ARTIGO ORIGINAL

Estado nutricional e fatores associados em idosos residentes na área urbana de município do noroeste do Paraná

Nutritional status and associated factors in elderly residents in urban area of the northwest of Paraná

 

Arethuza Sass, M.Sc.*, Ivi Ribeiro Back**, Sonia Silva Marcon***

 

*Nutricionista, Mestre pelo Programa de Pós Graduação em Ciências da Saúde, Rede de Assistência à Saúde Metropolitana, Sarandi/PR, **Nutricionista, Doutoranda do Programa de Ciências da Saúde da Universidade Estadual de Maringá (UEM), ***Professora Titular, Universidade Estadual de Maringá (UEM)

 

Recebido 23 de agosto de 2016; aceito 15 de setembro de 2017

Endereço para correspondência: Ivi Ribeiro Back, Av. Colombo, 5790 Bloco 126 Campus Universitário 87020-900 Maringá PR, Email: iviback@hotmail.com; Arethuza Sass: are_sass@hotmail.com; Sonia Silva Marcon: soniasilva.marcon@gmail.com

 

Resumo

Objetivo: O objetivo do estudo foi verificar a associação do estado nutricional de idosos com fatores sociodemográficos, condições de saúde e capacidade funcional. Metodologia: Estudo transversal de base populacional realizado com idosos residentes na área urbana de Sarandi/PR. Os dados foram analisados utilizando-se regressão logística multinomial. Resultados: Foram avaliados 429 idosos, a maioria (64,33%) do sexo feminino e com idade média de 70,75 anos. Quanto ao estado nutricional, 37,5% dos idosos foram classificados como eutróficos, 31,7% como obesos, 17,0% com excesso de peso e 13,7% com baixo peso. Na análise ajustada, o estado nutricional apresentou associação com fatores sociodemográficos e condições de saúde, sendo que o baixo peso esteve associado com estado civil sem companheiro e obesidade com diabetes e infarto. Conclusão: O elevado percentual de obesidade entre os idosos em estudo evidência a necessidade de implementação de programas de educação nutricional, com intervenções eficazes para controle de peso e assistência social, bem como orientação nutricional e acompanhamento para os que apresentarem baixo peso.

Palavras-chave: idoso, estado nutricional, índice de massa corporal, perfil de saúde.

 

Abstract

Objective: The objective of the study was to assess the association between nutritional status of the elderly with sociodemographic factors, health and functional capacity. Methodology: Cross-sectional population-based study conducted with elderly residents in the urban area of Sarandi/PR, Brazil. Data were analyzed using multinomial logistic regression. Results: We evaluated 429 elderly, the majority (64.33%) were female and the mean age was 70.75 years. Regarding nutritional status, 37.5% of the elderly were classified as eutrophic, 31.7% as obese, 17.0% overweighted and 13.7% underweighted. In the adjusted analysis, nutritional status was associated with sociodemographic factors and health conditions, and low weight was associated with marital status without a partner and obesity with diabetes and heart attack. Conclusion: The high percentage of obesity among the elderly in the study highlighted the need for implementation of nutrition education programs, with effective interventions for weight control, social assistance, nutritional counseling and follow-up for those with low weight.

Key-words: elderly, nutritional status, body mass index, health profile.

 

Introdução

 

O envelhecimento populacional é fenômeno mundial especialmente nos países em desenvolvimento [1]. Estima-se que em 2020 o Brasil alcançará a posição de sexto país do mundo em número de idosos (60 anos ou mais), com mais de 30 milhões de pessoas [2,3]. A cada ano 650 mil novos idosos são incorporados à população brasileira, a maior parte deles convivendo com uma ou mais doenças crônicas e alguns com limitações funcionais [4,5].

