete de Deos Fontoura: ifontoura@hcpa.edu.br
Resumo
Dietas preparadas
para pacientes internados em hospitais têm sido frequentemente envolvidas em
surtos de doenças de origem alimentar. Este trabalho tem como objetivo avaliar
amostras de sobremesas produzidas e distribuídas no Serviço de Nutrição e
Dietética de um hospital de grande porte situado na cidade de Porto Alegre/RS.
Entre os meses de janeiro e dezembro de 2014, foram analisadas 46 amostras de
sobremesas diversas quanto à presença de Bacillus
cereus, Escherichia coli, Salmonella spp e Staphylococcus aureus. As amostras foram coletadas semanalmente e
enviadas para análise em laboratório terceirizado. O método das análises
microbiológicas seguiu as normas preconizadas na Resolução RDC número 12 de 2 de janeiro de 2001, da Agência Nacional de Vigilância
Sanitária (ANVISA), sobre os Padrões Microbiológicos para Alimentos. Como
resultado, todas as amostras de sobremesa revelaram-se adequadas para o
consumo, de acordo com a resolução vigente, permitindo concluir que as boas
práticas adotadas pelo Serviço de Nutrição e Dietética do hospital no qual foi
realizada a pesquisa garantiram a qualidade e segurança das sobremesas servidas
aos pacientes internados.
Palavras-chave: microbiologia de
alimentos, análise microbiológica, micro-organismos, sobremesas, alimentação
institucional.
Abstract
Diets prepared for patients hospitalized have often been involved in
food-originated disease outbreaks. This paper aims to evaluate samples of
desserts produced and distributed by the Nutrition and Dietetics Service of a
large hospital in the city of Porto Alegre, in the state of Rio Grande do Sul. From January to December of 2014, 46 samples of
various desserts were analyzed for the presence of Bacillus cereus, Escherichia coli, Salmonella spp
and Staphylococcus aureus. The
samples were collected weekly and sent for analysis in a third-party
laboratory. The method of microbiological analysis followed the standards
proposed in Resolution RDC No. 12 of January 2, 2001, of the Brazilian Health
Surveillance Agency (ANVISA), on the Microbiological Standards for Food. As a
result, all dessert samples showed themselves adequate for consumption in
accordance with the current resolution, allowing the conclusion that the good
practices adopted by the Nutrition and Dietetics Service of the hospital in
which the research was conducted guaranteeing the quality and safety of the
desserts served to inpatients.
Key-words: Food
microbiology, microbiological analysis, micro-organisms, desserts, institutional
food.
Em unidades
hospitalares, onde os alimentos são direcionados a pessoas enfermas e cuja
imunidade pode estar debilitada, a responsabilidade com a inocuidade e
segurança dos alimentos é ainda maior que em outros ambientes, podendo um surto
de toxinfecção alimentar trazer consequências desastrosas e agregar risco de
morte aos pacientes [1].
Todos os alimentos,
tanto de origem animal quanto vegetal, podem apresentar contaminação pelos mais
diversos tipos de micro-organismos, os quais fazem parte de suas floras
habituais, sendo que o risco de toxinfecções por alimentos está diretamente
relacionado ao intervalo decorrido entre a cocção e o consumo. Tempo e
temperatura são imprescindíveis para a segurança microbiológica dos produtos
processados. Outro aspecto importante que deve ser observado para assegurar a
qualidade higiênico-sanitária dos alimentos é o resfriamento das preparações –
se realizado de maneira inadequada, representa um dos fatores que contribui com
maior frequência para a determinação de surtos de toxinfecções alimentares [2].
A Diretoria Colegiada
RDC nº12, publicada em 2 de janeiro de 2001, é a
legislação que aprova o Regulamento Técnico sobre os padrões microbiológicos
para alimentos, cujo objetivo é estabelecer os padrões e determinar os
critérios para a conclusão e interpretação dos resultados das análises
microbiológicas de alimentos destinados ao consumo humano. Nela estão
relacionados 28 grupos de alimentos, considerando micro-organismos e tolerância
para amostras indicativas e representativas [3].
Registros
epidemiológicos revelam que a maioria dos surtos de DVA (Doenças Veiculadas por
Alimentos) é causada por alimentos preparados em serviços de alimentação, sendo
as bactérias o principal agente causador dos surtos [4]. As bactérias
analisadas neste estudo foram a Salmonella
spp, Escherichia coli, Staphylococcus aureus e Bacillus cereus.
A Salmonella spp pertence à família
Enterobacteriacea e se apresenta como bacilos Gram
negativos, não produtores de esporos anaeróbios facultativos. As Salmonelas são
amplamente distribuídas na natureza, sendo o trato intestinal do homem e de
animais seu principal reservatório natural. Em relação à epidemiologia,
atualmente a Salmonella spp é um dos
micro-organismos mais frequentemente envolvido em casos e surtos de DVA em
diversos países, inclusive no Brasil. As principais estratégias de prevenção da
salmonelose devem ser: seleção da matéria-prima, utensílios e equipamento
cuidadosamente higienizados; controle adequado da temperatura de cocção e
armazenamento; fornecimento de água potável e adequado sistema de tratamento de
lixo e esgoto; adoção de boas práticas de fabricação e implantação do sistema
APPCC (Análise de Perigos e Pontos Críticos de Controle); afastamento dos
portadores assintomáticos da área de produção; e métodos de preservação e de
transporte adequados [5]. Os sintomas da salmonelose são diarreia, mal-estar e
cólicas, com ou sem febre, e podem ocorrer de 8 a 22 horas após a ingestão dos
alimentos contaminados [6].
