ARTIGO
ORIGINAL
Avaliação
microbiológica de fórmulas infantis para lactentes comercializadas em
Joinville/SC
Microbiological assessment of infant formulas sold in Joinville/SC
Beatriz Granza de
Mello*, Tânia Regina de Oliveira Rosa, M.Sc.**
*Acadêmica
do curso de Nutrição da Associação Educacional Luterana Bom
Jesus/IELUSC,
**Docente
do curso de Nutrição da Associação Educacional Luterana Bom
Jesus/IELUSC
Recebido 15 de
dezembro de 2016; aceito 15 de setembro de 2017
Endereço
para correspondência:
Beatriz Granza de Mello, Rua Belém do Pará, 252, Aventureiro, Joinville/SC,
E-mail: beatriz_g_mello@hotmail.com; Tânia Regina de Oliveira Rosa: taniarprof@gmail.com
Resumo
Em virtude de sua
imaturidade imunológica o recém-nascido se torna mais vulnerável a infecções,
estando ainda mais expostos a possíveis contaminações em fórmulas infantis
(FI). O objetivo deste trabalho foi analisar microbiologicamente FI de partida
e comparar os resultados às recomendações da resolução RDC nº12 de 2001 da ANVISA.
Foram adquiridas 9 fórmulas de partida; 4 para
lactentes saudáveis, 3 antirrefluxo e 2 de soja. O perfil microbiológico foi
realizado por cultura em placas de ágar sangue, MacConkey e chocolate, além de
provas confirmatórias. Observou-se crescimento de bactérias como Escherichia coli, Enterococcus sp, Streptococcus sp, Staphilococcus sp, Salmonella sp e
fungo Aspergillus sp. Das 9 fórmulas, apenas duas (22,22%) podem ser consideradas
dentro dos padrões da resolução citada. Assim, fica clara a importância do
correto processamento e manipulação destes produtos para prevenir surtos
infecciosos e garantir a proteção dos lactentes.
Palavras-chave: fórmulas infantis,
vigilância sanitária, microorganismos, recém-nascido.
Abstract
Because of its immune immaturity the newborn is more vulnerable to
infections, being more exposed to possible formula contaminations. The objective of this study was to analyze, from the microbiological
view, samples of starting infant formulas available at Joinville/SC and compare
them to the Anvisa resolution RDC nº12/2001
parameters. We acquired 9 starting formulas; 4 for healthy infants, 3 for antireflux and 2 soy made. The microbiological profile was
performed in blood, MacConkey and chocolate cultures and results were verified.
We detected bacterias as Escherichia coli, Enterococcus sp,
Streptococcus sp, Staphilococcus
sp, Salmonella
sp e fungus Aspergillus
sp. From the 9 formulas, only two of them (22,22%)
could be considered in accordance to the resolution. This result turns clear
the need for a correct manipulation and making process to avoid infection
outbreaks and to turn effective the new born protection.
Key-words: infant
formula; sanitary surveillance, microoganisms,
newborn.
A amamentação
equivale a uma das mais precoces experiências nutricionais do bebê e nenhum
alimento ou leite industrializado e modificado consegue oferecer todos os
ingredientes e benefícios do leite materno, apesar disso, inúmeras crianças
necessitam de alternativas seguras [1].
O aleitamento materno
é recomendado pelo Ministério da Saúde como fonte de alimentação exclusiva do
recém-nascido (RN) até os 6 meses e complementado até
os dois anos ou mais. Porém, diante da impossibilidade da amamentação
utilizam-se fórmulas infantis (FI) que busquem atender às suas necessidades;
para crianças menores de 6 meses são utilizadas
fórmulas de partida e, a partir disso, de segmento [2].
Segundo a Agência
Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), FI de
partida para lactentes é o produto, em forma líquida ou em pó, utilizado sob
prescrição, especialmente fabricado para satisfazer, por si só, as necessidades
nutricionais dos lactentes sadios durante os primeiros 6 meses de vida (5 meses
e 29 dias). Estas podem ser de origem animal ou vegetal (soja) e as FI de
origem animal podem ser hidrolisadas, antirregurgitação ou isentas de lactose
[3,4].