No processo de envelhecimento surgem as doenças crônicas degenerativas, a reabilitação tardia e os sinais de doença em fases avançadas, além de agudizar as doenças crônicas não transmissíveis, comprometendo, de forma geral, a funcionalidade e a qualidade de vida [6]. Algumas peculiaridades relacionadas ao processo de envelhecimento são: redução da massa e da forca muscular [7], redução progressiva da altura [6], diminuição da função dos receptores gustativos e olfativos [6], redução do apetite e caquexia [6], fadiga [3], alteração da marcha e do equilíbrio [3] aumento do consumo de medicamentos, depressão e alterações da composição corporal [6]. Essas características podem se agravar quando associadas a outros fatores de risco, como o tabagismo, sedentarismo, alcoolismo e maus hábitos alimentares [8].

Alterações no estado nutricional favorecem o aumento da morbi-mortalidade, especialmente entre idosos que também podem apresentar comprometimento na qualidade de vida [9]. O baixo peso, por exemplo, com elevada prevalência nos países em desenvolvimento, predispõe a uma série de complicações graves, incluindo a tendência a infecção, deficiência de cicatrização de feridas, falência respiratória e insuficiência cardíaca [6]. Já o sobrepeso e a obesidade constituem fatores de risco para um número variado de agravos à saúde, sendo uma questão de saúde pública [9,10]. Visto que há um crescente aumento de sobrepeso e obesidade na população mundial [8] com uma prevalência global de 32,7% de idosos com sobrepeso e 12,4% de idoso obesos [10].

Em consequência das alterações do estado nutricional a avaliação do estado nutricional é utilizado tanto na prática clínica quanto em estudos epidemiológicos [1] e objetiva identificar pessoas com risco de apresentar complicações associadas ao mesmo, propor possíveis intervenções e monitorar a eficácia da intervenção [4]. O estado nutricional do idoso pode ser avaliado de diferentes formas [11], dentre elas destaca-se o Índice de Massa Corporal (IMC) que é o método mais utilizado em pesquisas, por ser prático e de custo muito baixo [11-13].

No Brasil, poucos estudos têm focalizado o perfil dos idosos com alterações nutricionais apesar de sua importância para o planejamento de ações em saúde. Verifica-se que as alterações anatômicas e funcionais do organismo e que são próprias do envelhecimento, por si só, podem comprometer a condição de saúde e a nutrição do idoso. Deste modo, o objetivo do presente estudo foi verificar a associação do estado nutricional de idosos, com fatores sociodemográficos, condições de saúde e capacidade funcional.

 

Material e métodos

 

Estudo transversal, de base populacional realizado com idosos residentes na área urbana de Sarandi/PR, o qual tem um índice de desenvolvimento humano (IDH) de 0,768, se localiza a 416,6 km da capital, Curitiba [14], e apresentava em 2010, 82.847 habitantes, dos quais 99,15% residiam na área urbana e 9.51% (7.884) tinha 60 anos ou mais [15].

Para o cálculo do tamanho da amostra considerou-se a população idosa residente na área urbana do município (6527 idosos), intervalo de confiança de 0,95, prevalência do desfecho de 38% e margem de erro de 0,05 acrescido de 20% para possíveis perdas e/ou recusas, totalizando 436 idosos. Foram efetivamente estudados 429 idosos visto que sete foram excluídos do estudo devido a impossibilidade de mensuração das medidas.

Para a seleção dos indivíduos incluídos no estudo foi utilizado a técnica de amostragem sistemática proporcional sendo os setores censitários urbanos utilizados como unidade amostral primária e os domicílios como unidade amostral secundária.

A amostragem sistemática na seleção dos domicílios foi realizada a partir de um croqui de cada setor censitário com os quarteirões numerados. O ponto de início do percurso assim como, a esquina inicial de cada setor foi sorteado caminhando sempre em sentido horário. Para melhor distribuição no efeito de vizinhança, foi sorteado um domicílio e saltado três. Não coincidindo a casa escolhida com a presença do idoso, este foi procurado no domicílio seguinte apenas uma vez, e na existência de mais um idoso no domicílio, foi realizado sorteio simples entre eles.

Os dados foram coletados no período de setembro de 2010 a fevereiro de 2011, por meio de entrevista semi-estruturada com auxílio de um formulário elaborado pela pesquisadora e aplicado por dois entrevistadores devidamente treinados em três encontros de quatro horas cada. A avaliação do estado nutricional foi realizada apenas pela pesquisadora principal.