Staphylococcus aureus é uma bactéria em forma de coco, Gram
positiva, a qual ocorre em pares, em pequenas cadeias ou em cachos. Os
estafilococos existem no ar, na poeira, no esgoto, na água, no leite e nos
alimentos ou equipamentos de processamento de alimentos, nas superfícies
expostas aos ambientes, nos seres humanos e nos animais, sendo estes seus
principais reservatórios. Os estafilococos estão presentes nas vias nasais e na
garganta, além do cabelo e pele, de 50% ou mais dos indivíduos saudáveis. Essa
incidência pode ser ainda maior para indivíduos associados a ou que entram em
contato com pessoas doentes e ambientes hospitalares. O período de incubação é
de uma a seis horas, predominando vômitos e náuseas, raras diarreias e ausência
de febre [6]. Na prática, a maioria dos surtos envolvendo o Staphylococcus aureus resulta da falta
de cuidados na manipulação dos alimentos e da negligência com a higiene
pessoal, que propiciam a contaminação dos alimentos, além da falta de cuidados
em relação à temperatura de armazenamento ou distribuição [7].
A Escherichia coli é a espécie
predominante entre os diversos micro-organismos anaeróbios facultativos. É um
indicador de contaminação fecal, também chamados de coliformes termorresistentes,
sendo que uma dose infectante alta necessita se multiplicar nos alimentos. Tem
a capacidade de se multiplicar em resíduos de alimentos e nas superfícies de
equipamentos e utensílios [6]. Os sinais e sintomas das infecções causadas pela
Escherichia coli dependem da cepa e
de sua patogenicidade e virulência, bem como da idade e estado imune dos
pacientes. O período de incubação da forma enterotoxigênica varia de 8 a 44
horas, tendo como principais sintomas diarreia aquosa, febre, cólicas
abdominais, mal-estar e náuseas [2].
O Bacillus cereus tem no solo o seu
reservatório natural e a presença da bactéria ou de seus esporos nos alimentos
é relativamente frequente. Por esta razão, contamina facilmente alimentos como
vegetais, cereais, condimentos, carne bovina, suína e de frango, laticínios,
sorvetes, pudins, pratos a base de vegetais e arroz cozido. O Bacillus cereus
emético produz enterotoxina termoestável no alimento, causando toxinose
alimentar; já o Bacillus cereus
diarreico causa um quadro de infecção intestinal [6]. Os sintomas de
intoxicação alimentar do tipo emético causado pelo Bacillus cereus são náuseas e vômitos, iniciando de 1 a 5 horas
após a ingestão do alimento [8]. Os sintomas de toxinfecção alimentar do tipo
diarreico causado pelo Bacillus cereus
consistem em náuseas, raramente com vômitos, dores abdominais e fezes aquosas
[9]. Considerando as características de disseminação, resistência de esporos e
patogenicidade, o problema assume importância expressiva quando os produtos
contaminados são destinados diariamente a milhares de pessoas [8].
As análises
microbiológicas de alimentos constituem importante apoio às atividades de
inspeção e vigilância sanitária de produtos alimentícios, assegurando a
proteção dê quem o consome, contra os riscos potenciais dos alimentos.
Antigamente, as atividades de controle sanitário de alimentos se limitavam à
observação visual dos produtos, mas com a evolução dos conhecimentos técnicos e
científicos, foram introduzidos progressos significativos nos laboratórios, com
avançadas pesquisas de substâncias tóxicas. Dentre os alimentos mais
frequentemente relacionados a surtos de toxinfecções alimentares, se destacam
as sobremesas, ovos e produtos a base de ovos e leite e derivados [2].
Sendo assim, o
presente trabalho tem como objetivo avaliar a presença de micro-organismos
patogênicos em amostras de sobremesas produzidas e distribuídas aos pacientes
internados em um hospital da cidade de Porto Alegre/RS e verificar a
possibilidade das amostras oferecerem risco de uma enfermidade veiculada por
esses alimentos, para que medidas corretivas possam ser adotadas ou validar as
boas práticas, sendo os resultados satisfatórios.
O trabalho foi
realizado no período de 6
de janeiro a 29 de dezembro
de 2014 em uma Unidade de Alimentação e
Nutrição de um hospital público, geral,
universitário, com capacidade para 845 leitos, o qual atende
prioritariamente
pacientes do SUS (Sistema Único de Saúde), localizado na
cidade de Porto
Alegre/RS. Neste período, foram analisadas 46 amostras de
sobremesas,
preparadas na seção de produção de
alimentos do serviço de Nutrição e
Dietética
do hospital e distribuídas posteriormente aos pacientes
internados. Após serem
produzidas, conforme procedimento padrão, as sobremesas foram
porcionadas em
potes descartáveis de 100 ml e armazenadas em
refrigeração até 5ºC. Das
amostras analisadas, 71,7% foram preparadas com adição de
ovos e/ou leite e
derivados. O restante das amostras (28,3%) não continha estes
ingredientes.