As FI usuais são
criadas a partir de modificações industriais no leite bovino ou de outros
mamíferos para que se assemelhem ao leite materno. Contudo, sua composição é
fixa, diferente da do leite humano, que sofre pequenas adaptações de acordo com
mãe e filho [5].
As fórmulas à base de
soja são indicadas em casos de intolerância à lactose, galactosemia e alergia à
proteína do leite de vaca (APLV) [6]. Apesar de ser amplamente indicada a
crianças com APLV, em 2010, a organização mundial de alergias (OMA) divulgou um
documento no qual desaconselha o uso de soja para crianças menores de 6 meses devido aos riscos a reações adversas, sendo recomendada
aos lactentes alérgicos o uso de fórmulas extensamente hidrolisadas que, além
de serem utilizadas nestes casos, também são indicadas em casos síndromes
disabsortivas, hipoalbuminemia, transição de nutrição parenteral para enteral e
na realimentação de pacientes críticos [4,7].
Fórmulas
antirregurgitamento são recomendadas para o tratamento não medicamentoso do
refluxo gastro-esofágico e possuem, usualmente, amido em sua composição, que
gera espessamento quando em contato com o suco gástrico [8].
A lactose é o
principal carboidrato do leite e das fórmulas. Geralmente, nos leites sem
lactose, este carboidrato é substituído por hidratos de carbono. Estas FI são
indicadas para lactentes que possuem deficiência primária de lactase, lesão da
mucosa intestinal, desnutrição grave ou má absorção de lactose [4].
Durante os processos
de produção, elaboração, transporte e armazenamento, qualquer alimento ou
produto alimentício fica vulnerável a contaminações físicas, químicas e
microbiológicas, que quando protagonizadas por microorganismos (MO) patogênicos
não causam nenhuma alteração nas características habituais, sendo quase
impossível a identificação ao olho nu [9]. Particularmente, as FI oferecem
excelente substrato para o desenvolvimento de MO, pois constituem um ambiente
rico em nutrientes, gorduras e carboidratos [10].
Em virtude de sua
imaturidade imunológica, o RN se torna mais vulnerável a infecções, sendo
imprescindível a proteção conferida pelo aleitamento materno. Essa fragilidade
torna-os ainda mais expostos a possíveis contaminações em fórmulas, que por ser
fonte exclusiva de nutrição nos primeiros 6 meses, é
consumida em elevada quantidade, criando a possibilidade de que uma pequena
quantidade de MO cause alguma patologia [1,11].
O objetivo deste
trabalho foi analisar microbiologicamente amostras de FI de partida
comercializadas na cidade de Joinville/SC e comparar os resultados às
recomendações da resolução RDC nº12 de 2001 da Anvisa
[12]. Para a pesquisa foram selecionadas fórmulas de partida à base de soja,
antirregurgitação e para lactentes saudáveis.
Material
e métodos
Trata-se de um estudo
experimental, observacional e analítico realizado no Laboratório de
Microbiologia Geral e de Alimentos, da faculdade de Nutrição da Associação
Educacional Luterana Bom Jesus/IELUSC na unidade
Saguaçu III. Para o desenvolvimento do estudo foram adquiridas 9 fórmulas de partida; 4 para lactentes saudáveis, 3
antirrefluxo e 2 de soja (Quadro 1).
Quadro
1 – Descrição das FI utilizadas no estudo.
O perfil
microbiológico das amostras foi efetivado por cultura em placas de ágar sangue,
MacConkey, chocolate e meios bioquímicos confirmatórios segundo a metodologia
de Mortimore e Wallace [13]. A preparação da amostra foi realizada com a
dissolução de 1 medida no medidor padrão de cada marca
para 30 ml de água esterilizada (redução proporcional do indicado nas
embalagens).