O peso (kg) e a estatura (m) foram mensurados de acordo com as técnicas propostas por Gordon et al. [16]. Para aferir o peso foi utilizado balança digital portátil Plenna® modelo Sport, com capacidade de 150 kg e divisão de 100 g. A mensuração da estatura foi realizada utilizando estadiômetro portátil marca Sanny®, capacidade máxima de 204 cm e precisão de 5 mm. A variável dependente foi o estado nutricional avaliada pelo IMC e analisado de acordo com pontos de corte recomendados pela Organização Pan-Americana de Saúde [17] (OPAS) em: baixo peso (IMC ≤ 23 kg/m2), peso adequado (23 < IMC < 28 kg/m2), excesso de peso (28 ≤ IMC < 30 kg/m2) e obesidade (IMC ≥ 30kg/m2).

As variáveis independentes sociodemográficas compreenderam: faixa etária (categorizada em 60-69 anos, 70-79 anos e 80 ou mais anos), sexo (masculino / feminino), cor autodeclarada (branco / não branco), escolaridade (anos de estudo: 0 a 4 anos; 5 a 8 anos; 9 a 11 anos e maior ou igual a 12 anos), estado civil (união consensual, solteiro, divorciado e viúvo), arranjo familiar (mora sozinho/acompanhado), situação ocupacional (ativo/ inativo economicamente), classe econômica de acordo com o Critério de Classificação Econômica Brasil [18] agrupadas em classe A (A1+A2), B (B1+B2), C (C1+C2) e D(D+E), renda familiar classificada em salários mínimos (SM) (até 1 SM, de 1-2 SM, superior a 2 SM).

As variáveis relacionadas as condições de saúde foram: a) consumo de bebida alcoólica, b) tabagismo, c) prática de atividade física, d) uso de prótese dentária, e) queda nos últimos 6 meses, f) diagnósticos médicos (diabetes, hipertensão arterial, insuficiência cardíaca, infarto agudo do miocárdio, acidente vascular encefálico (AVE), osteoartrite, doença pulmonar obstrutiva crônica, osteoporose, depressão e câncer). g) número de diagnósticos, h) número de internações nos últimos 12 meses, i) auto avaliação de saúde.

O grau de dependência funcional foi avaliado por meio da escala de Atividades Básicas da Vida Diária (ABVD) [19] e escala de Atividades Instrumentais da Vida Diária (AIVD) [20]. O idoso foi classificado como independente quando não relatou necessidade de ajuda para realizar qualquer uma das atividades apresentadas nas escalas ABVD e AIVD; e com algum grau de dependência quando relatou necessidade de ajuda parcial ou total em pelo menos uma das atividades.

Foi realizada dupla digitação dos dados, com a finalidade de conferir possíveis inconsistências. Realizou-se estatística descritiva dos dados, sendo que para as variáveis qualitativas foi realizada frequência e porcentagem e para as variáveis quantitativas calculou-se média e desvio padrão. Os fatores associados ao estado nutricional foram analisados pelo teste qui-quadrado. O nível de significância adotado foi de 5%. Para avaliar o efeito conjunto dos fatores associados sobre o estado nutricional, utilizou-se a análise de regressão logística múltinomial, sendo incluídas no modelo as variáveis que apresentaram p < 0,20 na análise univariada. O odds ratio e seu respectivo intervalo com 95% de confiança foram calculados no modelo final. Toda a análise foi conduzida utilizando o software Statistica 7.1.

O desenvolvimento do estudo ocorreu em conformidade com o preconizado pela Resolução 196/96 do Conselho Nacional de Saúde e seu projeto foi aprovado pelo Comitê Permanente de Ética em Pesquisa com Seres Humanos da Universidade Estadual de Maringá (Parecer no519/2010). Todos os indivíduos que aceitaram participar do estudo assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido em duas vias.

 

Resultados

 

Dos 429 idosos em estudo, a maioria (64,33%) era do sexo feminino (n = 276). A idade dos participantes variou de 60 a 97 anos, com média de 70,75 (± 8,12) anos, sendo que as mulheres apresentaram média de 70,99 (± 8,5) anos e os homens de 70,33 (± 7,33) anos. A diferença das médias de idade entre os sexos não foi significativa (p = 0,72).