Todas as sobremesas foram produzidas no dia da coleta ou no dia
anterior a
esta.
Foi coletada uma
amostra de sobremesa semanalmente por uma técnica de Nutrição e Dietética ou
por uma nutricionista, com uso de máscara e com mãos e utensílios devidamente
higienizados. Cada amostra foi colocada em um bag apropriado e identificada com o nome da preparação, turno,
manipulador e data da produção. Em seguida, a amostra foi mantida sobre
refrigeração e, no momento da entrega ao responsável do laboratório, colocadas
em caixas térmicas, com gelo, para serem enviadas para a análise
microbiológica.
O hospital onde foram
coletadas as amostras de sobremesa realiza o controle da temperatura de cocção,
da temperatura dos equipamentos, higiene pessoal dos manipuladores e
eventualmente coleta swab de mãos de funcionários, seguindo todas as
recomendações da legislação RDC 216/2004 [10] e a Portaria 78/2009 da
Secretaria de Saúde do Estado do Rio Grande do Sul [11].
Os micro-organismos
analisados foram Bacillus cereus e
Staphylococcus aureus, através da contagem em método cultural, Escherichia
coli, por meio da contagem com uso de substrato cromogênico, e Salmonella spp, através da forma
qualitativa. O resultado foi expresso como a presença ou ausência do
micro-organismo em 25 gramas de alimento e enviado ao hospital no prazo
aproximado de 10 dias após a coleta.
Resultados e discussão
A Tabela I apresenta
a relação de sobremesas preparadas e distribuídas aos pacientes e os resultados
obtidos das análises microbiológicas.
Tabela
I – Relação das
amostras de sobremesa e resultados das análises microbiológicas. (ver anexo em
PF)
No levantamento
realizado, 100% das análises mostraram que nenhum dos micro-organismos
patogênicos analisados foi detectado em quantidades acima do limite
estabelecido. Todas as amostras revelaram-se adequadas para o consumo humano,
de acordo com a resolução vigente.
Das sobremesas
analisadas, o quindão e o mousse de manga, que são preparados à base de ovos,
leite e derivados, apresentaram uma quantidade inferior de Bacillus cereus
(<1x10 UFC/g) comparativamente às demais sobremesas, comprovando que os
procedimentos de boas práticas estão devidamente implementados
no local.
Os princípios de
higiene em qualquer unidade de alimentação e nutrição devem ser rígidos, porque
quanto menor a quantidade de micro-organismos presentes nos alimentos, menor o
risco dos pacientes internados adquirirem doenças veiculadas pelos alimentos
consumidos [12].
Estudos realizados no
Brasil, pelo Ministério da Saúde, referentes ao período compreendido entre 1999
e 2011, mostram que foram notificados 8663 casos de surtos de DVA, acometendo um total 163.425 pessoas. Entre os anos de 2000 e 2011, os
agentes etiológicos de maior ocorrência foram a Salmonella spp, seguida de Staphylococcus
aureus, Escherichia coli e Bacillus cereus [13].
Nos 3737 surtos que
ocorreram no Brasil entre 1999 e 2004, dos 2494 alimentos identificados como
vetores de contaminação, predominaram as preparações a base de ovos (21,1%),
sobremesas (11,5%) e o leite e seus derivados, representando 6,4% [14].
Assim, a análise
microbiológica de alimentos se torna altamente relevante, visto que, em 2013,
no hospital em que foi realizada a pesquisa, dentre todos os alimentos enviados
para as análises microbiológicas, apenas a sobremesa revelou micro-organismos
patogênicos acima da quantidade permitida para o consumo seguro, ou seja,
apresentou condições sanitárias insatisfatórias.
Conforme a avaliação
dos resultados das análises obtidas pelo laboratório, nenhuma das amostras
apresentou micro-organismos patogênicos em quantidades superiores às permitidas
pela legislação vigente.
A contaminação pode
ocorrer em quase todas as etapas da produção das sobremesas, desde o
recebimento e armazenamento dos ingredientes até o preparo, resfriamento e
armazenamento do produto pronto para o consumo. Outro aspecto importante que
contribuiu significativamente no resultado das análises é o controle da higiene
pessoal e procedimento correto de lavagem de mãos, além da higiene de
equipamentos, moveis e utensílios.
O responsável
técnico, juntamente à sua equipe de trabalho, ao seguir todos os critérios
estabelecidos na legislação, tanto de âmbito nacional quanto estadual, está
garantindo a qualidade e segurança dos alimentos aos pacientes internados,
prevenindo o risco de doenças veiculadas por alimentos.
Esses resultados
permitem concluir que as boas práticas adotadas pelo Serviço de Nutrição e
Dietética do hospital no qual foi realizada a pesquisa garantiram a qualidade e
segurança dos alimentos.
Referências