Foram realizadas duas
amostras com diferentes lotes (20/09 e 25/09), utilizando-se de materiais previamente
esterilizados em autoclave, ao redor de halo estéril. Logo em seguida, as
amostras foram alocadas em estufa à 36º C e acompanhadas durante o período de
72 horas.
Todos os resultados
foram expressos em unidades formadoras de colônias por ml (UFC/ml), os dados
obtidos foram tabulados em planilhas do Microsoft Excel 2016®, representados em
tabelas no mesmo programa e comparados à RDC nº12/2001 da Anvisa.
Após realizadas as
análises, pode-se perceber o mesmo padrão nas duas coletas, desta forma os
resultados foram representados apenas no Quadro 2, onde observou-se bactérias
como Escherichia coli, Enterococcus sp, Streptococcus sp, Staphilococcus sp,
Salmonella sp e o fungo Aspergillus sp.
A única fórmula que
apresentou resultados negativos tanto para crescimento bacteriano quanto para o
fúngico foi a FI 04. Na FI 08 não foram encontradas bactérias, porém, houve
sinal de presença residual de micélios de origem fúngica.
Quadro
2 – Resultados das duas análises microbiológicas.
Das 9 fórmulas analisadas, apenas duas (22,22%) podem ser
consideradas dentro dos padrões estabelecidos pela resolução RDC 12/2001 da
Anvisa [12]. As 7 restantes (77,78%), segundo esta
resolução, não seriam adequadas para o consumo.
A Anvisa
estabelece um limite máximo aceitável de contaminação microbiológica para
fórmulas infantis em pó ou reconstituídas através da resolução RDC nº12/2001;
10 coliformes a 35°C/ml de amostra indicativa, Bacilo cereus/g (ml) a 10², Staphylococcus
coagulase-positiva/g (ml) e Salmonella sp/25g
(ml) ausentes [12].
Em um estudo
realizado por Rossi, Kabuki e Kuaye [14] foram analisadas 5
fórmulas em pó e reconstituídas em um lactário. Todas as amostras em pó estavam
em concordância com a RDC da Anvisa, enquanto as
reconstituídas encontravam-se com contagens elevadas de microorganismos
mesófilos totais. Santos [15], nos lactários de quatro hospitais de Campinas, encontrou amostras reconstituídas contaminadas com Enterobacter sakazakii, Bacillus cereus
e bactérias do grupo coliforme.
Segundo a RDC nº 12
de 2001 [12] não devem haver contagens de Staphylococcus nas FI, porém, neste
trabalho foram encontradas contagens de 10² UFC/ml. Linhares [16], em pesquisa
realizada em lactário de um hospital infantil, encontrou contaminações de
Staphylococcus aureus em duas fórmulas reconstituídas e relacionou este à falta
de higiene durante a manipulação destas.
Staphylococcus aureus é uma bactéria gram positiva que
produz uma toxina altamente termoestável que causa patologias em humanos, para
isto, são necessárias entre 105 e 106
UFC/g, sendo fundamental o controle de fatores que estão diretamente ligados à
multiplicação da bactéria, como temperatura e tempo de exposição [17].
Na fórmula FI 07
foram encontradas Salmonella sp., enquanto, segundo a
resolução nº12 de 2001 [12], as FI deveriam ser ausentes deste MO.
A Salmonella,
principalmente a entérica, é um dos patógenos mais
preocupantes associado às FI, visto que existem várias evidências que o
resultado para uma contaminação por este MO pode resultar em patologias graves,
como a febre tifoide, febre entérica e salmoneloses [18].
Segundo o rótulo,
para reconstituir as FI, deve-se aquecer a água, sem ferver, à
uma temperatura de 70ºC e deixar perder temperatura naturalmente antes de
oferecer ao lactente, porém, estudos demonstraram que tratamentos térmicos com
temperaturas entre 60 e 70ºC por 5 ou 10 minutos não são suficientes para
eliminar uma contaminação de 106 UFC/ml de Salmonella sp. (valor próximo ao encontrado neste estudo; 105
UFC/m) [18,19].