Quanto a avaliação antropométrica verificou-se que o peso médio foi de 68,79 kg, estatura 1,55 m e IMC de 28,33 kg/m². Em relação ao estado nutricional, 7,5% dos idosos eram eutróficos, 31,7% obesos, 17,0% apresentavam sobrepeso e 13,7% baixo peso. Observou-se associação estatisticamente significativa entre sexo e estado nutricional (p = 0,04), sendo a obesidade mais prevalente nas mulheres, em indivíduos com 60-69 anos (p < 0,01) e em união consensual (p = 0,04). Os idosos mais velhos (80 anos ou mais) apresentaram maior proporção de baixo peso e os mais jovens de sobrepeso e obesidade. Idosos solteiros/separados/divorciados apresentaram maior baixo peso (Tabela I).

O estado nutricional também apresentou associação estatisticamente significativa com condições de saúde e tabagismo, sendo a obesidade mais prevalente entre idosos com DM, hipertensão, infartados, com osteoporose, osteoartrite e que apresentavam dois ou mais diagnósticos (Tabela II).

Também foi observada associação estatisticamente significativa do estado nutricional e o grau de dependência funcional para ABVD e AIVD (p = 0,01 e p = 0,02 respectivamente), sendo o baixo peso mais prevalente em idosos com algum grau de dependência para ABVD e obesidade em idosos com algum grau de dependência para AIVD (Tabela III).

Na análise ajustada, foi confirmada associação do estado nutricional com algumas variáveis independentes (Tabela IV). O baixo peso por exemplo apresentou associação com estado civil, sendo que idosos sem companheiro apresentaram 3,40 vezes mais chances de apresentarem baixo peso. Os idosos com situação ocupacional inativo apresentaram 0,35 vezes menos chances de sobrepeso. A obesidade mostrou estar estatisticamente associada com presença de diabetes e infarto, enquanto que o tabagismo foi um fator protetor para obesidade, visto que os fumantes apresentaram 0,18 vezes menos chances de obesidade.

 

Tabela I - Associação da classificação do estado nutricional de idosos (pelo Índice de Massa Corporal) e as variáveis sociodemográficas no município de Sarandi/PR,2010.

 

*SM = Salário mínimo vigente no início da pesquisa em setembro de 2010 = R$510,00; Teste Qui Quadrado

 

 

Tabela II - Associação do estado nutricional pelo Índice de Massa Corporal dos idosos com as condições de saúde no município de Sarandi/PR, 2010

 

AVE = acidente vascular encefálico; DPOC = Doença pulmonar obstrutiva crônica; Teste Qui Quadrado

 

Tabela III - Associação da classificação do estado nutricional pelo Índice de Massa Corporal e as variáveis referentes a capacidade funcional no município de Sarandi/PR, 2010.

 

ABVD =Atividade básica de vida diária; AIVD= Atividade instrumentais de vida diária;Teste Qui Quadrado.

 

Tabela IV - Modelo de regressão logística multinomial da associação do estado nutricional dos idosos e as variáveis* sociodemográficas, condições de saúde, Sarandi/PR, 2010.

 

*Variáveis estatisticamente significativas p<0,05; Análise de regressão logística múltinomial.

 

Discussão

 

Atualmente diversos estudos têm mostrado interesse no estado nutricional de idosos. Contudo, até o presente momento, a literatura não apresenta estudos consagrados da associação do estado nutricional de idosos, segundo IMC, com fatores sociodemográficos, condições de saúde e capacidade funcional. Neste estudo observou-se que 48,7% dos idosos já apresentavam sobrepeso ou obesidade enquanto 13,7% tinha baixo peso. Na análise ajustada, o baixo peso esteve associado com estado civil sem companheiro, e obesidade com diabetes e infarto.

Diferentes critérios e parâmetros têm sido utilizados para avaliar o estado nutricional de idosos [12]. Para alguns autores o IMC é considerado o melhor indicador de massa corporal no adulto [15], e, apesar de não indicar a composição corporal, a facilidade de sua mensuração e sua relação com morbi-mortalidade parecem ser motivos suficientes para sua ampla utilização como indicador do estado nutricional em estudos epidemiológicos, que podem ou não associar com outras medidas antropométricas [10]. Porém, verifica-se que não há consenso sobre os valores para discriminar o baixo peso e a obesidade em idosos, segundo o IMC.

No presente estudo em que foram adotados os parâmetros da OPAS, 37,5% dos idosos apresentavam peso normal, 31,7% obesidade, 17,0% sobrepeso e 13,7% baixo peso. Vale ressaltar que ainda é muito discutida a classificação do estado nutricional de idosos segundo o IMC, havendo algumas divergências quanto aos valores utilizados [21]. Estudo que utilizou os parâmetros da Organização Pan-Americana de Saúde [17] em investigação com idosos que frequentavam a Unidade Básica de Saúde, em São Paulo, encontraram valores semelhantes aos da presente pesquisa (41% eutróficos, 15,1% baixo peso, 15,1% sobrepeso e 28,8% obesos) [22]. Estes resultados, no entanto, diferem dos encontrados na Pesquisa Saúde Bem Estar e Envelhecimento (SABE) também realizada em São Paulo, utilizando os mesmos parâmetros propostos pela OPAS, visto ter encontrado maior prevalência de idosos com peso normal (43,0%) seguida de idosos com baixo peso (24,5%), com obesidade (20,8%) e com sobrepeso (12,1%) [23].

Por outro lado, no estudo realizado com idosos cadastrados no “Programa Municipal da Terceira Idade - PMTI” de Viçosa/MG, que utilizou a classificação do IMC proposta por Lipschitz, a obesidade esteve presente em mais da metade (50,5%) dos idosos avaliados, e o baixo peso em 11,8% [24]. Em âmbito internacional, observamos que idosos avaliados no México apresentaram baixa prevalência de baixo peso e superior de sobrepeso, quando comparado ao presente estudo, correspondendo a 1,4% e 62,3%, respectivamente [25]. Esse resultado provavelmente está relacionado à utilização dos pontos de corte proposto pela Organização Mundial da Saúde [26], os quais foram estabelecidos a partir de dados antropométricos de indivíduos adultos.

Neste sentido estudo que comparou o estado nutricional de idosos de dois municípios brasileiros, utilizando a classificação de Lipschitz observaram frequência maior de baixo peso (28,9%) em Antonio Carlos/SC e de excesso de peso (52,8%) em Lafaiete Coutinho/BA [27].

A discrepância nos resultados encontrados indica a importância em se utilizar parâmetros específicos para população idosa e reforça a necessidade de cautela na interpretação dos dados. A faixa de IMC desejável proposto pela Organização Pan Americana de Saúde [17] para idosos, é ≥ 23 e ≤ 28 kg/m2, e no proposto por Lipschitz (1994) varia de 22 a 27 kg/m2. Ou seja, os dois critérios propõem parâmetros mais elevados que a recomendação da OMS (18,5-24,9 kg/m2) para indivíduos adultos. Estas diferenças podem levar a subestimação do baixo peso ou superestimação do sobrepeso ou obesidade quando considerado a classificação da OMS.

As próprias características do envelhecimento condicionam o estado nutricional dos idosos [13]. O isolamento familiar ou social do idoso, muitas vezes causado pela perda do conjugue, contribui para a perda de peso [28]. O estado civil viúvo não apresentou associação com estado nutricional, contudo o baixo peso apresentou associação com o fato do idoso ser solteiro, divorciado ou separado, condição que pode levá-lo à perda do apetite e desestimulo à preparação dos alimentos, devido especificamente à ausência de companhia para realizar as refeições.

Nessas circunstâncias, o apoio dos familiares e amigos é relevante, já que tem sido demonstrada a associação entre baixo peso e mortalidade. Estudo de coorte realizado em Taiwan verificou que o baixo peso (IMC < 21 kg/m2) esteve associado à mortalidade em todas as faixas etárias analisadas [29].