A Escherichia coli é uma bactéria do grupo
dos coliformes fecais, que são indicadores de contaminação fecal durante o
processamento ou manuseio. A E. coli é o melhor indicador deste tipo de contaminação por
estar presente tanto em fezes humanas quanto em de animais. É uma bactéria
patogênica que causa dores abdominais, diarreias (às vezes hemorrágicas), febre
e vômitos [20].
Em outra pesquisa
realizado em lactário, os autores verificaram que 3
das fórmulas analisadas estavam contaminadas com Escherichia coli, assim como neste estudo que, em 3 fórmulas
reconstituídas, foram encontradas contagens deste MO (todas acima do
recomendado pela Anvisa) [21]. Já Momesso et al. [22] não registraram crescimento de E. coli ou qualquer outro coliforme.
Streptococcus sp são MO fermentativos
e produtores de ácido láctico. Por este motivo são amplamente utilizados como
probióticos em FI, pois proporcionam diversos benefícios como controle de
infecções gastrointestinais e diarreias, infecções do sistema respiratório,
cólicas e irritabilidade, manifestações alérgicas, além de melhorar a
frequência e consistência nas evacuações e contribuir positivamente na
modulação da imunidade [23,24]. Apesar disso, não haviam
indicações de adição de probióticos às formulas onde a presença destes foi
averiguada.
A presença de Streptococcus sp
foi observada em uma amostra de leite humano em um lactário de Minas Gerais, o
que foi atribuído à microbiota natural da pele da lactente ou do manipulador
[25]. No presente estudo observou-se a presença deste MO em 2
fórmulas (FI 05 e FI 09), e não existem parâmetros máximos para comparação.
Em duas fórmulas (FI
02 e FI 03) foram encontradas colônias de Enterococcus
sp. O principal reservatório desta é o trato
gastrointestinal de humanos, são comensais e atuam como oportunistas, causando
infecções em populações com a imunidade comprometida como pacientes de longa
internação [26].
Ao analisar o perfil
epidemiológico de pacientes infectados por MO resistentes transferidos das
unidades de pronto atendimento para o hospital da cidade de São Paulo, foi
constatado que cerca de 4,5% destes foram contaminados
por Enterococcus sp [27].
Os fungos produtores
de micotoxinas, como o Aspergillus,
são grandes contaminantes principalmente de grãos, estes constituem a principal
matéria prima para a formulação de ração animal, sendo assim, os metabólitos
destas toxinas podem ser encontrados em subprodutos como carne, ovos e leite
[28].
A legislação
brasileira e União Europeia [29] designam que o limite máximo tolerado de
Aflotoxina M1 (micotoxina) no leite de vaca é de, respectivamente, 500 ng/kg e
50 ng/kg. No estado do Paraná, dois estudos encontraram valores superiores ao
recomendado [30,31], já Silva, Janeiro, Bando, Machinski [32] descreveram
concentrações médias de 19,6 ng/l, dentro dos limites estabelecidos.
Nas fórmulas FI 03 e
FI 08 foram encontrados fungos, sendo que na primeira identificou-se como do
gênero Aspergillus. Apesar de não ter
sido realizada dosagens de micotoxinas, a presença de fungos produtores desta
pode ser um indicativo da existência de contaminação por este componente.
Lactentes de 0 a 6
meses possuem seu sistema imunológico ainda muito imaturo, assim se tornam
especialmente propícios a infecções, as quais poderiam ser prevenidas através
do aleitamento. Porém, muitos lactentes são dependentes de outras formas de
alimentação, como as FI, não recebendo a proteção conferida pelo leite humano e
sendo expostos a contaminações externa.
Desta forma, fica
clara a importância do correto processamento e manipulação das FI, para
prevenir surtos infecciosos e garantir a proteção deste indivíduo tão
vulnerável.
Agradecemos à
Associação Educacional Luterana Bom Jesus/IELUSC pelo
apoio, disponibilização de laboratórios, equipamentos e materiais, bem como aos
monitores e coordenadora do laboratório pela atenção e disponibilidade.