No presente estudo o excesso de peso apresentou associação com situação ocupacional, sendo que idosos inativos, ou seja, aqueles que não exerciam atividade remunerada apresentaram menor chance de sobrepeso. Estes resultados diferem do encontrado no estudo realizado com idosos cadastrados no Programa de Saúde da Família (PSF) em Viçosa/MG, no qual foi evidenciada associação entre aposentadoria e inadequado estado nutricional, tanto para o baixo peso quanto para o sobrepeso quando agrupados, e ao sobrepeso de forma isolada [10]. Resultados estes que podem ser consequência do próprio isolamento dos idosos assim como decorrentes do próprio envelhecimento fisiológico com a diminuição das papilas gustativas e anorexia.

Quanto às doenças cardiovasculares, constatou-se que a prevalência de obesidade foi aproximadamente quatro vezes maior entre aqueles que referiram infarto, o que corrobora resultado de pesquisa realizada no México com 4605 idosos (OR = 1,6) [30], assim como com demais dados da literatura que já identificam a obesidade como um fator de risco para doenças cardiovasculares. Contudo, em idosos longevos (≥ 80 anos) de Veranopólis/RS, não foi encontrada associação entre obesidade e infarto [31].

Foi observada associação significativa entre obesidade e diabetes, tal como identificado em estudo com idosos em Bambui, Minas Gerais [32]. Deveras, o diabetes é uma importante causa de morbidade e mortalidade entre idosos, sendo o excesso de peso um fator de risco para diabetes. Contudo, nas cidades integrantes da Pesquisa Sabe (São Paulo, Havana, Santiago, Cidade do México, Montevidéu e Bridgetown) não foi observada associação entre obesidade e o diabetes, sugerindo limitação referente ao delineamento do estudo, devido a mudanças de peso que podem ter ocorrido após o diagnóstico de diabetes, como consequência da doença ou por recomendação médica [33].

Constatou-se que os idosos fumantes apresentavam menor chance de ter obesidade, como já identificado em outros estudos [30,32]. Ressalta-se que em estudo realizado com idosos finlandeses foi observado que a associação entre tabagismo e obesidade depende do número de cigarros fumados por dia, existindo maior risco em fumantes pesados (>20 cigarros /dia) do que em fumantes leves (10-19 cigarros/dia) [34].

Contudo, em pesquisa realizada com idosos residentes em Porto Alegre/RS verificou-se que fumar ou ser ex-fumante associa-se a obesidade e que os ex-fumantes apresentam prevalência maior de obesidade (IMC > 27 kg/m2) quando comparado ao grupo dos fumantes [35].

 

Conclusão

 

O desenvolvimento de planos de ação que priorizem políticas públicas voltadas para a obesidade nos idosos é primordial para o controle de peso e melhoria do estado nutricional. O elevado percentual de idosos com obesidade identificado no estudo merece atenção devido a sua associação com as doenças crônicas não transmissíveis os quais aumentam o risco de morbi-mortalidade, especialmente entre idosos.

O incentivo e orientação para a escolha e preparo de alimentos saudáveis e para a realização de refeições com companhia e em lugares agradáveis se fazem necessários, pois ao mesmo tempo em que a obesidade merece atenção especial para combate desta problemática, a ausência de companheiro está associada à ocorrência de baixo peso, o que por sua vez constitui fator associado a mortalidade em idosos. Neste sentido é válido motivar os idosos que moram só a realizar suas refeições em grupo.

Os resultados do estudo ampliam o conhecimento sobre a associação do estado nutricional com fatores sociodemográficos, condições de saúde e capacidade funcional, porém a realização de pesquisas longitudinais se faz necessário para estabelecer os fatores determinantes do estado nutricional, já que o delineamento transversal adotado não permite afirmar que existe relação de causalidade nas associações encontradas. Por fim, a identificação de associação entre estado nutricional e variáveis sócio-demográficas, condições de saúde e capacidade funcional dos idosos permite o desenvolvimento de intervenções dirigidas às reais necessidades desta população.

 

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